Quando chegamos na calçada eu fiquei na dúvida de a levaria ao Ikes mesmo ou iríamos a um lugar mais sofisticado. Ela me olhou, também em dúvida, esperando que eu tomasse alguma decisão.

"O que você prefere?" - eu achei melhor deixá-la escolher.

"Ei! Foi você quem me convidou, sua escolha."- ela deixou a bomba na minha mão novamente.

"Eu estou em desvantagem, aqui" - eu lhe lancei um pequeno sorriso, esperando sua reação.

"Ai, Carter...você é inseguro demais! Então vamos pra um restaurante decente! Já que é pra sair, vamos pra longe disso aqui!"

Inseguro? Aquilo fora uma indireta? Será que estava todo mundo certo e eu estava mole demais? Eu tinha medo de assustá-la e ferrar tudo mais uma vez.

"Meu carro ou seu!"

"No meu não vai dar, esta lá em casa.. eu vim de metrô hoje..."

"Podia ter me avisado que eu tinha te pegado."

Ela olhou pra mim seriamente como se não estivesse acreditando no que ouviu.

"É eu esqueci que você me dá carona sempre..."

"É porque nunca pediu.." – eu falei abrindo as portas do carro.

Quando eu entrei no carro eu a vi sentando-se tão colada a porta, parecia que queria pular pela janela.

"Com medo de alguma coisa!" – eu falo dando a partida.

"Não, não.." – ela relaxa um pouco mais olhando pra janela.

"Se você não quiser ir pode me falar que eu não vou achar ruim.." – eu falei ligando o som.

"Qual é, Carter! Eu não tenho medo de você" - ela finalmente chegou mais perto de mim, mas nunca me olhou. Então eu resolvi prenssa-la e comecei a encará-la. Nada. ela nem subiu a cabeça, mas sabia que estava sendo vigiada por mim. Como escape, ela abriu a bolsa e começou a procurar algo que eu tinha certeza que ela não sabia o que era.

"Perdeu alguma coisa?" - eu não páro de encara-la. Acho melhor eu parar com isso antes que eu bata o carro!

"To procurando meu remédio..."- ela ainda não tira o rosto de dentro da bolsa.

"Anticoncepcional?" - eu rio, perguntando, sabendo que vou lever uma invertida.

"Engraçadinho"- ela faz uma expressão sarcástica- "Eu to tomando uns remédios para diminuir minha dor nas costas e na cabeça nesses dias" - ela finalmente me encarou

"Dias que eu te encho muito o saco?"- eu brinquei de novo.

"Você nunca me enche o saco." – ela falou jogando algumas coisas no chão do carro.

"Não!" – eu paro no sinal vendo o remédio na bolsa dela. – "Aqui esta..." – eu falo pegando o remédio – "Você também esta precisando de um óculos de grau."

"Obrigada" – ela sorri amarelo. – "Hoje você tirou o dia pra me elogiar né!"

"Você sabe que eu te amo né!" – eu falei rindo, mas depois de toquei do duplo sentido da frase.

Ela finge que não ouviu o que eu falei, talvez seja melhor assim mesmo.

"Chegamos..." – eu falei descendo do carro.

"O que se come aqui?"

"Comida e limite-se a isso" -eu ponho a mão no ombro dela, entrando no lugar.

"Que tipo de comida, Sr. Engraçadinho?"- ela me perguntou, com os olhos fixos no lugar que pareceu bastante glamuroso- "Olha o que você me faz! Olha a roupa que eu estou para entrar num lugar como esse?"

"Quer que eu corra pegar seu jaleco?"- eu sorri, tirando uma cadeira para ela sentar. Vi sua expressão envergonhada, pegando o "menu" com o garçom.- "Deixa disso, essa roupa está ótima! Olha a minha" - eu apontei pra mim mesmo- "e esse lugar não é tão chique assim, vai!"

"Eu quero salmão defumado"- desde quando ela se demora apenas 2 minutos para escolher o que quer comer?- "e uma Coca Light, por favor."- ela fechou o cardápio e entregou ao garçom.

"Light?"- eu dei um leve sorriso só para deixá-la mais brava ainda.- "Pode ser o mesmo pra mim"- eu olhei par ao garçom, entregando também o cardápio- "com exceção da coca Light, pode ser normal mesmo."

"Você devia tomar light.." – ela fala colocando a bolsa de lado.

"Porque?"

"Você... deixa pra lá..."

"Agora fale!" – eu falo afastando o que tinha na mesa pra limpar minha visão.

"Você tá uma bolinha muito fofa..." - ela falou rindo

"As mulheres gostam de ter onde pegar." – eu pisquei pra ela.

"Nem todas..."

"Se você quiser entro na academia amanha mesmo."

"Eu não tenho que querer nada." – o garçom chegou trazendo os refrigerantes.

"Você poderia trocar a normal pela light, por favor?"

"Carter, pára com isso...que vergonha"- ela colocou a mão no rosto, fazendo o garçom dar um leve e tímido sorriso.

"Pode trazer a light, por favor?"- eu encarei-o novamente.

"Sim, com certeza. Com licença"- garçom retirou a antiga trazendo a nova lata segundos depois.

"Você está muito engraçadinho hoje...comeu palhacinho a noite toda?" - ela tomou um gole do refrigerante e me encarou, cruzando os braços logo em seguida.

"Comer palhacinho, Abby? Que expressão mais chula..."

""Chula" não é muito melhor, Carter."

Nós ficamos mais dez minutos conversando banalidades sobre o hospital até chegar nossa comida. Uma delícia.

"Quanto deu a conta?" – ela falou pegando a carteira quando chego a conta.

"Eu pago."

"Sem essa John.. a gente divide."

"Eu chamei, eu pago. Pode chorar, bater o pé, fazer o que quiser, mas eu que vou pagar, ok!" – eu falei tirando o dinheiro da carteira.

"Eu pago a próxima."

"Vai ter próxima!" – eu sorri a possibilidade.

"Modo de falar.." – ela falou tentando se corrigir.

"Certo.." – eu falei me levantando da cadeira. – "O que vai ser de sobremesa!"

"E vai ter sobremesa!"

"È muito sem graça levar uma dama pra almoçar e não lhe proporcionar pelo menos um pouco de doce depois de tanto salgado." – ela olhou pra mim como se fosse rir da minha cara.

"Não, Carter...não quero não, obrigada" - ela ficou séria de repente e eu fiquei intrigado, olhei-a de um jeito estranho, segundo ela.

"Que foi?"- ela perguntou diante da minha cara que não devia estar nada boa –"sobremesa engorda."

"Abby, pára com isso, vai! Você bem sabe que não tá gorda nem vai ficar...Tá falando isso só pra eu jogar confete e dizer que você está é ..."- eu me contive. Se eu dissesse "gostosa" era o fim dos meus dias.

"Estou..." – ela subiu a cabeça indicando que eu continuasse.

"Em forma..." – ela sorriu – "eu estou em forma de balão e nem estou tão preocupado."

"Talvez por você ser homem..."

"Mas confiei em mim, não é um sorvete que vai te engordar, e eu sei algumas formas de perder calorias rapidinho."

Eu não acredito. Mas uma vez eu não estou controlando as minhas palavras.

"Tudo bem..." – ela falou rindo. – "Mas agora eu que vou pagar..."

"E quem decide o lugar sou eu!"

"Tudo bem..."- ela responde entrando no carro. Ambos estamos bem mais a vontade agora depois desse almocinho delicioso.

Eu rodo a cidade procurando uma sorveteria. Parece que todas resolveram se esconder para o meu desespero. Ou para minha sorte. Isso vai depender da reação dela quando eu falar a próxima frase.

"Não to vendo nenhuma sorveteria por aqui e esse calor já tá me matando...não serve um sorvetinho no meu apartamento mesmo?"- eu jogo e suplico que ela não me entenda mal. É melhor não encara-la.

"Seu apartamento?"- eu a encaro com coragem, vendo-a arquear as sobrancelhas.

"É, eu aprendi a fazer uma balada split...hum...delícia!"

"Hum..." – ela ficou batendo os dedos na bolsa enquanto pensava. – "Só vou aceitar o seu convite porque esta um calor enorme, mas eu só vou poder pouco tempo pois tenho que resolver algumas coisas mais tarde."

"Tudo bem.. não demorará mais que meia hora..." – eu falei pegando o caminho pra minha casa.

Em pouco tempo chegamos em casa, eu acho que nunca quis chegar tão rapido em casa como hoje, no carro a gente sempre ficava em silêncio, sem assunto. Eu abri e a porta e indiquei que ela entrasse. Ela colocou suas coisas no sofá da sala e eu alevei até minha cozinha, pedindo que ela esperasse na bancada pela sobremesa. Abri o congelador tirei o pote.

"Descasca as bananas pra mim?"- eu pus duas bananas da frente dela e ela sorriu, maliciosa.

"Aham" - mas conteve o riso.

Eu andei até a dispensa para pegar as caldas voltando rapidamente com uma de caramelo, outra de chocolate e a última de morango.

"Só chocolate ou as três?"- eu perguntei quando terminei de abrir as embalagens. Eu sabia que ela amava chocolate.

"Chocolate está bem."

Eu derramei uma porção generosa da pasta na travessa cumprida e ajeitei a banana, colocando-a com um garfo. Então peguei três bolas de sorvete de chocolate e coloquei ao lado da banana. Por último coloquei a colher de sobremesa com um guardando ao lado dela.

"Prontinho."

"Muito bem. Melhorou bastante na cozinha, hein?"- ela piscou pra mim antes de dar a primeira colherada na guloseima- "não vai preparar a sua não?"

"Na verdade, não. Não estou com muita vontade de tomar sorvete, vou ficar só na banana" - eu respondi, comendo metade na banana numa mordida só.

Pensei que ela fosse ficar brava por eu não estar comendo com ela, mas me enganei.

"Azar o seu.."- ela disse, antes de recomeçar a comer do doce com vontade. Parecia uma criança. Parecia Julie quando comia sorvete. Olhinhos brilhando.. – "John... John.." – ela falou me cutucando.

"Hum!" – eu falo remoendo a banana.

"Você pode me arranjar um pouco d´agua!"

"Esteja a vontade pra pegar.." – eu falei me sentando no banco.

"É desse jeito que você recebe suas visitas!"

"E quem disse que você é visita aqui!" – eu falei enquanto ela abria a geladeira e pegava a agua. – "Coloca pra mim também!"

Ela me olhou de cima a baixo pegando um copo pra mim.

"Folgado... "

"Você quer canudinho?" – eu falei abrindo a gaveta que estava na nossa frente.

"O que é isso!" – ela falou colocando a mão em cima da caixa.

"Agora não é hora pra isso." – eu falei fechando a gaveta.

"Pra isso?" – ela olhou pra mim colocando a colher na boca e enrugando a testa.

"É, isso só depois da meia noite..."- eu digo, vendo a curiosidade cubrir sua expressão

"Qual é, diz logo o que tem ai!"

"Não, já disse que não"- eu me ponho diante da gaveta, impossibilitando-a de abrir.

"Tá, tá bom então..." - eu a vi virar as costas e ir direção a sala, toda "nervosinha".

"Não vai terminar seu sorvete?" - eu perguntei apontando para a travessa ainda com um restinho de banana e sorvete.

"Não" - ela disse secamente, colocando a bolsa no ombro – "tenho que ir, obrigada pela banana split."

"Ei! Calma aí!"- eu fui até a sala e toquei seu braço – "vai embora só por causa disso? Que stress.."- eu fui bem irônico vendo a ficar mais nervosa ainda.

"Eu não estou estressada, eu so tenho que ir embora."

"E vai saindo assim?"

"Assim?" – ela se virou fazendo aquela "expressão" delicada que estava antes.

"Sem nem se despedir direito." – eu sorrio vendo sua expressão aliviar um pouco.

"Eu já disse tchau..."

"Mas eu não disse que você podia ir embora."

"E você tem que deixar algo aqui!"

"Humrum.." – eu falei trancando a porta da sala. – "Você só sai daqui quando se despedir direito."

"Não to pras suas criancices hoje, Carter..."- ela cruzou os braços, me encarando profundamente pela primeira vez naquele dia.

"Agora é sério, se você for embora agora eu vou achar que você é uma menina mimada..."- eu sentei no sofá. Era matar ou morrer- senta aqui, vai- eu disse e implorei aos céus que ela não me deixasse falando sozinho.

"Eu não sou mimada, Carter, você sabe disso"- ela veio se aproximando lentamente, até sentar no sofá ao meu lado. – "Não tem nem como eu ser. Quem vai me mimar? Minha mãe?"- ela riu ironicamente.

"Se você quiser.. eu posso te mimar um pouco." – eu disse sorrindo.

"Não, obrigada... ja passei dessa fase."

"Então..." – eu falei na tentativa e puxar algum assunto.

"Posso ir embora?"

"Pra que a pressa? Se o dia é longo."

"Carter..."

"Ok.. mas você tem que se despedir direito e prometer que vai fazer o que eu quiser amanha."

"Fazer o que você quiser?- ela se indignou- "Nem que a vaca tussa! Já está ficando tarde e eu preciso fazer relatórios, relatórios e mais relatórios" - ela voltou a pegar a bolsa no colo, mas eu sabia que ela não queria ir.

"Fica mais um pouco vai..."- eu fiz um charme, pegando no braço dela, fazendo com que ela ficasse mais perto de mim. Era tarde demais. Ela já estava de pé, perto da porta e pelo o que o seu rosto me dizia, não estava disposta a mudar de opinião.

"Não, tô indo, agora é sério" - ela veio até perto de mim, me dando um beijo no rosto que me estremeceu todo.

Eu queria tanto tirar proveito daquele momento, sentir mais o gosto dela. Eu tinha saudade daquele gosto, daque cheiro, daquele toque. Eu tinha saudade dela e do nosso amor.

"Que horas é seu plantão amanhã?" - eu resolvi deixar para atacar de vez amanhã. Era o meu último dia com a aposta da Susan.

"Eu entro no fim da tarde, provavelmente vou virar a noite. E você?"- bingo! Ela estava interessada! Pronto, fisguei! Ou não? Poxa, era uma simples pergunta, eu não tinha que me preocupar tanto assim.

"Provavelmente farei o mesmo...ainda não sei, depende do movimento."

"Então.. a gente se vê amanha.." – ela falou andando até a porta.

"Mal posso esperar.." – eu falei rindo, tentando esconder minhas segundas intenções com ela. – "Quer que eu te leve em casa!"

"Não, precisa não.. obrigada de qualquer forma. Tchau..."

Eu fiquei olhando ela ir embora, como eu queria que ela mudasse de ideia e voltasse correndo, dizendo que queria passar o resto do dia, dos dias comigo na minha casa, mas nem tudo é como a gente sonha. Eu volto pra dentro de casa e vou ate a cozinha onde ate pouco tempo ela tinha estado. Eu me pego encarando a tigela da banana split, coloco a colher na boca só pra ver se eu ainda conseguia lembrar do seu gosto. Será que eu estava ficando louco? Me levanto, lavo a louça e subo pra tomar um banho. Meus dias passavam lentos e só o que eu conseguia fazer, é passar horas e horas tentar bolar alguma forma de reconquistá-la. Não era preciso muito pra sentir o gosto dela. Aquele gosto que tanto me fazia falta. Eu fiquei com aquela colher na boca até não mais sentir aquele gosto. E assim eu passei o resto da tarde, com aquele gosto, com aquele lembrança e aquela esperança.

Continua..