b Capítulo 8 /b

De longe, Severus olhou, depois olhou de novo e certificou-se de que não estava vendo coisas.

Ao entardecer, na beira do lago, Miranda estava com Lupin. A tia não estava em lugar nenhum. O professor substituto segurava as mãos dela entre as suas e lhe sorria suavemente. Miranda tinha a cabeça baixa, os cabelos ondulando suavemente ao vento da primavera.

Fúria incontida se apoderou do Mestre de Poções ao ver a cena. O passeio no lago era a ocasião sagrada, o momento íntimo e especial de Miranda consigo mesma. Como aquele licantropo infernal ousava se intrometer em tal momento? Lupin o estava conspurcando, dessacralizando!... E ele estava junto de Miranda!

Aquilo Snape não iria permitir. Ele sentiu uma ira verde a tomar conta de si.

Vestes negras tremularam incessantemente diante da velocidade que Severus imprimiu ao atravessar o gramado, os olhos negros injetados de ódio avassalador. Fazia tempo que ele não sentia uma raiva tão negra em seu sangue.

– Tire as patas dela, Lupin!

O casal se virou, surpreso.

– Severus?

– Deixe-a em paz, já disse!

– Do que está falando? – Lupin parecia genuinamente confuso, incapaz de acreditar na reação do homem a quem conhecia desde criança.

– Snape – Miranda franziu o cenho, irritada –, o que você quer?

– Já que a senhorita aparentemente não se dá ao respeito, achei melhor vir restabelecer o decoro o quanto antes!

– Mas é muita pretensão! – respondeu ela, indignada. – Quem o nomeou guardião da moralidade?

– Está tirando conclusões precipitadas, Severus – Lupin ainda tentou dizer. – Você parece não estar pensando corretamente.

– Ah, não? – ele tinha os dentes cerrados, e tremia de cólera. – Então essa agarração em público não é prova mais do que suficiente?

Miranda soltou um grito abafado de indignação. Apesar de ser um homem pacífico e bem-humorado, Lupin também estava chegando aos seus limites, e também rosnou:

– E se for, Snape? O que você tem a ver com isso? Está claro que você optou por não assumir sua parte na situação.

Severus se indignou ainda mais:

– Está enganado se pensa que foi minha opção! E mais enganado ainda se pensa que vou deixá-lo se aproveitar com o que está acontecendo!

– É mesmo? E exatamente como você pretende me impedir? Se Miranda quiser refazer sua vida com um homem disposto a se casar com ela e criar sua filha, então não há nada que você possa...

Lupin jamais terminou a frase. O punho fechado de Severus chocou-se violentamente com a maçã de seu rosto, e ele cambaleou para trás, sob o grito assustado de Miranda. Antes que Lupin pudesse reagir, Severus avançou contra ele, empurrando-o com toda a força e jogando-o efetivamente no chão. Num reflexo, enquanto caía, Lupin agarrou as vestes de Severus e os dois rolaram no chão, esbofeteando-se, a confusão começando a atrair alunos a caminho do jantar. Em poucos minutos, havia uma considerável balbúrdia perto do lago. Os reflexos de Auror de Miranda finalmente apareceram, e ela Petrificou os dois. Alguns alunos protestaram, pois as apostas mal tinham começado para saber quem venceria a luta.

Sem surpresas, todos foram levados à sala do diretor. Ao entrarem no escritório de Dumbledore, os três tinham aparência deplorável. A melhor dentre eles era Miranda, esfogueada e descabelada, segurando furiosamente a barriga. Severus tinha um corte no lábio, manchas roxas no rosto, dedos esfolados e lama nas vestes. Além de também ter lama na roupa, Lupin apresentava arranhões generalizados, uma grande mancha roxa na bochecha direita e o olho esquerdo roxo e fechado. Os três pareciam crianças levadas e desobedientes a caminho de um longo carão.

O Prof. Dumbledore estava sentado à sua mesa, o rosto indecifrável. A seu lado, Minerva McGonagall estava lívida, pálida, sua voz mais aguda do que o normal:

– Estou positivamente chocada! Nunca, em todos os meus anos de Hogwarts, testemunhei tamanho espetáculo de imaturidade e selvageria! Já teria sido ruim o suficiente partindo de alunos, mas vindo de dois professores experientes, é inaceitável! Brigando feito Muggles na frente dos alunos!... Muito bem: o que têm a dizer em suas defesas?

Miranda se adiantou:

– Foi Snape quem começou!

O Prof. Dumbledore dirigiu-se a ela, em voz baixa:

– Profª Montgomery, acredito que seja melhor esperar lá fora enquanto converso com seus colegas. A Profª McGonagall a acompanhará até o corredor e lhe fará companhia.

Miranda não gostou de ouvir aquilo, e claramente estava pensando em protestar, mas desistiu diante do olhar de Dumbledore. McGonagall também parecia contrariada, mas levou a jovem professora grávida para fora. O diretor esperou que as duas saíssem para então se dirigir aos dois, com uma expressão grave:

– Estou extremamente desapontado com os dois. Não preciso dizer que terei de levar o fato ao Conselho de Diretores da escola. Caberá a eles deliberar sobre a permanência de ambos no quadro de professores de Hogwarts.

Lupin tentou dizer:

– Albus, eu...

– Silêncio! – Dumbledore vociferou, e em nada parecia o bondoso diretor de sempre. – A decisão do Conselho não isenta de uma punição que cabe a mim administrar. Vocês agiram como crianças e como tal serão tratados. Preliminarmente, vou descontar cinco dias do salário de cada um. Adicionalmente, vocês terão que servir detenção. Remus, você irá preparar um plano de ensino destinado a preparar para NEWTS e OWLS os alunos de Poções e Transfiguração. Severus, você deve preparar planos de ensino de Defesa contra as Artes das Trevas para alunos de OWLS e NEWTS, bem como provas nesses níveis que sejam alternativas às aplicadas pelo Ministério da Magia. Isso deverá mantê-los ocupados tempo suficiente para evitar cenas como as que acabamos de presenciar. Ambos estão dispensados.

E pela primeira vez desde que podia se lembrar, Severus notou que Dumbledore não tinha oferecido sequer um docinho.

Miranda estava com tia Lucy na porta do gabinete do diretor, nervosamente olhando a imensa gárgula de pedra que guardava a entrada do escritório. Quando os dois emergiram, ela se dirigiu a Lupin, reservando um olhar cheio de veneno a Severus. O Mestre de Poções devolveu o olhar com igual desgosto, encarando-a, depois saiu pelo corredor, deixando os três a sós.

– E então? – Miranda quis saber.

– O Conselho de Diretores vai decidir. Por enquanto, nós dois ganhamos suspensão de salário e trabalho extra.

– Snape não foi demitido?

– Nem eu. Mas isso é o Conselho que vai decidir.

– Ele deveria ser expulso imediatamente! Ele o atacou sem provocação!

– Calma, Miranda – disse a tia Lucy.

– Isso é o que eu não entendo – disse Lupin, intrigado. – Severus nunca perdeu o controle desse jeito.

– Ora, ele é um homenzinho invejoso e mal-humorado. Não admira ter o temperamento horrível que tem.

– Não, não é isso. Conheço Severus há quase 30 anos, e ele jamais provocou uma briga. Ele é um Slytherin, prefere outros métodos. Ele simplesmente não perde o controle, Miranda, jamais. Começo a pensar que ele tem outros motivos.

– Como assim?

– Ele está com ciúmes. Acho que Severus está atraído por você, mas não tenho certeza de que ele saiba disso.

Miranda fez uma careta.

– Remus, isso é tão ridículo que não é nem engraçado.

– Olhe, Severus não é uma pessoa fácil, eu sei, mas isso não quer dizer que ele não tenha sentimentos a seu respeito. Ele agiu completamente fora de seu normal. Avançou para mim porque eu parecia estar tomando algo dele. Quanto mais penso sobre isso, mais me parece ser verdade.

Miranda ia protestar mais uma vez, mas tia Lucy, que geralmente ficava calada, indagou ao licantropo:

– Remus, meu rapaz, poderia levar Miranda para seu quarto? Preciso me ausentar, e ela está um pouco agitada demais.

– Claro, Madame. Não se preocupe.

– Aonde você vai, tia?

A velhinha se limitou a sorrir para a sobrinha e em seguida saiu pelo corredor afora, apressada. Miranda arregalou os olhos, num estalo:

– Ela foi falar com ele!... Tia! Volte já aqui!

– Miranda, você está muito nervosa.

– Mas não entende? Ela vem me dando insinuações e indiretas de que eu deveria tomar a iniciativa e me aproximar de Snape. Quando eu contei que recusei a proposta de casamento, ela não gostou. Ficou tentando chamá-lo, achando que eu não percebia o que ela fazia.

– Olhe, fique tranqüila.

– Mas tia Lucy vai cometer um erro! Snape provavelmente vai destratá-la. Você sabe como ele é!

– Miranda, vou repetir o que já lhe disse várias vezes. Como sua tia, eu também acredito que você deveria fazer todo o esforço para se aproximar do pai de sua filha. Não quero lhe dizer como deve viver sua vida, mas Snape fez um gesto quando a pediu em casamento. Na minha opinião, sua reação foi exagerada. Por que você não tenta fazer um gesto agora?

– Remus – ela segurou a barriga –, ele me magoou muito. Você pensa que eu não gostaria de me acertar com ele e ver minha filha crescer ao lado do pai? Por um minuto, eu achei que tudo terminaria como um conto de fadas, um final feliz e um casamento. Mas aí ele começou com aquela conversa de ser um puro sangue, e eu percebi que ele não tinha o menor interesse nem em mim nem em Sílvia, só o que ele queria era o seu nome. Tanto é que depois ele ameaçou reclamar seu herdeiro. Eu já lhe contei isso.

– Sim, mas você só não me disse a verdadeira razão por que o rejeitou. É por que você queria um romance e não uma família? Ou você queria os dois?

A pergunta fez Miranda esquecer a dor no seu ventre, de tão inusitada. Só então ela se deu conta:

– Eu queria... os dois, acho.

– E no fundo, Miranda, ele lhe ofereceu isso. Do jeito dele, claro. Não se deve esperar grandes gestos românticos ou dramáticos de Snape. Mas ele é leal e confiável, e jamais a trataria mal. Está confuso e talvez magoado por ter sido rejeitado daquele jeito, mas para mim é óbvio que ele sente algo por você. Nunca o vi desse jeito.

– Não é a primeira pessoa que me diz isso. – Ela fez outra careta e segurou a barriga com mais força. – Você se importa de acharmos um lugar para sentar? Estou sentindo uma dor estranha. Vai e volta, e parece estar aumentando.

– Dor? – Lupin se alarmou. – Desde quando vem sentindo isso?

– Desde que você dois começaram a rolar no chão, lá no lago.

– Não pode ser o bebê?

– Acho difícil. Ainda não é época do período de risco.

– Ainda assim, eu acho que você deve ver Madame Pomfrey. Só para se certificar.

center o 0 o /center

– Prof. Snape! Professor! Por favor, espere!

Severus se virou e viu a tia de Miranda, Lucy Hengisworth, correndo para alcançá-lo na escada. Por cortesia, ele foi até ela.

– Madame, estava me procurando?

– Sim, professor, se pudesse me dar cinco minutos de seu tempo.

– O que posso fazer pela senhora?

– Gostaria de lhe fazer uma pergunta, correndo o risco de ser impertinente. – Severus ergueu uma sobrancelha e ela continuou: – O senhor ama a minha sobrinha?

Por muito menos, Severus tinha lançado maldições terríveis contra pessoas bem mais poderosas do que aquela simpática velhinha que o encarava curiosamente. Contudo, indo contra sua natureza, ele não sentiu vontade de arremessar-lhe um feitiço capaz de explodi-la inteirinha. Ela não trazia qualquer sentimento de animosidade ou disposição para discutir. Portanto, ele desarmou suas defesas, suspirou longamente e soltou uma sincera pergunta, dando de ombros:

– Que diferença isto faz?

– Por favor, não diga isso. – A velha bruxa parecia angustiada. – É claro que faz diferença. Mas preciso ter certeza de que o senhor sente algo por Miranda, se é que pretendo convencê-la a se casar com o senhor.

– A senhora deve saber o que ela pensa a meu respeito.

– Miranda está equivocada em muitos aspectos. Penso que se o senhor a ama, vocês têm uma grande chance de serem felizes.

– Está sendo muito otimista, Madame. Sua sobrinha me despreza – abaixou a cabeça. – Ela deve ter lhe dito quem sou... e o que fiz.

– Sim, ela me contou que é um dos heróis na guerra contra Você-Sabe-Quem. Graças a homens como o senhor, Prof. Snape, Sílvia vai nascer num mundo seguro.

– Sílvia – ele repetiu. – É o nome da criança?

– Sim. Ela não lhe disse?

– Ela não fala comigo.

– Isso não está certo – Madame Hengisworth abanou a cabeça. – Simplesmente não está certo.

– Na verdade, Madame, começo a admitir que ela pode ter tomado uma atitude sensata.

– Como pode dizer isso?

– Sua sobrinha deixou claro que ela me vê como ex-colaborador do Lord das Trevas – Ele a olhou com tristeza no olhar. – É compreensível que ela não queira ver a filha associada a um homem com este tipo de passado.

– Não, está enganado. Ela só está assustada. Só em pensar que o senhor pode tirar-lhe Sílvia ao reclamá-la como sua herdeira, Miranda fica muita abalada.

– Eu jamais pensei seriamente em tal possibilidade, Madame – ele confessou, sincero. – Na verdade, estou cada vez mais inclinado a acreditar que o melhor para todos os envolvidos é que eu desista completamente de qualquer vínculo com a menina. Ela pode crescer sem carregar o estigma do nome Snape, e a mãe estará livre para refazer sua vida com Lupin ou outra pessoa que escolher. Ela tem o direito de ser feliz. As duas têm.

– Como pode dizer isso? Sílvia é sua filha, sua herdeira!

– Não se preocupe. Ela será beneficiária de todo o meu patrimônio, e estou disposto a reservar-lhe uma mesada enquanto não alcançar a maioridade.

– Não é disso que estou falando! Professor, minha sobrinha-neta tem direito a crescer ao lado do verdadeiro pai. Além do mais, eu sei que tem sentimentos por Miranda. Sempre acreditei que seu pedido de casamento foi sincero e honesto. Mesmo que tivesse dúvidas antes, o que aconteceu hoje é suficiente para convencer qualquer um. O senhor teve uma reação de um homem enciumado, disposto a lutar pela mulher que ama.

– Foi a reação de um tolo – Severus abanou a cabeça. – O que fiz foi indefensável e provavelmente vou pagar sendo expulso de Hogwarts. Miranda ficará livre de mim finalmente.

– Mas o senhor me provou que gosta de Miranda e que se preocupa com ela. Não é certo ela se aproximar de outra pessoa. Também não é verdade que ela e Remus estejam juntos. Pessoalmente, Remus me parece ser uma boa pessoa, e ele é um bom amigo para Miranda, mas preciso ser sincera em dizer que não fico muito confortável com a idéia de ter alguém de sua espécie tão perto de uma criança pequena. Ele é um lobisomem, afinal de contas. Além do mais, Sílvia merece crescer com o verdadeiro pai por perto. Pode me chamar de antiquada, mas eu acredito que se continuar solteira, Miranda vai ser discriminada por ter uma filha fora do casamento. No fundo, é assim que as pessoas pensam. Eu só não quero que minha sobrinha sofra, Prof. Snape.

– Madame, isso tudo é irrelevante. Não importa o que eu sinta ou pense. Sua sobrinha simplesmente me odeia e não acredito que vá mudar de idéia tão cedo. Essa discussão é inócua.

Um barulho alto chamou a atenção dos dois. Um aluno vinha correndo, seus passos ecoando alto pelos corredores vazios àquela hora da noite. Snape o reconheceu de longe.

– Potter – ele sibilou –, que arruaça é essa?

Ele chegou ofegante:

– Vim... chamar tia Lucy!... Emergência! É o bebê da Srta. Montgomery!

– O bebê? Mas não está na hora!

– O Prof. Lupin me pediu para eu buscá-la. Parece que ela vai ter o bebê agora!

– Deixe que eu a acompanho até a ala hospitalar – ofereceu-se Snape. – Pode voltar para seu dormitório, Potter.

– Eu quero ir também. Ainda não é hora de recolher.

– Então venha logo!