b Capítulo 2 /b
Aplausos. Fotografias.
A solenidade era de gala no Ministério da Magia, onde várias salas do andar de entrada tinham sofrido extensa configuração para virar um único salão de baile. Aquele era o banquete oficial em comemoração à derrota de Lord Voldemort, com a condecoração de heróis da guerra. Apenas três pessoas tinham sido agraciadas com a Ordem de Merlin, Primeira Classe: o general da guerra, Albus Dumbledore; o executor de Voldemort, Harry Potter, e a peça-chave que permitiu ao lado da Luz frustrar o ataque das Trevas a Hogwarts, o espião Severus Snape.
Severus não podia deixar de sentir uma certa hilariância. Mais do que estar livre das tarefas de espião e do involuntário trabalho de ser babá do pirralho Potter, ele estava sendo reconhecido. Apreciado. Era isso que ele buscara toda sua vida e o real motivo de ter mudado de lado há tantos anos. Dumbledore o valorizava, confiava nele. Naquele momento, todo o mundo bruxo fazia o mesmo, prestando-lhe homenagens e estendendo-lhe a mesma apreciação e confiança – e Snape estava quase feliz. Houve também uma pequena homenagem póstuma a Sirius Black, o que para Severus empanou um pouco o brilho da comemoração.
A ministra Amélia Bones distribuiu mais medalhas na cerimônia, após a qual o baile começou. Era o momento de confraternização e Severus foi polidamente cumprimentado por muitos dos presentes, saboreando seu momento de glória. Depois de algum tempo, ele começou a achar que encontrar um lugar para se sentar era uma boa idéia.
Minerva McGonagall conversava animadamente com Miranda Montgomery na única mesa que dispunha de lugares vagos. Ele hesitou em ficar junto das duas. As discussões entre ele e Miranda tinham chegado a proporções épicas e Hogwarts em peso se esforçava para evitar que os dois se encontrassem. As coisas tinham se acalmado um pouco depois que Miranda fora informada que o Mestre de Poções era na verdade um espião. Agora os dois tinham chegado a um entendimento de que poderiam ter um relacionamento profissional, cordial e frio.
O problema é que McGonagall (incentivada por Dumbledore, claro) fazia de tudo para que todo o corpo docente de Hogwarts tivesse um bom relacionamento. Isso deve ter pesado quando ela acenou para ele:
– Severus, aqui! Sente-se conosco!
Foi impressão dele ou a Srta. Montgomery tentou esconder sua objeção?
– Senhoras – ele saudou cavalheirescamente, puxando a cadeira –, com sua permissão.
Houve uma polida troca de sorrisos, e Minerva inclinou-se para junto dele:
– Parabéns, Severus, a Ordem de Merlin! Fico muito feliz por você.
Ele reparou que o nariz da chefe de Gryffindor estava um tanto quanto avermelhado, e ela tinha o chapéu ligeiramente emborcado na cabeça. Isso mais o fato de haver uma garrafa de Scotch Muggle pela metade na mesa – apesar de a Srta. Montgomery estar bebericando uma taça de vinho – fez Severus compreender o estado da professora de Transfiguração. Polidamente, ele apenas disse:
– Obrigado, Minerva.
– Sim, professor – ajuntou apressadamente a Srta. Montgomery. – Parabéns.
– Muito agradecido, senhorita. A propósito, eu soube de sua participação na batalha final. Salvou a vida dos alunos do primeiro ano.
– Não fiz mais do que minha obrigação.
Severus renovou seu corpo de firewhisky puro e o Prof. Dumbledore se juntou a eles durante um tempo, mas logo tirou McGonagall para dançar. Por educação, apenas, Severus indagou a Srta. Montgomery se ela gostaria de dançar. Ela declinou, e por Legilimência, ele notou que ela mentia. Ela só não queria dançar com ele.
Mais bebidas chegaram. Harry Potter se juntou a eles, notadamente para conversar com a professora de Defesa contra as Artes das Trevas. Contudo, ele logo foi chamado para dançar pela Srta. Weasley. Severus entrou em mais uma dose de firewhisky, sentindo-se agradavelmente anestesiado. Até a companhia da Srta. Montgomery não lhe parecia particularmente desagradável naquele momento. Ele completou a taça de vinho de Miranda.
– Assim eu fico alegrinha – ela tentou resistir, a voz ligeiramente arrastada. – É bom o senhor também se conter, professor.
– Não há problema disso. Eu jamais me excedo – mas a voz dele também não era firme como de costume.
– Nisso eu acredito – Ela fez um gesto com as mãos. – Que o mundo caia no dia em que Severus Snape perder o controle!
– Senhorita, agora que estamos num ambiente descontraído, permita-me indagar: é impressão minha ou a senhorita faz um esforço extra para não gostar de mim?
Ela tomou um grande gole de vinho:
– Oh, bem, já que estamos fora da escola, posso dizer com mais conforto: não, eu não gosto. O senhor é desagradável sem motivo e nada simpático, além de ser injusto. Sinceramente, até bem pouco eu nem sabia de que lado estava.
– E agora que sabe? Não pensou em mudar um pouco de opinião?
– Custa ser um pouco mais simpático? Eu o vejo tratando os alunos feito lixo!
– Mr. Potter e eu resolvemos nossas diferenças, se é disso que está falando. Até mesmo Mr. Longbottom – suspirou. – Pena. Era uma delícia vê-lo tremer apenas com um olhar meu.
Ela se indignou, os olhos azuis soltando faíscas:
– Viu? Você sente prazer nisso!...
Sem remorso, ele assentiu.
– Aterrorizar alunos é um dos poucos prazeres a que eu me dava direito.
– Então não faz parte de sua i persona /i como Death Eater disfarçado?
– Não – ele deu um sorrisinho, bebericando o resto de seu firewhisky. – Como disse, faço com prazer. É assim que eu sou, mesmo.
– E você acha isso engraçado? A escola inteira o odeia.
– O que eu acho engraçado é a senhorita se sentir no direito de sentar-se em seu pedestal e me julgar.
Miranda se avermelhou, e Severus descobriu que estava se divertindo cada vez mais.
– Você é mesmo um homem horrível. Eu atendo vários alunos traumatizados com suas grosserias.
– Como se a senhorita fosse bem melhor do que eu.
– Eu nunca maltratei um aluno!
– Mas não é superior a mim. Tem defeitos, desejos e segredos como qualquer um. Vai negar?
Ela teve que engolir o sarcasmo dele.
– Isso é natural de qualquer ser humano.
– Então porque os condena em mim? Ou será que toda essa animosidade é apenas pano de fundo para algum desejo inconfessável?
– Por você? – ela quase riu, mas estava muito irritada. – Está se valorizando muito, Prof. Snape.
– Não, eu só estou vendo uma mulher carente e amarga. Se quiser, posso tratar disso para a senhorita.
– Como ousa...! – A voz trêmula.
– Oh, bem – ele deu outro sorrisinho por trás do copo de firewhisky. – Eu devia imaginar que era frígida.
O vinho subiu à cabeça de Miranda e ela ergueu uma mão para esbofeteá-lo. Num reflexo, ele a interceptou, voltando seu olhar direto para os olhos azuis que chispavam de um ódio quente e avassalador. Severus murmurou:
– Se está interessada, por que não vem comigo e discutimos isso a sós, sem olhares incômodos? – A voz dela era pura sedução. – Talvez num lugar mais reservado. Alguma sugestão?
O vinho a fez lançar um desafio impensado:
– Nos meus aposentos, então.
– Não pense que não vou aceitar a sugestão. Tem certeza de que é o que quer? Ou está só me provocando?
– Agora é você que quer cair fora?
– Devia saber que quando me proponho a uma coisa, eu vou até o fim. A seus aposentos, então.
