"Ataquem!" – ordenou ao mesmo tempo em que o demônio gritou:

"MATEM-OS!" – e assim a batalha final começou.

Duo abriu passagem por entre vampiros e companheiros de batalha, indo em direção ao demônio Apocalíptico. Parou em frente a ele com a deathscythe presa firmemente entre os dedos e inspirou profundamente por entre os dentes. O bicho era duas vezes maior e mais largo do que ele e a sua mão grande seria capaz de prender a cabeça do caçador entre os dedos compridos e largos e comprimi-la como uma bolinha de borracha. A boca torta e grande, de dentes amarelados e afiados abriu-se em um sorriso predador, tentando intimidar o garoto que cravou os pés no chão se preparando para o primeiro golpe que veio doloroso e violento. A espada desceu com força e velocidade em direção a cabeça do rapaz que com muita dificuldade conseguiu bloqueá-la, sentindo alguns ossos de seus braços estalarem de protesto. Depois dessa primeira investida a situação realmente ficou perigosa e o que se seguiu foi uma batalha que ficaria na história.

Heero parou quando transformou mais um vampiro em pó. De um corte de seu supercílio descia um filete de sangue que estava incomodando a sua visão, mas uma esfregada brusca da manga do casaco sobre o olho resolveu o seu problema. Sua pele ficou ainda mais pálida quando viu Duo ser segurando com força pela garganta e arremessando contra um pilar de pedra que se partiu com o peso do seu corpo. Tentou correr para ajudá-lo mas outro vampiro meteu-se na sua frente, bloqueando o seu caminho. Rosnou intensamente para aquela criatura que estava atrapalhando a sua vida e girou o punho da espada na palma da mão, a segurando com firmeza e cortando o ar de maneira violenta até que arrancou a cabeça do vampiro. E, quando deu por si, estava rodeado por mais inimigos e a sua visão de Duo foi bloqueada.

O caçador sacudiu a cabeça para espantar o zumbido que estava em seus ouvidos e soltou um grito estrangulado quando a ponta fina e afiada da espada do demônio atravessou a carne e o osso do seu ombro esquerdo.

"Pensa, garoto insolente, que realmente pode me vencer?" – a voz rouca e sarcástica soou ao longe no ouvido do rapaz cuja visão estava quase escurecida por causa da dor. –Eu estou nesta terra antes mesmo de vocês humanos nojentos surgirem. Eu sou o primeiro dos primeiros, o senhor dos demônios. – continuou, girando a lâmina dentro do ombro do rapaz e o obrigando a se levantar. –Foi preciso muito mais que um simples caçador para me prender no passado e não vai ser você, inseto nojento, que vai conseguir esse feito agora. Nenhuma arma mortal pode me derrotar!

"E blá, blá, blá, blá." – escarneceu Duo, erguendo a cabeça e mirando os olhos escurecidos na direção do adversário, jogando o corpo para trás e conseguindo tirar a espada de seu ombro. Enrolou a corrente da sua foice no pulso e a rodou no ar, a lançando com ferocidade em direção a criatura, que deu um salto para trás para sair da direção do golpe. Quando a lâmina da deathscythe atingiu o chão, uma rachadura larga formou-se até que a terra começou a rachar e explodiu, gerando um grande buraco onde a ponta da arma tinha atingido. O demônio olhou para aquilo surpreso. Uma arma comum não seria capaz de fazer aquele estrago. Olhou novamente para o garoto, cujos fios do cabelo soltavam de sua trança e cujos olhos estavam escurecidos com uma fina linha vermelha circulando a íris violeta. Tentou entender o que estava acontecendo mas não teve tempo de pensar muito. Duo avançou sobre ele e desferiu um soco forte contra o seu queixo, fazendo alguns ossos estalarem. Rapidamente ele segurou no punho fechado do menino e o apertou com força, quebrando alguns dedos dele e novamente ele grunhiu de dor enquanto recebia um soco de volta. O caçador iria ser lançado para longe com a força do impacto se não fosse um movimento rápido de sua foice o fazer ficar parado no lugar. O demônio rosnou de dor ao sentir a deathscythe enterrar-se na sua cintura e rasgar a sua carne. Ele soltou o punho de Duo, que puxou a arma com força, abrindo ainda mais o corte, e recuou uns bons passos para poder entrar novamente em posição de ataque.

Trowa caiu de joelhos quando a arma do vampiro a sua frente enterrou-se na sua coxa. Os olhos verdes se alargaram quando viram a criatura sorrir enviesada pronta para dar o golpe final. Fechou as pálpebras fortemente com um único pensamento na sua cabeça: Quatre, e esperou pelo fim. Quando se passaram segundos sem ele sentir golpe algum, o rapaz abriu os olhos para perceber que o vampiro ainda estava com as mãos erguidas no ar e olhava com ávido interesse para algo em seu peito. Trowa abaixou o olhar para ver que o que o demônio tanto observava era o medalhão que Quatre tinha lhe dado e que estava começando a brilhar intensamente. O feitiço do loirinho estava entrando em ação.


Quatre deixou o corpo deslizar pelo armário de ferro impedindo assim que um soco cruzasse o seu crânio. Com o punho fechado firmemente em volta da sua headscythe, o árabe cravou uma lâmina no estômago do vampiro que observou o ataque com olhos largos e surpresos. Num pulo o garoto estava de pé e enterrava a sua outra lâmina no pescoço do demônio que começou a se engasgar no seu próprio sangue negro. Com força ele puxou as armas do corpo da criatura e apenas esperou que o dardo lançado pela arma de Noin, que estava atrás do vampiro, cruzasse o coração do mesmo.

"Você está ficando bom garoto." – elogiou a sentinela, coberta de poeira e sangue.

"A prática leva a perfeição." – respondeu o jovem Winner, olhando em seu relógio e através da porta de entrada destruída da escola. –Começou. – murmurou o garoto, começando a recuar quando viu que mais demônios vinham da Boca do Inferno na direção deles.

"Bloqueiem as portas! Não deixem eles saírem!" – ordenou Noin, correndo até Treize e Padre Maxwell e postando-se ao lado deles com as armas em punho. Quatre deu um passo à frente e abaixou as suas foices de maneira que elas estavam paralelas ao seu corpo. Seu feitiço estava começando a se ativar agora que o eclipse estava acabando e o mais vantajoso para eles seria manter os vampiros dentro da escola. Inspirou profundamente e abaixou os olhos, começando a recitar algo sob a respiração. Treize, Noin e Padre Maxwell apenas ficaram parados, com as armas erguidas enquanto viam aquela massa de demônios vir em sua direção. Os murmúrios de Quatre começaram a ficar cada vez mais altos até que em um ponto uma onda de energia dourada e azulada emanou do loiro, passando pelos sentinelas e chocando-se contra a porta. Assim que tudo pareceu voltar ao normal, o garoto abriu os olhos e ergueu as suas lâminas novamente, pronto para o baque que seria quando os vampiros viessem.

Padre Maxwell foi arremessado no chão quando o primeiro vampiro chocou-se contra o seu corpo ferido, sendo erguido rapidamente por Treize que depois jogou-se contra a criatura, prendendo o corpo dela no chão e desferindo socos contra o seu rosto distorcido. Os nós dos seus dedos já estavam roxos e sangrando mas, mesmo assim, o sentinela parecia estar disposto a continuar o seu ataque. Quando percebeu que o vampiro estava atordoado demais para contra atacar, ele cravou uma estava em seu coração e esse rapidamente virou pó.

Noin observou horrorizada quando os vampiros passaram por ela em direção a saída para aproveitarem esses poucos minutos de escuridão que eles ainda tinham. Tentou impedi-los ao recolher seu arco e algumas flechas do chão, mas acertou poucos. Arregalou os olhos quando os viu se lançar contra a porta e serem jogados de volta para dentro da escola por uma força invisível. Atordoados, eles se levantaram e tentaram outro caminho, apenas para serem jogados novamente para dentro da escola. Ou seja, eles estavam presos no hall de entrada por causa do feitiço de Quatre e estavam começando a ficarem furiosos por causa disso.

"Quatre…" - a mulher murmurou para o loiro enquanto os quatro humanos formavam um círculo, um de costas para o outro, sendo encurralados pelos vampiros enfurecidos. -… sua idéia foi boa mas agora nós estamos com um grande problema loirinho. – falou, engolindo em seco. Não estava com medo, apesar de seu coração estar batendo a mil por hora por causa da adrenalina. Apenas não era muito fã de lutas desiguais.

"Precisamos apenas distraí-los um pouco. Meu feitiço está começando a funcionar, sinto isso. Força." – pediu a todos e eles assentiram com a cabeça. Padre Maxwell fez o sinal da cruz, murmurando sob a respiração: que Deus nos proteja, e partiu para o ataque com os outros.


Duo bloqueou um soco do demônio, conseguindo segurar seu braço maior entre o seu braço e corpo e desferiu um chute forte em cima do ferimento que tinha feito na cintura dele mais cedo. Um hematoma estava se formando do lado esquerdo do seu rosto e seu ombro latejava, ainda sangrando intensamente por causa do esforço que estava fazendo. Sua cabeça estava ficando leve por causa da perda de sangue mas os seus olhos ainda estavam firmes e focalizados na sua missão. Sua deathscythe estava jogada a um canto assim como a espada do Apocalipse. Ambos estavam em uma luta corpo a corpo acirrada e que estava gerando vários ferimentos. Ambos determinados a levarem essa batalha até as últimas conseqüências.

O demônio soltou um grunhido diante do chute e conseguiu soltar o seu braço da prisão do garoto, segurando seu pulso no processo e torcendo o braço dele nas costas de modo que esse estalou de maneira nauseante. Desferiu um chute contra a base da espinha do caçador que se dobrou de dor e nem viu quando a mão grande segurou em seu pescoço e o prensou com força contra a parede, batendo a sua cabeça na pedra e o fazendo ver estrelas. Ao longe ele ouviu alguém gritar o seu nome em uma voz que soou muito como a de Heero, mas não deu muita atenção a isso.

"Essa Boca do Inferno será a sua cova caçador! Garantirei isso!" – rosnou a criatura enquanto Duo abria os olhos antes fechados pela dor para observar o rosto distorcido que estava perto do seu.

"Então seremos dois enterrados aqui." – murmurou de volta, segurando com força as mãos em volta de seu pescoço e as apertando até que foi quebrando os ossos delas e as enfraquecendo. Assim que conseguiu se soltar, deu um chute no abdômen do demônio e depois com uma giratória deu outro do rosto dele, dando uma cambalhota pelo chão e catando a sua foice, a rodando com velocidade por sobre a sua cabeça. Apocalipse apenas esticou a mão de ossos quebrados e convocou a sua espada, fechando os dedos contra o punho dela. Novamente partiram para o ataque com armas.

"DUO!" – Heero gritou quando viu o americano avançar sobre o demônio e chocar sua lâmina com a dee, criando um vácuo com o golpe que fez os dois corpos recuarem com força.

"Heero!" – Wufei chamou o amigo, segurando no braço dele. Sua katana pingava com o sangue negro dos vampiros derrotados e ferimentos cobriam o seu corpo. –Vamos embora. – avisou e viu os olhos do japonês se alargaram horrorizados.

"O quê?" – rosnou o vampiro com alma. Não iria arredar o pé dali sem o Duo.

"Olhe!" – o chinês apontou para o seu redor. Trowa tinha voltado à elevação que levava até a entrada da Boca do Inferno e o seu peito brilhava intensamente por causa do medalhão dado por Quatre. Raios solares eram absorvidos pelo medalhão e refletidos nos vampiros que estavam dentro daquele buraco, os destruindo rapidamente. Os outros caçadores já se livravam do inimigo, correndo para a saída, com Zechs escorando Une e Relena escorando Hilde. Pedras começavam a de desprender do teto da caverna, fazendo os humanos se desviarem durante a sua fuga. O chão estava começando a tremer e mais e mais demônios eram atingidos pelos raios. Heero observou apreensivo um raio vir na sua direção e desviar-se a centímetros de seu corpo, atingindo um grupo de vampiros que estava atrás de si. Quatre sempre pensando em tudo, ao que parecia.

"A Boca do Inferno está se fechando. O eclipse acabou e o feitiço do Winner está entrando em ação. Precisamos ir embora! Agora!" – ordenou, tentando puxar o amigo mas esse não se mexia.

"Não!" – Heero disse firme, soltando-se do aperto do vidente e virando-se na direção onde estava ocorrendo a batalha, apenas para sentir-se morrer mais uma vez com o que presenciou.

Novamente o choque entre as armas causou um impacto violento os lançando para trás. Duo respirava pesadamente e seu corpo já estava começando a ficar dormente por causa da perda de sangue e dos ossos quebrados. A deathscythe estava com uma rachadura na lâmina e com certeza não iria agüentar o próximo golpe. Tentava buscar alguma brecha no demônio que, por mais que estivesse ferido, ainda conseguia se manter de pé. Sabia o que tinha que fazer, tinha que cravar a sua estimada foice no coração da criatura. Mas, chegar tão perto dela assim poderia condená-lo. Entrar na defesa dele o daria uma vantagem e, ao mesmo tempo, o deixaria vulnerável. Correu os olhos ao seu redor e viu que os seus amigos estavam batendo retirada. Deu um pequeno sorriso. Era a primeira vez que eles o obedecia. Sim, obedecia, porque Duo tinha ordenado antes de tudo começar que eles saíssem assim que o feitiço de Quatre começasse a funcionar e era isso o que eles estavam fazendo. Seus olhos caíram sobre Heero, que era o único vampiro ali não atingido pelos raios solares, e para Wufei que tentava tirar o japonês dali. Deu um sorriso triste para ele e com um mover de lábios disse as três palavras que Heero mais adorava ouvir e que mais temeu ouvir: eu te amo.

"NÃO!" – o japonês gritou, pronto para correr para ajudar Duo, mas os braços fortes de Wufei o prenderam no lugar. O caçador respirou profundamente e abriu um sorriso estilo Shinigami enquanto avançava sobre o inimigo. Apocalipse sorriu diante da tolice do garoto. Durante toda a batalha eles evitaram contato direto porque sabiam que uma aproximação brusca poderia causa a derrota mas agora aqui estava o caçador, vindo de peito aberto em sua direção. Ergueu a espada pronto para cortar a cabeça dele fora, quando a mencionada cabeça saiu da direção do seu ataque. Arregalou os olhos quando o viu que ele viria atacar por baixo e em um movimento rápido ergueu a espada para atacar por cima.

"DUO!" – Hilde gritou, já na elevação perto de Trowa, que tinha largado o medalhão antes que esse sugasse toda a sua magia, com Relena ao seu lado que também a segurava para impedi-la de ir até o caçador. Os olhos dos três adolescentes arregalaram-se quando viram a longa espada do demônio atravessar o peito de Duo ao mesmo tempo em que a deathscythe era enterrada no peito da criatura.

"Pensa…" - ofegou o demônio, retirando a sua espada de dentro de Duo. -… que isso será o suficiente… - tossiu, sentindo o gosto metálico do próprio sangue vir à boca e olhando horrorizado o tamanho do buraco que a foice tinha feito no seu peito. -… Impossível… nenhuma arma…

"Imortal." – foi o que o caçador sussurrou enquanto via o demônio recuar com a mão no peito, a pele começando a rachar até que em um ponto ele inflou como um balão de ar e explodiu em milhares de pedaços. Com uma força estrondosa Heero soltou-se de Wufei e correu até o americano, o aparando antes que ele caísse no chão e ajoelhando-se nas pedras com o rapaz de trança abraçado contra si. A sua volta a Boca do Inferno tremia ainda mais e começava a se fechar.

"Não… não!" – murmurava o japonês com lágrimas escorrendo dos olhos azuis enquanto acariciava o rosto cada vez mais pálido de Duo.

"Heero…" - Wufei chamou, tentando persuadi-lo a sair dali. Olhou para aqueles que ainda os esperavam na saída e viu apenas a dor e as lágrimas em seus rostos. Abaixou a cabeça, fechando os olhos e recordando-se de uma cena semelhante a esta há anos atrás, quando ele próprio abraçava o corpo morto de Meiran contra o seu. Murmurou uma prece em mandarim para o rapaz e pediu que Meiran cuidasse de seu companheiro no outro mundo.

"Não… não… não…" - continuava a balbuciar o vampiro enquanto via os olhos violetas ficarem embaçados e um sorriso suave brotar no rosto do caçador. Duo tentou erguer a mão para acariciar a bochecha molhada de Heero mas sentiu-se fraco demais para conseguir isso. Dando uma última inspirada de ar olhou profundamente para aqueles olhos cobaltos antes de fechar os seus. –NÃO! – Heero gritou angustiado, abraçando ainda mais o americano contra o seu peito. Que dor era aquela que ele sentia? Era muito maior do que a dor da culpa que ele sentiu quando recuperou a sua alma. Por que aquela dor o estava consumindo e o destruindo por dentro?

"Heero." – Wufei falou com pesar e começou a se afastar do casal. Sabia que não conseguiria tirar Heero dali, via nos olhos dele que ele preferia ser enterrado naquele buraco por toda a eternidade e definhar por inanição do que deixar Duo ali. Correu até a entrada da Boca do Inferno e puxou Trowa, ainda paralisado pelo choque de ver o melhor amigo morrer, pelo braço, acordando as outras duas meninas de seu torpor e as fazendo seguir o meio-demônio que saía às pressas pelo buraco.


Quatre correu até o namorado, que mancava e era trazido a força por Wufei, e o abraçou fortemente, sorrindo ao vê-lo vivo e bem apesar do ferimento na perna. Olhou para os olhos verdes que estavam marejados e franziu as sobrancelhas loiras diante da expressão do acrobata.

"E Duo e Heero?" – perguntou Zechs e o árabe ofegou ao sentir a onda de emoções que o assolou.

"Não!" – o loirinho sacudiu a cabeça em uma negativa, não acreditando no que sentia. Não querendo acreditar que isso era verdade. Não Duo Maxwell. Não a bola de energia e vida que era Duo Maxwell.

"Quatre!" – Trowa abraçou o amado enquanto o levava para fora da escola com esse soluçando e balbuciando coisas incompreensíveis contra o seu peito. Sunnydale toda tremia e os prédios começavam a desabar por causa da força do terremoto. A Boca do Inferno estava se fechando e levando tudo o que foi construído em cima dela com ela. Padre Maxwell apertou com os dedos a cruz em seu peito, sentindo a dor também assolá-lo mas conformando-se com isso. Não se podia ir contra a vontade de Deus e ele tinha certeza que o seu sobrinho teria o seu lugar no paraíso.

"Vamos embora!" – Treize chamou, ajudando uma Noin ferida em direção ao ônibus escolar que estava a alguns metros de distância deles. A sua mente também não conseguia conceber que o seu pupilo tinha partido. Não conseguia aceitar que jamais veria aquele sorriso aberto e maroto, ou ouviria as piadas dele durante os treinamentos ou suas reclamações por causa dos deveres de casa. Não conseguia acreditar que depois de tanto tempo fugindo da morte, finalmente Duo encontrou o seu alter-ego, Shinigami.

Hilde parou, fazendo Relena que a ajudava parar também, e olhou por cima do ombro para a escola que começava a desabar e para o que eles tinham deixado para trás. Para quem eles tinham deixado para trás. Já havia visto na sua vida outras caçadoras morrerem em batalha, mas nenhuma morte doeu tanto quanto essa.

"Vamos Hil." – Relena murmurou perto do ouvido da garota, tentando ser forte enquanto sentia a caçadora ao seu lado desabar. Deu um sorriso triste e sem vida ao pensar que nunca mais poderia discutir com Duo. Gostava das discussões que tinha com ele, das suas tiradas e suas piadas, mesmo que nunca tivesse admitido isso. Queria ter podido ter dito a ele que, no pouco tempo em que se conheceram de verdade, o garoto tinha sido um bom amigo.

"Zechs?" – Une pousou uma mão no ombro do loiro, que não tinha saído do lugar e que observava com interesse o Sunnydale High ruir por causa da Boca do Inferno.

"Ele não mereceu isso Une. Ele era um grande guerreiro." – murmurou o sentinela.

"E teve o fim de um grande guerreiro." – respondeu a mulher. –Vamos, a cidade está ruindo, não vamos jogar fora o esforço do Duo para salvar as nossas vidas. – e começou a levá-lo em direção ao ônibus.


"Não é justo, não é justo." – Heero murmurava enquanto acariciava o rosto sem vida do amado, ignorando os pedaços da caverna que caíam a sua volta. –Eu tinha tanta coisa para te dizer, tanta coisa para te ensinar. Eu faria tudo por você. Eu lutei tanto… durante anos tudo o que eu quis era a minha humanidade de volta para assim esquecer do monstro que fui… mas depois de te conhecer, tudo o que eu queria era a minha humanidade de volta para passar o resto da minha vida com você. Por quê? Isso não e justo. – ergueu o rosto molhado, olhando para o nada, enquanto abraçava ainda mais Duo contra o seu corpo. –OUVIRAM ISSO? NÃO É JUSTO! – seu grito ecoou pela caverna e o japonês abaixou a cabeça, enterrando o rosto nos cabelos castanhos sedosos.

"Será mesmo Odin Lowe?" – Heero ergueu-se em um rompante e arregalou os orbes cobalto diante das três figuras divinas que flutuavam a sua frente.

"Quem são vocês?" – perguntou surpreso, puxando o corpo de Duo para mais perto de si como se para protegê-lo das três criaturas.

"Você sabe quem nós somos." – falou a mais velha das mulheres e o rosto do japonês fechou-se em uma fúria contida. Pegando uma pedra próxima a sua coxa, o vampiro a lançou contra a mulher, mas o objeto apenas a atravessou.

"A culpa é sua, está me ouvindo? A CULPA É TODA SUA! MALDITAS, SUMAM DAQUI!" – gritou enfurecido mas as divindades não se abalaram com a raiva do demônio ao contrário, apenas sorriram diante disso.

"Será mesmo? Se você não estivesse tão obcecado em voltar a ser humano, Odin Lowe, nada disso teria acontecido." – a mais nova delas falou, ajoelhando-se ao lado de Duo e passando as pontas dos dedos sobre o rosto dele. –Tão belo, tão vivaz, uma pena que terminou assim.

"Fique longe dele." – rosnou o japonês. –Do que você está falando?

"Que a profecia está completa. Agora, tudo depende de você." – a irmã do meio falou e Heero apenas as olhou desconfiado.

"Como assim?"

"Tudo o que você passou nesses últimos meses era uma prova para saber se você merecia a sua humanidade de volta, a redenção. E você passou na prova. Você foi capaz de sentir mais do que compaixão pelos humanos por causa da sua culpa. Você foi capaz de sentir amor. E amar é a coisa que mais torna os homens humanos."

"Mas eu não estou me vendo humano, estou? E que tipo de prova é essa onde vocês me dão uma coisa para depois tirá-la de mim?" – acusou com as lágrimas ainda descendo pelo rosto e as mulheres sorriram mais uma vez.

"A vida é cheia de reviravoltas e há coisas que nem mesmo o Destino pode prever. Nós apenas oferecemos os caminhos aos humanos. Cabe a eles escolher o que prefere seguir. É o livre arbítrio. Agora nós é que lhe daremos uma escolha Odin Lowe Jr. Sua humanidade ou o seu amor?"

"O quê?" – Heero ofegou, mesmo que não pudesse respirar. Sobre o que elas estavam falando?

"Podemos dar a sua humanidade de volta ou dar a vida de volta a Duo."

"Vocês podem fazer isso?" – perguntou esperançoso, olhando para o rosto sereno do americano, que mais parecia estar dormindo.

"Sim. Mas nada do que fazemos é de graça. Há um valor para mudar o destino dessa maneira." – novamente o moreno as olhou de maneira desconfiada.

"Valor? Que valor?"

"A sua alma! Duo e você se tornaram um só. Logo, partilham da mesma alma. Porém, se nós dermos a sua alma a ele, Duo voltará à vida e você, meu caro, voltará a ser Odin Lowe Jr. Está disposto a ser novamente o que você sempre desprezou… por amor?" – inquiriram e Heero mais uma vez olhou para o rosto do amado, enterrando a cabeça nas mechas castanhas.

"Façam." – ordenou com a sua voz sendo abafada pelos fios macios do caçador. O Destino se entreolhou e deu um sorriso que passou desapercebido pelo japonês. –Eu te amo Duo. – murmurou antes de sentir a dor agonizante que era ter a sua alma arrancada do corpo e perder os sentidos, como se estivesse morrendo de novo.

O Destino observou o vampiro desmaiar ao lado do corpo do americano enquanto esse era envolto em uma luz branca e os ferimentos começavam a se regenerar, como se nunca estivessem estado ali. O peito começou a se mexer, respirando de maneira cadenciada até que os olhos violetas piscaram e se abriram, olhando para o teto da caverna desmoronando extremamente confusos.

"Bem vindo de volta Duo Maxwell." – Duo sentou-se num rompante e olhou assustado para as três divindades ao seu lado. Nunca as tinha visto, mas dentro de seu coração sabia quem elas eram. –Nossa missão aqui está cumprida.

"O que aconteceu? Eu…" - ele olhou para si próprio, vendo os rasgos e manchas de sangue em suas roupas, mas não vendo nenhum ferimento em seu corpo. -… eu morri. Eu lembro que morri.

"E morreu mesmo." – a caçula do Destino soltou uma risadinha. –Mas Heero fez uma escolha. Uma escolha de amor. Quando ele acordar, diga a ele que estamos orgulhosas e que o seu destino foi cumprido. Agora, é melhor vocês saírem daqui. – ordenaram e Duo ergueu-se, levantando Heero e o jogando sobre os seus ombros. Ia começar a ir embora quando algo lhe ocorreu.

"Mas… está dia claro e Heero pode…" - as três mulheres sorriram mais ainda.

"Confie em nós." – e sumiram no ar com a mesma velocidade que apareceram. Duo piscou, ainda atordoado, mas voltou para o mundo terreno quando uma enorme pedra caiu do teto e espatifou-se perto da sua perna. Sem demoras o caçador começou a correr até alcançar a entrada da Boca do Inferno. Jogou Heero pelo buraco, pendurando-se nas bordas e impulsionando o corpo para cima, saindo no porão da escola. Jogou novamente o japonês por sobre os ombros e começou a correr escada acima até alcançar os corredores do Sunnydale High, desviando de escombros e colunas que caiam em seu caminho. Chegou à entrada do prédio e viu que essa estava bloqueada. Olhando a sua volta divisou a escada que levava para o segundo andar do colégio e começou a subi-la, pulando de dois em dois degraus enquanto a mesma começava a se desfazer atrás de si. Se não dava para ir por terra, teria que ir por ar. Continuou correndo até que quando chegou no último lance de escadas deu um chute forte na porta que levava para o terraço do prédio. Olhou a sua volta, vendo que Heero ainda estava intacto sobre os seus ombros mesmo com a luz do sol batendo forte contra o rosto dele. A cidade a sua volta estava sumindo, sendo engolida pela Boca do Inferno. Duo inspirou profundamente e correu a toda velocidade, pulando o vale que ficava entre o prédio da escola e o prédio vizinho. E foi assim, pulando de prédio em prédio que ele começou a fugir da destruição.


O ônibus escolar estava sob um silêncio mórbido enquanto Zechs o dirigia a toda velocidade pela avenida principal da cidade, em direção a saída de Sunnydale. Atrás deles tudo começava a sumir e ruir, abrindo uma enorme cratera no que um dia foram lojas e ruas. Quatre olhava a destruição pelo vidro traseiro do veículo, ainda não acreditando que o seu melhor amigo tinha partido, quando percebeu de canto de olho um vulto se movendo no ar. Ergueu os olhos azuis e alargou-os consideravelmente quando viu quem pulava de prédio em prédio em direção ao ônibus.

"DUO!" – o grito do árabe chamou a atenção dos outros e Trowa e Hilde grudaram os rostos no vidro, não acreditando no que viam. Duo estava pulando os tetos dos prédios com alguém nas costas e tentava a todo custo fugir da destruição atrás de si.

O americano olhou para a rua e viu o ônibus amarelo indo a toda velocidade para fora da cidade. Apertou mais o passo até que conseguiu ultrapassar o veículo. Com um impulso só Duo jogou-se do prédio em que estava, antes desse desmoronar sob os seus pés, em direção à rua, caindo em cima do teto do coletivo com um baque e causado um grande estrondo. O corpo de Heero soltou-se de suas mãos e começou a deslizar pelo teto curvo mas rapidamente o caçador segurou no pulso do namorado, o trazendo para junto de si enquanto que com a outra mão ele se segurava nas bordas do teto em busca de apoio.

Zechs ouviu o estrondo no teto do veículo e apenas acelerou ainda mais, disposto a sair daquele lugar imediatamente e tentar descobrir mais tarde o que estava acontecendo. O ônibus cruzou os limites da cidade e finalmente parou, permitindo que todos descessem para observar o que um dia foi Sunnydale ser engolida pela Boca do Inferno, deixando para trás apenas um enorme buraco de areia e pedras.

Duo deslizou do teto do veículo, caindo de pé ao lado dos amigos que arregalaram os olhos diante do que viam. As manchas de sangue estavam lá, assim como a sujeira e os rasgados, mas os ferimentos não mais existiam. O que estava acontecendo afinal?

"DUO!" – Hilde foi a primeira a sair do torpor. O que importava como ele tinha ressuscitado? O que importava era que ele estava vivo. Mancando ela jogou-se em cima do amigo e lhe deu um forte abraço. Logo, um a um os outros foram abraçando o caçador, não acreditando no que estava diante de seus olhos. Muitos com lágrimas de felicidade em seus rostos.

"Ah, muito obrigado, muito obrigado." – caçoou o americano, segurando a sua foice como se ela fosse algum tipo de prêmio. –Vocês me amam, vocês realmente me amam. – brincou e acabou levando um soco de uma chorosa Relena.

"Não brinca assim, Maxwell." – a garota o repreendeu para logo depois engolfá-lo em um abraço.

"O que aconteceu Maxwell? Eu vi você morrer e aqui está você. Vivo e com piadas cretinas como se nada tivesse acontecido." – perguntou Wufei e Duo deu de ombros, também não tinha entendido muito essa história.

"O que eu me lembro era de ter acordado com o Heero ao meu lado e…" - o menino arregalou os olhos e virou-se bruscamente na direção onde o corpo de Heero estava, estendido no asfalto da estrada e com o sol batendo fortemente contra o seu rosto o fazendo ficar levemente vermelho e corado.

"Ele não virou pó?" – perguntou Sally ao ver que o vampiro estava intacto. Duo ajoelhou-se ao lado do namorado e tocou no ombro dele, o sacudindo para acordá-lo, mas ele não respondeu. Os outros formaram uma roda em volta do casal, também tentando entender o que estava acontecendo. Heero não apresentava nenhum sinal de vida, normal para um vampiro, mas também não tinha virado pó à luz do sol, anormal para um vampiro.

"Heero? Hee?" – Duo continuou a balançá-lo até que um movimento brusco do japonês assustou o caçador, que caiu de bunda no chão. O corpo de Heero envergou-se fortemente como se estivesse levando um choque e ele deu uma barulhenta inspirada de ar. Depois disso ele caiu novamente no chão e os olhos cobalto abriram-se em um rompante, olhando tudo a sua volta de maneira confusa enquanto o peito subia e descia em fortes ofegos.

"Yuy?" – Wufei chamou, ajoelhando-se ao lado do amigo de longa data e colocando uma mão sobre o peito dele. Os olhos negros arregalaram-se diante do que encontraram e rapidamente dedos pálidos foram até a garganta do japonês, não acreditando no que estava sentindo. –Você… está vivo. – balbuciou chocado e Duo lançou um olhar surpreso para o chinês, grudando o ouvido no peito do namorado e ouvindo, em um som ritmado, o coração de Heero batendo.

"Hee-chan." – murmurou o americano com lágrimas nos olhos. Vivo. Heero estava vivo! Os orbes azul cobalto viraram-se em direção a voz do rapaz de trança e um largo sorriso abriu-se no rosto do japonês.

"Duo…" - murmurou, sentando-se com dificuldade e abraçando o caçador fortemente, começando a distribuir beijos pelo rosto dele e pelos lábios.

"Okay! Tudo muito bom, tudo muito feliz, mas como isso aconteceu? A profecia se realizou? Quando?" – Hilde interrompeu a cena de afeto enquanto via Trowa e Zechs ajudarem Duo e Heero a se levantarem do chão.

"O Destino apareceu diante de mim e disse que a profecia estava completa. Que eu tinha passado pela última prova e que tinha que escolher. Ou eu dava a minha alma a Duo e ele voltava à vida e eu novamente me tornava Odin Lowe, ou eu definhava dentro da Boca do Inferno com Duo. Mas eu também estou vivo, ambos estamos vivos. Como a profecia pode ter se completado assim?" – perguntou confuso, olhando para si mesmo e sentindo o calor do sangue correr em suas veias, o sol batendo em seu corpo, seu coração acelerado em seu peito e a sua respiração compassada. Nunca pensou que seria tão bom ser um mortal. Dentro do grupo, Zechs deu uma longa gargalhada.

"Nós somos uns idiotas." – falou o loiro e Treize e Noin o olharam feio. Não gostavam que a sua inteligência de sentinela fosse ofendida, mesmo que por um companheiro de trabalho. –Fácil. Achávamos que Heero tinha que entregar algo ao demônio Apocalíptico, quando na verdade era a Duo. Caçadores e Vampiros são inimigos mortais desde o início dos tempos. Isso se provou quando Duo salvou a vida de Heero de Gwan. E o que Heero tinha de mais precioso depois de Duo era a sua alma. Como Duo morreu, sua alma tornou-se a coisa mais preciosa que ele tinha. Era o que o tornava parcialmente humano. Quando ele desistiu dela pelo inimigo…

"Eu voltei a viver."

"Simples e genioso." – terminou o inglês e todos tiveram que concordar que a teoria dele era extremamente válida.

"Bem, e agora?" – Duo cruzou os braços, voltando-se para a cratera que um dia foi a sua cidade natal, a olhando de maneira saudosa. Apesar de todas as confusões, tinha sido feliz ali. Sunnydale tinha sido o seu lar.

"Agora, a gente volta para casa." – completou Quatre, parando ao lado do amigo. –Você não é mais o único. Eu os sinto nascendo Duo, por todos os lados. Caçadoras… caçadores.

"E aí D, como é que você se sente não sendo mais o escolhido?" – perguntou Hilde.

"Não sei." – respondeu o rapaz enquanto via Heero parar ao seu lado e o seu tio parar do outro, envolvendo um braço em seus ombros.

"Nós destruímos todos os shoppings da cidade?" – Relena fez uma careta. –Acho que lutei pelo lado errado.

"Soube que tem uma outra Boca do Inferno em Kentucky." – cabeças se viraram em direção a Treize, que recebeu vários pares de olhares descrentes e irados sobre si.

"O que iremos fazer daqui para frente?" – perguntou Trowa e Duo deu um pequeno sorriso quando sentiu o braço de Heero envolver a sua cintura.

"Agora…" - murmurou o caçador, dando uma profunda inspirada de ar. -… a gente vive.