» E caiu em cima de mim, dando um grito agudo de dor. O seu sangue manchou as minhas roupas, que de brancas passaram a negras. Pesava demasiado sobre o meu corpo. Não me conseguia libertar. Não sabia o que o havia morto, mas sabia que o resto da matilha estava lá e me tinha cercado. O pêlo basto e cinzento tapava-me a vista.

» Comecei a ouvir gritos. Pareciam gritos de Wargs. Ouvia também o som de flechas. Os lobos selvagens estavam a correr, a fugir de algo. A princípio pensei que os Gnomos tivessem decidido trair os seus "amigos", mas enganei-me. Quando retiraram de cima de mim o lobo chefe, vi Gilraen, rodeada pelos seus elfos. Todos eles traziam arcos, finos e compridos. Gilraen trazia também uma espada prateada, que reluzia com a luz da lua.

» "Procuramos-te por todo o lado, Passo de Gigante." Disse-me "Não quero imaginar o que te teria acontecido se não te encontrasse-mos o rasto. Espero que não voltes a sair da floresta sem escolta, pois apenas nós conhecemos todo o seu caminho."

» Levantei-me com a ajuda da senhora e segui-a por um caminho mais largo do que o habitual. Ela tinha ao pescoço um colar com uma estrela de diamante. Este iluminava o caminho e fazia da senhora bela e esplendorosa. A noite fugia do seu brilho, como se o temesse. A escuridão escondia-se por detrás das árvores e o caminho ficava envolto pela luz.

» E por outro caminho ela levou-me às ruínas da cidade. Olhou-as com tristeza. O brilho dos seus olhos desapareceu por completo e ela continuou durante muito tempo a olhar as ruínas. Estava perdida em pensamentos, recordações que pareciam não a querer abandonar.

» Depois olhou docemente para mim e avançou. Sentou-se numa cadeira de pedra e eu segui-a.

» "Há muito tempo que não olhava para ela. Há muito tempo que fui privada de mirar a sua beleza, mas desconhecidos pisaram as suas terras e foram atacados pela curiosidade. A floresta esconde a cidade, os animais protegem-na, mas quando sentem que alguém a deve conhecer, conduzem-no até ela. É então que nós, os elfos sabemos se podemos confiar nos desconhecidos.

" Ela é agora chamada a Cidade Perdida. Perdida no meio da floresta, perdida no esquecimento. E é no esquecimento que a queremos manter.

" A Cidade já viu muitos Invernos depois do que aconteceu. Ainda não sei explicar bem. Foi tudo tão diferente daquilo em que acreditamos. Foi tudo tão diferente do que coração élfico acredita. Uma sombra passou pela cidade, repleta de maldade e escuridão. Tentou muitos dos elfos que não conseguiram resistir e a seguiram até à morte.

" Muitos de nós conseguiram fugir, mas a sombra voltou e destruiu toda a cidade. Ela trouxe-nos escuridão, tristeza e morte. Nunca pensei ver nada assim. Nunca pensei ver um mal tão terrível. Seduziu-os e conduziu-os. Hipnotizou-os e eles renunciaram o seu coração. Desde esse acontecimento que nunca mais voltamos à cidade, nem tão pouco ousamos penetrar demasiado na floresta pois ela esconde muitos males, muitas tristezas e muitas memórias.

" Teme-mos que essa sombra ainda não se tenha extinguido, teme-mos que tenha partido para outra floresta para causar a dor e a morte ou então apenas para se esconder, pois pode ter feito isto apenas por diversão.

" E se ela ainda anda por aí, quem sabe o que virá…"

» Gilraen calou-se e ficou mais uma vez perdida em pensamentos. Desta vez os seus olhos não estavam tristes, mas repletos de horror. O seu rosto empalideceu e ela ficou quase tão branca como a lua que se erguia majestosa no céu.

» A senhora fechou os olhos e depois voltou a abri-los. Tinha voltado ao normal. Os seus olhos brilhavam novamente e a sua face tinha ganhado cor. Depois de momentos de silêncio ela começou a falar "Fiz algo que não devia. Algo que não fazia há muito tempo, pois isso apenas me trouxe desgraças. Eu espreitei o futuro e vi algo que a ninguém agradará. Algo terrível."

» "O que viu minha senhora?" perguntou um dos elfos.

» "Algo que não deverei revelar. Não se preocupem, haverá muito mal mas a amizade e o amor triunfarão e a irmandade superará todos os obstáculos." E olhou para mim com o seu olhar penetrante.

- Muito bem, uma história magnífica mas terá que a continuar amanhã senhor. A noite já vai alta e são horas de fechar para irmos todos descansar. – disse o Sr. Carrapiço.

- Mas eu estou a gostar da história, não podes fechar mais tarde? – perguntou Gorducho.

- Eu já estou a fechar mais tarde, Sr. Gorducho. Agora, todos para fora que eu tenho que arrumar esta bagunça antes de me ir deitar. – resmungou Carrapiço.

E pondo toda a gente lá fora, desejou as boas-noites a Paço de Gigante que se foi deitar, agarrou na vassoura e começou a varreu o chão, enquanto Cachola empilhava as canecas de cerveja.