Capítulo 2
Harry reparou que o pequeno Sev parecia ter dois anos, e era mais curioso do que um gato. Os olhinhos negros brilharam ao ver os coloridos blocos de empilhar, mas ele refreou-se de se aproximar do brinquedo. Olhou para Harry, depois para os blocos, depois para Harry de novo.
– Sev, por que você não vai brincar com os blocos?
Sorriso nos lábios, o menino correu a obedecer. Ainda preso à cama, Harry o observava de longe. Hermione entrou com uma bandeja:
– Quem vai querer fruta antes do almoço?
A entrada abrupta de uma pessoa estranha fez o menino se sobressaltar, mas Harry logo disse:
– Esta é Hermione, Sev. Veja, ela trouxe comida. Está com fome?
– Sim – era a primeira palavra que ele dizia.
– Então venha comer um pouco. Olhe: morangos frescos. Você gosta deles?
Sev correu para perto de Harry, ainda de olho em Hermione. Era uma criança terrivelmente desconfiada e arisca, notou Harry.
– Hum, os morangos estão muito bons, e tem também creme de leite. Viu como Hermione é boazinha?
– Ela não é minha mãe.
– Não, não é. Você se lembra de sua mãe?
– Aham – ele fez que sim com a cabeça. – Ela canta para eu dormir.
– Sua mãe é muito legal, Sev.
– Você não é meu pai. – O pequeno abaixou a cabeça e diminuiu a voz. – Meu pai me bate...
Aquilo doeu no coração de Harry, ter uma criança tão pequena falando aquilo.
– Pois ele não está aqui, e eu não vou deixar ninguém bater em você, ouviu, Sev? Ninguém.
– Promete? – incerteza.
– Prometo. Aqui ninguém vai machucar você, Sev.
– Nem Madame Ponfy?
Harry segurou o riso, pois o menino parecia estar intimidado com o jeito severo de Madame Pomfrey. Ele teve que explicar:
– Ela quer cuidar de você, para você não se machucar. Pode confiar nela, Sev. E na Hermione também.
Hermione convidou, com um sorriso:
– Sev, agora que você já comeu, que tal dar um passeio? Tem um lago ali fora e uma lula gigante!
Sev arregalou os olhos, excitado, mas apontou para Harry:
– E ele?
– Harry está dodói e não pode sair da cama. Mas ele vai querer saber tudinho que a gente fizer, não é verdade, Harry?
– Isso mesmo, Sev. Quando você voltar, vou querer ouvir tudo.
Quando o sol se pôs, aquela mesma tarde, Harry notou que o pequeno Sev já tinha uns 4 anos de idade, embora continuasse a ser uma criança franzina. Era retraído, arisco e desconfiado, mas parecia ficar à vontade com Harry.
– Conheci o vovô Albus – contou o pequeno. – Ele disse que vem me ver amanhã.
– Ele é muito bondoso, Sev, e gosta muito de você.
Sev cochichou:
– Ele não é meu avô de verdade. Meu avô não gosta de mim.
– Então é bom que ele não esteja aqui, não é? Ei, está com fome? Que tal jantar?
– Posso comer com você, Harry?
– Claro. Agora agradeça a Hermione por ter te levado para passear.
O menino titubeou, e Harry percebeu o motivo: ele jamais tinha recebido tanta gentileza antes e, portanto, ele não sabia como retribuir. E agora estava assustado, sem saber o que fazer.
– Está tudo bem, Sev. – Ela beijou a cabeça dele. – Eu sei que você gostou.
O menino olhou para os dois, pensativo. Harry procurou fazê-lo ficar à vontade, mas mesmo aos quatro anos, Severus Snape era uma pessoa introspectiva e observadora, bem como tremendamente inteligente.
No dia seguinte, Harry já se sentia um pouco mais forte e andou com Sev pela enfermaria. Ainda havia alguns feridos, e o menino olhava tudo com curiosidade, agora com o cabelo mais comprido e com a idade de cinco anos. Harry percebeu que ele estava mais calado ainda, mas tentou animá-lo, com novos brinquedos. Algo estava errado com o menino.
Harry descansava na manhã seguinte enquanto Madame Pomfrey dava banho num relutante Sev. Obviamente, nenhum menino de sete anos ficava especialmente entusiasmado com a perspectiva de banho. Mas o garoto estava demorando a voltar. Harry pôs-se a procurá-lo. Achou-o fechado dentro de um armário, no escuro, tentando disfarçar o fato de estar chorando.
– Sev, o que aconteceu?
– Nada.
– Você pode falar comigo. Alguém fez alguma coisa com você?
– Minha mãe – A voz tremia no menino. – Morreu. Fui morar com meu avô depois disso. Ele me bate muito e me tranca num quarto escuro.
– Oh, Sev – Harry ficou penalizado e abraçou-o. – Eu sinto muito, muito mesmo. Eu também era muito pequeno quando minha mãe morreu. Eu nem me lembro dela.
– Eu me lembro da minha, mas nunca a vi. Harry, como eu tenho todas essas lembranças de coisas que nunca vi nem vivi?
A pergunta fez Harry engasgar, mas uma voz conhecida veio ao seu socorro nesse exato minuto:
– Acredito que seja hora de Sev conhecer toda a verdade.
Harry se virou e o menino se espantou:
– Vovô Albus?
– Venha comigo, Sev, e deixe-me explicar por que você é um menino muito especial.
Sev tomou a mão de Dumbledore e foi com ele até a ala de isolamento para conhecer o único paciente em coma de toda a enfermaria. Harry foi com eles, e acompanhou com atenção a reação do garoto às explicações do velho mago, os olhinhos grudados no paciente à sua frente.
– Eu sou uma cópia dele? Por isso tenho todas as suas lembranças?
– Isso mesmo, elas vão aparecendo à medida que você vai crescendo. Você veio com uma missão, Sev: salvar a vida de Severus – explicou o diretor. – Por isso você está crescendo tão rápido. Por isso você está entre nós.
– E depois eu vou morrer?
– Você vai morrer rápido, porque é uma cópia. Nós chamamos de arremedo. Você vai salvar uma vida, Sev.
O menino olhou solenemente para o homem na cama e inspirou com determinação.
– Eu vou salvar a vida dele.
Exatamente como o Severus Snape original, desde pequeno Sev não se furtava a suas obrigações e responsabilidades, notou Harry.
o 0 o
No dia seguinte, Harry recebeu alta da enfermaria com a recomendação de repouso. Ele se alojou na Torre de Gryffindor e levou Sev, que já estava com quase 10 anos. Harry notou que os surtos de crescimento dele eram irregulares, e não pareciam ter um passo ritmado.
Eles foram até a quadra de Quidditch, que já tinha sido parcialmente reconstruída. Harry anunciou:
– Você vai aprender a andar de vassoura. Não posso andar junto por ordens médicas, mas vou estar aqui acompanhando tudo o que você fizer, está bem?
Sev pegou a vassoura e franziu o cenho:
– Eu não sou muito bom nisso. Lembro-me que uma menina riu de mim quando não controlei a vassoura.
– Desta vez você vai aprender direito, não se preocupe. Vamos lá, pode montar. Isso, com vontade. Agora suba... não, não, use as duas mãos, assim!
Depois de algumas tentativas, Sev conseguiu controlar a vassoura, mas Harry percebeu que ele realmente não era muito bom naquilo. Quando ele ganhou os ares, abriu um sorriso que Harry nunca vira naquele rosto. Ele observou-o do chão, sentindo-se satisfeito em proporcionar à cópia algumas alegrias que o original não tivera chance de experimentar.
Contudo, não tinha se passado muito tempo, até ele ser confrontado com o rosto jovem de Sev transformado numa máscara de ódio. O garoto jogou a vassoura no chão com força e vociferou:
– Você mentiu! Mentiu para mim!
– Sev, o que foi?
– Eu me lembro de Hogwarts! Eu me lembro de James Potter e de Sirius Black! E você é a cara de Potter!
Oh, isso. Harry suspirou. Sev tinha chegado aos 11 anos.
– James Potter era meu pai – Harry admitiu. – Mas eu não concordo com as coisas que ele fez, eu juro! Ele estava errado, Sev!
– Você mentiu! Não quero mais ver você!
– Sev! – Ele tentou deter o menino, mas ele já corria para o castelo, as roupas esvoaçando. – Sev, me escute!
Inútil como se ele estivesse falando com o próprio original.
Harry passou os dois dias seguintes tentando convencer Sev a voltar a falar com ele, mas o garoto o evitava completamente, e tinha passado a dormir no dormitório de Slytherin, sumindo o resto do tempo. Harry não sabia mais o que fazer, nem onde procurar. Talvez ele tivesse falhado terrivelmente e tivesse perdido a confiança do jovem amigo. E que idade ele teria agora?
Então, no terceiro dia, ele teve uma idéia. Que deu certo.
Achou Sev junto ao leito de Severus Snape, e viu-se junto a um rapaz mais ou menos de sua idade, uns 17 anos, e mais parecido com o Snape que ele conhecia. Sev encarava seu original, o rosto fechado, sem olhar para Harry, embora o Rapaz-Que-Matara-Voldemort tivesse certeza de que ele sabia da presença do outro.
Sev tinha levantando o lençol e encarava o braço muito pálido, liso e limpo de Snape.
Então ele ergueu a manga e Harry viu a Marca Negra, forte, os contornos avermelhados, como se tivesse acabado de ser aplicada à pele. O braço de Snape, porém, estava intacto.
– Por quê? – amargo. – Ele não tem mais a Marca. Por quê?
– Voldemort está morto. Eu também tinha uma cicatriz na testa, no lugar onde ele lançou uma maldição contra mim. Quando ele morreu, tudo sumiu.
– Ele prometeu tanto... Disse que eu seria respeitado, temido, aceito. Droga, Harry, eu só queria... – interrompeu-se, engasgado.
– Eu sei, Sev. Eu sei.
– Ele tem memórias fortes. A ascensão do Lord foi tão rápida. Lucius me introduziu no círculo: ele era mais velho, mais rico. Muitos dos meus colegas de Hogwarts também receberam a Marca na mesma época.
– Foi a primeira guerra. Época terrível. Severus sofreu muito. Pelo que sei, ele não demorou muito como Death Eater, e logo se voltou contra Voldemort.
Sev arregalou os olhos, finalmente voltando-se para Harry:
– Ele enfrentou o Lord?
– Virou espião. Você logo vai se lembrar. Venha. Vamos até a cozinha tomar um chá. Quem sabe conversamos um pouco?
Sev olhou Harry de cima a baixo, sem dar um passo.
– Você é filho de James Potter, não é? Por que está me ajudando? Por acaso somos amigos? Eu nem me lembro de você!
– Isso – Harry sorriu, matreiro – é uma coisa que talvez uma xícara de chá ajude a esclarecer. Você vem ou não vem?
Eles passaram praticamente a noite toda na cozinha, conversando animadamente, servidos por ávidos elfos domésticos. No dia seguinte, Harry acordou bem tarde. Depois do almoço, quando foi procurar Sev para convidá-lo para um jogo de xadrez, foi saudado por um rosto jovem, pálido e estarrecido:
– Você... é Harry Potter!...
– Sev, você sabe quem eu sou.
– A profecia sobre você – Sev estava abismado. – E você não morreu. Ele quis matar você, mas você não morreu!...
– Ah, você se lembrou disso – Harry ficou constrangido. – É, pois é. Fui protegido pelo sacrifício de minha mãe. Mas Voldemort voltou depois.
– Harry, o que você fez foi extraordinário!...
– Sabe, o seu original jamais me diria isso – riu-se Harry. – Aliás, uma vez ele me disse textualmente: "Você não é nem especial nem importante." Ele via muito de meu pai em mim, por isso achava que eu era um garoto mimado e prepotente, paparicado por todos no mundo bruxo.
O jovem Sev, agora com uns 22 ou 23 anos, olhou para ele:
– E então eu vim dar aulas em Hogwarts. Para minha própria proteção.
– Dumbledore deu garantias para que não fosse processado pelo Ministério. Aí você veio para Hogwarts.
– Poções – Ele estava pensativo. – Mas eu queria Defesa Contra as Artes das Trevas.
– É verdade. Mas Dumbledore nunca permitiu.
– Imagino por quê.
– Todo mundo imagina, mas ninguém sabe ao certo.
Foram interrompidos por uma voz amistosa:
– Ah, Harry, aí está você. Não o tenho visto ultimamente.
– Oi, Remus – Harry sorriu para o lobisomem. – Que está fazendo aqui?
– Ajudando a reconstrução – Lupin olhou para o jovem com Harry, curioso. – Albus quer abrir a escola na semana que vem. Não vai me apresentar seu amigo?
– Conhece o Sev, não?
– É claro – ele sorriu. – Albus me falou sobre você. Um arremedo para salvar Severus. Prazer. Nossa, você é tão jovem – Sev o encarava, olhos arregalados. – Mas não parece bem. Ele é assim pálido sempre, Harry?
– Sev, tudo bem?
– Sim, eu só não... Não sabia que estava vivo, Lupin. Sei apenas que Black foi para Azkaban.
Houve um certo constrangimento.
– Sirius morreu há alguns anos – esclareceu Harry. – Você vai ver.
– Não sabia. Desculpe se toquei em um assunto delicado.
– Está tudo bem – Lupin sorriu. – Foi bom ver você de novo tão jovem, Sev. Traz de volta lembranças. Por que não conta umas histórias bem embaraçosas ao Harry? Uma boa risada vai fazer bem a todos.
– Mesmo que seja embaraçoso para Black?
– Especialmente. Sirius podia ser um convencido, às vezes, e é bom Harry saber que ele não era infalível.
Houve risos, e Lupin se despediu, saindo em seguida. Harry notou a reação de Sev, ainda assombrado.
– Tudo bem com você?
– Lupin... ele... Ele me tratou bem.
– Remus sempre tratou Severus com cortesia. Ele não faria exceção à sua cópia.
– Ele parecia tão... velho. Mas isso é de se esperar, claro. Ele tem a idade de meu original. Eu sou jovem. Noto as pessoas me olhando.
– Não deve deixar que isso o abale, Sev. Só estão surpresas, só isso. Nem todo mundo se dá conta de que um dia Severus Snape foi jovem.
O arremedo não respondeu, preferindo mudar de assunto:
– Lupin pode se beneficiar da Poção Wolfsbane. Acho que vou prepará-la. Não sei quando o original poderá fazê-lo.
– É muito gentil de sua parte.
– Vou fazer uso de meus aposentos. É bem-vindo se quiser me acompanhar.
– Encontro você lá – disse Harry. – Preciso falar com o Prof. Dumbledore.
Harry deixou-o, mas no meio do caminho decidiu não ver o diretor de Hogwarts por que ele não sabia o que dizer. Ele estava incomodado com Sev e com aquela situação, mas não sabia o que era. Desviou-se do caminho e procurou Hermione, que ainda era voluntária na enfermaria. Embora Hermione quisesse ajudar, não havia muito que ela pudesse fazer porque Harry não conseguia explicar seus sentimentos. Ele mesmo não conseguia detectar a raiz de seu desconforto. Decidiu propor uma conversa franca e direta a Sev. Isso era arriscado, pensou, mas o máximo que ele poderia esperar eram comentários da língua ácida de Snape, original ou não.
Capítulo 3
Quando Harry desceu rumo às masmorras, viu Madame Pomfrey subindo pela escada adiante, e ela trazia uma expressão de tristeza no rosto. Harry não parou para questioná-la e, em questão de minutos, viu que tinha tomado a decisão certa. No corredor, ele ouviu barulho de vidro quebrado, e correu para o laboratório, cuja porta estava escancarada.
Sev estava com as mãos apoiadas no balcão, os olhos fechados, e no ar havia um cheiro acre de vinagre. Ele parecia ter uns 30 anos.
– Você se machucou? – Harry entrou, preocupado. Havia cacos de vidro em vários lugares, como se vários potes de ingredientes tivessem caído no chão. – Ouvi o barulho de vidro quebrando!
– Você quer dizer, como isso? – Num gesto rápido, ele arremessou um grande jarro com conserva de folhas de figueira-brava contra a parede. O vidro se espatifou espetacularmente.
– Sev! – Harry usou a varinha para limpar a sujeira, alarmado. – O que está fazendo? O que aconteceu?
O arremedo estava pálido, trêmulo, dentes cerrados numa ira incontida.
– Nada aconteceu, Potter – rosnou entre os dentes. – Pode voltar a seus afazeres.
– Não até me dizer o que aconteceu. – Ele olhou o caldeirão, do qual saía uma fumaça muito preta. – E não me diga que nada aconteceu, porque você arruinou uma poção, e um Mestre em Poções não costuma...
– "Ah, eis o embaraço!" – citou Shakespeare, interrompendo Harry furiosamente. – Pois eu não sou um mestre de Poções, não é verdade? Ele é quem é.
– Mas é como se fosse, Sev. Você é...
– Eu não sou ele! – punhos cerrados – Nunca fui! Não precisa me tratar como um velho conhecido, porque eu não sou! Tenho exatos 11 dias de vida, completando quase 30 anos! Sou apenas uma coisa passageira, um hortifrutigranjeiro exótico de prazo de validade extremamente limitado! Descartável, é isso que sou! Uma cópia, e, como toda cópia, barata e ruim! QUE VAI MORRER!
O gritou ecoou pela masmorra. Fez-se silêncio por vários minutos, muitas batidas de coração.
Então era isso. Harry compreendeu num átimo e perguntou, quebrando o silêncio:
– Foi Madame Pomfrey, não foi?
O homem de quase 30 anos olhou para ele, os olhos brilhando, e assentiu sem uma palavra. Sua respiração era rápida.
Depois ele confirmou, em voz baixa:
– Eu só tenho mais alguns dias de vida, ela disse. Talvez três. Quando eu atingir a idade que ele tem hoje, eu vou... expirar. Ela quer me operar antes disso.
– Sev – Harry estava de coração partido. – Sev, eu sinto muito, muito mesmo.
– Não há nada que possa fazer.
– Talvez haja – o Gryffindor sugeriu. – Quem sabe se pesquisarmos algum feitiço... Hermione pode ajudar. Sim, isso, Hermione vai saber o que fazer e...
– Harry – o voz de Sev era suave e o rosto era cheio de gratidão. – Obrigado, mas é inútil. E isso pode condenar Severus à morte.
Era a primeira vez que Sev usava o nome de seu original. Harry o encarou, cheio de emoções muito misturadas. De repente...
– Já sei o que vamos fazer: vamos encher a cara!
– O quê?
– Você me ouviu: essa noite, eu e você vamos nos sentar num bar em Hogsmeade e tomar o maior pifão dos últimos tempos. Aposto como o seu original nunca se embebedou antes, não é verdade?
– Não tenho lembrança de um... pifão, como você diz. Ele raramente perdia o controle.
– Pois hoje eu e você vamos beber até cair. Vamos ao Três Vassouras, porque lá Madame Rosmerta pode avisar aqui em Hogwarts se não conseguirmos voltar.
– Harry, você não tem nem 18 anos. Não pode comprar álcool.
– Oh. Tudo bem, eu tomo Butterbeer. E melhor: fico encarregado de trazer você de volta e cuidar de sua ressaca. Pode tomar seu porre sossegado que eu cuido de você.
– E por que você quer me embebedar?
– Porque eu acho que você merece um momento de descontração. Todo mundo precisa tomar todas de vez em quando, essa é sua chance.
– Celebrar a minha morte?
– Não, vamos celebrar a sua vida, Sev. Além do mais, vou aproveitar seu momento de fraqueza e fazê-lo confessar as tais histórias embaraçosas que Remus mencionou – Harry viu um sorrisinho nos lábios do arremedo – Vá preparando as poções contra ressaca! Hoje nós vamos estourar a boca do balão!
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Nenhum dos dois soube exatamente se "arrebentou a boca do balão", mas era inegável que a carraspana foi feia. A princípio, Sev demorou a relaxar, e Harry teve que incentivá-lo a bebericar o firewhiskey enquanto eles abriam o apetite com batatinhas com guacamole, mas Sev logo pegou o embalo. Harry riu ao descobrir algumas das peças que Severus Snape pregava em seu pai e os demais Marauders. Por exemplo, Sirius andou durante uma semana com um cabelo verde muito Slyhterin depois de ter sabotado uma poção de Severus. James também amargou passar dois dias vendo tudo que ele tocava adquirir uma cor prateada – incluindo Lily. Peter Pettigrew geralmente era considerado pelos Slytherins pouco importante, e o animago roedor raramente aplicava uma peça pessoalmente, mas sempre instigava James a fazê-lo. Um dia Peter fez isso com tanta insistência que Mcnair fez todo seu cabelo louro cair no chão. Harry riu alto em pleno bar. Para seu deleite, Sev também.
Contudo, risadas e divertimento não eram o usual para Severus Snape – e sua cópia não seria diferente.
– Eu devo estar fora de mim para ter deixado você celebrar minha morte de forma tão... etílica. – A voz era arrastada, mas continuava rica e sedosa.
– Você ainda tem mais alguns dias. Podemos aproveitar ao máximo! Que tal ir a Londres Muggle? Podemos comprar umas roupas fashion e virar clubbers!
– Não tenho idade para isso, Potter – literalmente. Além do mais, Madame Pomfrey pediu que eu não arriscasse minha saúde nos próximos dias.
– E você veio encher a cara?
– Confio nas minhas poções.
Harry caiu na gargalhada, e viu Sev também rindo alto – fato raro nele, inédito no seu original. Eles recuperaram o fôlego, e Harry mergulhou uma batatinha no guacamole, apreciando o sabor exótico. De repente Sev disse em voz baixa:
– Eu não estou pronto para morrer, Harry.
– Droga, Sev – Harry tinha um nó na garganta que nada tinha a ver com o guacamole. – Por que você tem que morrer? Já é o segundo amigo que eu perco! Primeiro Ron, de quem eu sinto falta como se tivessem arrancado meu braço... Agora você.
– Não está me comparando a Weasley, está?
– Vocês dois são meus amigos.
– Eu... – Sev parecia espantado e receoso – Eu... sou seu amigo?
– Meu melhor amigo – Harry corrigiu. – Merda. Eu vou sentir sua falta. Nunca tive um momento assim com ele. Seu original, quero dizer. Ele me odeia.
– Não, isso não é totalmente verdade. Ele não odeia você. Mas você provoca nele alguns sentimentos muito ruins. Você o faz se lembrar de James, e há também sua vida, sua atenção, sua fama... Ele nunca teve nada disso.
– Ele sabe que eu não quero nada disso. Que eu nunca quis. Durante as aulas de Oclumência, lembra?
– Sim, eu lembro. Ele... é uma pessoa difícil. Se ele tivesse tido alguém como você por perto, como eu tive... Talvez fosse diferente.
– Olhe, eu sei que você tem razões para odiá-lo, mas acredite, ele não é de todo mau só porque me trata feito um cachorro. Eu já estou até acostumado.
– Eu não o odeio – Sev tomou um gole grande do uísque. – É que agora está um pouco confuso saber até onde eu termino e ele começa. Afinal, eu sou ele, até um ponto... Mas não exatamente. De uma maneira, eu nem posso odiá-lo, já que somos tecnicamente a mesma pessoa. Ainda assim, ele é como... como se fosse meu criador. Isso é bastante perturbador, para não dizer herético. Eu... acho que estou tendo problemas de identidade.
– Por isso eu não vou te chamar de qualquer outro nome que não Sev. É um nome só seu. Ele jamais iria permitir que alguém fosse tão íntimo.
– Bom, talvez ele permita a partir de agora – risinho sarcástico.
– O que quer dizer?
– Bom, Pomfrey não queria que eu repetisse, porque ela mesma não tem certeza. Mas parece que, da mesma maneira que eu tenho as lembranças dele, ele vai passar a ter as minhas depois que eu me for.
– Sério? – Harry arregalou os olhos. – Tipo assim, um pedaço de você?
– Ao que tudo indica. Portanto, Mr. Potter – ele riu sarcasticamente –, as histórias embaraçosas que Lupin tanto queria podem estar aqui mesmo, durante esse seu tufão!
– Pifão – corrigiu Harry.
– Que seja – Sev ergueu o copo, saudou-o e esvaziou seu conteúdo num gole só. Ele pousou o copo ruidosamente na mesa, fazendo a tigelinha de guacamole dançar pela superfície lisa.
Harry empurrou a tigelinha, fazendo-a virar e retorcer-se, usando a varinha como batuta. Sev o observou e usou a varinha para fazer o pratinho também dançar. Logo os dois estavam fazendo o prato de guacamole dançar freneticamente, um vendo quem fazia o outro espirrar o molho de abacate primeiro. Uma idiotice.
Sev nunca se divertira tanto como com a dança do guacamole.
– Olhe, se você quiser fazer outra coisa – sugeriu Harry – ao invés de beber, podemos fazer isso. Fazer você aproveitar seu tempo. Londres tem muitos museus interessantes. Ah, e os Muggles têm uma invenção fantástica, chamada cinema. Quem sabe você prefira passar um tempo com garotas? – Nesse ponto Harry arregalou os olhos. – Oh, não. Eu nem sei se ele tem namorada. Eu nem sei se ele gosta de garotas! – Sev baixou a cabeça. – Ele... Você... quer dizer, vocês... Eu nunca soube se... Você não, mas ele já...?
– Harry – Sev tentou dizer –, ele não é virgem. Eu tenho lembranças.
– Hum, e... por um acaso... ele tem namorada?
Sev o encarou, desconfiado:
– Está tentando descobrir se ele é gay, não está?
– Não! – Harry ficou vermelho. – Quero dizer, sim. Não que eu seja, não, eu não sou. Só porque no momento eu estou entre namoradas não quer dizer que eu... sabe... Mas não tem problemas se ele for, Sev. E aí? Ele é?
– Não sei – foi a resposta. – A verdade, Harry, é que ele não teve muitas experiências. Mas foram com ambos os sexos.
– Ele é bi, então? Isso não é nenhum crime.
– Eu não iria tão longe – Sev estava sério. – Parece que... ele sempre teve auto-estima baixa, Harry. Seus encontros sexuais tiveram motivação muito simples.
– Que quer dizer?
– Ele basicamente não recusou ninguém que se dispôs a dormir com ele porque... – ele corou – ele não sabia se mais alguém iria oferecer. Basicamente, ele dormiria com qualquer um que o tivesse porque ele não se sentia digno de ser escolhido. Ele não tem sequer orientação sexual.
Aquilo entristeceu Harry sobremaneira. Ele sabia que Snape tinha problemas em demonstrar sentimentos, mas não imaginava que fossem desse tamanho. Procurou dizer:
– Bom, isso definitivamente não faz parte das histórias embaraçosas que vão ser espalhadas por aí.
– Obrigado – Sev o encarou, olhos expressivos. – Por nós dois.
– É, Sev, eu vou sentir muito sua falta, cara.
– Eu também, Harry – ele riu, e bebeu mais uísque. – E eu acho que você vai sentir menos minha falta porque eu não sei se vou ficar consciente por mais tempo.
Harry riu-se gostosamente ao vê-lo cambaleando mesmo sentado, sem perder a carranca. De repente, ele simplesmente tombou para o lado, feito fruta madura. Harry achou melhor encerrar a noite e tentou ajudá-lo a erguer-se.
– Sev. Sev – puxou-o pelas vestes. – Vamos, agora temos que ir.
– Hum.
– Vamos – ergueu-o até ele ficar sentado de novo. – Agora de pé.
Cambaleando, Sev foi se apoiar na mesa e enfiou a mão na tigela com o molho à base de abacate. O rosto se encrespou numa expressão de nojo, e ele disse, arrastado:
– Cara, eu espero que isso seja o guacamole.
Harry não sabia se ria ou se gemia e puxou a varinha:
– Mobilicorpus!
Foi a única maneira de levar um arremedo muito, muito bêbado de volta a Hogwarts. O problema, Harry percebeu, é que ele mesmo tinha tomado tantas Butterbeers que ele também estava na maior água. Portanto, ele deu a um alcoolizado Sev uma Poção da Sobriedade e o colocou na cama dos aposentos do Mestre de Poções. Cansado demais para subir até a Torre de Gryffindor, Harry resolveu se abancar no sofá de Snape, ignorando os sonoros roncos que vinham do quarto de dormir.
