b Capítulo 6 /b

Nas semanas que se seguiram, Hogwarts inteira testemunhou cenas nunca dantes imaginadas: Severus Snape e Miranda Montgomery tratando-se civilmente. A tudo Dumbledore assistia com o característico brilho nos olhos, sorrindo para si mesmo, satisfeito como se tivesse tido participação naquilo. E ninguém podia, em sã consciência, ter certeza de que não tinha.

Miranda estava cada vez mais surpresa com o comportamento do temível Mestre de Poções. Ela começou a achar que talvez o homem tivesse um coração, apesar de todos os sinais apontarem o contrário. Foi então que ela começou a repensar suas decisões.

Sim, porque ela tinha tomado decisões. Desde que soubera estar grávida, seu primeiro impulso tinha sido jamais contar a Severus que o filho era dele, para evitar ter qualquer ligação com aquele homem horrível. A criança seria só sua, e ela não precisava dele para criá-la.

Mas o fato de Severus ter direito a saber da verdade e a forma civilizada como ele a estava tratando nos últimos tempo fizeram Miranda repensar seu plano. Seria bom, para a criança, ter contato com o pai, especialmente se ele continuasse a mostrar esse lado mais gentil e polido dos últimos tempos. Secretamente, porém, ela começou a entreter a fantasia de que algo poderia surgir entre os dois, algo mais íntimo e pessoal, e que a criança poderia ajudar a consolidar essa união tão improvável.

Quem sabe os três pudessem ser felizes? Talvez Miranda pudesse ter direito a uma vida plena e satisfatória ao lado de seu filho e do pai da criança. Com sorte, eles poderiam até descobrir amor um pelo outro. Ela não era totalmente contrária a isso.

O tempo foi passando, Miranda descobriu que estava grávida de uma menina. Ela se encheu de ternura, por não há nada mais meigo do que uma menininha para conquistar os mais velhos. Ela lamentou o fato de sua família ser tão pequena. Por um momento, ela imaginou a interação de sua filha com o pai. Ela morria de curiosidade de ver isso ao vivo.

Por seu lado, Severus começou a prestar mais atenção em Miranda. A princípio, era para saber quando ela revelaria a verdade, depois ele simplesmente começou a olhá-la. Aos poucos, a idéia de uma união com a moça não lhe pareceu tão espinhosa: ela tinha tanta energia, tanta paixão... Severus começou a imaginar como seria ter toda essa paixão dirigida a ele, e admitiu estar gostando dessa idéia.

A gravidez fazia bem a Miranda, notou. A moça parecia irradiar um brilho suave de quem carrega os mistérios e segredos da maternidade. Embora não tivesse feições de uma beleza clássica ou óbvia, ela estava positivamente atraente com tal brilho natural.

Ele gostaria de descobrir mais sobre ela, talvez passar mais tempo com ela. A si mesmo, não admitiu ter nenhum tipo de sentimento mais profundo pela moça, e preferiu ativamente não pensar nisso.

Severus não sabia, mas desconfiava que Miranda estivesse perto do sexto mês de gestação. Ele começava a ficar impaciente com o silêncio dela. Aquilo não podia continuar assim. No fim de semana, ele se ausentou de Hogwarts brevemente e Aparatou para a Mansão Snape a fim de buscar um objeto.

Sábado à noite, Miranda estava fazendo um lanche junto da lareira, imaginando se deveria dormir mais cedo aquela noite. Sua mente, como sempre, estava na sua filha, que naquele momento esticava a perninha, chutando-lhe o ventre. Miranda não cansava de acariciar sua barriga, e ansiava pelo momento em que poderia fazer carinho na sua filha.

A batida na porta a surpreendeu. Quem poderia ser, àquela hora?

Severus Snape, de todas as pessoas.

– Professor?

– Desculpe a hora, senhorita, mas o assunto tem uma certa urgência. Posso entrar?

– Claro, por favor. Desculpe-me os trajes.

– Não se preocupe com isso – Ele tomou fôlego. E coragem. – Profª. Montgomery, eu soube recentemente de sua condição e estou mais do que decidido a fazer parte da situação.

Miranda arregalou os olhos e tentou disfarçar:

– Do que está falando, professor?

– Sei que a senhorita está grávida de um filho meu.

Dessa vez ela quase engasgou.

– Você sabe? Como? Quem lhe contou?

Do fundo de sua mente, Miranda se lembrou que o certificado de paternidade tinha estados nas mãos de Snape. Será que ele tinha mexido nos papéis dela?

– Ninguém me disse. Na verdade, eu descobri por acidente. Mas isso não importa. O que importa é que eu tenho esperado nas últimas semanas por sua revelação. Ela não veio.

– Por isso tem sido tão gentil comigo?

– Espero seu sinal, mas estou ficando impaciente, por isso tomei uma decisão e peço que me perdoe se pareço impetuoso demais – ele tirou do bolso uma caixinha forrada de veludo e apoiou um joelho no chão – Miranda Montgomery, gostaria de se casar comigo?

Parecia impossível, mas os olhos se arregalaram ainda mais e ela quase parou de respirar. Mal ela se recuperara do choque de ter seu segredo descoberto pela última pessoa que queria, e o homem tinha lhe pedido em casamento!...

– Este é o anel que todas as mulheres Snape vêm usando há sete gerações. Muitos feitiços de prosperidade e fertilidade foram fundidos junto com o metal. Eu ficaria honrado se você aceitasse usá-lo para a cerimônia.

Definitivamente, ela não iria conseguir sair do choque. A garganta estava seca, as mãos tremiam ligeiramente e o anel na caixa tinha uma esmeralda que parecia brilhar diretamente para ela.

– Eu... eu... Por favor, me desculpe. Isso tudo foi tão inesperado.

– Eu compreendo – A voz dele era suave e seu olhar, gentil. – Talvez você queira algum tempo para pensar, mas confesso estar um tanto ansioso por sua resposta.

Miranda mal podia acreditar e não conseguia parar de encarar o Mestre de Poções. Ele parecia ser realmente sincero, parecia querê-la como esposa, parecia disposto a tê-la junto de si e aceitar a filha. Miranda jamais tinha imaginado que ele iria querer participar, iria querer assumir a filha, mas estava claro que ele pensava em ter uma vida em comum com ela. Talvez eles até pudessem pensar em ter um relacionamento. Em sentimentos.

– Sei que não tivemos um bom começo – ele continuou. – Mas tenho certeza de que daqui para frente isso pode ser remediado. Temos uma criança para pensar.

A moça de repente tomou um jeito de realidade.

– Olhe: não quero que se sinta obrigado a nada por causa da criança. Agradeço o que está fazendo, mas se não quiser, não precisa se casar comigo. Não precisa nem se envolver.

– É claro que eu preciso – ele pegou a mão dela, e Miranda enrubesceu feito uma colegial. – Nenhum herdeiro do nome Snape vai nascer fora dos laços do casamento.

Algo parou no tempo.

Miranda sentiu todo o sangue lhe fugir do rosto e um ódio frio e cego subiu por seu pescoço.

– Um i herdeiro /i Snape? – ela perguntou, numa voz calma e perigosa.

– Exatamente – ele disse, satisfeito. – Essa criança vai assegurar a sobrevivência da linhagem. Não há outros Snape vivos. Sou o último.

Agora o orgulho dela lhe inflou as veias. A voz dela mudou de novo.

– Então esse é o motivo disso tudo? Você veio reclamar o seu herdeiro?

Só então Severus percebeu que dissera a coisa errada.

– Não só isso, claro que não...

Mas Miranda já estava cega, o orgulho ferido, o temperamento descontrolado, e ela o interrompeu ferozmente:

– Você não liga para mim ou para minha filha! Só o que você quer é assegurar a sucessão de sua estúpida dinastia puro-sangue! Você me seguiu, foi gentil comigo, foi um cavalheiro e um amigo, mas só para garantir que o nome de sua preciosa família não vire pó quando você for desta para a melhor! Você nunca se preocupou nem comigo nem com sua própria filha!

Severus estava começando a reagir, mas ele repetiu:

– Filha?

– Isso mesmo, não é irônico? – Miranda sorriu com desprezo. – Seu precioso herdeiro não é um varão, e sim uma menina. O nome dos Snape vai desaparecer no minuto que ela se casar!

– Eu não estou entendendo...

– Pois entenda isso: eu não me casarei com você nem que você seja o último homem da face da Terra! Não sou sua égua criando um filhote de raça!

O rosto dele se crispou de ódio:

– Você é absolutamente insana!

– Mas não sou fácil de se tapear! Você tentou me enganar com seu papo gentil, seu teatrinho de bom moço! Eu quase caí na sua armadilha, mas você se traiu! No fundo, você jamais deixou de acreditar nessas idéias de supremacia racial de Voldemort, sobre o sangue puro de um bruxo! Uma vez Death Eater, sempre Death Eater, não é verdade, Snape? Você devia ter vergonha de si mesmo! Não é digno da medalha que recebeu!

Ele mudou de expressão, e empalideceu completamente, chocado além da capacidade de articulação. Cega de ódio, Miranda foi até a porta e abriu-a com violência:

– Acho que não temos mais nada a conversar, Prof. Snape! Passar bem!

Ele guardou a caixinha com o anel de noivado no bolso de suas vestes e deu dois passos até a porta. Antes de sair, ele olhou fundo nos olhos de Miranda, os dentes cerrados:

– Só temos mais uma coisa a conversar. Como a senhorita bem lembrou, eu tenho um herdeiro a reclamar. E há meios legais de se fazer isso, não se esqueça.

Miranda sentiu as pernas tremerem ao se dar conta o que isso significava, mas tentou disfarçar:

– Está me ameaçando?

Ele mostrou os dentes num sorriso pequeno e cruel – e não era uma visão nada agradável:

– Ora, eu acho que estou, sim. Passar bem, senhorita.

E saiu pela porta afora, as vestes voando mais do que de costume.

Miranda fechou a porta, tremendo toda, tentando recuperar o fôlego e colocar as idéias em ordem.

Por muitos instantes, só o que ela pôde fazer foi deixar-se cair no chão, segurar sua barriga com força e chorar.

De medo. De ódio. De vergonha. De humilhação.

Ela devia ter desconfiado.

Severus Snape nunca foi gentil nem bonzinho. Ele deveria ter um motivo por trás de seu comportamento bizarro, e aquela noite ele tinha provado isso. Ela tinha sido uma idiota de pensar que Snape poderia ter qualquer tipo de sentimento por ela.

E o pedido de casamento a tinha deixado tão esperançosa, tão feliz, tão surpresa...

Só o que ele queria era sua filha, reclamar seu herdeiro. E ele tinha ameaçado abertamente entrar com uma reclamação formal junto ao Ministério da Magia para ter seu herdeiro.

Miranda tinha ouvido falar que os Muggles tinham uma coisa semelhante chamada custódia. Mas a reclamação de um herdeiro era muito diferente para a sociedade bruxa. Primeiro, porque ela só acontecia entre pais que não eram casados. Por isso os filhos fora do casamento eram tão evitados; para não haver disputas de herança ou genealogia. Se os pais não-casados não conseguissem um acordo sobre a guarda da criança, ela seria objeto de uma reclamação formal. Para tais ocorrências, o critério para determinar quem teria a guarda da criança era o pai com mais poderes mágicos. Afinal, teoricamente, quem tivesse mais poderes era capaz de melhor proteger o filho. No caso deles, Miranda não tinha dúvida de que Snape era um bruxo muito mais poderoso do que ela.

Ela iria perder Silvia.

Sim, porque o nome de sua filha pipocou-lhe na mente enquanto ela encarava Snape, naqueles brevíssimos momentos em que ainda imaginara a vida dos três juntos.

Miranda chorou tanto que ficou cansada e com dor de cabeça. Gostaria de dormir, mas não conseguia, as cenas repassando-lhe todas na mente. Nem tomar uma poção para dormir ela podia, pois isso poderia fazer mal para Silvia.

Só o que ela queria era se deitar e sumir da face da terra com sua criança. Ela tinha que fazer algo, impedir Severus.

Mas como?

Talvez ela pudesse fugir e ter o bebê no mundo Muggle. Em cinco minutos, ela desistiu da idéia. Os motivos eram claros. Um bruxo poderoso como Snape não só a localizaria num piscar de olhos, como também uma vida de fugitivo não era o que Miranda tinha em mente para criar Sílvia.

Ela não sabia o que fazer.