b Capítulo 7 /b
Por mais que quisesse passar o domingo de cama, Miranda não conseguiria. Especialmente depois do almoço, quando uma visita inesperada apareceu em seus aposentos.
– Surpresa! – O vozeirão a teria assustado se ela não conhecesse o bruxo tão bem.
– Oh, por Merlin, King! O que você está fazendo aqui?
Kingsley Shacklebolt sorriu, seus dentes muito brancos contrastando com a pele negra.
– Um velho amigo não pode passar para uma visitinha?
– Entre, vamos! Puxa, que saudade! O que me conta do QG dos Aurores?
– Todos sentem sua falta, Miri.
– Oh, que gentil. Você é a última pessoa que eu esperava ver em Hogwarts.
– Dumbledore me convidou para almoçar. Ele queria me chamar para dar aulas de Defesa contra as Artes das Trevas no final do semestre. Miri, não é você a professora dessa matéria? Você vai sair?
Ela enrubesceu:
– Eu não vou poder dar as aulas no final do semestre. Estou grávida.
– Verdade? – Ele abriu outro sorriso. – Você nem me contou que tinha conhecido alguém! Pode-se saber quem é esse namorado misterioso?
Ela sentiu uma dorzinha no coração.
– Não é o que você está pensando. Não é uma história de amor.
Miranda lhe contou a versão resumida do que vinha passando nos últimos meses. Kingsley ouviu com atenção, observando a tristeza estampada no rosto da ex-Auror ir aumentando à medida que falava, até as lágrimas escorrerem quando ela indicou que Snape poderia brigar pela guarda de Silvia. Ele conjurou um lencinho e abraçou-a com cuidado por causa do abdômen expandido.
– Miranda, procure se acalmar. Isso não deve fazer bem nem para você nem para o bebê.
– Como posso ficar calma? Esse homem quer o meu bebê! Oh, King, como posso impedi-lo? Ele é mais poderoso do que eu. Se ele quiser tomar Sílvia de mim, não vou poder fazer nada!
– Não pode fazê-lo mudar de idéia?
Ela cerrou os dentes só de pensar em ir falar com ele.
– Não acho que vai dar certo. Eu me descontrolei quando ele disse que nenhum herdeiro do nome Snape iria nascer fora dos laços do casamento.
– O quê? Snape a pediu em casamento?
– Só porque ele está interessado em seu herdeiro. Ele não dá a mínima para mim.
– Miranda, você não entende. Deixe-me dizer uma coisa. Você sabe que estive na Ordem da Fênix com ele. Snape não deixa ninguém se aproximar dele, para nada, nem para tomar uma xícara de chá. Ele sequer ficava para jantar conosco. Para ele ter feito um pedido de casamento para você, era porque era sério.
– Eu já disse: ele só queria preservar sua linhagem, só isso. Tratou-me feito uma égua prenha! – Seu temperamento começava a entrar em ebulição de novo.
– Pense bem. Eu conheço você e sei que pode ser bem teimosa quando quer, mas pense bem sobre isso. Acho que você deveria dar uma chance a Snape.
– Chance? Você fala como se houvesse alguma esperança de relacionamento. Você conhece o homem! Acha que ele tem um coração?
– Que exagero, Miri.
– Não é exagero! Ele é um cretino! E você fica aí me dizendo coisas como se ele pudesse sentir alguma coisa por mim.
– Olhe, pois eu digo que ele está estranho. Não sei se ele sente alguma coisa por você, mas talvez isso seja o máximo que Snape pode dar. O fato é que ele nunca fez com ninguém o que ele fez por você, Miranda. Qualquer um que o conhece vai lhe dizer isso. Você precisa lhe dar uma chance. Estou lhe dizendo isso para o seu próprio bem. Talvez você tenha exagerado na sua reação.
Ainda tremendo de ódio só de pensar, ela não respondeu. Preferiu mudar de assunto:
– Vai ser bom ter você por aqui. Sinto muito a sua falta.
– Oh, eu não aceitei a proposta de Dumbledore – Ela ficou boquiaberta. – Não posso me afastar do Ministério agora. Estou me candidatando ao cargo de chefe da divisão.
– Desculpe, eu pensei que você tinha aceitado ser meu substituto. Mas você não me falou de seus projetos! Parabéns, fico feliz por você. Por outro lado, gostaria que você fosse o escolhido para me substituir. Acho que preciso de um amigo.
– Pois eu concordo inteiramente com você sobre isso. Outra coisa que você precisa é terminar com esse segredo, Miri, isso está lhe fazendo muito mal. Não acha que isso pode afetar seu bebê? Digo, esses feitiços para esconder a gravidez e toda essa pressão para manter o mistério?
– Os feitiços são perfeitamente seguros. Mas acho que você tem razão sobre a pressão.
– Então – ele deu mais um de seus sorrisos brilhantes – que me diz de fazermos uma visitinha ao diretor antes do jantar?
Miranda sorriu de volta.
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– Bolinho de chuva?
Albus Dumbledore exibia seu sorriso mais charmoso, os olhos com o brilho patenteado de sempre.
Severus Snape queria gemer alto.
O dia, até o momento, tinha ido de mal a pior. Tudo indicava que aquela conversa com o diretor de Hogwarts não contribuiria em nada para melhorá-lo.
A bem da verdade, o dia anterior tinha sido o pior de sua vida – e ele já tivera alguns dias bem ruins. Mas a rejeição de Miranda o atingira mais fundo do que ele podia prever. Ele não pensava que houvesse amor entre os dois, mas tinha desejado acreditar que eles pudessem ter uma vida comum aceitável, e a partir daí criarem seu filho. Ou filha, como havia sido informado. Agora isso pouco importava, porque ele tinha cometido um erro. Um erro fatal.
Severus Snape tinha cometido o erro de acreditar que, com o final da guerra, ele pudesse ter sido perdoado por seus crimes. Estupidamente, tinha acredito ter direito a um lugar de respeito na sociedade, onde seria aceito como um igual.
Idiota.
Miranda deixara claro o que ela pensava dele, uma opinião certamente compartilhada por toda a sociedade bruxa: ele no fundo sempre seria um Death Eater. Ele nunca deixaria de carregar essa marca, essa nódoa, esse pecado. Jamais seria aceito entre os bruxos de bem, quando muito tolerado. Mas ninguém nunca confiaria nele, ou se aproximaria dele por qualquer razão, se pudesse evitar. Ele era repulsivo, manchado e nada retiraria esse estigma. Um pária, para sempre rechaçado.
Por um tempo, depois de ter recebido a homenagem do Ministério, Severus ousou acreditar que tivesse pagado por seus erros. Mas Miranda tinha sido a porta-voz de toda uma comunidade que achava que ele jamais se livraria de seu passado, e que acreditar em qualquer outra coisa era pura ingenuidade ou franca estupidez.
Isso sem mencionar seus sentimentos por Miranda. Antes de fazer o pedido de casamento, Severus tinha que admitir que a apreciava, e mais: estava satisfeito que ela fosse a mãe de sua filha. As qualidades da moça eram de sua aprovação para educar sua herdeira, e ele tinha planejado também participar da criação da menina. Por isso a pedira em casamento, com esperanças de que algo mais pudesse florescer entre os dois.
Outro plano idiota. Não admira que tivesse desmoronado tão espetacularmente. Severus Snape não merecia desenvolver esses sentimentos por ninguém, porque ninguém jamais o olharia dessa forma.
i "Uma vez Death Eater, sempre Death Eater" /i , ela dissera. As palavras estavam gravadas a fogo na sua mente.
Isso, claro, não tinha sido tudo. O dia no qual ele se encontrava preso tinha começado de maneira excepcionalmente nefasta com o anúncio do diretor durante o café da manhã no salão. A todos os alunos e professores de Hogwarts, o Prof. Dumbledore anunciara a gravidez de Miranda, e sua iminente substituição por Remus Lupin.
Nenhuma menção tinha sido feita ao pai da criança.
Foi o sal na ferida. Ele não reagiu quando Miranda foi cercada por alunos e professores, que a crivaram de perguntas sobre o bebê e sua saúde. Ele não conseguiu ficar no salão e se refugiou nas masmorras, tentando controlar sua raiva e humilhação.
Então o diretor o chamara, no meio do dia. Estendera-lhe o prato com bolinhos de chuva e sorria-lhe com os olhos brilhantes. Severus recusou os bolinhos, preparando-se para o que vinha a seguir.
– Tive uma conversa muito interessante com a Profª Montgomery.
Era exatamente o que Severus temia.
– Albus, eu...
– Longe de mim querer me intrometer em seus assuntos pessoais, Severus – ele foi direto – Mas gostaria de lhe dizer que você fez a coisa certa ao pedi-la em casamento.
– Não foi culpa minha o modo como as coisas terminaram.
– Eu entendo, eu entendo. Mas talvez seja bom lembrar que Miranda está grávida, e como tal, sujeita a alterações hormonais.
– Não tente me enganar, Albus. Essa mulher sempre foi histérica e descontrolada, muito antes de engravidar.
– Não duvido disso, meu rapaz, mas mesmo assim procure atentar para esse fator metabólico significativo. Miranda está ainda mais sensível do que de costume.
– Isso pouco me afeta, porque eu pretendo nunca mais dirigir a palavra a ela.
– Ah. Gostaria que reconsiderasse essa decisão.
– Não foi minha decisão. Foi dela.
– Ah – Dumbledore suspirou. – Nunca me canso de ficar admirado com a capacidade do ser humano de escolher precisamente o que mais lhe prejudica. Há um jeito de remediar essa situação, Severus.
– Diretor, eu não vejo como. Na verdade, não vejo motivos ou oportunidades para tentar qualquer tipo de aproximação.
– E quanto ao reconhecimento do bebê?
– Vou reconhecê-lo como meu filho, é claro.
– É claro. Mas Miranda ficou sob a impressão de que você lhe fez ameaças sobre reclamar a criança como seu herdeiro.
Severus tinha quase se esquecido disso. Ele tinha dito aquelas palavras no calor do momento, mas jamais tinha pensado seriamente em cumpri-las. Não faria isso com Miranda, arrancar o filho de seus braços. Ele nem tinha como cuidar sozinho de uma criança. E aquela conversa de herdeiro só valeria a pena com uma família com quem compartilhar. Quanto mais pensava sobre o assunto, mais Severus se convencia de que ele deveria desistir de qualquer reivindicação sobre a criança. No fundo, isso seria o melhor: a criança poderia crescer sem ser reconhecida como o rebento de um antigo Death Eater vira-casaca de uma família de sangue puro amante das Trevas e em franca decadência. Se é que ele poderia dar algum presente para sua filha, poderia ser um nome limpo e desvinculado do seu, tão mal-visto pelo bruxo comum.
Para Dumbledore, porém, só o que ele fez foi desviar o olhar:
– É o meu direito.
– Esta é outra decisão que eu lhe peço que repense. Faça isso como um favor pessoal para mim.
– Diretor, eu...
– Severus – ele o interrompeu –, Miranda está aterrorizada com a perspectiva de que você possa lhe tirar a criança. Por que você não pensa na possibilidade de fazer visitas programadas, algo nos moldes da custódia Muggle para pais separados? Talvez vocês dois pudessem chegar a um acordo.
– Ela fechou essa porta. Na verdade, ela fechou todas as portas. Ela deixou claro que só o que quer de mim é distância. Se eu resolver reclamar minha herdeira, estarei apenas exercendo meu direito natural.
– Deixe-me fazer uma sugestão: a criança ainda vai demorar pelo menos dois meses para nascer. Por que você não usa esse tempo para refletir melhor sobre o que nós conversamos e analisar seus sentimentos?
Severus fez uma pausa.
– Considerarei seu pedido. Mas já aviso: há pouca chance de mudança na minha disposição.
– Só isso já é excelente. Fique tranqüilo, Severus. Tudo vai terminar dando certo.
Essa era uma coisa na qual Severus definitivamente não acreditava de jeito nenhum.
Nas semanas que se seguiram, ele continuou na sua rotina de observar Miranda à distância, a barriga volumosa (agora livre de feitiços e disfarces) obrigando-a a se mover mais devagar. Se ela notava que ele o via, ela estava ignorando-o. Miranda manteve sua rotina de passear perto do lago à tardinha, mas agora ela trazia um cobertor, em cima do qual se sentava no gramado, observando as águas. Severus tinha de admitir que gostaria de ir até ela, mas sabia que seria rechaçado. Portanto, ele se recolhia em sua dor e rejeição.
Miranda passou a estar sempre acompanhada, fosse por alunos ou por professores. McGonagall era uma das presenças mais constantes, assim como Harry Potter e os demais irritantes Gryffindors que iriam se formar ao fim do ano letivo. A professora grávida atraía um séqüito de seguidores, que a ajudava a carregar os livros, acompanhava-a nos corredores, ou simplesmente lhe fazia companhia. Mas o entardecer parecia reservado para a solitária comunhão com a natureza. De longe, Severus a vigiava, olhando-a sem que ela o visse. Ele gostava de vê-la naquele momento, sem a interferência de outras pessoas.
Num final de semana, a tia de Miranda, Lucy Hengisworth, chegou a Hogwarts para acompanhar a sobrinha na hora crítica do parto e dos primeiros dias do bebê. Severus observou a bruxa magra, de cabelos louros e olhar suave apesar de sua idade. Volta e meia, ela lhe lançava um olhar intrigado e afetuoso, como se estivesse inclinada a se aproximar ou convidando-o a fazê-lo. Polidamente, ele meneava a cabeça, cumprimentando-a, mantendo o mínimo de educação com a tia – já que a sobrinha não lhe estendia a mesma cortesia.
Dias depois, como era de se esperar, chegou Remus Lupin para assumir seu lugar de professor substituto. A mera presença do lobisomem, por si só, já era abjeta para Severus, mas tudo ficou ainda pior quando ele percebeu que Miranda imediatamente fez amizade com seu substituto. Os dois estavam constantemente juntos, mas sempre acompanhados pela tia Lucy, e muitas vezes o grupo incluía também Harry Potter. Severus passou a observar o grupo com ainda mais interesse.
Não demorou para que a fofoca corresse solta na escola e todos diziam que Lupin e Miranda tinham formado o mais novo casal de Hogwarts. O mau humor de Severus chegou a níveis abissais e o zelador, Argus Filch, alegremente recebia hordas de alunos para detenção. Aparentemente sem desconfiar de coisa alguma, Lupin e Miranda continuavam a desfilar juntos, desfrutando da companhia um do outro.
Até o dia em que o impensável aconteceu.
