b Capítulo 4 /b
Apesar de ser uma mulher fisicamente forte, Miranda não passou incólume ao dia seguinte da bebedeira. Seu estado de espírito não ajudava muito: a idéia de que tivesse feito sexo com Snape, seu desafeto declarado, repugnava-a. Que estupidez! Ela se prometeu nunca mais tomar mais de duas taças de vinho durante uma noite inteira.
Felizmente, no dia seguinte à festa da vitória sobre Voldemort, a escola estava vazia: o Prof. Dumbledore tinha decretado 10 dias de folga para que os alunos pudessem visitar suas famílias depois da grande batalha. Miranda também queria aproveitar o descanso, mas resolveu adiar a partida para curar seu mal-estar. Passou na ala hospitalar e pediu a Madame Pomfrey uma poção para diminuir os efeitos da ressaca. Se ela ao menos pudesse diminuir os efeitos da vergonha e do arrependimento que sentia por ter dormido com Snape...
Sua tia Lucy, que a criara depois do sumiço dos pais, esperava-a para o período de lazer. Mas Miranda estava mesmo perturbada. A indiscrição da noite passada tinha-a atingido mais fundo do que ela pensava e antigas lembranças vieram à superfície, nítidas e amargas.
Sua mente se voltou para Edwin: alto, louro, atlético, um Auror de sorriso fascinante que a deixou apaixonada assim que se conheceram. Seu noivado com ele foi o período mais feliz de toda a sua vida. Ela também era Auror, tinha uma brilhante e promissora carreira pela frente, um casamento para planejar e sua vida parecia direcionada para um grande final feliz. Miranda tinha plena confiança nas autoridades do Ministério e lia o i Profeta Diário /i regularmente, acreditando piamente no que lia em suas páginas.
Quando engravidou, Miranda não gostou. Um filho àquela altura significaria que Edwin provavelmente pressionaria para apressar o casamento. Pior do que isso: ela poderia ser transferida do Quartel-general de Aurores e isso era a última coisa que ela queria. Miranda adorava seu trabalho de campo. Ainda mais agora, que eles estavam empenhados na recaptura do fugitivo Sirius Black. Haveria tempo para filhos mais tarde, depois de alguns anos de casada. Portanto, ela não pestanejou quando decidiu abortar a criança. Nada disse a Edwin, querendo poupar-se de aborrecimentos.
Foi logo depois disso que Miranda acompanhou pelos jornais a campanha contra Albus Dumbledore e Harry Potter, que juravam – a despeito de todas as negativas do Ministério – que Você-Sabe-Quem tinha voltado. Ela achou tudo muito estranho, pois como egressa de Hogwarts, ela tinha o maior respeito pelo ex-diretor e chefe do Wizengamot. Mas em sua opinião, toda essa história de que Aquele-Que-Não-Deve-Ser-Nomeado estava de volta era absurda ao extremo. Ela concordava plenamente com o Ministro Fudge, que, aliás, era seu chefe.
Isso até que Edwin foi chamado para atuar na prisão de Sturgis Podmore, que tentou penetrar no misterioso Departamento de Mistérios, mais ou menos nessa mesma época. Miranda não pensou duas vezes no trabalho que o noivo estava realizando, era um trabalho como outro qualquer para um Auror.
Então Edwin sumiu. Desapareceu.
Miranda ainda tinha calafrios ao se lembrar daquela época: ela vasculhou tudo o que pôde, investigou ao máximo nas horas vagas, revirou a casa dele em busca de pistas sobre seu paradeiro. Colegas do QG a ajudaram na busca ao colega desaparecido, sem sucesso. Edwin simplesmente tinha desaparecido da face do mundo bruxo.
Foi então que Miranda teve uma epifania que a abalou até o âmago de seu ser: ele tinha sido vítima de Voldemort. Isso significava que Dumbledore tinha razão, e que o temível Lord estava de volta. Ela reconheceu o padrão porque já passara pela mesma coisa anteriormente. Seus pais também tinham desaparecido depois que se pronunciaram contra as idéias de supremacia racial do Lord das Trevas. Isso aconteceu quando ela tinha cerca de seis anos, e foi morar com a irmã de seu pai, a tia Lucy a quem tanto amava.
Ela só não sabia o que Edwin tinha feito para provocar a ira do bruxo das trevas. Mas o pior não foi isso, e sim o fato de ela ter revelado suas suspeitas aos que a rodeavam, notadamente, seus colegas de trabalho. Miranda passou a ser mal-vista dentro do QG, por defender algo que o Ministério tentava tão arduamente abafar. Um colega que se tornara seu grande amigo, Kingsley Shacklebolt, aconselhou-a a manter suas opiniões para si. Mas a falta de Edwin a deixava cega. Além do mais, ela era cabeça-dura demais para ouvir conselhos. Edwin tinha morrido, ela sabia, e agora era preciso fazer alguma coisa para deter Você-Sabe-Quem.
Não só a perda de Edwin a feria, mas também o arrependimento por ter feito o aborto meses atrás. Se ela tivesse decidido ficar com a criança, ao menos ela teria um pedaço de Edwin com ela, o fruto de seu amor. Mas ela tinha feito uma opção por sua carreira, sem saber que aquela seria sua única chance de ter um filho com o homem que amava. Isso a matava por dentro.
Mas suas desgraças não pararam por aí. Por causa de suas opiniões e por se aliar a Dumbledore, ela foi transferida do cargo de Auror para uma seção burocrática do Departamento de Cumprimento da Lei. Estava impedida de fazer justamente o que mais gostava, o trabalho de campo. Ela ficou profundamente deprimida.
Quando houve a Batalha do Departamento de Mistérios e o ministro Cornelius Fudge reconheceu a volta de Voldemort, Miranda pensou que teria seu velho cargo de volta. Mas a inexorável burocracia do serviço público bruxo, somada à troca de Fudge por sua chefe imediata, Amélia Bones, deixaram Miranda no mesmo trabalho maçante por mais um ano. Ela achou que fosse enlouquecer.
Só então uma luz surgiu no fim do túnel: o convite do diretor de Hogwarts para que ela fosse lecionar Defesa contra a Arte das Trevas. Sem dúvida, ela devia a indicação a seus colegas de trabalho Shacklebolt e Tonks. Sem pestanejar, ela aceitou o desafio, largando os mais de 10 anos de trabalho no Ministério sem olhar para trás e sem qualquer arrependimento.
Até pisar o pé em Hogwarts e dar de cara com Severus Snape.
Como ex-aluna do Mestre de Poções, ela tinha seus traumas, como muitos dos que saíram dos bancos escolares de Hogwarts. Contudo, Miranda imaginou que agora as coisas seriam diferentes, uma vez que ela não tinha mais 16 anos e que eles seriam colegas. Ledo engano. Snape era o mesmo homem sarcástico, cruel, injusto, irritante e horroroso de que ela se lembrava.
Sem mencionar a suspeita de que ele era um Death Eater.
Miranda o odiava visceralmente e a recíproca era verdadeira. As brigas entre os dois rapidamente escalaram para níveis alarmantes, e a moça odiava ainda mais o fato de que ele a fazia perder o controle, explodindo em acessos de fúria. Ela ficava tão enlouquecida de ira que ficava parecendo uma histérica, e ele perversamente se divertia em apontar isso. Foi preciso a intervenção do Prof. Dumbledore para que os dois fossem forçados a entrar num acordo de se ignorarem polidamente. Ajudou o fato de o diretor ter assegurado que Snape era um agente contra Voldemort.
Mas voltando ao tempo presente, Miranda percebia que tudo isso a perturbava muito em vista da noite de sexo casual com Snape. Ela estava com raiva de si mesma, o orgulho ferido, sentindo-se estúpida por ter sido pega desprevenida, num momento de fraqueza. Ela se sentia culpada por ter traído a memória de Edwin e pior de tudo: ela tinha adorado. Miranda não tinha deixado ninguém se aproximar dela desde a morte de seu noivo, e obviamente seu corpo sentia falta dos carinhos de um homem. Que Snape tivesse sido o homem a quebrar esse jejum a estava matando, especialmente porque ela não tinha como não reconhecer que ele era muito bom naquilo. Ela acordara se sentindo satisfeita, seu corpo saciado, vibrando cada vez que ela se lembrava das cenas daquela noite.
Maldito Snape!
Talvez aqueles dias com a tia Lucy a fizessem esquecer das impressões que seu corpo trazia daquele homem repulsivo.
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Quando Severus deixou Hogwarts para cuidar de seus assuntos particulares durante a folga de 10 dias no pós-guerra, ele estava certo de que Miranda Montgomery estaria fora de sua memória quando voltasse. Ele estava errado.
A mulherzinha irritante nunca merecera mais do que um olhar superficial dele. Ele sequer se lembrava dela como aluna: provavelmente tinha sido uma garota sem graça ou sem importância. Mas ela tinha desabrochado numa mulher bem-apanhada e interessante de ser ver. Mas quando abria a boca...
Severus meneou a cabeça, ligeiramente irritado. A folga tinha chegado ao fim, e a mulher infernal ainda estava em sua cabeça quando ele deveria estar preparando as aulas de Poções Avançadas para o sexto e sétimo ano. Pôs-se a procurar o livro de excelente autor Libatius Borage.
Alguém bateu à porta e ele foi atender.
Era ela em pessoa. Miranda Montgomery.
– Er, bom-dia, Prof. Snape – ela parecia constrangida.
– Senhorita – ele procurou ao máximo disfarçar a surpresa.
– Teria um minuto, por favor? Prometo não lhe tomar seu tempo.
– Claro, entre.
Ela aproveitou para observá-la atentamente, notando-lhe o nervosismo e o modo como as vestes lhe revelavam as formas.
– Professor, eu vim me desculpar por meu comportamento na... outra noite – rubor – Foi extremamente impróprio.
Ele pensou rapidamente numa resposta:
– A senhorita não estava no seu estado normal.
– Isso não é justificativa para o modo como eu o tratei. Foi infantil e desproporcional. Gostaria que me perdoasse, já que temos o resto do ano letivo para conviver.
Por um momento, Severus pensou em divertir-se torturando-a em seu constrangimento. Mas ele podia notar que aquilo não estava sendo fácil para ela e optou por dizer:
– Desculpas aceitas. Acho que será possível estabelecermos um padrão de convivência aceitável. A menos que esteja pensando em um outro tipo de arranjo.
– Como o quê?
A sobrancelha ergueu-se:
– Uma aproximação romântica.
Ela ficou vermelha feito um pimentão:
– Não, eu não acho que seja uma boa idéia, tendo em vista o...er... antecedente.
– Concordo plenamente. Só quis me certificar de que temos o mesmo ponto de vista sobre o assunto.
– Totalmente – ela reforçou, esbaforida. – O que aconteceu foi um erro e jamais deverá se repetir.
– É um trato, então. Gostaria de celebrar com uma xícara de chá?
– Não, obrigado. Não quero tomar mais de seu tempo. Tenha um bom-dia, Prof. Snape.
Ele se despediu polidamente e a observou sair, apressada, como se não quisesse ficar ali um minuto além do necessário. Ótimo, pensou Severus, porque ele também não queria vê-la mais do que precisava.
Será mesmo?
