:E Eu Sonhei Com Campos Onde Choviam Gotas Carmesins II: O Retorno do Carmesim ou Antes Que Eu Me Esqueça

:Capítulo I: As Cores do Arco-Íris

:Autora: Cindy "MiWi"

:Data: 31/10/2004

Eu quero mergulhar nos cores do arco-íris

Antes que eu me esqueça do sabor da derrota

E que a alegria do amanhã chegue

Antes que eu me esqueça das dores de ontem

Que minha mente se envolva no pôr-do-sol

Antes que a escuridão se torne memória

E que os beijos toquem minha alma

Antes que eu me esqueça

Antes que eu me esqueça

: Wiltshire, 2017:

Se apenas fechasse os olhos, a escuridão o envolveria – justo a ele, que sempre temera a falta de claridade. E as vozes começariam a sussurrar contra seu ouvido, tentadoras e brincalhonas e malignas. Mas eram as luzes que mais o assustavam – o que poderia ser mais assustador do que sombras e focos de luz na mais completa escuridão?

Havia os risos, as línguas percorrendo sua nuca, seu corpo em arrepios. E quando sua mão passava por seu rosto, não havia nada ali senão seu próprio cheiro e seu próprio toque. Passou a mão pelo rosto, pressionando os olhos como se isso pudesse fazer tudo aquilo sumir. E tudo sumiu, tão rápido quanto surgira.

Abriu os olhos.

Draco Malfoy reclinou-se na larga poltrona de couro negro. Olhou para o teto, como se não continuasse a fitar com o canto do olhar o antiquado relógio tiquetaquear no outro canto da sala. O lustre, porém, falhava em manter sua atenção distante daqueles pensamentos. Era como se até mesmo o abajur risse dele.

Ela estava atrasada. Não terrível, inexoravelmente atrasada – se assim fosse, ele já teria mandado corujas para todos os seus contatos que ainda se encontravam fora de Azkaban. Mas quinze minutos já era um tempo considerável, especialmente para Chris, a menininha perfeita.

Draco balançou a cabeça, como se tentasse se livrar de vez de tais idéias. Na última vez, ela já havia avisado que iria se atrasar, e realmente chegara em casa apenas um dia depois – mas desta vez ela não havia enviado aviso algum. Não que ela precisasse fazer isso – já tinha dezessete anos, e deveria ser suficientemente responsável para saber se cuidar sozinha, e por isso Draco não deveria se preocupar.

Bateu com força no braço da poltrona, o punho afundando levemente no couro macio. A outra mão, que segurava um copo de cristal cheio até a metade de vinho tinto, girava lentamente – um tique que sempre se manifestava quando ele se encontrava nervoso.

Ele não fora criado para se preocupar com outras pessoas, de tal forma que o sentimento o incomodava profundamente. De início achara que acabaria por se acostumar com a garota e com as malditas preocupações que ela trazia, mas onze anos já haviam se passado e ele se sentia tão mal com a idéia quanto quando vira a pequena garota parada na frente de sua porta pela primeira vez.

E Chris era tão terrivelmente distraída! Era inteligente, e sabia como se cuidar, mas era o tipo de pessoa que mal perceberia se estivesse sendo seguida. E se algo acontecesse, a culpa recairia sobre Draco – a menina estava sob seus cuidados, afinal de contas.

Ouviu um barulho vindo na direção da porta, e de imediato se virou na direção da mesma. Passos, serenos e resolutos. Uma pequena figura humana apareceu; inicialmente, apenas seu rosto e sua sombra surgiram, e então o resto de seu corpo. A menina entrou, fechando a porta atrás de si com calma, sem pressa de correr na direção de Draco.

De repente, surgiram na mente de Draco algumas memórias, de outras vezes que este mesma menina entrou nesta sala. Ela costumava vir correndo, algumas vezes rindo, algumas vezes chorando, mas sem jamais deixar de vir. Algumas vezes Draco simplesmente se esquecia do quanto temia que ela jamais voltasse a entrar naquela sala.

Ela caminhou sem dizer coisa alguma, sem chorar, sem rir, sem se arrastar, sem correr. Draco tinha a impressão de que ela o fazia de propósito, apenas para que ele não resistisse e perguntasse se estava tudo bem, se o ano em Hogwarts havia sido bom. E ela sempre sorria e dizia que sim, ainda que estivesse em lágrimas.

.- Boa-noite, paizinho – disse ela, e deu um de seus sorrisos; o tipo de sorriso que somente ela poderia dar. Como se disse que estava tudo bem, que o ano havia sido difícil, que os professores haviam reclamado de sua conduta novamente, que alguns trasgos haviam entrado em seu quarto enquanto ela dormia, mas que ela havia superado tudo, e agora tudo o que importava era que ela ainda era capaz de sorrir. – Eu estou de volta.

E Draco sempre se esquecia de agir como um Malfoy, e não ralhava com a menina que estava sob sua responsabilidade, e apenas sorria de volta. – E então? Como estava Hogwarts?

Ela apenas deu de ombros, inclinando-se na direção de Draco para beijar-lhe o rosto. Voltando, tirou o copo das mãos de Draco e repousou-o sobre a mesinha de madeira escura encostada ao lado da poltrona. – Bem... o de sempre. Honestamente, eu não entendo o Severo. Ele vem me dizendo, desde o primeiro ano, que não entende direito o que eu estou fazendo na Sonserina. Que o meu gosto pelo conhecimento é digno de uma Corvinal, que a minha coragem é digna de uma Grifinória, que o meu gosto pelas tardes de sol é digna de uma Lufa-Lufa. Aí eu mostrei a ele; mostrei o quanto eu sou uma Sonserina – fez uma pausa e, encolhendo-se um pouco, colocou-se no colo de Draco.

Há algum tempo, ele teria tentado tirar a garota dali, mas agora ele já sabia bem o quanto a menina era teimosa e apenas deixou que ela ficasse ali, a cabeça encostada contra seu ombro. – E ele não gostou. Ele não gostou nem um pouco – balançou a cabeça com força contra o peito de Draco. – E ele disse coisas feias, e eu não gostei nem um pouco – ela ergueu o olhar na direção de Draco, levemente culpada. – Você ficaria brabo se eu lhe dissesse que eu dei um soco no rosto do Severo?

Ele imaginou a garota, os traços delicados, o longo cabelo castanho-ondulado preso em suas mechas que a deixava com um ar levemente angelical, os braços franzinos, enchendo a mão para dar um soco no rosto naturalmente feio de Severo. – Não, claro que não; mas só se você disser que você acertou o nariz dele.

Ela sorriu, e se encolheu, ficando em silêncio por alguns instantes. – É amanhã, não é?

Ficando levemente rígido, Draco se ajeitou na cadeira. As sombras riam dele, escondidas atrás de cada objeto da sala. – Sim, claro que é. Você sabe que sempre é amanhã, Chris.

Passando as mãos ao redor do ombro de Draco, ela o abraçou com força. – Fica tranqüilo, paizinho. Se em dezessete anos eles ainda não decidiram levá-lo de volta, por que eles iriam resolver fazer isso agora?

Ele pensou em dizer que ele não era um maldito Grifinório que precisasse desse tipo de consolo, que ela deveria economizar suas palavras meigas para outra pessoa, e que o fato dele estar ouvindo vozes rindo contra sua nuca era suficiente para que eles o levassem de volta para St. Mungo. Ao invés disso, apenas a apertou com força, e jogou a cabeça para trás, interessado demais nos jogos de sombra e luz feitos pelo lustre para olhar nos olhos de Chris. – Eu ainda me sinto estranho ao ouvir você me chamar de "paizinho".

Chris fechou os olhos, aninhada no colo de Draco. – Mas você é o meu paizinho, Draco.

.- Eu gosto da entonação que você dá ao meu nome – murmurou Draco, suas palavras perdendo-se em meio aos longos cabelos de Chris. – E eu sou apenas seu pai adotivo, Chris. Apenas adotivo.

Tentou dar de ombros, mas a sua pele coberta por uma blusa preta apenas debateu-se contra a capa prateada de Draco. – Eu não me importo – disse ela, estendendo a mão para segurar a de Draco. – Mas você se importa, não é mesmo? De ter perdido cinco anos de sua vida trancado em St. Mungo e, quando você finalmente saiu de lá, ficar encarregado de cuidar de uma criança. Justo você, que sempre detestou crianças. Você não teria aceitado cuidar de mim não fosse a intimação. Quer dizer, entre cuidar de mim e voltar para St. Mungo, você escolheu a mim – ela fez uma pausa, ignorando o fato de que Draco estivera totalmente quieto nos últimos instantes. Apertou a mão de Draco com a sua, brincando com seus dedos. – Eu me sinto quase lisonjeada.

Estranhando o silêncio de Draco, ela se levantou, apoiando os braços no peito de Draco. – Não é mesmo? Se eles vierem amanhã e disserem que você não precisa mais cuidar de mim para provar que está mentalmente são, você não hesitaria em me botar para fora daqui, não é mesmo?

Soltou a mão de Chris, e ergueu uma de suas mãos para passar o dedo indicador pela sobrancelha da menina. Suspirou, num suspiro curto e cansado e levemente irritado. – Sabe, eu quase não reparei. Eu estava apenas começando a pensar que você estava carente, antes que eu me lembrasse que alguém como você não fica carente. Eu estava quase repetindo pela milionésima vez que, na carta que a sua mãe deixou junto com você quando a abandonou aqui, não havia nada sobre carinho e afeto. Dizia apenas que eu deveria cuidar de você, que nunca deveria lhe machucar de maneira alguma, e que você sempre deveria ser estimulada a conhecer novas coisas. Mas aí eu me lembrei que você é inteligente demais para precisar de tantas repetições – fez silêncio, passando a mão pela sobrancelha de Chris como se quisesse aprender tudo sobre as mesmas através de seu tato. – O que aconteceu, Chris?

Chris fechou os olhos, voltando a apoiar o queixo sobre o ombro de Draco. – Você sabe que eu realmente odeio mentir, especialmente para você, paizinho – grunhiu, e parou. Abriu a boca, e voltou a fechá-la, como se tivesse mudado de idéia. Com o rosto da garota virado para o outro lado, Draco mais sentiu do que viu isso.

.- Claro que sei. É justamente por isso que eu estou te perguntando – disse Draco, percebendo o corpo da garota encolher-se cada vez mais. E era estranho, pois a garota costumava ser extremamente aberta com Draco, e não era qualquer assunto que a deixava daquele jeito. Por raios, ela era o tipo de pessoa que contava sobre os mais variados detalhes de sua vida, sob os mais sórdidos aspectos. Percebendo que teria de fazer alguma coisa se quisesse que isso que aquela cena não durasse a noite inteira, Draco começou a acariciar o cabelo da pequena. – Eu também percebi que você ainda não falou como você provou ao Severo que você era uma genuína Sonserina.

Draco sentiu, e ouviu, mas não viu a risada de Chris, curta e contida, contra seu ombro. – Ah, isso. Foi divertido. Mas não é isso.

Inclinando-se um pouco mais na cadeira, Draco olhou ao redor, para o grande sofá à sua frente e para as mesinhas espalhadas pela sala. Vagamente achou que seria melhor eles estarem no sofá de quatro lugares, mas logo se lembrou que metade do motivo de Chris estar ali com ele na poltrona era que assim ele não teria como evitar o contato com Chris, que vivia repetindo que Draco era muito frio com as pessoas em geral. A outra metade do motivo era que ele próprio não sentia vontade de sair de sua poltrona favorita. – Você poderia começar me contando sobre isso.

Ela deu um meio sorriso, brincando com os cabelos de Draco, presos num pequeno rabo de cavalo. – Às vezes eu faço favores para as pessoas. Às vezes é algo bobo como uma tarefa de casa, ou servir de cupido, ou qualquer coisa do gênero. E eu nunca peço nada em troca. E você sabe que eu não faço o tipo benevolente, é apenas que eu acho que é mais provável que eles me retornem esses favores se eu não os obrigar a fazê-lo – fez uma pausa, como se desejasse situar Draco. – Pois bem, dessa vez eu disse a algumas pessoas que eu desejava uma coisa, e que não era possível que eu alcançasse essa coisa sozinha. Como uma criança que desejasse o pote de biscoitos em cima do armário. E elas fizeram exatamente o que eu queria, e elas fizeram coisas que normalmente não fariam se eu apenas ordenasse – riu sozinha, abertamente. – Ah, e o velho Severo não tem mais coração para essas coisas! Ele parecia verdadeiramente assustado ao ver o salão colorido em tons de prateado e dourado, com tantos alunos sentados ao centro do mesmo, e apenas eu de pé – nova pausa, afastando-se de Draco para se erguer em frente ao mesmo. Passou uma mão pelo rosto, afastando uma mecha que insistia em cobrir seus olhos. – Apenas eu de pé – e sorriu.

O sorriso de Draco veio levemente nervoso, como se antecipasse o desfecho da história e ainda se mantivesse indeciso se deveria continuar até o fim ou não. – E... ?

.- Eles não queriam abrir o Clube de Duelos, nem nos ensinarem os princípios básicos da Arte das Trevas – ela disse, gesticulando furiosamente. Ergueu ambas as mãos para o alto, exasperada. – Eu entendo que eles não queiram ensinar algo assim para as crianças do primeiro, do segundo, e até do terceiro ano. Eles simplesmente não têm maturidade para compreender a complexidade da Arte das Trevas – virou-se para Draco, furiosa. Este teve de conter o reflexo de se encolher na poltrona. – Mas nós, do sétimo ano, estamos mais do que preparados para algo assim!

Fez uma pausa, como se quisesse deixar Draco perceber o tamanho do absurdo da situação. Draco de fato ficou pensativo, mas sua mente estava perdida em algum ponto de sua infância, há tantos anos. A voz de Lúcio, seu pai, gritando exasperado para Narcisa que Draco deveria ir para uma escola que o ensinasse sobre a Arte das Trevas, e não apenas a se defender da mesma. Narcisa disse que não, e essa foi sua palavra final sobre o assunto.

Chris riu, passando a mão pela mesma mecha que voltava a ficar sobre seus olhos. – Eles disseram qualquer coisa sobre como o excesso de conhecimento sobre a Arte das Trevas já prejudicara por demais a sociedade dos bruxos. Coisas sobre Salazar Slytherin, Grindewald, Lorde Voldemort... – disse ela, passando pelo nome dos bruxos como se eles não tivessem relevância alguma. Deu de ombros. – Eu sei que eles foram ruins, mas é necessário que nós paguemos pelo que eles fizeram há tanto tempo? E os que fizeram coisas boas nunca entram nessas contas! Quantas pessoas não devem ter sobrevivido a um ataque maligno graças a um conhecimento maior da Arte das Trevas? Quantas pessoas não devem ter feito boas ações, boas poções, bons encantamentos com esses conhecimentos? E se há maldade no mundo, será que isso é culpa apenas da Arte das Trevas? Se fosse assim, os trouxas não seriam todos benignos? E você e eu sabemos que não é bem assim – disse ela, num olhar conspiratório na direção de Draco.

E este começava a descobrir porque raramente ganhava uma discussão de Chris – por Merlin, a menina realmente sabia como convencer as pessoas! Se a lembrança de Lorde Voldemort ainda não lhe trouxesse péssimas lembranças, ele teria sido capaz de cair direitinho na conversa de Chris. Ele apertou os olhos por um momento, apoiando a testa sobre o punho fechado, e o cotovelo, sobre a poltrona. Risos, e a chuva caindo, o maldito arco-íris surgindo no horizonte. Mais risos.

Ele realmente precisava de ajuda. Mas é claro que ele não pediria ajuda a Chris, ou a qualquer outra pessoa. – E o que você fez? O que a prata e o ouro têm a ver com a história?

.- Eu reuni todos as pessoas que me deviam favores, ou que se sentiam na obrigação de fazer algo por mim, já que intitulam meus 'amigos' – disse ela, dando novamente de ombros. – Ou algo do gênero. De todas as casas, de todos os anos. E nós decoramos o salão principal, e colocamos faixas prateadas e douradas pendendo do alto do salão, e dissemos aos professores que essa era a nossa maneira de dizer que nós merecíamos essa chance, que nós não deixaríamos meras rivalidades entre casas destruírem tudo, não dessa vez – balançou a cabeça, o cabelo caindo sobre sua face e escondendo seu olhar decidido. – Que esse conhecimento deveria ser nosso, para que qualquer pudesse usá-lo da maneira que melhor lhe conviesse, pois conhecimento é poder, e restringir esse tipo de poder apenas ao pequeno grupo que se daria ao trabalho de aprender sozinho sobre a Arte das Trevas era simplesmente inconcebível, especialmente nos dias de hoje – ela sorriu, ergueu o olhar e apoiando-se em apenas uma das pernas. Seu olhar havia adquirido um certo ar brincalhão. – Eu deveria saber, não é mesmo? Eu sou uma Sonserina, da casa do poder.

.- E pela sua alegria, eu deveria presumir que eles vão reabrir o Clube de Duelos e irão ensinar os princípios das Artes das Trevas – murmurou Draco, e havia algo no olhar de Chris... algo que era meio perturbador, meio tranqüilizante.

Antes que ele pudesse encontrar a resposta, Chris voltou a pular em seu colo, passando os braços ao redor de seus braços para abraçá-lo da maneira afetuosa que ela bem sabia que Draco detestava. – Bem, eles já reabriram o Clube de Duelos, e prometeram ensinar apenas os princípios básicos da Arte das Trevas aos alunos que irão se formar, ou seja, os alunos do sétimo ano. Ah, eu adoro me lembrar do rosto de Severo ao ouvir isso! Ele não agüentou, e saiu da sala logo depois, mas eu vi a expressão assustada dele! Eu vi!

O que ela não sabia, e nem deveria saber, era qual era a verdadeira razão pela qual Severo se assustara ao ver o que Chris havia conseguido com tamanha facilidade. Mas, ao ver Chris sorrindo de seu triunfo, Draco tinha certeza de que Severo estava errado; Chris jamais se tornaria uma psicopata que deseja conquistar o mundo, tal qual Voldemort. Alguém com um sorriso como aquele seria incapaz de assassinar crianças por mero prazer. E, se ela desejasse governar alguma coisa, ela o faria de modo tal que as pessoas se sentiriam contentes em obedecê-la.

Mas havia algo que ainda o perturbava. – Mas você falou que não era isso que a incomodava...

Ela emburrou, saiu do colo de Draco e foi se sentar no largo sofá a sua frente. Encolheu-se novamente, abraçando os próprios joelhos e apoiando o queixo sobre os mesmos. Olhou para Draco com uma expressão levemente irritada. – Você é muito detalhista, paizinho. Qualquer um já teria se esquecido disso.

Não qualquer um, pensou Draco consigo. Ainda havia a pessoa que o havia ensinado a ser assim; a pessoa que o ensinara a prestar atenção aos mínimos detalhes, e que conhecimento realmente é poder.

Nada melhor para tornar um Sonserino curioso do que dizer que conhecimento é poder. E a maldita Granger bem sabia disso ao conversar com ele no hospital! Algumas vezes, a memória de Granger vindo visitá-lo no hospital não passava de um borrão, em outras, ele era capaz de se lembrar de cada detalhe – da voz aos detalhes das roupas da Sangue-Ruim. Ele pensou em mandá-la embora, e de fato grunhiu xingamentos na direção da mulher antes de perceber que ela era a única pessoa que vinha visitá-lo. Perceber isso foi o suficiente para que a presença dela deixasse de irritá-lo e apenas o interessasse.

Algumas vezes, ela falava por horas, e lia livros em voz alta, mesmo que Draco mal falasse com ela. Em outras vezes, ela apenas permanecia em silêncio ao seu lado. No dia em que recebeu alta (os médicos aparentemente tendo decidido ignorar alguns dos delírios que Draco ainda tinha), ele hesitou em sair do hospital. E era engraçado, pois ele por tantas sonhara com aquele momento, no qual ele inevitavelmente sairia correndo pelas portas do hospital. Agora que o momento chegara, ele apenas se sentara em um dos bancos no corredor e esperara.

Esperou durante horas. E esperou. E esperou.

Esperou até que as pessoas começassem a se perguntar o que aquele homem de aparência cansada fazia naquele corredor. Esperou até que uma das enfermeiras cutucasse seu ombro, justo quando ele estava quase dormindo, e perguntasse o que ela estava fazendo ali. E ele finalmente disse as palavras que o assombravam nos cantos mais remotos de sua mente. – Mas para onde eu devo ir? – grunhiu, olhando para seus pés. – Não é como se eu tivesse um lar.

Ela parou, verificando algo entre seus papéis. – Draco Malfoy?

Ele assentiu, e deu de ombros, como se o fato não fosse de sua escolha. – Não veio ninguém, não é mesmo? Ninguém sabia que eu ia receber alta – e continuou, a voz pouco acima de um sussurro. – Ou ninguém se importou?

Ela deu de ombros, complacente. – Eu realmente não sei. Mas, você tem um lar. A Mansão Malfoy não foi confiscada e, como a sua mãe se encontra presa em Azkaban e seu pai, foragido, a mansão é sua – ao menos foi isto que me foi passado.

Draco soltou uma respiração que ele mal havia percebido que estava presa até então. Ele sabia que não haveria ninguém esperando por ele na Mansão, mas ele ainda sabia onde se encontravam os vinhos centenários e as bebidas draconianas, e o mundo não pode ir tão mal se você sabe onde se encontram as melhores bebidas de toda a Inglaterra.

De tal forma que ele chegou em casa, trocou de roupa, e esperou cinco minutos antes que a campainha tocasse. Na porta da frente da Mansão, se encontrava Chris, então com cinco anos. Ele a encarou por um momento, pegou o papel que a garota estendia para ele, leu-o, releu-o, encarou novamente a garota, e fechou a porta na cara dela.

.- Draco! – uma Chris de dezessete anos chamou a sua atenção, segurando-o com firmeza pelos ombros. – Você realmente não estava me ouvindo, não é mesmo?

Draco balançou a cabeça, pondo uma mão sobre a cabeça e sentindo o início de uma enxaqueca. – Não. Não, eu não estava. Mas eu acho que você ainda não falou a razão pela qual você está preocupada, Chris.

Ela deu de ombros, e se afastou. Encarou os próprios pés por um momento, abriu e fechou a boca algumas vezes, antes que Draco interrompesse sua hesitação. – Não precisa falar se você não quiser, Chris – ante o olhar levemente aturdido de Chris, Draco se levantou e começou a caminhar na direção da porta. Falava sem olhar diretamente para Chris. – Alguém certa vez me disse – e ele pensou consigo em Hermione Granger. – Que o passado não importa, se você é capaz de construir seu próprio futuro – quando percebeu que Chris ainda estava em silêncio, parou junto à porta e se virou na direção da garota. – Eu acho que você deveria saber, Chris, mas eles provavelmente irão me pedir um favor amanhã. Outro favor. Eu juro que eles fazem isso por saberem que eu não posso recusar – e ele falava rápido, furioso consigo mesmo e com as pessoas do Ministério que trabalhavam em conjunto com St. Mungo. – O fato é... eu provavelmente vou ter de viajar, para poder encontrar duas pessoas desaparecidas há cerca de dez, quinze anos – balançou a cabeça, chutando a porta atrás de si com a sola de sua bota de couro de dragão. – Eles não sentiram falta dessas pessoas por mais de dez anos, por que sentiriam agora?

Chris começou a caminhar na direção de Draco. – Quem? – disse, o olhar tão decidido que Draco poderia jurar que ela seria capaz de conquistar o mundo com um olhar daqueles. – Quem são as pessoas que você deve procurar?

Ele encostou a cabeça na porta, olhando para cima. – Dois heróis. Céus, e eles sabem que eu nunca suportei heróis! – abaixou a cabeça. – Eu só estou avisando, Chris, só pro caso de eu ter de deixar você sozinha durante as suas férias.

Passar o Natal sozinha. Chris não gostava muito da idéia. Na realidade, ela detestava a idéia. – Claro, paizinho, só não se esqueça de se despedir antes de partir.

Draco sorriu, um sorriso terrivelmente cansado. – Claro, Chris. Boa-noite.

Ela respondeu sem muito ânimo. – Boa-noite, Draco.

Ao fechar a porta atrás de si, ele se demorou por um instante antes de começar a caminhar pelo longo corredor da mansão. Passou a mão pela cabeça, sentindo aquela enxaqueca piorar. E o pior era que não se tratava de uma mera enxaqueca que ele poderia tratar com um dos remédios que se encontravam em seu quarto, mas uma enxaqueca que ele conhecia muito bem.

Sua cabeça latejava de medo. Ele preferira omitir esse detalhe ao contar a história para Chris, mas ele não queria encontrar as pessoas que deveria procurar. Especialmente uma delas, que provavelmente o mataria assim que o visse. Harry Potter. O nome ainda lhe dava calafrios. Na opinião de Draco, ele deveria ser Aquele-Que-Não-Deve-Ser-Nomeado, tal era o medo que o grifinório inspirava em Draco. A outra pessoa... ele desejava reencontrar a outra pessoa, embora parte de si negasse isso. Hermione Granger. Sua cabeça sonserina era incapaz de conceber o que levaria alguém a visitá-lo quando ninguém mais o fazia, e a Granger havia, de alguma maneira, incutido traços de curiosidade em Draco, de tal forma que ele realmente queria encontrar a mulher para lhe perguntar porque ela ia visitá-lo no hospital.

Parte de si achava provável que ele nunca mais visse Chris, se o pessoal do Ministério realmente lhe pedisse para fazer aquilo, assim como descrevia a extensa carta de Severo Snape. Mas ele temia muito mais pela própria pele do que pelos sentimentos de Chris, e ele bem sabia disso.

Desistindo de pensar mais sobre isso, ele se encaminhou na direção de seu quarto, disposto a beber todo o vinho que encontrasse pela frente.

Mal sabia ele que, de outro lado da porta, Chris também se torturava, debatendo-se contra si mesma. Quando percebeu que Draco havia saído da sala, ela caminhou em desalento até o sofá, e se jogou contra ele.

Ela estava acostumada a contar sobre tudo a Draco. Suas conquistas, suas derrotas. Não se lembrava ao certo quando isso se tornara um hábito, o fato era que Draco era uma das poucas pessoas que dificilmente se esforçava em corrigi-la, ou dizer-lhe que algo estava errado. Algumas vezes ele chegara a gritar com ela, mas não mais do que uma irritação momentânea.

Certa vez, ele chegara a se levantar de sua poltrona para lhe dar um tapa no rosto, e isso foi quando ela disse que os Weasleys, que eram cerca de dois anos mais novos que ela, eram pessoas legais. Draco havia se sentido ultrajado. Os gêmeos, filhos de Ronald Weasley, e a garotinha, filha de Gina Weasley, pessoas legais? Isso era demais.

Ainda assim, Chris gostava de conversar com Draco, às vezes por horas a fio. E Draco muitas vezes passava o dia lendo, seja um livro ou um jornal, de tal forma que ele sempre sabia alguma coisa sobre qualquer assunto.

Draco vivia lhe dizendo que ele não fora sempre assim, que houve um tempo em que ele realmente não gostava de ler, mas isso fora antes de ele conhecer alguém. E Chris estava decidida a algum dia descobrir quem era essa pessoa.

Mas, no momento, isso não poderia ser menos importante. O que não saía de sua cabeça era o maldito preconceito de Draco, e o que ela deveria contar a ele agora e simplesmente não encontrava coragem para fazê-lo.

Afinal de contas, como iria contar a Draco Malfoy que sua filhinha estava apaixonada por um homem vinte anos mais velho? E se ela sabia que Draco seria capaz de aceitar esse detalhe, ela tinha também certeza de que nada no mundo iria fazer com que ele aceitasse outro pequenino detalhe.

O homem pelo qual ela estava apaixonada era um trouxa.