Disclaimer: Os personagens libidinosos e deliciosos de Saint Seiya são propriedade do Tio Kurumada. Portanto, tudo o que produzo utilizando os personagens originais dele são objetos de mera diversão e não têm fins lucrativos de espécie alguma. Os personagens, nomes e enredos originais dessa fic, mesmo não sendo de grande valia, me pertencem, contudo.

Comentário Pessoal: Coisa feia, a tia Vê atrasou um capítulo por tanto tempo. Na verdade, semana passada eu estava arriada por causa da minha asma e de quebra meu monitor queimou. Fiquei arrasada, mas agora meu monitor foi consertado e eu estou bem melhor. Aqui está o fatídico capítulo que esclarece a filiação de Mu – e a sua misteriosa mãe. Esse capítulo tem muitas instâncias de flashback – algumas indicadas, outras não. Ah... se tudo der certo: este é o penúltimo ( SNIF! ) capítulo!

Incenso e Vela

Capítulo 14

Semi Deus

–x–

– Ele já se foi, Horemheb?

– Já, Milo.

– Melhor assim. – obtemperou Camus. – Para ele, este Santuário nunca seria seguro. – E o Mestre, Horemheb?

– Cuspindo marimbondos...

– Claro... e o Shaka?

– Passou por mim como se estivesse vindo do Seikishiki.

– Odeio ele, mas tenho que admitir: acho que gostava do Mu.

– Filho...

– Não me chama de filho, Camus!

– Milo, será que o mestre desconfia de algum de nós? Ou de Aioria?

– Deixe ele desconfiar. O que ele pode fazer contra vocês? Ou contra mim?

– Você não se importa, Máscara da Morte?

– Claro que não. – acendeu um cigarro. – Se ele me disser algo como "não gosto de você", vou dizer para ele "entre na fila".

Milo riu da gracinha. Horemheb continuou.

– Mas acho que devemos fazer uma coisa pela mocinha.

– O que?

– O monge cegueta deu pro Mu a pulseirinha do braço...

– Não era uma pulseira, era um juzu, um rosário...

– Blá, blá, blá... eu sei. Acho que podíamos providenciar outro para o monge, que parece?

Milo e Camus se entreolharam, desconfiados. Por que fariam algo 'simpático' por Shaka? E, ZEUS, por que raios Horemheb queria fazer algo não desagradável por alguém?

– Já sei no que estão pensando. Mas a questão não é essa. A coisa toda é que o bundão do Mu teria feito alguma coisa assim por qualquer um de nós.

– É verdade, Camyu... o Mu faria isso por nós.

– Bom... tem um templo budista na entrada de Atenas. É o único que conheço... lá devem, não sei, vender dessas coisas...

– Ótimo. Vamos fazer uma vaquinha e eu vou comprar o bagulho hoje mesmo.

– Por que faremos uma vaquinha?

– Não quero que digam que tirei dinheiro do bolso para dar presente pro monge ou amanhã o Afrodite vai me infernizar querendo saber se estou a fim de comer ele também.

Milo abriu sua bela carteira de couro de crocodilo e tirou dela algumas notas.

– Toma. Deve dar. Diga a Afrodite, se ele perguntar, que não estou interessado em comer o monge, mas que os meus amigos não têm preço.

– Como vamos fazer para entregar? Vocês realmente não acham que ele será 'receptivo' à nossa gentileza...

– Camus, o homem é um re–li–gi–o–so! A gente desova o penduricalho na porta da casa de Virgem e ele é bem capaz de acreditar que foi deus que deixou lá pra ele...

– Isso aí, pode ir comprar, Horemheb. – comemorou Milo, batendo palminhas entusiásticas.

Quando o egípcio virou as costas, Milo olhou para Camus.

– Camyu! Você viu isso? Sou só eu ou de repente tudo que o brutamontes disse fez um enorme sentido?

— # —

A casa era escura.

Encostou as mãos nas paredes, elas se iluminaram por dentro. Engenhoso prodígio lêmure... pena não poder usá–lo no Santuário. Mas o mármore da Acrópole não ajudava. O palácio parecia estar iluminado por milhares de velas, só que sem o inconveniente cheiro de queimado. Entrou na conhecida casa, onde não havia quase nada, além de poucos tecidos bordados em dourado enfeitando as paredes nuas, uma outra mesa, almofadas. Se no Santuário Shion cercava–se dos luxos gregos, era só porque seu cargo assim pedia. Em seu 'palácio' de Jamiel prefira a simplicidade absoluta.

– Bem vindo seja, Mestre Mu. – a moça a fez uma reverência com as palmas das mãos unidas junto ao peito.

– Obrigada, Mahadevi. Foi seu pai que a mandou?

– Sim, Mestre. Será hoje.

Mu deu um suspiro.

– Tomara que sim, eu não conseguiria fazer isso duas vezes.

– Meu pai disse que não será necessário. Hoje mesmo conceberei Kiki.

Mu lembrou–se de Shaka. Lindo, divino. Como seria um filho dele?

– Já pensei em um nome para ele... Takshaka.

– Nome bem aventurado, Mestre.

Takshaka, o mestre das serpentes, que enrolava–se nos braços de Shiva.

– Está tudo em paz nas tribos, Mahadevi?

– Sim, mestre. Um visitante o aguarda.

– Visitante? O mestre Prabhu?

– Não senhor. O visitante o aguarda no último andar.

Começou a subir as escadas por pura preguiça de usar o teletransporte. Quando chegou na metade do caminho, começou a reconhecer o cosmo. Então correu as escadas desabaladamente e quando chegou ao andar superior, já com olhos novamente cheios de lágrimas, atirou–se ao visitante, que o aguardava com um sorriso nos lábios.

– SHION!

– Sente–se no meu colo, Mu.

Mu sentou–se no colo de Shion, como quando era menino. O colo do Mestre era seu trono. De lá, o mundo era todo feito de coisas pequenas. Shion acariciou os cabelos longos e despenteados do ariano. Eles se pareciam mais ainda vestidos da mesma maneira, com as vestes de Grande Mestre, como pai e filho.

– Estou só, Mestre! Tão só!

– Você nunca estará só, minha criança amada! Eu jamais o abandonaria... muito embora a magia que me mantém preso a este mundo esteja em seu fim... será a última vez que me verá.

– Shion! Não faça isso! O que será de mim sem você? Agora que eu sei!

– Minha criança, meu amado... Você nunca estará sozinho. Estarei sempre em seu coração...

– Mas estou tão só... e queria te dizer tantas coisas... tantas!

– Eu também queria lhe dizer muitas coisas... mas não haverá tempo.

– Só diga que eu sou o que você esperava...

– Menino...

– Me abrace forte, como quando fazia frio. Queria poder fugir da minha vida, Shion. Me chame de covarde mas tudo o que eu mais queria era pegar meu Shaka e fugir com ele para longe, muito longe, onde não houvesse Athena, guerras, morte, nada. Só eu e ele.

– Mu, filho, quantas vezes acha que o mesmo pensamento não me assaltou? O quanto eu desejei proteger você e Dohko das minhas responsabilidades de mestre? Não é covarde um homem desejar a felicidade! Eu mesmo... cometi erros grosseiros contra os deuses e homens por querer ser tão feliz quanto poderia... – o rosto do mestre se contrai de dor.

– Você nunca cometeu erros! – Mu soluçou junto ao peito do ariano que o precedeu.

– Ah! Cometi muitos! Mas o meu maior erro também foi o mais feliz dos eventos da minha vida – aquele que talvez tenha justificado os longos anos em que vivi.

– O que você fez de tão grave, mestre? – Mu voltou–lhe os olhos sedentos de respostas. Shion secou as lágrimas dos olhos do seu pupilo, ajeitando a franja. Deslizou os dedos pelos pontos lêmures.

– Você se parece comigo, não acha, criança?

– Sim, mas é da nossa raça. – Mu encarou os olhos violáceos do mestre, que ele aprendera a amar profundamente como uma criança amaria os olhos de seu... pai.

– Você sempre soube, não foi, Mu?

– Eu... não... eu queria, mas... não esperava, eu...

– Você deveria ter sido gerado por Prahbu, que foi mestre do meu mestre. Mas... eu não quis. Eu me rebelei contra a ordem Lemuriana.

– Mas por que?

Shion balançou os belos cabelos esverdeados.

– Eu não queria receber uma criança qualquer, um menino grande, que iria chegar–se a mim para aprender tudo que sei, me sugando sabedoria e cuidados para depois... nada! Nada que nos unisse! Eu queria um filho! Alguém que eu pudesse chamar de meu e que eu pudesse amar livremente, alguém para herdar não apenas o meu saber, mas também o meu amor.

– Mas...

– Eu quis tanto ter um filho com Dohko!

– Shion!

– Não me faça essa cara surpresa, Mu! Você conhece os pergaminhos de Lemúria, sabe que os primeiros lêmures eram capazes de se consubstanciar e reproduzir–se por ovos de luz.

– Shion, eles era todos feitos de luz.

– Ora, não seja bobo. Você estudou pouco com Prahbu! Corporizar uma criança feita de matéria luminosa era a parte fácil! Mas Dohko nunca iria alcançar a iluminação espiritual necessária para isso... seria injusto exigir que em alguns anos ele alcançasse uma fluidez espiritual que os lêmures como raça levaram milênios para desenvolver... se ele fosse um lêmure... tudo teria sido diferente... você seria meu filho e dele... mas não! Não era possível. Preferi abdicar de ter um pupilo. Até que eu pudesse encontrar uma mulher digna de gerar um filho para mim.

– Quem é a minha mãe então, Shion? Ela é grega?

– Você sabe que, pelo meu posto, eu era o responsável por cuidar para que tudo estivesse perfeito para a chegada da pequena Athena. Eu fui até Delfos com Eurethalion, saber quem era a mulher que daria a luz ao bebê, para apanhá–la e levá–la até o Santuário. O Oráculo de Delfos nos mandou até o templo próximo, em Tebas.

Em Tebas, em um templo pequeno, quase em ruínas, eu encontrei quem daria luz a Athena, Mu. Não era bem uma mulher comum – estava em clausura. Era uma deusa; Zeus pediu que esta deusa tomasse uma forma humana temporária para gerar Athena. Eu fui até lá para vê–la. Ela era linda, linda como só os deuses podem ser. Ela me recebeu e, por um desses mistérios da vida, ela simpatizou comigo. Viajamos juntos até Atenas.

Ela não estava satisfeita com o destino que Zeus lhe deu, meu querido. Uma deusa daquelas não se subjuga a ninguém, nem mesmo ao deus dos deuses!

– E quem era essa deusa, Shion?

– Hécate. Uma deusa feiticeira, mestra das Eríneas. A única dos Titãs a quem Zeus não enclausurou nos Tártaros.

Mu meneou a cabeça como se fosse dizer algo, mas Shion interrompeu–o com sua suavidade única, cercada de sua autoridade.

– Calma, Mu, deixe–me contar os detalhes. Viajamos juntos até Atenas e eu pude conversar muito com Hécate. Ela não estava feliz, como disse, com as determinações de Zeus. A combinação do grande deus com a deusa era a seguinte: ela poderia tomar forma humana e gerar o bebê Athena – assim que a menina nascesse, Hécate perderia o direito de ver, ser vista e ter contatos com humanos. Não era um grande trato, ainda mais para alguém tão apaixonada pela vida como a deusa. Veja bem, Mu: Hécate não era uma deusa encarnada, como Athena é, mas uma deusa com uma forma aparente humana. Uma deusa na sua plenitude.

A deusa me concedeu muitas horas de conversa e eu lhe confidenciei que desejava ter um filho. Expliquei as condições da minha raça e minhas obrigações desfeitas. Contei sobre meu amor por Dohko e tudo que fizemos para servir aos deuses. Ela me ouviu, ficou ligeiramente receptiva e eu aproveitei um momento raro de intimidade de Hécate e perguntei diretamente se ela não gostaria de me conceder a honra de gerar meu filho.

Hécate achou muita graça do meu atrevimento e me disse muito diretamente que seria uma grande honra pra mim que ela gerasse um filho meu, mas que ela, como a deusa que era, não teria vantagem alguma no trato.

0o0o0o0o Flashback o0o0o0o0

– Gosto demais de ti, cavaleiro. Tens espírito! Tua proposta atilada me diz que és corajoso. Decerto vejo tua intenção: teu amante sendo um homem, valha-me Zeus, não te dará um rebento. Sendo assim, suponho que desejes o mais alto nascimento para tua criança! Louvável esforço! Honraria–te em demasia ter um filho gerado no ventre imortal de uma titã, seu filho seria meio–deus, como Aquiles o foi. Só não vejo, contudo, onde possa ser–me vantajosa tal associação com um mortal, ainda que um mortal proeminente como tu.

–A deusa é perspicaz. Pouco ou nenhum proveito a senhora poderia tirar da associação. Entretanto, já que a vejo queixando–se de sua sorte, imagino que a agrade um pouco a idéia de estar perto dos humanos.

– Sim, me agrada o contato com humanos. – a deusa gargalhou. – Só não me referia a contatos tão íntimos quanto os necessários para se gerar uma criança humana!

– Perdoe–me, senhora. Não era isso que tinha em mente. O que quis dizer é que, de sua vontade, ficaria mais entre os humanos, teria mais proveito de seu tempo sobre a terra, ao invés de alguns meses de gestação morosa de uma criança divina.

– Sim, sim, mas ainda não vejo o vosso ponto, cavaleiro.

– Penso que, se não pode alargá–lo, ao menos poderia torná–lo mais agradável, mais pleno.

– Admito que ésum belo e jovem homem, mas ainda assim não vejo–te em minha alcova tornando meu tempo agradável, Áries.

– Grande Hécate, não a agradaria ter nos braços um bebê humano só teu? Gerado de ti? Um mortal feito teu filho, que te adore e venere, que se alimente dos teus seios e que se aconchegue em ti? Que a ame como nada no mundo? Não acredita que o amor de um humano inocente possa preencher de alegria teus dias na terra?

A deusa balançou a cabeça com um sorriso de canto de boca.

– Ah, Cavaleiro de Áries! Vejo bem porque a mimada Athena o escolheu para ser patriarca no seu Santuário! Você tem esperteza! Gosto da sua maneira de argumentar, mas ainda acredito que será mais beneficiado do que eu!

– Certamente, mas o que um mortal como eu poderia oferecer–lhe que fosse maior que sua própria divindade? Nada que eu tenha pode lhe encher os olhos, mas garanto–lhe que um filho pode retornar aos que o criaram um amor digno de qualquer deus.

A deusa continuou olhando para a frente. Não mais dirigiu a palavra a Shion até chegarem a Atenas.

0o0o0o0o Fim de Flashback o0o0o0o0

– Eu fiquei amigo da deusa e ela requisitava a minha presença sempre no claustro do Santuário onde ela ficava, atrás do trono que ocupei por tantos e tantos anos. Eu fiz o que pude para levar Dohko até lá – você sabe como era difícil o acesso até o templo! Mas eu consegui e passávamos todo o tempo a sós. Tanto que os mestres comentavam que eu estava visitando Hécate demais.

Um dia a deusa mandou me chamar com urgência. Quando cheguei lá, ela abriu–me a porta de sua alcova e disse que me faria o favor de me dar o filho que eu tanto queria. Eu vi nos olhos dela todo o seu destino, Mu, do dia em que você nasceria, até sua morte. Ela me disse "vês o destino de dor do teu filho? Ainda queres arrancá–lo das profundezas da inexistência para trazê–lo à luz deste mundo que o maltratará como puder? Ainda pretendes submetê–lo aos sofrimentos deste mundo?" E eu... Ah! No meu supremo egoísmo não pensei em nada. Só em como queria ter meu filho.

Disse a Hécate que aceitaria barganha como viesse. E que não importava o quanto de dor a sua vida teria: eu a faria feliz o bastante para que você não se arrependesse de ter nascido.

E então eu amei uma deusa por uma noite inteira, filho! E quando fui embora, ela me disse apenas: " teu filho foi gerado, pensa em um nome de menino".

– Pai! – Mu chorava agora livremente, abraçado ao pescoço de Shion. – Você... você é meu pai, Shion?

– Ah, minha criança! Quanto eu quis você, desejei você, sonhei com o dia do seu nascimento! Você é meu filho! Como eu quis poder dizer isso em voz alta para todos aqueles idiotas do Santuário! Meu filho, meu Mu! Você não sentiu como eu amei você? Você nunca foi um aprendiz para mim!

– Mas eu não sabia! Eu não sabia! Eu queria muito, eu queria ser seu! Eu queria ter uma família, um pai, como todos os órfãos de lá do Santuário! Mas eu nunca... – Mu enxugou os olhos. – Nunca esperaria por algo tão maravilhoso quanto ser filho de um homem como você, Shion! Você sempre foi minha idéia de perfeição. Eu sempre quis ser como você...

– Eu sei... eu sei, menino! – beijou–o ternamente entre os pontos iguais aos seus. – E eu acompanhei sua gestação, vi a deusa se apaixonar por você como eu! Ela passava os dias sentada no jardim, namorando a barriga que crescia, juntando em um baú – o seu baú! – os presentes que ela queria lhe dar, os seus presentes de nascimento. Eu vi você nascer e cortei o seu cordão... ah, criança! Como você era bonito! Como você se parece com Hécate, tem os mesmo olhos verdes e esses cabelos! E os cabelos dela eram assim como os seus!

Cuidamos de você, juntos. No dia do seu nascimento, Hécate te cobriu com presentes de deuses. Ela pediu a Eros que te agraciasse com o amor mais puro dos homens, pediu a Afrodite que as Graças o beijassem para que a beleza fosse sua companheira. Felicidade a minha quando a deusa me mostrou os seus pontos lêmures como os meus! Ela o manteve junto dela por um ano e alguns meses. Que dor eu sentia só podendo visitá–lo algumas vezes! Mas os guardas do templo nos vigiavam. Eu não podia, mesmo sendo o mestre, ir tantas vezes à alcova da mãe de Athena!

Até o dia em que fui buscá–lo. Hécate e eu combinamos tudo. Eu falei aos mestres que ia viajar para buscar meu aprendiz e com a ajuda do medalhão, este medalhão negro que ela deixou como seu presente, o medalhão no baú, o cosmo podia ser disfarçado. Eu disfarcei meu cosmo, entrei no templo com a ajuda de Eurethalion. Pusemos você em um cesto, escondido. E fui para Jamiel com você, retornando algum tempo depois. Só Dohko, Eurethalion, a deusa e eu sabíamos de tudo.

– Eu não vi mais minha mãe?

– Viu! Não com a constância que eu e ela gostaríamos, mas com a ajuda do medalhão ficou um pouco menos complicado levar você até lá. Em cestas, escondido sob frutas, enrolado em tapetes... enfim! Fizemos de tudo!

– Por que eu não me lembro de nada, Shion? Os lêmures têm uma memória extra–fina, lembram–se até dos seus primeiros dias de feto! Eu sequer me lembro de quando aprendia a andar!

– Não é óbvio, filho? Eu bloqueei suas memórias!

– Mas como?

– Sua mãe era uma feiticeira! Uma deusa! Isso foi muito fácil de fazer com a ajuda dela!

– Mas por quê ?

– O que seria de nós, Mu, se você tão pequeno descobrisse que era filho de uma deusa e de seu próprio mestre? Mesmo se quisesse não saberia disfarçar, e assim comprometeria todos nós! Hécate que desobedeceu uma ordem de Zeus, eu que desobedeci ordens do Santuário, criando um filho como aprendiz – o que é proibido – e até mesmo Eurethalion poderia sofrer represálias da ordem religiosa do templo. O mais seguro para todos nós era manter o segredo.

– Eu também não sabia que ela era minha mãe?

– Não. Você a chamava de 'Mestra Fedra'. O que, naturalmente, não impediu em nada que ela o amasse como mãe e você a quisesse como tal.

– Mas eu...

Antes que terminasse de falar, sentiu uma vertigem enorme e as lembranças da mãe há muito bloqueadas nele voltaram com a força de um gêiser , explodindo da terra. Entrava então escondido numa cesta grande, soterrado de maçãs e uvas, no Grande Templo, onde só Eurethalion e Shion podiam entrar. Quando as portas fechavam–se atrás de si, ele estava em um grande jardim e, repousando em uma cadeira grande, estava ela! A veste grega de tecido negro, o cinto de ouro largo emoldurando a cintura fina, o busto grande. Olhos de um verde imponderável, um elaboradíssimo penteado com tranças enroladas embelezava os cabelos lilases, adornados com fivelas e enfeites de ouro. Ela estava coberta de jóias, pulseiras e pedras e era, sem dúvida alguma, a mais bela das mulheres que Mu já havia visto na vida. Ao vê–lo andar hesitante em sua direção – ainda devia ser muito pequeno, teria não mais que dois anos – estendeu–lhe os braços alvos e cheios de adornos.

– Venha cá, criança. Senti sua falta.

– Vamos, Mu. – Shion delicadamente o empurrou na direção dela – Fedra quer ver você andando como um belo mancebo. Já disse a ela que você é um homenzinho feito. Mostre–o a ela...

Ele andou, passos firme, porém lentos, na direção dela. Alcançou os braços que lhe foram oferecidos. Ela o estreitou junto ou peito e tomou–o no colo.

– Vejam só, está lindo. Lindo! É a criança mais bonita que já existiu.

– Não é? É o que sempre digo. Deve ter tido um belíssima mãe... – Shion murmurou, olhando Fedra nos olhos. Ela sorriu.

– E um belo pai. A julgar por esta pele de marfim e estes encantadores pontos na testa.

– Um belo pai e uma bela mãe, então. Vê com tem sorte, Mu?

Ele balançou a cabeça contente, ajeitando–a em seguida sob o queixo proeminente de Fedra. Não sabia se tinha sorte por ter bons pais, mas isso lhe importava pouco – o que lhe importava é que tinha Fedra e Shion, e não precisava de mais nada...

– Zeus, como é manhoso! – ela debochou, acariciando os cabelos do menino, tão parecidos com os seus.

– É muito bem tratado.

– Nunca duvidaria disso.

– Desculpe, Fedra. Não pude trazê–lo antes. Estavam me vigiando.

– Cães... – ela pôs Mu no chão e tirou do peito um cordão com uma enorme pedra negra. – Ponha isso nele. O fará invisível para olhos humanos. E ensine–o a disfarçar seu cosmo. Será mais fácil entrar com ele assim, não?

– Sim, Fedra... excelente. Como você está?

– Como poderia? – ela volveu–lhe olhos amargos. A tristeza dissipou–se ao admirar Mu, que puxava suas tranças e enrolava–se nelas. – Esperando por ele. É a minha alegria.

– Ele também ama você.

– Eu sei, Shion. Folgo em ver o quanto você o mima e acarinha. Ele merece. Será um príncipe entre os homens. Caminhará do lado dos deuses, receberá presentes deles.

– É uma responsabilidade grande torná–lo humilde.

– Você deve se esforçar. Um homem que herda tantos dons como ele deve ser modesto.

– A estrela sob a qual ele nasceu, a mesma minha, impele–o a ser impulsivo e orgulhoso.

– Controle–o, torne–o humilde e manso. De outra maneira, seus dons o farão perigoso.

– Ele será manso. Será tranqüilo, ponderado e muito sábio.

– Espero que sim. Sabe que muito me aborreceria saber que os dons que tão generosamente doei ao menino serão mal utilizados.

– Não serão.

A mente de Mu continuou trabalhando como um dínamo furioso, alimentado por alguma força diabólica e única, uma força demolidora. As memórias vinham como uma enchente de maré, afogando–o, encharcando–o de lembranças inconcussas, imagens da bela mulher de cabelos da cor dos seus, vagando como uma sílfide luminosa, entre jardins floridos e águas calmas, com uma ânfora nos braços.

– Mestra Fedra?

– Fale, criança.

– Por que a senhora tem isso no peito? – o menino pequeno apontou para o mamilo esquerdo da deusa que aparecia ligeiramente pela túnica negra. – E por que a senhora está sempre vestida? O Mestre Dohko e o Mestre Shion andam nus sempre que podem...

– Quer me ver nua, Mu?

– Pode, Mestra?

– Claro que sim, criança... – a deusa o pôs no chão e ante o olhar atordoado da criança, despiu–se da túnica. O olhar do menino foi de horror.

– Mestra! – ele pousou as mãozinhas minúsculas sobre o sexo exposto da deusa – a senhora está com defeito!

A deusa atirou a cabeça para trás com uma gargalhada deliciosa que se precipitou entre as folhas verdes e flores multicoloridas do seu jardim hedônico.

– Zeus meu! Por que acha que estou com defeito, Mu?

– Você não tem pintinho, mestra! – ele explorou com os dedinhos a fenda do sexo feminino que ele jamais vira. – Está escondido aqui dentro, Mestra?

A deusa o tomou no colo novamente, ainda rindo.

– Não, meu querido. Eu sou mulher. Por isso não tenho pintinho. E também por isso tenho seios.

– Ah... – ele olhou com estranheza para os seios que agora estavam próximos de si.

– Seio é tão bonito, Mestra... posso apertar?

– Sim, aperte.

O menino pôs a mão sobre os seios da deusa e os apertou avidamente.

– Redondo... macio!

– Pois então, a mulher não tem pintinho, mas sim vagina. Veja que, pela fenda dela, acomoda–se perfeitamente o pintinho. – a deusa fez um sinal com as mãos, mostrando exatamente com os dedos como um membro se acomodava dentro do outro.

– Ah, é isso?

– É, essa é a idéia.

– Mmmm... mas então, mestra, para que serve o peito?

– Eles enchem de leite quando a mulher fica grávida e esse leite serve de comida ao bebê.

– Eu bebi leite assim, Mestra?

Os olhos de Hécate, que amamentara com tanto amor aquela criança, encheram–se d'água.

– Sim, Mu. Sua mãe o alimentou também com os seios.

– Tem leite no seu peito, Mestra? A Senhora não tem filho...

– Não... mas meus seios... – ela fez uma pausa. Não devia dizer a Mu que os seios de uma deusa sempre são úberes. – Os meus seios sempre terão leite para você, Mu...

– Posso beber então?

– Pode...

Ele abaixou a cabeça até seus lábios infantis tocarem o seio da deusa e mamar, como um dia fizera sem saber jamais que tomava leite do seio de uma deusa. Bebeu com certo atrapalhamento, mas Hécate sentia seu corpo vibrar mornamente com a delícia única de aconchegar um filho ao seio e alimentá–lo.

– E então? – ela discretamente limpou as lágrimas divinas dos olhos.

– É ralo. Prefiro o leite da cabra. Por que os bebês não bebem leite de cabra, Mestra?

– O leite da mãe vem com amor, Mu...

– Você me ama mesmo não sendo minha mãe, Mestra Fedra? – perguntou inocentemente.

– Sim, muito, eu o amo mais do que qualquer coisa, meu adorado Mu. E tu? Amas também a tua Mestra Fedra?

– Amo mais do que minha mãe, que eu não sei quem é, mas ela não é bonita como a senhora...

– Amas mesmo tanto assim a tua mestra? – A deusa insistiu.

– Sim, mestra. Amo a senhora e o mestre Shion e o mestre Dohko e o Aioria e o Aioros. Ah! Eu também amo o Saga, mas não conta para ele, ele é muito metido.

– A mestra sempre vai amar você, Mu, não se esqueça...

A criança deitou a cabeça no colo da mãe, aconchegando-a para o indefectível afago.

– Eu amo muito você, mestra.

"Minha mãe!", Mu pensava numa agitação constante. "Era minha, minha mãe, eu a tive! Ela esteve comigo! Me alimentou, me amou, me educou! Eu não fui um órfão qualquer, abandonado sob uma marquise qualquer! Ou gerado em uma cama qualquer por obrigação da raça! Minha mãe me quis, ela me amou! Meu pai me desejou!"

– Mu, filho? No que pensa?

Nela! As memórias, Shion... voltam... sem eu pedir... estão voltando...

– Voltarão todas... uma de cada vez, Mu...

Antes que o mestre terminasse as suas palavras, Mu viu diante de seus olhos a mesma mulher, com os mesmos trajes negros, os olhos verdes molhados.

– Anda negligenciando os seus deveres de pai, Shion. – brincou a deusa, balançando as tranças lilases sobre a cabeça de Mu, que tentava agarrá–las. – Hoje precisei ensinar ao nosso filho a diferença entre uma vagina e um pênis. Ele é incrivelmente apegado aos seios de mulher!

Shion deu um pequeno e estranho sorriso, como se não se sentisse confortável ao ser questionado na sua competência de pai.

– Estava ocupado ensinando–o a não colocar os pés na boca e a usar o penico.

– Bem, são coisas que um homem deve aprender também o mais urgente possível! – ela gargalhou. – Veja: ele adora peitos, mas acha o pênis mais bonito que uma vagina! Nisto, decerto, puxou a mim!

– E a mim também, eu diria. – brincou Shion.

— # —

– Despeça–se dele, Hécate.

A deusa voltou os olhos enfurecidos para Shion.

– Ele precisava dessa dor? Por que ele precisava saber que...

– Eu quero que ele saiba! Um dia... um dia ele recuperará as memórias, todas, eu quero que se lembre de hoje e de quanto nos sacrificamos por amor a ele!

– Filhinho do coração! Meu precioso ariano! – estreitou o menino de sete anos em seus braços de deusa. Os olhos do menino brilhavam com lágrimas. – Estarei com você. Sempre!

– Mestra, eu...

– Fale...

– Não sei quem foi minha mãe. Se tive uma, sei que foi você. Nunca esquecerei de você. Nunca!

– Eu sei, criança... Você também é como se fosse meu filho. Se eu tivesse um, ia querer que fosse assim... Um ariano forte, inteligente e bonito como você.

– Serei cada dia melhor, Mestra. Para agradá–la. Aos seus ouvidos chegarão notícias da minha grandeza...

– Sei que será assim, meu filho. Sei que será.

– Mestra... – o menino enxugou os olhos com as costas das mãos. – Eu tenho medo... o que vão fazer com você?

– Nada, criança. Nada.

– Se precisar de mim, eu a defendo. Com a vida.

– Não será preciso! Venha aqui e abrace a sua mestra Fedra.

Ela abraçou o menino e o beijou novamente. Era–lhe tão querido! Separar–se dele era muito mais doloroso do que esperara. Zeus fora sábio em castigá–la obrigando–a a se separar do menino: nada poderia feri–la mais do que isso. Mas a verdade era que em seu ventre divino já vivia a bebê Athena e, como castigo por sua rebelião, Hécate sentia suas forças humanas esvaziarem-se consideravelmente. Estava doente, fraca, passava boa parte do dia deitada. Sabia que só pioraria até Athena nascer e então... morreria na forma humana. Seria obrigada a retornar aos seus domínios: terra, mares e céu e já não poderia caminhar com sua forma humana ao lado de seu filho. O menino que se acomodava em seus braços também sabia, intuitivamente, que aquele era o fim de seu idílio com a mulher que tanto amara, por ser a única mãe que tivera, sem saber que ela era de fato a mãe que tanto queria ter tido.

– Mestra, a senhora vai morrer?

Hécate olhou para Shion. Ele fez um sinal de desprezo com as mãos. Que diferença faria? Ele ia esquecer tudo. Ao seu querido seria dada a dádiva do esquecimento. Mas ele, Shion, não poderia esquecer.

– Sim, Mu, a Mestra Fedra morrerá. Logo. Mas isso não deve incomodar você de maneira alguma. Eu estarei sempre perto de você. Nunca andará sozinho, não te esqueças.

– Mestra... eu não te esquecerei.

Ela sorriu, pondo as mãos sobre a testa da criança.

– Vai sim, Mu. E vai esquecer de mim agora.

O corpinho do menino balançou violentamente. Shion sentiu trespassar–lhe o peito como um dardo venenoso o grito de dor da criança se debatendo entre os dedos de Hécate. Até ele ser sacudido por uma onda mais forte e cair desmaiado nos braços da mãe. Shion indagou a deusa num tom que não era outro senão de repreensão:

– Ele precisava sentir toda essa dor?

Ela respondeu–lhe bufando entre os voluntariosos dentes de deusa.

– És por demais pretensioso se acreditas que o ama mais do que eu! Se pudesse poupá–lo, eu o faria. Mas ele se apegou às memórias, foi doloroso bloqueá–las. Mas agora...

– Agora?

– Enquanto eu ou você vivermos, as memórias dele estarão bloqueadas – estarão subjugadas ao poder de nossos cosmos. Depois que nos formos, ele as recobrará todas.

– Melhor assim. Ele não se beneficiaria em nada do seu alto nascimento agora, Hécate. Ser seu filho é uma honra que ele só saberá bem avaliar mais tarde.

– Bem sabe que me importo pouco ou mesmo nada com tais venerações e incensos vãos. Não quero Mu aos meus pés porque sou uma deusa, mas por amor – que é como ele sempre esteve junto a mim: por amor.

– Ele já a ama.

– Sei disso. Apesar das limitações, não creio que nosso pequeno príncipe terá do que se queixar como adulto. Ele foi uma criança feliz e mimada.

– Decerto que sim, ele teve uma infância feliz. O que o espera, contudo...

– Não interessa. – Hécate trazia o filho ao peito, beijando–o e acarinhando–o, aproveitando os últimos minutos ao lado do menino. – Ele que teve os cabelos soprados por Afrodite, o corpo beijado por Eros... nosso filho amará como poucos mortais amaram! Despertará paixões e o escolhido de um deus será dele, como me prometeu Eros. O amor dos amores, o néctar da vida, será abundante nos lábios da minha criança.

– Obrigado pelo que fez por ele, Hécate.

– É meu também, meu filho. Fiz por mim.

– E o baú? O que quer que eu faça dele?

– Leva–o com você quando eu morrer. Dê a Mu quando sentir que estiver perto da morte.

– E ele saberá o que fazer com ele?

– Descobrirá aos poucos. Mas todos os presentes do baú se provarão valorosos, cedo ou tarde.

A deusa levantou–se e depositou a criança no colo de Shion, que o tomou como as Madonas tomavam nos braços o Menino Jesus, cheio de ritual e devoção. Ali acabava um segredo partilhado com uma deusa por sete anos. Ali acabavam as memórias de Mu e de sua vida como filho de Hécate e Shion de Áries. E ali era o começo do fim.

— # —

– Você entende porque eu o chamava de 'príncipe'? Você herdou o poder de Hécate e o meu. Não será fácil controlá–lo, mas quando conseguir, será invencível como eu fui.

– Entendi, pai.

– Nunca será fácil, nada será fácil para você, filho. Mas é assim a vida de um defensor de Athena.

– Shion... eu... vi... vi...

– A morte de Shaka?

– E a minha.

– Então é como será. Não tente mudar, não dará certo. Eu também vi a minha morte. E a de Dohko...

– Mas por quê? Por que de um universo de coisas malditas, eu tinha que ver justo a morte dele?

– Porque é nossa maldição, filho. Está no nosso sangue. – o mestre suspirou. – Mu, eu errei... porque eu quis te proteger, você foi a criança mais exposta de todo o Santuário. Porque queria calar a boca deles, exigi de você uma sabedoria e um poder que mesmo eu não possuía completamente... Porque quis ser seu pai, lhe dei de tudo com uma mão e como mestre, retirei tudo que lhe dava... Mas eu não sabia o que fazer! Quando tive o mesmo que você teve, a clarividência... filho... Eu fui tudo para você e de repente vi seu futuro sem mim... O que seria de você?

– Você estava certo... Eu não estava preparado... – ele deu um meio sorriso azedo – Eu ainda não estou preparado!

– Não, diga isso, Mu. Você sempre foi forte a despeito de mim! Mas eu tinha medo... de repente, tudo que Dohko me dizia fazia sentido! Eu o mimei demais e ensinei de menos... fui egoísta... pensei só em mim e em como eu era feliz com meu filho e me esqueci que você também era meu pupilo e eu tinha responsabilidades com você. E pensei que... se eu morresse... o que você faria sem mim? Então fui duro com você como nunca tinha sido... para que você amargasse a raiva, a frustração, a dor, a indignação da injustiça... e primeiro pelas minhas mãos... para que quando o mundo desabasse sobre você, menino... você fosse forte!

– Eu sou forte, Shion!

– É, você é, mas paguei um preço caro por isso: eu tive tanto medo de que você me odiasse!

– Como eu poderia odiar você? Você? Que me ensinou tudo o que sei! Que me vestiu, me alimentou, cuidou de mim quando estive doente, me protegeu e me amou! Nem um cão muito ingrato odiaria a mão que o acariciou!

– Eu fiz por merecer... mas eu preferia seu ódio do que morrer com medo de que você não pudesse sobreviver sozinho... Eu sabia que você não ia poder contar com Dohko... sabe, Mu, Dohko é como Shaka... – ele disse, segurando as continhas do juzu enroscado no pescoço do ariano.

– Como assim, Shion?

– Ele é forte, forte demais fisicamente... ouso dizer que sejam mais fortes que nós. Porém, precisam da nossa proteção... se não quiser perder seu homem, proteja–o, sempre. Cuide dele, cuide dele como se fosse sua criança indefesa– mas jamais, em tempo algum, permita que ele perceba. Deixe–o sempre pensar que cuida de você e que a força física dele é seu porto seguro. Como eu fazia com Dohko... ele sempre achava que me protegia, mas... você viu? A dor os deixa desbaratinados... não são como nós. Nós somos fortes por dentro... nada nos deixa no chão... Somos a fortaleza deles no fim. É na nossa delicadeza, na nossa fragilidade que está o aço que sustenta o amor e a vida deles. Seja uma fortaleza para seu homem! Ele o agradecerá para sempre se você permitir que o ego dele caminhe na frente de vocês dois. A vaidade é um acessório bonito, mas de pouca valia.

– Verei Shaka novamente, pai?

– Sim, verá. Mas nunca espere demais dele. Ele nunca será o que você quer que ele seja, Mu. Talvez morra sem ouvir dele o que quer.

– Sem que ele diga que me ama?

– Só um homem tolo se agarra ao valor das palavras. É das línguas dos homens serem perversas... Não há sentimento que não seja deturpado pelas palavras e crer nelas é sinal de pouca sabedoria...

– Em que devo crer?

– Creia nos beijos dele. E nos seus corpos quando estão juntos. Na respiração dele e na pré–linguagem: os gemidos, os balbucios... creia naquilo que antes do crivo do intelecto vem à tona e, portanto, é o que não está passível de disfarce. Lembre–se: mesmo sua mãe sendo uma grega, seu pai e seu sangue são lêmures. Você é lêmure. Os lêmures da primeira geração se comunicavam pelo cosmo, Mu. Sabe por que você se chama Mu?

– É o nome do continente do nosso povo. A Terra de Mu.

– Isso. Lemúria é a Terra de Mu. Dei–te o nome da nossa gente para mostrar a Prahbu e a quem mais quisesse que você é um lemuriano, tão bom e tão puro como se tivesse sido gerado no ventre de uma aldeã! Os lêmures se comunicavam por luz, Mu. Por luz! Que engenho maravilhoso! E você, meu pequeno, tem acesso aos dons da nossa raça. A maldição que o persegue e que eu tão egoisticamente leguei a você quando o fiz meu filho não serão só fonte de dor para você! Shaka é uma criatura de elevado poder e nem por um minuto eu quero que você pense que foi o acaso que o fez pertencer a você! Tua mãe tem um poder extraordinário e junto aos deuses ela te concedeu um presente que nenhum mortal poderia almejar. Sendo divino, Shaka também compartilha de dons especiais – fale com ele por luz, Mu. Você saberá como fazer. E não esqueça o baú com os presentes de sua mãe e os meus. Serão úteis um dia, quando souber usá–los.

– Não me deixe, Shion... você é tão frio... e sábio! Eu queria ser como você... – afundou o rosto nas mechas verdes do cabelo de Shion. – Pai... pai... pai... sempre quis dizer isso... pai!

– Uma palavra tola, que sendo tão pequena, em nada reflete a grandeza do amor que lhe devotei pela minha vida inteira. E ainda devoto... e devotarei sempre.

– Fique aqui, Mestre...

– Agora não posso mais. Você tem que dormir e descansar. Hoje seu pupilo será gerado. Cuide bem dele. Mas não o ame demais... será muito doloroso.

– Mestre... mestre... há tantas coisas...

Shion beijou os lábios trêmulos de Mu.

– Agora dorme, meu filho amado... dorme...

Os olhos de Mu fecharam quase que instantaneamente.

"Adeus, minha criança adorada. Adeus."

— # —

– Mestre Mu?

– Mahadevi?

– Está na hora.

– Você... Está preparada para isso?

– Isso o quê, mestre? Não compreendo.

– Você vai ser minha e sem amor algum, apenas para criar um ser que herdará a maldição da armadura e dos dons de Lemúria. Um infeliz como eu!

– Pensamos diferente, Mestre. Alguém deve se sacrificar por todos. Honra a nossa de gerar uma criança que terá por missão abrir os caminhos para outros tantos trilharem. Ademais, não acredito nesta conjunção carnal absurda que os da outra raça tanto valorizam. O amor é ser um, e não apenas um estar dentro do outro por alguns minutos, mas ser um. Quando eu amar verdadeiramente, eu me consubstanciarei. Eu não serei Mahadevi e o meu amado não será mais ele, mas seremos um só ser, completo. Não compreendes porque não vive entre nós. Se viesse, saberia.

– Está bem, então vamos logo com isso.

– Não tenha pressa, Mestre. O senhor terá muito tempo antes de voltar para seu amor.

A moça deitou–se nua na cama de Mu.

Ele deitou–se ao lado dela. Mas não tirou o juzu do pescoço.

— # —

– Olha ele lá!

– Será que...

Shaka atravessou as escadas e fingiu não notar que Milo, Camus e Máscara da Morte estavam escondidos perto de Leão. Fez questão de descer vagarosamente e pretensamente desatento, balançando na mão esquerda um belo rosário de cento e oito contas. Um rosário que miraculosamente aparecera sob seus pés descalços na porta de Virgem no dia anterior. Quando se aproximava do grupinho escondido atrás de uma apertada coluna – não pôde deixar de rir pensando em como deviam estar juntinhos para caberem todos no espaço tão pequeno – atirou uma tangerina que caiu certeira nas mãos de Horemheb.

– Obrigado. É um belo rosário. – o Virginiano falou, sem contudo olhar ainda os seus 'benfeitores anônimos'.

Os três saíram de trás da coluna como crianças travessas que são pegas no flagra. Permaneceram em silêncio enquanto Shaka descia para atravessar Leão.

– E agora, Horemheb?

– Agora o quê?

– O que fazemos?

– Eu vou comer a tangerina e se estiver azeda ainda dá tempo de descer e cuspir os caroços na cabeça loira dele.

– Fala sério?

– Fizemos o que tínhamos que fazer. E deu tudo certo.

Camus olhou para baixo e viu, muito rápido, o rosto de Shaka virar–se para eles. Havia uma tristeza tão grande e um vazio tão declarado em cada ponto suave da fisionomia do jovem monge que ele só podia pensar que, não importava como, Máscara da Morte estava errado – não, não tinha nada dado muito certo.

Mas como sempre, ele também sabia que a estória dele, de Milo, de Máscara da Morte, Mu e Shaka e de todo o Santuário não havia acabado. Ainda.

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Como o site ficou maluco e não anda muito simpáticos às liberdades individuais, vou evitar comentários extensos aqui. Eu, a Lola Spixii, a Ada e a Nana Pizani temos um blog coletivo para nossos 'assuntos anime'. Eu vou tentar responder os comentários por lá. O endereço é http /thesenseiclub (ponto) blogspot (ponto) com

E claro, eu não podia deixar de fazer a propaganda das minhas duas novas fics, a "Primavera" ( que é em capítulos ) com os bronzeadinhos e a minha oneshot do Máscara da Morte e do Afrodite ( minha primeira 'tentativa' com o casal! ) "O Presente de Afrodite." Ufa! Acho que é isso!

Obrigada para: Aniannka, Ilia–Chan, Amy, Nana, Charine, Mo de Áries, Hakesh–Chan, Dark Wolf 03, Lola, Gemini–Sama, Ada e Ia–Chan.

Obrigada Ada por betar este capítulo! MUITO OBRIGADA MESMO!