Os Mistérios de Londres

Quarta Parte: Galés

Capítulo 14: Ouvindo histórias


O sol estava a pino em Azkaban. Os prisioneiros estavam espalhados, procurando por sombras onde pudessem descansar. Caminhando lado a lado, Remus e Hagrid atravessaram todo o campo até os limites da prisão. Sentado junto ao córreo que recolhia o esgoto, um homem solitário observava as extensas planícies que tinha diante de si. Remus parou ao lado dele, enquanto Hagrid mantinha-se um pouco mais atrás.

O grito de algum pássaro feriu seus ouvidos e Remus voltou-se para o céu, na esperança de ver a ave que planava livre sobre eles. Os três quedaram-se assim por alguns instantes até o ex-detetive da Scotland Yard resolver quebrar o silêncio.

- Hagrid me disse o que você fez por mim ontem.

- Eu não diz nada por você. - o homem respondeu sem sequer olhílo - Apenas era impossível dormir com tanto barulho.

Remus sorriu, fixando o olhar no outro prisioneiro.

- Ele também me falou dessa sua resposta. Mas, mesmo assim, eu quero agradecê-lo.

Um silêncio incômodo imperou antes que o homem se levantasse, os olhos escuros brilhando por trás das lentes de seus óculos.

- Você não deveria estar me agradecendo. - ele respondeu, dando as costas para Remus - Eu sou o culpado por você estar aqui.

Os olhos de âmbar se estreitaram, mas antes que Remus pudesse responder, o homem se afastou. Hagrid observou-o por alguns instantes antes de se voltar para o amigo.

- O que ele quis dizer com aquilo?

Remus suspirou.

- Que eu estava cara a cara com o passado. Aquele homem...

- Você o conhece- o gigante perguntou curioso.

O outro assentiu.

- Eu jamais o reconheceria se ele não tivesse se denunciado. - murmurando, ele voltou os olhos para o céu - James Potter...


A noite estava estrelada, mas não havia lua. Perto dos galpões que serviam de dormitório, alguns prisioneiros aproveitavam a pouca liberdade que seus guardas lhes permitiam. Uma roda se formara em torno da fogueira que fora acendida para queimar as roupas puídas de um rapaz que morrera naquela manhã. Como a morte era natural naquele lugar, ninguém dera muita importância ao caso e a fogueira se tornara alegria para muitos dos presos.

Era como relembrar a velha infância, quando os mais velhos contavam histórias ao redor do fogo. E era isso o que eles estavam fazendo naquele instante. Hagrid, sentado no meio da roda, encantava todos com os contos de pirata do Barba Negra. Sentado à parte dos outros companheiros, James observou uma silhueta destacar-se do grupo, caminhando em sua direção.

Remus sentou-se ao lado dele e os dois ficaram em silêncio, sem se encararem, observando Hagrid entreter a pequena e entusiasmada platéia.

- Porque saiu da roda- o homem de óculos perguntou, virando-se para encarar Remus.

- Já ouvi muitas vezes as histórias de Hagrid. Inclusive a verdadeira versão sobre o Barba Negra. Hagrid o conheceu e dele carrega o sobrenome com muito orgulho. Mesmo que quase ninguém conheça o famoso pirata pelo seu nome real.

- Você quer dizer que aquele gigante era parente do Barba Negra- agora James parecia curioso. Em sua infância, ele também tinha tido a chance de ouvir Rosmerta contar a vida do mais famoso pirata dos mares do ocidente.

- Neto. - Remus respondeu simplesmente - Não sei muito bem porque Hagrid acabou aqui em Azkaban, mas acredito que tenha a ver com o legado do avô.

O silêncio voltou a cair. Inconscientemente, James perguntou-se porque Remus estava ao lado dele, mesmo sabendo que ele era um dos responsáveis por seu tormento.

- Porque você está aqui- Remus perguntou de repente.

- Como?

- Você era o braço direito do Conde Riddle. Como ele permitiu que justamente seu mais importante comensal caísse em Azkaban?

James cogitou a hipótese de simplesmente sair e deixar o jovem detetive conversando sozinho. Mas ele próprio já experimentara solidão demais para se negar o prazer de uma conversa de verdade; coisa que não tinha há quase três anos.

- Eu deixei os valetes.

- Você o quê- Remus perguntou surpreso.

- Eu deixei os valetes. - James repetiu pacientemente - Se Moody não tivesse me prendido naquela noite, Riddle teria me matado.

- Mas porque você deixou os valetes- Remus continuou, ainda visivelmente curioso - A fortuna e o prestígio de Riddle seriam seus daqui há alguns anos...

- Estou pagando por ter dado ouvidos a sentimentalismos. - James observou, cruzando os braços, surpreso consigo mesmo por aquela confissão - Por ter acreditado em tolices românticas.

- Eu acho que não estou entendendo... Você, James Potter, deixou tudo para trás por uma...

- Por uma mulher. Apenas por uma mulher. - ele respondeu, os olhos perdidos no horizonte.

Uma mulher... Uma mulher fora a fraqueza de Tom Riddle. Uma mulher era a fraqueza de James Potter.

- Quem era ela- Remus perguntou num fio de voz.

James suspirou.

- Um fantasma. Um delírio de juventude. - ele levantou-se - Não me pergunte mais sobre isso, Lupin. Não vale à pena trazer à tona essas lembranças.

O homem afastou-se novamente e Remus ficou sozinho diante da noite. Aos poucos, o silêncio foi dominando a campina. Era quase madrugada quando, finalmente, os últimos prisioneiros voltaram ao dormitório. E, quando teve certeza de que estavam todos dormindo, Remus esgueirou-se até o catre de James.

- Potter- ele chamou sussurrando.

- O que você quer agora, Lupin- ele perguntou sem se mexer.

- Nós vamos fugir de Azkaban.