- Mãe?... -Eilish olhou boquiaberto para a figura de luz que se formava à sua frente. Trazia-lhe conforto e os seus cabelos eram feitos de leite.
A mulher simplemente o abraçou, e ele escondeu a cara no seu vestido de pano cru, abafando os soluços e as lágrimas.
- Mãe... -murmurou, poisando a cabeça no seu regaço.
Os dedos finos e esguios enrolaram e afagaram o cabelo descuidado e preto do filho, confortando-o com o toque que cheirava a frutas cristalizadas. Parecia o Éden, o espaço era apenas uma imensidão de luz ofuscante e branca, e a mulher tinha uma aura poderosa e fascinante, com o formato de asas nas costas. Na verdade, para Eilish ela era um anjo de cabelos castanhos claros e olhos pretos.
- Escuta, querido. -confortou, elevando-o delicadamente pelo queixo. Limpou as lágrimas com o polegar e continuou.- Tens de voltar para o teu corpo.
- Não, mãe. -lamentou-se, abraçando-se à mãe abruptamente. A mulher mostrou um sorriso afável e cantou-lhe uma canção de embalar como quando ele era bebé.
- Isto não passa de um sonho, e em breve vai acabar como todas as noites. -disse na sua voz doce e compreensiva que exaltava a sua beleza.- Vai, ou teremos de ser separados à força.
Eilish soluçou e apertou o corpo da mãe com mais força, escondendo-a com o seu corpo musculado e largo.
- Chhh...Já és um menino grande para chorar, querido. Anda, volta para o teu corpo, hoje fazes dezoito anos. -a mãe sorriu abertamente, mas a sua gentileza só tornou o momento mais melancólico.
Ele elevou os seus cento e noventa e dois centímetros e continuou a fitar a mãe com uma expressão lamentável, até ela desaparecer numa bruma e toda aquela luz se desvanecer nas trevas.
Era o mesmo sonho, todas as noites desde que se lembrava, nunca tivera outro sonho além daquele. E de todas as vezes acordava sobressaltado e transpirado, e normalmente não voltava a adormecer. Naquele dia não tinha sido diferente, apesar de supostamente ser um dia feliz. Limpou o suor da cara com a palma das mãos ligadas por gaze e apoiou-se na borda da cama, fitando o chão e fazendo um esforço para não fraquejar e chorar. De repente a porta do quarto abriu-se, e Eilish foi obrigado a representar o papel de homem frio e antipático, como sempre fizera desde pequeno.
- Parabéns! -felicitou Alicia, que já tinha envelhecido desde que encontrara Eilish em criança.
Abraçou-o ternamente, mas foi repelida dos braços do seu filho adoptivo.
- Eu não preciso da tua compaixão. -disse Eilish, levantando-se e espreguiçando as costas.
Alicia cruzou os braços ao peito e revirou os olhos, já estava à espera daquela reacção por parte de Eilish, mas sabia que no fundo ele agradecia-lhe por isso.
- Sempre o mesmo antipático...Sempre o mesmo... -resmungou, tirando abruptamente a camisola suja que Eilish usara para dormir.- E sempre cheio de cicatrizes e feridas, já desinfectaste esta? -perguntou, tocando levemente sobre um pequeno corte nas costas.
- Não é preciso, é só um arranhão. -respondeu, pegando numa t-shirt preta simples com uma caveira na frente que ele tinha comprado há três anos.
Alicia torceu o nariz e apoiou-se em bicos de pés para lhe dar um beijo na face.
- Desce para o pequeno-almoço, hoje fiz panquecas.
Eilish fez uma careta e limpou com as mãos o sítio onde Alicia o tinha beijado. Enfiou-se dentro de umas calças de ganga e apanhou o cabelo preto comprido num rabo-de-cavalo que ultrapassava os ombros.
- Pára de te fazeres de duro comigo, parece que nem gostas de mim! -zombou Alicia, sorrindo torcidamente.
- Eu por acaso já disse que gosto? -disse Eilish sem a fitar.
Alicia rodou nos calcanhares e voltou-se para a porta, mas deteve-se e apoiou umas das mãos no puxador.
- Por falar em gostar, o teu falcão 'tá na cozinha com uma carta, acho que é de mais uma das tuas namoradinhas, o envelope é cor-de-rosa e cheio de corações. -Alicia deu uma gargalhada grossa, tal como a sua voz.
Eilish resmungou qualquer coisa imcompreensível e saiu pela porta com passos largos, quase que empurrando Alicia. Foi detido quando uma cabeça ruiva saiu do quarto em frente ao seu.
- Namoradinha! -zombou o garoto, olhando Eilish de alto a baixo.- Outra! Tenho que ver essa, a Lilian não vai gostar nada de saber.
Eilish pegou no irmão pelo colarinho e ergueu-o no ar, fazendo-o ficar sem respiração.
- Contas e és um puto morto. -ameaçou, semi-cerrando os olhos.- Já estou ao tempo para te matar mas ainda não tive oportunidade.
Alicia poisou uma mão no ombro de Roddery e incentivou a deixar Tommy no chão, se não queria ser castigado no próprio aniversário.
- Como queiras... -ironizou, atirando Tommy prepositadamente contra a porta. O garoto enervou-se, limpou o sangue dos lábios porque os acabara de morder, e atirou-se directamente para o estômago de Eilish, socando-lhe com alguma força a barriga firme e musculada.
Alicia puxou Tommy para junto de si, recebendo alguns murros por engano, e apertou os pulsos dele atrás das costas. Ela tinha alguma força de braços pois trabalhava nos fornos, e Tommy acabou por acalmar.
- Que vergonha, a lutar logo de manhã. Vocês têm de ser separados, de todas a vezes que falam um com o outro acabam feridos. -disse Alicia, quase num grito.
Eilish deu uma gargalhada arrastada e olhou para o irmão com o sobrolho erguido:
- Os golpezinhos de merda dele? Aquilo não me faz nada. -logo que acabou a frase a mão de Alicia ficou marcada na face esquerda, e Eilish colocou a mão para acalmar a dor.
- Não autorizo a dizerem asneiras na minha casa! Eu devia ter-vos mandado para junto dos Muggles e não para Durmstrong, vocês merecem ir para aqueles colégios internos em que só vêem os pais uma vez por ano.
- Não me importava de ir para um colégio desses. -declarou Eilish, com a mão ainda apoiada na cara.- Assim não tinha de aturar uma mulher mimada que pensa que manda em mim e que é minha mãe. As pessoas que têm poder sobre mim já morreram há muito tempo, não é uma pessoa como tu que me vai dizer o que posso ou não dizer.
Alicia olhou desapontada para Eilish, com os olhos lacrimejados. Virou-se de costas e correu para o seu quarto, fechando a porta atrás de si com um feitiço simples. Eilish olhou indiferente para a cena, sorrindo no fim.
- Quem pensas que és tu, hein! -insultou Tommy, tentando empurrá-lo contra a parede, mas falhando.
- Não a tentes defender, não te enganes a ti próprio, ela tenta ser nossa mãe mas ela não vai conseguir, eu só a usei para conseguir comida, agora vou-me embora desta casa porque já sou maior de idade e posso praticar feitiços. -Eilish pegou em Tommy e empurrou-o contra a parede, fitando-o de perto com os olhos vermelhos de raiva.
- Eu nunca conheci a mãe, a única mãe que conheci foi ela, e eu não gosto que a única pessoa que eu gosto neste mundo sofra. -Tommy pontapeou Eilish nas partes baixas e este cambaleou até à parede do outro lado do corredor, deixando-se cair com a mão na testa.
- Tu não sabes o que é ver alguém a sofrer até à morte e sabes que podes salvá-la mas os teus pés e o teu cérebro falam mais alto que o coração. Eu sou um cobarde. -lamentou-se Eilish, com os olhos cobertos pelos cabelos negros compridos.
- Um cobarde já todos sabemos que o és. -ironizou Tommy, pontapeando-o no estômago.- Agora vai pedir desculpas à mãe.
Eilish limitou-se a sorrir maldosamente e a erguer lentamente os olhos:
- És falso, tu odeia-la na verdade não é! Não digas que é mentira, eu vejo-o nos teus olhos quando olhas para ela, como se ela fosse uma estranha. Eu sinto-o, e mais tarde ou mais cedo vais fugir de casa tal como eu.
Os dois olhos azuis de Tommy tornaram-se mais brilhantes, mordeu o lábio inferior e deu uma joelhada na cabeça de Eilish, desaparecendo de costas pelo corredor. Mas a joelhada não o atingiu como esperava, e Eilish apenas massajou a testa no local onde ele lhe tinha batido.
"Eu odeio aquele irmão, é hipócrita e mentiroso. Porque é que o fui treinar quando ele era mais pequeno"
De seguida levantou-se e esgueirou-se até à cozinha, onde algumas panquecas estavam poisadas num prato e outras estavam queimadas de tanto tempo a fritar. Apagou o lume com um feitiço e sentou-se numa cadeira, saboreando vorazmente as panquecas que restavam.
"Não preciso de ninguém, estou bem sozinho. Todas as pessoas que eu conheci até hoje traíram-me, até a minha mãe.
Levantou-se da mesa, deixando o prato e a mesa cheia de açúcar, mas não se importou de Alicia ter de a limpar. Dirigiu-se à sala, um compartimento espaçoso com uma grande janela que dava para a enseada, mesmo em frente da casa. Apoiou-se num dos bancos e fechou os olhos por momentos, ouvindo o som das gaivotas a voar. Aquela casa era relativamente perto de Hogsmeade, ficava a dez minutos de distância, e compartilhava aquele pacífico local com mais duas casas gémeas, onde viviam duas famílias já idosas e sem netos ou filhos.
Subitamente olhou para trás e viu o envelope cor-de-rosa poisado sobre a mesa. Pegou nele e rasgou-o com o dedo indicador, puxando uma folha branca e perfumada e desdobrando-a para ler a linda caligrafia de Karen.
"Não fales mais comigo! Graças à minha melhor amiga Lilian descobri que nos usavas às duas e a mais não sei quantas. Vais acabar por morrer sozinho e sem ninguém, seu traidorzinho. E não tentes responder a esta carta porque não a vou ler, aliás, não quero mais nenhum contacto contigo nem com ninguém relacionado a ti! Respeitosamente, ou não, Karen"
Eilish deixou cair o papel na mesa, murmurando uma espécie de palavrão.
- Anda Eilish, vou levar-te a Hogwarts. -murmurou Alicia, com os olhos vermelhos e inchados.
Eilish não protestou, apenas se levantou e pegou numa mala velha que estava encostada contra uma das paredes da sala. Tommy desceu a escadaria que ligava ao sótão já com a mala na mão e lançou um olhar penetrante a Eilish.
O Ford Anglia azul metalizado que havia sido dado a Alicia pela família Weasley estava estacionado junto à casa. Alicia rodou a chave na ignição duas vezes até ao carro pegar e começar a andar. De seguida ela mudou as mudanças e o carro inclinou-se para trás e começou a voar por cima do mar.
- Levas tudo? -perguntou Alicia a Eilish, olhando-o pelo retrovisor.
- Sim, se for as mesmas coisas de Durmstrong.
Alicia esboçou um sorriso triste e acelerou, fazendo com que Tommy tivesse de colocar o cinto e agarrar-se à cadeira.
- Vê lá se estudas este ano e não arranjas problemas... -aconselhou.- Se ficares retido outra vez vais trabalhar para o meu restaurante, não querias ser auror ou trabalhar com o Bill com os dragões da Roménia?
Alicia sempre teve uma paixoneta pelo Bill, mesmo ele sendo nove anos mais velho que ela. Eilish riu de se ter lembrado desse pormenor e cruzou os braços ao peito.
- Porque é que em Durmstrong não aceitam alunos retidos? -indagou, coçando a cabeça.
- Secalhar até aceitam... -intrometeu-se Tommy.- Mas estúpidos e burros como tu não devem aceitar.
Eilish mostrou-lhe o punho e Tommy sorriu sarcásticamente.
- Fala o crânio da turma... -divagou Eilish, revirando os olhos.
Alicia desviou-se de uma gaivota que aparecera à sua frente, e Tommy caiu em cima de Eilish, mas foi repelido logo que o carro se estabilizou.
Ficaram todos em silêncio por alguns minutos, apenas observando as nuvens serem cortadas pelo capô do carro, e as árvores e vegetação junto ao mar por entre as abertas.
- Conheces alguém de Hogwarts? -foi Alicia que quebrou o silêncio, e Eilish caiu em si, dando um pequeno salto.
- Não, ninguém.
Eilish era muito popular em Durmstrong, um dos preferidos entre os colegas, e um dos mais odiados pelos professores. Onde havia confusão, Eilish estava sempre presente como um dos desordeiros. Matava as aulas com assuntos sem sentido, era desejado pelas raparigas, bebia, fumava, zombava com os alunos mais novos; e todos o adoravam por isso, para eles, Eilish era como uma espécie de ídolo. Mas Eilish não gostava da vida que levava, na verdade odiava-se a si mesmo. Queria ser apenas mais uma pessoa com uma vida normal, alguém que não tivesse a ânsia de bater, alguém que não tivesse que ser falso para mostrar-se forte. A verdadeira personalidade e os verdadeiros medos dele estavam ocultos, e só o próprio sabia da existência deles. O rude e forte Eilish não passava de um rapaz fraco e sentimental.
- Estamos a chegar! -anunciou Tommy, apontando com o dedo para um enorme castelo que se erguia numa colina.
Ainda era de manhã, Tommy e Eilish precisavam de chegar muito mais cedo à escola pois era transferidos e precisavam de a conhecer antes de todos os outros chegarem. Segundo a carta que Mcgonagall mandara para sua casa, eles teriam de estar na escola antes do meio-dia a fim de a conhecer, de se instalarem e de serem escolhidos previamente pelo chapéu seleccionador, para não se misturarem com os alunos do primeiro ano.
Alicia preparou-se para começar a aterrar num descampado ao lado do castelo. Tommy agarrou-se bem ao assento, já conhecia as descidas de Alicia, e eram bastante turbulentas.
O automóvel precipitou-se até ao relvado rasteiro da escola a uma velocidade que faria saltar os olhos das órbitras a qualquer um. Quando as rodas tocaram no chão, o carro deu um solavanco e todos expiraram o ar que conteram nos seus pulmões durante a descida. Eilish abriu a porta lateral e respirou o ar fresco que provinha de uma espessa floresta.
Tommy saiu logo de seguida, com os olhos esbugalhados e a cara pálida enjoada.
- É maior que o de Durmstrong este castelo, não é? -comentou Alicia, suspirando enquanto vislumbrava os tons escuros e a arquitectura macabra e gótica do edíficio principal.
Eilish anuiu com a cabeça, abrindo a mala e retirando de lá os dois enormes malões e entregando o primeiro a Tommy com uma expressão carrancuda.
- Olhem, a Professora Mcgonagall já vem aí. -anunciou Alicia, apontando para dois vultos escuros que se aproximavam.
O primeiro era uma mulher já velha, com os cabelos brancos despontando da sua cabeleira castanha, e um nariz delgado e comprido que era comparado ao de uma bruxa. O segundo era um rapaz não tão alto como Eilish, mas que ultrapassava claramente Mcgonagall, com os cabelos loiros compridos balançando ao vento. Andava desajeitadamente, alterando o ritmo e a distância dos passos e esperando que Mcgonagall o acompanhasse.
- Alicia Drudvall. -cumprimentou Mcgonagall com um aceno rispido de cabeça.
Alicia respondeu com um aceno mais demorado.
- Aqui estão os rapazes. O Eilish é o mais velho e o Tom o mais novo. -apresentou, puxando-os pelo braço suavemente.- É preciso mais alguma coisa?
Tommy esboçou um sorriso tímido, como habitualmente fazia para se mostrar simpático à primeira vista. Eilish permaneceu com a mesma expressão carrancuda, erguendo subtilmente uma sombracelha e avaliando a velha senhora.
- Não, pode deixá-los comigo que o Mr.Gilroy irá apresentar-lhes a escola pela visão de um aluno. -acenou novamente com a cabeça e olhou profundamente para Eilish.- Já temos conhecimento das atitudes do Mr.Roddery. -voltou de novo a cabeça para Alicia.- Penso que na escola temos uma disciplina bastante rígida para que ele não cause tantos problemas como em Durmstrong. E cá entre nós. -baixou subitamente o tom de voz, aproximando-se mais de Alicia.- Durmstrong é demasiado benevolente para alunos problemáticos como estes, nunca confiei naquele director em relação à disciplina. Severo para os bondosos e benevolente para os da sua igualha.
Alicia riu divertida e olhou ironicamente para Eilish.
- Penso que foram bem entregues. Até ao Natal, então. -despediu-se de cada um com dois beijos e um forte abraço e meteu-se dentro do carro, acenando com a mão na janela antes de subir e desvanecer-se no céu.
Os segundos de silêncio tornaram-se pesados enquanto Eilish passava os olhos desde Mcgonagall até ao bizarro rapaz de olhos claros.
A velha pigarreou para captar a atenção e disse:
- Mr.Gilroy irá apresentar-lhes a escola, estou à vossa espera no meu gabinete depois da visita para que assinem uns papéis e sejam escolhidos previamente pelo chapéu seleccionador. A senha é Espirro de Fada. -sorriu abertamente para o loiro, uma atitude invulgar para uma senhora severa como ela. O rapaz respondeu-lhe com um sorriso tímido e de seguida Mcgonagall afastou-se do local evocando uma espécie de mesa que utilizava os seus pés para caminhar.
O jovem passou o peso do seu corpo de um pé para o outro, olhando timidamente para o chão. Foi Eilish o primeiro a lançar-se à conversa:
- Então, não nos vais mostrar a escola?
O loiro elevou o olhar e avaliou-o com os olhos cinzentos.
- Sim. -respondeu, voltando-se e começando a caminhar em direcção ao castelo.
A mulher simplemente o abraçou, e ele escondeu a cara no seu vestido de pano cru, abafando os soluços e as lágrimas.
- Mãe... -murmurou, poisando a cabeça no seu regaço.
Os dedos finos e esguios enrolaram e afagaram o cabelo descuidado e preto do filho, confortando-o com o toque que cheirava a frutas cristalizadas. Parecia o Éden, o espaço era apenas uma imensidão de luz ofuscante e branca, e a mulher tinha uma aura poderosa e fascinante, com o formato de asas nas costas. Na verdade, para Eilish ela era um anjo de cabelos castanhos claros e olhos pretos.
- Escuta, querido. -confortou, elevando-o delicadamente pelo queixo. Limpou as lágrimas com o polegar e continuou.- Tens de voltar para o teu corpo.
- Não, mãe. -lamentou-se, abraçando-se à mãe abruptamente. A mulher mostrou um sorriso afável e cantou-lhe uma canção de embalar como quando ele era bebé.
- Isto não passa de um sonho, e em breve vai acabar como todas as noites. -disse na sua voz doce e compreensiva que exaltava a sua beleza.- Vai, ou teremos de ser separados à força.
Eilish soluçou e apertou o corpo da mãe com mais força, escondendo-a com o seu corpo musculado e largo.
- Chhh...Já és um menino grande para chorar, querido. Anda, volta para o teu corpo, hoje fazes dezoito anos. -a mãe sorriu abertamente, mas a sua gentileza só tornou o momento mais melancólico.
Ele elevou os seus cento e noventa e dois centímetros e continuou a fitar a mãe com uma expressão lamentável, até ela desaparecer numa bruma e toda aquela luz se desvanecer nas trevas.
Era o mesmo sonho, todas as noites desde que se lembrava, nunca tivera outro sonho além daquele. E de todas as vezes acordava sobressaltado e transpirado, e normalmente não voltava a adormecer. Naquele dia não tinha sido diferente, apesar de supostamente ser um dia feliz. Limpou o suor da cara com a palma das mãos ligadas por gaze e apoiou-se na borda da cama, fitando o chão e fazendo um esforço para não fraquejar e chorar. De repente a porta do quarto abriu-se, e Eilish foi obrigado a representar o papel de homem frio e antipático, como sempre fizera desde pequeno.
- Parabéns! -felicitou Alicia, que já tinha envelhecido desde que encontrara Eilish em criança.
Abraçou-o ternamente, mas foi repelida dos braços do seu filho adoptivo.
- Eu não preciso da tua compaixão. -disse Eilish, levantando-se e espreguiçando as costas.
Alicia cruzou os braços ao peito e revirou os olhos, já estava à espera daquela reacção por parte de Eilish, mas sabia que no fundo ele agradecia-lhe por isso.
- Sempre o mesmo antipático...Sempre o mesmo... -resmungou, tirando abruptamente a camisola suja que Eilish usara para dormir.- E sempre cheio de cicatrizes e feridas, já desinfectaste esta? -perguntou, tocando levemente sobre um pequeno corte nas costas.
- Não é preciso, é só um arranhão. -respondeu, pegando numa t-shirt preta simples com uma caveira na frente que ele tinha comprado há três anos.
Alicia torceu o nariz e apoiou-se em bicos de pés para lhe dar um beijo na face.
- Desce para o pequeno-almoço, hoje fiz panquecas.
Eilish fez uma careta e limpou com as mãos o sítio onde Alicia o tinha beijado. Enfiou-se dentro de umas calças de ganga e apanhou o cabelo preto comprido num rabo-de-cavalo que ultrapassava os ombros.
- Pára de te fazeres de duro comigo, parece que nem gostas de mim! -zombou Alicia, sorrindo torcidamente.
- Eu por acaso já disse que gosto? -disse Eilish sem a fitar.
Alicia rodou nos calcanhares e voltou-se para a porta, mas deteve-se e apoiou umas das mãos no puxador.
- Por falar em gostar, o teu falcão 'tá na cozinha com uma carta, acho que é de mais uma das tuas namoradinhas, o envelope é cor-de-rosa e cheio de corações. -Alicia deu uma gargalhada grossa, tal como a sua voz.
Eilish resmungou qualquer coisa imcompreensível e saiu pela porta com passos largos, quase que empurrando Alicia. Foi detido quando uma cabeça ruiva saiu do quarto em frente ao seu.
- Namoradinha! -zombou o garoto, olhando Eilish de alto a baixo.- Outra! Tenho que ver essa, a Lilian não vai gostar nada de saber.
Eilish pegou no irmão pelo colarinho e ergueu-o no ar, fazendo-o ficar sem respiração.
- Contas e és um puto morto. -ameaçou, semi-cerrando os olhos.- Já estou ao tempo para te matar mas ainda não tive oportunidade.
Alicia poisou uma mão no ombro de Roddery e incentivou a deixar Tommy no chão, se não queria ser castigado no próprio aniversário.
- Como queiras... -ironizou, atirando Tommy prepositadamente contra a porta. O garoto enervou-se, limpou o sangue dos lábios porque os acabara de morder, e atirou-se directamente para o estômago de Eilish, socando-lhe com alguma força a barriga firme e musculada.
Alicia puxou Tommy para junto de si, recebendo alguns murros por engano, e apertou os pulsos dele atrás das costas. Ela tinha alguma força de braços pois trabalhava nos fornos, e Tommy acabou por acalmar.
- Que vergonha, a lutar logo de manhã. Vocês têm de ser separados, de todas a vezes que falam um com o outro acabam feridos. -disse Alicia, quase num grito.
Eilish deu uma gargalhada arrastada e olhou para o irmão com o sobrolho erguido:
- Os golpezinhos de merda dele? Aquilo não me faz nada. -logo que acabou a frase a mão de Alicia ficou marcada na face esquerda, e Eilish colocou a mão para acalmar a dor.
- Não autorizo a dizerem asneiras na minha casa! Eu devia ter-vos mandado para junto dos Muggles e não para Durmstrong, vocês merecem ir para aqueles colégios internos em que só vêem os pais uma vez por ano.
- Não me importava de ir para um colégio desses. -declarou Eilish, com a mão ainda apoiada na cara.- Assim não tinha de aturar uma mulher mimada que pensa que manda em mim e que é minha mãe. As pessoas que têm poder sobre mim já morreram há muito tempo, não é uma pessoa como tu que me vai dizer o que posso ou não dizer.
Alicia olhou desapontada para Eilish, com os olhos lacrimejados. Virou-se de costas e correu para o seu quarto, fechando a porta atrás de si com um feitiço simples. Eilish olhou indiferente para a cena, sorrindo no fim.
- Quem pensas que és tu, hein! -insultou Tommy, tentando empurrá-lo contra a parede, mas falhando.
- Não a tentes defender, não te enganes a ti próprio, ela tenta ser nossa mãe mas ela não vai conseguir, eu só a usei para conseguir comida, agora vou-me embora desta casa porque já sou maior de idade e posso praticar feitiços. -Eilish pegou em Tommy e empurrou-o contra a parede, fitando-o de perto com os olhos vermelhos de raiva.
- Eu nunca conheci a mãe, a única mãe que conheci foi ela, e eu não gosto que a única pessoa que eu gosto neste mundo sofra. -Tommy pontapeou Eilish nas partes baixas e este cambaleou até à parede do outro lado do corredor, deixando-se cair com a mão na testa.
- Tu não sabes o que é ver alguém a sofrer até à morte e sabes que podes salvá-la mas os teus pés e o teu cérebro falam mais alto que o coração. Eu sou um cobarde. -lamentou-se Eilish, com os olhos cobertos pelos cabelos negros compridos.
- Um cobarde já todos sabemos que o és. -ironizou Tommy, pontapeando-o no estômago.- Agora vai pedir desculpas à mãe.
Eilish limitou-se a sorrir maldosamente e a erguer lentamente os olhos:
- És falso, tu odeia-la na verdade não é! Não digas que é mentira, eu vejo-o nos teus olhos quando olhas para ela, como se ela fosse uma estranha. Eu sinto-o, e mais tarde ou mais cedo vais fugir de casa tal como eu.
Os dois olhos azuis de Tommy tornaram-se mais brilhantes, mordeu o lábio inferior e deu uma joelhada na cabeça de Eilish, desaparecendo de costas pelo corredor. Mas a joelhada não o atingiu como esperava, e Eilish apenas massajou a testa no local onde ele lhe tinha batido.
"Eu odeio aquele irmão, é hipócrita e mentiroso. Porque é que o fui treinar quando ele era mais pequeno"
De seguida levantou-se e esgueirou-se até à cozinha, onde algumas panquecas estavam poisadas num prato e outras estavam queimadas de tanto tempo a fritar. Apagou o lume com um feitiço e sentou-se numa cadeira, saboreando vorazmente as panquecas que restavam.
"Não preciso de ninguém, estou bem sozinho. Todas as pessoas que eu conheci até hoje traíram-me, até a minha mãe.
Levantou-se da mesa, deixando o prato e a mesa cheia de açúcar, mas não se importou de Alicia ter de a limpar. Dirigiu-se à sala, um compartimento espaçoso com uma grande janela que dava para a enseada, mesmo em frente da casa. Apoiou-se num dos bancos e fechou os olhos por momentos, ouvindo o som das gaivotas a voar. Aquela casa era relativamente perto de Hogsmeade, ficava a dez minutos de distância, e compartilhava aquele pacífico local com mais duas casas gémeas, onde viviam duas famílias já idosas e sem netos ou filhos.
Subitamente olhou para trás e viu o envelope cor-de-rosa poisado sobre a mesa. Pegou nele e rasgou-o com o dedo indicador, puxando uma folha branca e perfumada e desdobrando-a para ler a linda caligrafia de Karen.
"Não fales mais comigo! Graças à minha melhor amiga Lilian descobri que nos usavas às duas e a mais não sei quantas. Vais acabar por morrer sozinho e sem ninguém, seu traidorzinho. E não tentes responder a esta carta porque não a vou ler, aliás, não quero mais nenhum contacto contigo nem com ninguém relacionado a ti! Respeitosamente, ou não, Karen"
Eilish deixou cair o papel na mesa, murmurando uma espécie de palavrão.
- Anda Eilish, vou levar-te a Hogwarts. -murmurou Alicia, com os olhos vermelhos e inchados.
Eilish não protestou, apenas se levantou e pegou numa mala velha que estava encostada contra uma das paredes da sala. Tommy desceu a escadaria que ligava ao sótão já com a mala na mão e lançou um olhar penetrante a Eilish.
O Ford Anglia azul metalizado que havia sido dado a Alicia pela família Weasley estava estacionado junto à casa. Alicia rodou a chave na ignição duas vezes até ao carro pegar e começar a andar. De seguida ela mudou as mudanças e o carro inclinou-se para trás e começou a voar por cima do mar.
- Levas tudo? -perguntou Alicia a Eilish, olhando-o pelo retrovisor.
- Sim, se for as mesmas coisas de Durmstrong.
Alicia esboçou um sorriso triste e acelerou, fazendo com que Tommy tivesse de colocar o cinto e agarrar-se à cadeira.
- Vê lá se estudas este ano e não arranjas problemas... -aconselhou.- Se ficares retido outra vez vais trabalhar para o meu restaurante, não querias ser auror ou trabalhar com o Bill com os dragões da Roménia?
Alicia sempre teve uma paixoneta pelo Bill, mesmo ele sendo nove anos mais velho que ela. Eilish riu de se ter lembrado desse pormenor e cruzou os braços ao peito.
- Porque é que em Durmstrong não aceitam alunos retidos? -indagou, coçando a cabeça.
- Secalhar até aceitam... -intrometeu-se Tommy.- Mas estúpidos e burros como tu não devem aceitar.
Eilish mostrou-lhe o punho e Tommy sorriu sarcásticamente.
- Fala o crânio da turma... -divagou Eilish, revirando os olhos.
Alicia desviou-se de uma gaivota que aparecera à sua frente, e Tommy caiu em cima de Eilish, mas foi repelido logo que o carro se estabilizou.
Ficaram todos em silêncio por alguns minutos, apenas observando as nuvens serem cortadas pelo capô do carro, e as árvores e vegetação junto ao mar por entre as abertas.
- Conheces alguém de Hogwarts? -foi Alicia que quebrou o silêncio, e Eilish caiu em si, dando um pequeno salto.
- Não, ninguém.
Eilish era muito popular em Durmstrong, um dos preferidos entre os colegas, e um dos mais odiados pelos professores. Onde havia confusão, Eilish estava sempre presente como um dos desordeiros. Matava as aulas com assuntos sem sentido, era desejado pelas raparigas, bebia, fumava, zombava com os alunos mais novos; e todos o adoravam por isso, para eles, Eilish era como uma espécie de ídolo. Mas Eilish não gostava da vida que levava, na verdade odiava-se a si mesmo. Queria ser apenas mais uma pessoa com uma vida normal, alguém que não tivesse a ânsia de bater, alguém que não tivesse que ser falso para mostrar-se forte. A verdadeira personalidade e os verdadeiros medos dele estavam ocultos, e só o próprio sabia da existência deles. O rude e forte Eilish não passava de um rapaz fraco e sentimental.
- Estamos a chegar! -anunciou Tommy, apontando com o dedo para um enorme castelo que se erguia numa colina.
Ainda era de manhã, Tommy e Eilish precisavam de chegar muito mais cedo à escola pois era transferidos e precisavam de a conhecer antes de todos os outros chegarem. Segundo a carta que Mcgonagall mandara para sua casa, eles teriam de estar na escola antes do meio-dia a fim de a conhecer, de se instalarem e de serem escolhidos previamente pelo chapéu seleccionador, para não se misturarem com os alunos do primeiro ano.
Alicia preparou-se para começar a aterrar num descampado ao lado do castelo. Tommy agarrou-se bem ao assento, já conhecia as descidas de Alicia, e eram bastante turbulentas.
O automóvel precipitou-se até ao relvado rasteiro da escola a uma velocidade que faria saltar os olhos das órbitras a qualquer um. Quando as rodas tocaram no chão, o carro deu um solavanco e todos expiraram o ar que conteram nos seus pulmões durante a descida. Eilish abriu a porta lateral e respirou o ar fresco que provinha de uma espessa floresta.
Tommy saiu logo de seguida, com os olhos esbugalhados e a cara pálida enjoada.
- É maior que o de Durmstrong este castelo, não é? -comentou Alicia, suspirando enquanto vislumbrava os tons escuros e a arquitectura macabra e gótica do edíficio principal.
Eilish anuiu com a cabeça, abrindo a mala e retirando de lá os dois enormes malões e entregando o primeiro a Tommy com uma expressão carrancuda.
- Olhem, a Professora Mcgonagall já vem aí. -anunciou Alicia, apontando para dois vultos escuros que se aproximavam.
O primeiro era uma mulher já velha, com os cabelos brancos despontando da sua cabeleira castanha, e um nariz delgado e comprido que era comparado ao de uma bruxa. O segundo era um rapaz não tão alto como Eilish, mas que ultrapassava claramente Mcgonagall, com os cabelos loiros compridos balançando ao vento. Andava desajeitadamente, alterando o ritmo e a distância dos passos e esperando que Mcgonagall o acompanhasse.
- Alicia Drudvall. -cumprimentou Mcgonagall com um aceno rispido de cabeça.
Alicia respondeu com um aceno mais demorado.
- Aqui estão os rapazes. O Eilish é o mais velho e o Tom o mais novo. -apresentou, puxando-os pelo braço suavemente.- É preciso mais alguma coisa?
Tommy esboçou um sorriso tímido, como habitualmente fazia para se mostrar simpático à primeira vista. Eilish permaneceu com a mesma expressão carrancuda, erguendo subtilmente uma sombracelha e avaliando a velha senhora.
- Não, pode deixá-los comigo que o Mr.Gilroy irá apresentar-lhes a escola pela visão de um aluno. -acenou novamente com a cabeça e olhou profundamente para Eilish.- Já temos conhecimento das atitudes do Mr.Roddery. -voltou de novo a cabeça para Alicia.- Penso que na escola temos uma disciplina bastante rígida para que ele não cause tantos problemas como em Durmstrong. E cá entre nós. -baixou subitamente o tom de voz, aproximando-se mais de Alicia.- Durmstrong é demasiado benevolente para alunos problemáticos como estes, nunca confiei naquele director em relação à disciplina. Severo para os bondosos e benevolente para os da sua igualha.
Alicia riu divertida e olhou ironicamente para Eilish.
- Penso que foram bem entregues. Até ao Natal, então. -despediu-se de cada um com dois beijos e um forte abraço e meteu-se dentro do carro, acenando com a mão na janela antes de subir e desvanecer-se no céu.
Os segundos de silêncio tornaram-se pesados enquanto Eilish passava os olhos desde Mcgonagall até ao bizarro rapaz de olhos claros.
A velha pigarreou para captar a atenção e disse:
- Mr.Gilroy irá apresentar-lhes a escola, estou à vossa espera no meu gabinete depois da visita para que assinem uns papéis e sejam escolhidos previamente pelo chapéu seleccionador. A senha é Espirro de Fada. -sorriu abertamente para o loiro, uma atitude invulgar para uma senhora severa como ela. O rapaz respondeu-lhe com um sorriso tímido e de seguida Mcgonagall afastou-se do local evocando uma espécie de mesa que utilizava os seus pés para caminhar.
O jovem passou o peso do seu corpo de um pé para o outro, olhando timidamente para o chão. Foi Eilish o primeiro a lançar-se à conversa:
- Então, não nos vais mostrar a escola?
O loiro elevou o olhar e avaliou-o com os olhos cinzentos.
- Sim. -respondeu, voltando-se e começando a caminhar em direcção ao castelo.
