CAPÍTULO VI – Quando o Passado Vem à Tona

'- Sinto muito informá-los, mas seu pai, John Hells, está morto.

Morto. Morto. A palavra reboou em seus ouvidos como o barulho de um canhão, e transportou-a momentaneamente para bem longe da sala de Dumbledore.

"Um quarto às escuras, cuja única fonte de iluminação era um abajur ao lado de uma cama. Os móveis antigos e bem conservados não passavam de sombras difusas, e não era possível ver a cor das paredes de madeira. Na cama, uma garotinha de cabelos castanhos e cacheados, que não devia ter mais de três anos estava sentada, ao lado de uma mulher imóvel, deitada de costas, os olhos vidrados, piscando ocasionalmente.

A palidez mórbida da mulher contrastava violentamente com seus cabelos de cor quase indefinida, uma mescla de cobre e dourado, soltos sobre o travesseiro. Seus olhos azul celeste estavam opacos, e carregados por uma expressão sofredora. A criança acariciava com a mão pequena o rosto dela, mas olhava para o outro extremo do quarto, precariamente iluminado pela luz das velas no abajur.

Ali, sentado em uma cadeira de espaldar alto e aveludado, estava um homem, de seus vinte e poucos anos, cabelos castanhos e ombros retos. Ele pousava a cabeça entre as mãos, e os cotovelos nos joelhos. Suas vestes negras e elegantes roçavam o chão, coberto por um tapete refinado.

O quarto estava impregnado por um cheiro amargo e enjoativo, quase doentio, que condizia perfeitamente com a aparência da mulher deitada. Também o silêncio no qual se encontrava era incompleto, mórbido, como se vozes sem corpo sussurrassem maldições. Meio hesitante, a menina voltou-se novamente para a mulher deitada. Tocou-lhe a mão fria, que não se moveu. Mas os olhos da mulher encontraram os da criança, e marejaram-se. Ao fechar as pálpebras, de um modo lento, conformado, em parte desejoso, duas lágrimas correram-lhe pela face.

'- Papai? – chamou a menina – Mamãe dormiu.

O homem levantou-se, e aproximou-se da cama em passos arrastados. Seu semblante era cansado, talvez chateado, e seus olhos cinzentos, desprovidos de qualquer vestígio de outra cor, detinham um brilho doentio. Mantinha um cavanhaque escuro, e uma cicatriz fina cortava sua face, da têmpora direita até o lado esquerdo do queixo. Ele passou a mão pelos cabelos caprichosamente penteados, contraindo as feições bonitas ao olhar a mulher. Levou os dedos aos olhos dela, e ergueu por um momento uma das pálpebras. A criança pôde ter um vislumbre dos olhos azuis, vidrados, agora opacos, sem o brilho da vida.

'- Tua mãe não está dormindo, Ann. Ela está morta. – disse o homem, numa voz fria.

Ele deu a volta na cama, e pegou a menininha no colo. Ela agarrou-se ao pescoço do pai, que logo se desvencilhou sem muita cerimônia dos braços da filha, procurando manter o menor contato possível. Ele saiu do quarto a passos largos, ainda carregando a menina. O corpo permaneceu na cama, envolvido pela aura de morte que assolava a atmosfera do quarto. O homem fechou a pesada porta de madeira polida atrás de si, para passar a um corredor longo e reto, iluminado por archotes pendurados nas paredes. A criança passou a mão pelos olhos azul acinzentados.

'- Mamãe está no céu, papai? – perguntou, em uma voz baixa.

O rosto moreno claro do homem fechou-se em uma careta de desagrado.

'- Não diga besteiras, Ann. Não existe nenhum céu. – retrucou ele, zangado.

'- Mas... mas mamãe disse que quando as pessoas morrem, elas vão para o céu, junto dos anjinhos, que cuidam de nós. – disse a criança, em sua voz infantil, agora assustada.

'- Tua mãe sempre foi uma tola. Não dê ouvidos às bobagens inconseqüentes dela.

A menina involuntariamente abraçou o pai, que de imediato colocou-a no chão, como se o contato o repugnasse.

Os quadros pendurados no corredor de madeira assumiam uma forma amedrontadora para a garota, que os olhava de sua perspectiva diminuta, impotente. Preferia estar no colo do pai, onde as mulheres e homens com rostos severos não a olhavam de cima. Ela quase corria para acompanhar os passos largos do homem, e acabou por duas vezes tropeçando nos próprios pés.

Ficou por algum tempo em silêncio, tentando fazer sua cabecinha processar tudo o que seu pai dizia. O que era verdade então? O afirmado por sua mãe, que havia um belo lugar para onde as pessoas boas, quando morriam, iam, para ficar sempre junto de quem continuava na Terra, ou o vazio acima de todos, nenhum céu para onde se refugiar, e sem ninguém para cuidar das pessoas na Terra?

'- Se não há nenhum céu... – ela começou, hesitante – Então, onde está a minha mãe?

O homem não olhou para trás, apenas seguiu seu caminho ao mesmo passo. Parou em frente a uma porta e abriu-a. Revelou-se um cômodo escuro, e ele esperou a garota ficar na sua frente para responder, antes de empurrá-la para dentro.

'- Tua mãe não existe mais. Não há céu nem inferno. Ou melhor, há o grande inferno em que todos nós estamos enquanto vivemos. Acostume-te com isso.

'- Quando... quando vou ver mamãe de novo? – indagou ela, com voz fraca, de dentro do quarto.

'- Pare com essas perguntas idiotas, Ann. Tu não vais vê-la novamente. – disse com voz firme e repleta de desagrado, fechando então a porta.

E a garotinha ficou no escuro, impossibilitada de acender sozinha os archotes. Não compreendia nada do que seu pai falou. O que era então, a morte? De uma hora para outra, todos passávamos a não mais existir? Um grande vazio, fruto do inexistente? Ela não queria aceitar que nunca mais veria sua mãe. Continuava sem entender o sentido de tudo aquilo.

Da morte. Não era apenas o quarto que estava às escuras. Seus pensamentos agora também."

'- Foram os aurores? – a voz levemente trêmula de David a trouxe de volta de suas lembranças.

Seu irmão estava em pé, e ela notou que também se levantara, embora não lembrasse de ter se mexido. Os nós dos dedos do garoto estavam brancos, pela força que ele empregava em segurar a borda da escrivaninha de Dumbledore.

'- Não, Sr Hells. Foram os Comensais da Morte. Seu pai foi morto por Voldemort. – disse Dumbledore, com voz pesarosa.

Annie subitamente compreendeu o que acontecera.

'- Descobriram os desvios e as informações falsas? – perguntou ela, em voz baixa.

'- Receio que sim. Não haveria outro motivo. Também o Ministério só descobriu agora, depois da morte dele. – Dumbledore tirou dois pergaminhos de dentro de uma gaveta. Entregou-os aos dois jovens. – São cartas do Ministério, chegaram ao meu escritório pouco antes de vocês. Quero que leiam, e, se estiverem de acordo, eu lhes direi o que farão.

Ann rasgou o lacre oficial, e puxou o pergaminho de dentro do envelope. Reconheceu a letra padrão das cartas ministeriais, assim como a assinatura da chefe de Execução de Leis em Magia.

"Prezada Srta. Hells,

Com o falecimento do senhor John Lawrence Hells, todos os bens iam, por direito, ao seu beneficiário, David Charles Tyler Hells. Entretanto, com a descoberta da escritura ilegal do bem imóvel localizado na Av. Diem, em Paris, está sendo movida uma ação para averiguação da legalidade do testamento assinado pelo Sr. John Hells.

Até o presente momento, fica declarado que o montante da conta número 89, no Banco Gringotes de Londres será repartido igualitariamente entre os únicos descendentes diretos do Sr. Hells, no caso David Charles Tyler Hells e Ann Caterine Nièu Hells. O acima determinado está de acordo com a Seção 25 do Estatuto de Execução de Leis em Magia.

Com as nossas sinceras condolências,

Atenciosamente,

Harriet McLenog

Departamento de Execução de Leis em Magia

Ministério da Magia"

'- Estão de acordo? – perguntou Dumbledore, olhando de um para o outro.

Ann sacudiu os ombros, e David acenou fracamente com a cabeça.

'- Sinto terem de tratar de assuntos jurídicos nesse momento, mas o caso é urgente. Com a descoberta do papel duplo que seu pai exercia, tudo se agrava. Será necessário irem até a Av. Diem, para pegarem seus pertences pessoais e assinarem uma declaração permitindo a confiscação da casa. Infelizmente, precisam ir agora, e ficar lá até as quatro horas da tarde, quando um representante do Ministério irá ao encontro dos senhores. Posso acionar a chave de Portal? Vão ficar bem? – os óculos pequenos de Dumbledore escorregaram pelo nariz torto, e suas sobrancelhas fartas e brancas desapareceram sob o chapéu pontudo.

Annie olhou para o irmão, que tremia quase imperceptivelmente. Não achou que pudessem ter problemas com uma convivência forçada por algumas horas. Ela afirmou com a cabeça. David murmurou um "Certo" relutante.

O diretor pegou uma miniatura da estátua dos Irmãos Mágicos, que ela vira certa vez no saguão da sede do Ministério. Entregou para eles, que a seguraram juntos.

'- Não percam essa chave de Portal. Ela é oficial, e os trará de volta a Hogwarts no horário combinado.

Eles assentiram com a cabeça, e Dumbledore acionou a chave. Ann sentiu o tradicional puxão na altura do umbigo, e fechou os olhos para não ficar tonta. Assim que os abriu novamente, estava no jardim da casa, caída na grama.

David levantou-se espanando a poeira e grama das vestes, e iniciou seu caminho até a porta da frente. Ela hesitou um pouco, observando a casa que esperava ver pela última vez.

Casarão era realmente o nome perfeito para aquele lugar. De imensa área e dois andares, sua imponência ficava evidente logo ao primeiro olhar. A madeira escura e bem polida das paredes parecia não sofrer tanto a ação do tempo, apesar dos séculos atribuídos à construção. As janelas grandes e portas altas tinham entalhes artísticos, e o telhado no tradicional estilo europeu parecia ter várias chaminés. O jardim, onde a garota permanecia sentada, era bem cuidado, e a grama verde estava úmida. Porém, não havia uma única flor, apenas algumas folhagens, e altos pinheiros na parte de trás.

Annie levantou-se finalmente, e, tomando o caminho de pedras até a casa, segurou-se para não dar meia-volta e sair correndo dali. Entrou na casa e fechou a pesada porta, acionando assim os feitiços de disfarce e proteção contra trouxas existentes.

Logo que entrou no hall escuro e pisou o tapete felpudo, ela teve a mesma sensação de prisão que sempre tinha ao voltar para casa. Ouviu passos, e concluiu que David já fora até o quarto. Também ela abandonou o hall para passar à sala de visitas, que ainda continha alguns poucos sinais de luta. Compreensível: Voldemort matava da maneira mais limpa possível.

Fazendo uma análise minuciosa do aposento, ela viu que David deixara a chave de Portal sobre o console da lareira. Inapta a continuar vendo os sofás de veludo revirados, e as cadeiras da mesa de jantar quebradas, Annie subiu a escada em espiral, que levava ao pavimento superior. Passou pelo corredor longo e iluminado por archotes, até que estacou diante de uma porta. Por um momento lutou consigo mesma, em dúvida entre abrir ou não a porta do antigo quarto da sua mãe. Por fim, seu coração falou mais alto que a mente, e ela levou a mão à fechadura; infeliz, ou felizmente, ela não sabia, estava trancada. Penosamente, ela afastou-se do quarto. Aquilo lhe traria lembranças que talvez preferisse esquecer. Foi até o próprio quarto, no fim do corredor.

Girou a maçaneta de prata e, ao entrar, acendeu os archotes com um toque de varinha. Com o quarto iluminado, pôde relembrar o quão amplo era. Tudo estava como deixara: os livros espalhados, alguns rascunhos no chão e o cesto de Órion ao lado da cama. Como o resto da casa, seu quarto era decorado com um grande bom gosto, mas simples e sóbrio ao extremo. Os móveis antigos e conservados, de mogno escuro, meio avermelhado, a cama de casal com uma colcha cinzenta, de tecido macio, o armário espaçoso e seus pegadores de prata retorcida, assim como o tapete felpudo do mesmo tom da colcha.

Ela abriu as cortinas pesadas, deixando a claridade entrar. Jogou-se de costas na cama. Não queria exatamente estar ali. Não queria nada daquele lugar. Apenas livrar-se definitivamente dele. E o quanto antes. Resolveu pegar o que era seu logo. Levantou-se e foi até o armário, jogando as roupas por cima de si, acertando a mala aberta. Parou ao achar uma capa e uma camiseta que não eram suas.

'- Elfo doméstico insuportável. – murmurou.

Annie foi até o quarto de David, e abriu a porta sem sequer bater. Ao ver que o irmão também fazia as malas, adentrou no aposento, de aparência igual ao seu quarto, com a diferença de que os móveis eram de marfim, com pegadores de ônix, e a colcha da cama, verde escuro.

'- Ô, exemplo de educação, você não bate na porta antes de entrar não? – perguntou Dave, irritado, sem se voltar.

Ela encarou as costas dele, pois a cabeça estava enfiada no guarda-roupas.

'- Ah, não enche. O idiota do Sucky se enganou de armário outra vez. Isso é seu. – ela atirou as roupas na cabeça do garoto, que se livrou delas, impaciente.

'- Ótimo. Ao menos o elfo agora está morto.

'- O que? Mataram Sucky? – perguntou ela, recostando-se no batente da porta.

'- Já não era sem tempo. – respondeu David, jogando as roupas na mala - Aquele inútil estava cada dia mais cego. Mas o cadáver está na cozinha, acho que ninguém encontrou. Se quiser dar uma olhada... só aviso que não achei a cabeça dele ainda. Agora se manda daqui, já infectou o ar suficientemente.

Ela deu de ombros e saiu do quarto, fechando a porta. Ignorando a sugestão de ver o elfo decapitado, Annie decidiu por fazer algo que nunca pudera quando o pai ainda vivia: explorar o porão. Não que ela esperasse que houvesse algo interessante, mas pelo menos alguns daqueles artefatos das trevas deveria ter, afinal, o que esperar do porão de um Comensal do círculo íntimo de Voldemort?

Ela desceu a escada em espiral, e, depois, uma outra escada de pedra, que dava para as masmorras. Ao atingir os últimos degraus, o ar gelado e pútrido assaltou seus sentidos. Percorreu o corredor estreito e baixo com a varinha acesa, e a capa junto do corpo. Passou por diversas salas, que mais pareciam cavernas, e ela tinha uma vaga idéia sobre seu uso.

Annie abriu a rústica porta de madeira de uma das salas, e adentrou o cômodo escuro. Com um toque de varinha, acendeu os archotes. A sala tinha suas paredes de pedra nuas, e, no centro, uma espécie de tábua grande e inclinada, com correntes pesadas e grossas que terminavam em algemas presas nos quatro cantos. O chão em torno desse lugar era manchado por sangue seco, como se o local ali houvesse sido pintado com uma tinta macabra. Um cheiro nauseante desprendia-se do chão, e, assim que atingiu suas narinas, Ann teve a impressão de que liberou algum dispositivo em seu cérebro, pois ela via nitidamente o que presenciou ali há oito anos.

"Seus passos ecoavam altos no corredor de pedra. Havia alguém em seu encalço, mas ela não se importava. Continuou correndo, guiada pelos gritos de sofrimento, que ecoavam de maneira mórbida através das paredes. Chegou ao fim do corredor, onde havia uma porta entreaberta. Ficou momentaneamente estática com a cena que se fazia presente diante de seus olhos.

'- Ótimo, se não queres colaborar... serei obrigado a lhe apresentar nova dose de incentivo.

Ann viu seu pai rodeando a estranha tábua com correntes como se fosse um leão esperando o momento certo de atacar sua vítima. Com os pulsos e tornozelos presos pelas correntes, estava um homem já idoso, que ela havia visto no jornal, cujo nome era Romen Dearborn. Ele mantinha a cabeça pendendo molemente sobre o pescoço, e seu rosto enrugado estava lívido. Havia uma pequena poça de sangue que saía do local onde as correntes o prendiam, e também suas vestes claras estavam manchadas de vermelho. John Hells fez um movimento com a varinha, sorrindo maquiavelicamente.

As correntes esticaram-se, levando junto o corpo do homem. A força empregada de lados contrários esticou ao máximo os músculos do velho, que jogou a cabeça para trás; seus olhos escuros girando nas órbitas. O horrendo grito de dor chegou aos ouvidos da garota, e só serviu para que ela não tivesse coragem alguma de se mover. Seu pai, num passo leve, pisando sobre o sangue empoçado, aproximou-se de Dearborn.

'- Como? – perguntou ele, quando o outro murmurou algo quase inaudível. – Mas isso é ótimo! Os filhos da puta não perdem por esperar. Obrigado por colaborar, Dearborn. Sinto muito, mas acho que tu não me serás mais útil.

Fez novo movimento da varinha; imediatamente as correntes encurtaram-se rapidamente, e a boca do homem abriu-se em um grito mudo, antes que o som da carne se rasgando e dos ossos partindo invadisse a mente de Ann, e voltasse para assaltá-la durante seus pesadelos nos próximos dias. De maneira lenta e gradativa, vários ponto das vestes do velho se encharcaram de sangue, principalmente na região das juntas dos braços e pernas. Seu corpo pendeu mole, morto, seguro sobre a tábua apenas pelas correntes, e, talvez, algum nervo, uma vez que parecia que sua carne virara uma mera pasta avermelhada.

O sangue que agora escorria abundante pelo chão chegou até a sola dos sapatos de John Hells. Ann subitamente sentiu sua voz voltando, junto com a sanidade de sua mente.

'- Você o matou. VOCÊ O MATOU! – ela viu-se berrando com toda a força que ainda tinha nos pulmões.

Seu pai virou-se para a porta, deixando de observar o cadáver. Sua expressão tornou-se colérica rapidamente, e até a longa cicatriz empalideceu junto ao resto do rosto.

'- O que tu estás fazendo aqui? David, tire-a daqui agora! TIRE-A DAQUI, GAROTO!

David saiu do transe no qual também se encontrava até agora. Ele havia seguido-a até as masmorras, mas esquecera-se de impedi-la de ver o que não devia.

Com esforço, conseguiu arrastá-la das masmorras, com os gritos de "Assassino!" da irmã reverberando nas paredes de pedra. Ao ser trancada no quarto, ela caiu de joelhos, nauseada, chorando em meio ao vômito, que lhe vinha em jatos, sujando o tapete cinzento."

'- Ei, aberração, o que você está fazendo? – pela segunda vez naquele dia, a voz de David a acordou de seu transe.

Ela voltou-se lentamente para o garoto, parado a porta. Talvez sua expressão não fosse das melhores, pela cara que Dave fizera.

'- Você vai vomitar? – ele perguntou, erguendo uma sobrancelha.

Annie chacoalhou a cabeça, tentando fazer as lembranças se dissolverem. Em vez de responder, bateu a varinha num pequeno buraco no chão, abaixo da tábua de tortura, e uma tampa de madeira se revelou. Com um novo movimento de varinha, abriu-a, mostrando uma passagem que permitia a entrada de uma pessoa magra, seguida de uma escada estreita.

'- Espera! Sabes que não podes entrar aí! – subitamente a voz do irmão tomou o timbre da de seu pai, assim como o sotaque francês suave. Na realidade, ela parecia estar vendo uma versão mais jovem de seu pai, parada à sua frente.

'- E quem vai me impedir? Vai me torturar, irmãozinho? Aproveite, estamos no lugar certo. – ela disse, venenosa, sem conseguir esconder o mesmo sotaque. – Cai na real, Dave. Papai está morto, não há motivos para não entrar ali.

'- Não acho que seja aconselhável entrar ali. – comentou ele.

'- Já entrou, por acaso? – ela perguntou, e, diante da negativa, continuou – Então. Sei que é tão curioso quanto eu. Mas, se está com medo, não posso fazer nada...

O desafio implícito pareceu surtir efeito, pois David cerrou as sobrancelhas, e levantou a cabeça, numa pose pedante. Ann sabia que não seria tão difícil para ele impedi-la de entrar (Ela tinha sua varinha, mas não sabia de metade das maldições que ele dominava), portanto, era melhor fazê-lo a acompanhar.

'- Medo. Vai ver quem é que tem medo, quando uma acromântula gigante for querer você para o lanche. Vou apenas para poder te empurrar por algum armário sumidouro que tenha lá embaixo.

Tomando a frente, David começou a descer pela escada precária, com os degraus rangendo sob seus pés. Annie seguiu-o, com a varinha acesa, e deixou o alçapão aberto, por precaução.

Desceram no mínimo sessenta degraus, quando, finalmente, a luz da varinha do garoto iluminou uma parede de madeira.

'- Ah, que ótimo. Beco sem saída. Tem que ter alguma coisa aqui embaixo! – Ann ouviu-o resmungar.

'- Não tem nenhuma porta ou maçaneta não? – perguntou ela, tentando ver por sobre os ombros do irmão.

'- Não estou vendo nada, então, é óbvio que não tem! Acha que papai seria estúpido o suficiente para deixar uma maçaneta bem à vista? Você só pode ter herdado a burrice da sua mãe. – murmurou ele, irritado.

Sem querer perder tempo com ofensas, Ann puxou-o para o lado, e pôs-se a examinar a parede maciça, à procura de algum nó ou saliência.

'- Como você é idiota, hein? Não tem nada aí.

'- Então, Sr. Eu Me Acho o Tal e Sou o Todo Poderoso, tem alguma sugestão para que possamos abrir essa joça? Algum feitiço útil no repertório de Magia Negra? – disse Ann, cruzando os braços.

'- Você chegou tarde na distribuição de cérebros? Se jogarmos um feitiço aqui, ele pode ricochetear, ou ainda, fazer tudo isso desabar. Nunca ouviu falar de proteção anti-feitiço não? Sai da frente que eu vou arrombar essa coisa. – falou David, tomando espaço para chutar a parede.

Ann, desesperada, agarrou-o pelos ombros, atrapalhando a investida contra a madeira.

'- Se eu cheguei tarde, você sequer foi buscar um cérebro! Se você chutar, aí sim isso aqui vem abaixo! Eu não quero morrer soterrada, mas, se você quer, espere até que eu suba para exercitar seu caratê!

Na pressa de não deixar o garoto chutar a parede, Ann acabou por derrubar sua varinha na escada, quando foi procurá-la, viu que esta havia parado com a ponta para baixo, encaixada num pequeno buraco redondo, imperceptível, em um degrau. Segurou-a e puxou, porém, quando a retirou do buraco, a parede de madeira dissolveu-se, virando um montinho de cinzas no chão. Ao mesmo tempo, a tampa de madeira do alçapão se fechou sozinha, aumentando a escuridão do corredor. Os dois garotos apenas ficaram parados, atônitos.

'- Às vezes seu jeito estabanado serve para alguma coisa, aberração. – comentou David, pulando por cima das cinzas.

'- Merlin... é coincidência demais. – murmurou Ann, acendendo a varinha e entrando também no cômodo.

Era obviamente um porão; o chão de madeira velha estava empoeirado, e também uma grossa camada de pó cobria as muitas caixas e livros espalhados em vários cantos. Havia uma pequena janela, a qual, Ann pôde constatar assim que tentou abrir, estava emperrada e suja.

'- Alorromora! – proferiu ela, e a Janela abriu-se com um estrondo.

Uma réstia de sol iluminou fracamente um amontoado de vidros, que lhe chamou a atenção. Após assoprar parte da poeira que havia se acumulado, ela viu-se diante de tubos de ensaio, balões, termômetros e todo o tipo de objeto vítreo utilizado para experiências químicas. Animada, começou a retirar os vidros da caixa de madeira, e acabou por descobrir um livro grosso e tão pesado que ela suspeitou haver algo mais que páginas nele. Passou a manga das vestes para lustrar a capa, e, aos poucos, um dragão esculpido em prata, com as asas e a boca aberta, revelou-se contra o couro negro e intacto da capa do livro.

Ainda boquiaberta com a riqueza de detalhes do dragão, ela percebeu que havia uma inscrição no canto direito do livro; eram as letras W.H. gravadas também em prata. Tentou abrir o livro, mas este parecia emperrado. Resolveu então, diminuir o livro e a caixa com os objetos, para que coubessem em seu bolso. Queria examiná-los melhor, uma outra hora.

'- Hey! Ah, olha só isso! – chamou David, animado, do outro extremo do quarto.

'- O que foi? – perguntou ela, aproximando-se.

'- Isso! – ele jogou uma espécie de besouro de ouro no dorso da mão dela.

Batendo as pinças metálicas, o escaravelho fez um furo na sua pele, e provavelmente teria adentrado na carne, caso ela não tivesse jogado-o longe com um tapa.

'- AAAIIII! SEU IDIOTA! – berrou ela para David, que rolava no chão de tanto rir. – Isso. Dói. Seu. Retardado! – começou a atacar o garoto com uma espécie de guarda-chuva desengonçado, que estava jogado ao chão.

'- Pára com isso! Tá louca? Esse... uau! – ele parou a frase no meio, olhando para o suposto guarda chuva.

A coisa abriu as asas, e demonstrou ser um enorme morcego, preso em um cabo, que começou a se debater e mostrar os dentes pontiagudos.

'- Gah! Nada aqui é inofensivo não? – ela arremessou o morcego para trás de algumas caixas.

'- Oh! Isso aqui é uma mina de ouro! – murmurou David, com os olhos brilhando.

Ignorando o irmão, que agora começava a remexer uma estante, ela voltou o olhar para uma pequena caixa de cetim branco, que jazia em uma cadeira velha. Tomou-a nas mãos, e com delicadeza abriu a tampa. Dentro ela viu algumas jóias; anéis, colares e pulseiras, que ela reconheceu como de sua mãe. Com um aperto no peito, ela retirou o colar que sabia ser o preferido dela: uma corrente fina, prateada, que terminava em um delicado pingente de cristal, em forma de lua minguante. Dentro do cristal, uma espécie de líquido azul cintilante estava sempre em movimento, emprestando ao colar brilho próprio.

Apertou-o firmemente na mão, para depois colocá-lo no bolso: não deixaria aquilo se perder. Queria ter alguma lembrança de sua mãe.

Passaram mais algumas horas no porão, até que o horário marcado com o representante do Ministério chegou, e eles tiveram que subir. Tudo o que tiveram que fazer foi responder algumas perguntas, assinar papéis, e confirmar que eram realmente maiores de idade perante a lei bruxa. Depois disso, acionaram a chave de portal, que os levou de volta a Hogwarts.

'- Bem – começou David, enquanto caminhavam por um corredor – Acho que agora é o fim.

'- O que quer dizer com isso? – perguntou Ann.

'- Não sei, me sinto estranho. Vai sentir falta dele? – indagou o garoto, hesitante.

Ela ponderou a pergunta. Não sentiria falta de seu pai, e sentia um ligeiro remorso por estar aliviada com a morte repentina dele. Tinha a impressão de que as coisas agora iriam se encaminhar.

'- Não. – respondeu, sinceramente – Não tenho motivos para isso.

Ela deu de ombros, e subitamente se permitiu um leve sorriso. David parecia resignado, quando retribuiu o sorriso, relutante. Ela voltou-se, e começou a vencer a distância que a separava de seus amigos, sentados sob uma faia, no jardim. Como não tinha sorte, lá estava, além das suas quatro amigas e dos Marotos, Mark Lovegood. Mas, pensou Ann, o que importava realmente? O tempo dos ressentimentos havia passado.


N/A: Saudações, terrestres! Aqui está a atualização. Peço perdão se esse capítulo ficou mais parecendo parte de uma história original, e não uma fic, mas, eu simplesmente precisava escrevê-lo. É que a história dos Hells e o casarão habitam minha imaginação há um bom tempo, e eu queria descrevê-los. Enfim, sei que sou a rainha da embromação, porque preenchi várias páginas praticamente apenas com narrações. Se ficou chato (acho que sim), sinto muito. Não foi chato para mim escrever. Ah, e, para não dar confusão, as lembranças da Ann estão entre aspas, mas acho que vcs já perceberam isso.

N/A2: Essa fic é baseada em fatos reais, ok? Não, não que meu pai seja comensal, ou eu more num casarão, ou ainda tenha amigos animagos. Não. Mas, bem, algumas situações foram baseadas em histórias vividas por mim, ou pelas pessoas à minha volta. Como, por exemplo, o Momento Pino de Boliche da Lene, no capítulo passado, foi minha miga Mia Moony que sofreu, na quinta série. O garoto que a derrubou se chama Carlos, e eu não sei se ele lembra disso, mas, não importa.

Agradecimentos – Parte I

Ao técnico de informática; que é um anjo que veio socorrer os pcs necessitados, e não deixou os meus arquivos irem até a cucuia.

Aos caras que promoveram um curso para os professores durante dias de aula; pois sem aqueles dois dias de folga esse capítulo teria empacado como burro diante de água. (? Não perguntem)

Ao cara que inventou o computador; na minha opinião deveria ser santificado.

Ao cara que inventou a Internet; pois anjos existem, e esse é um deles.

Ao Bill Gates, também, porque sem o Windows eu teria de utilizar o Linux, e eu não gosto do Linux.

Ao cara que inventou a escrita; gênio indomável. (pfff. Hauehaue!)

E chega. Agradecer cansa.


Agradecimentos – Parte II A saga continua.

ArthurCadarn/Lemon: Tiago vai se comportar, não esquenta. Mas vai demorar um pouquinho ainda... uma espera não tão grande. Sua fic só vai ser continuada depois do sexto livro? Affe! Que pena! Putz, eu até pensei, mas não sei que rumo vc quer dar à ela. Do tipo, trama, shippers e tals... se eu tiver alguma idéia, te aviso, ok?

Adriana Black: Puxa, valeu! Gosto da Ann tb, mas, por incrível que pareça, ela não é minha preferida o.O hehe. E... o shipper principal é realmente Ann/Sirius, mesmo que eu ainda não tenha deixado tão explícito. Obrigada pelos elogios!

Mylla Evans: Sirius? Psicopata? Tadinho! Não, ele apenas segue seus instintos "caninos" hehe. E tenho uma teoria de base puramente científica para a fixação nessas traseiras, em particular. Bunda do Hagrid: Nos impressiona devido ao tamanho, podendo ser usada em situações de metáfora como um comparativo de superioridade. Bunda dos trasgos: São "interessantes" devido à situação bizarra que imaginamos ao dizer "bunda de trasgo". Suponho que seja algo desprivilegiado de graciosidade, mas provido de hilariedade.

Adorei o negócio das bombas de bosta naturais! Permite que eu faça uma referência a isso em capítulos posteriores? Hehe. Vc não precisa ir à merda não. Mas se quiser doar a passagem, tem gente que precisa... hauahua! Para seqüestrar o Lou vc terá que passar sobre o meu cadáver! GRAAUR! ELE É MEU! EU CHEGUEI ANTES! MWHAUAHAUAH! Mas eu posso alugar ele pra vc... aceita? Hauehaue!

Suas reviews não são inúteis! Eu já comentei que morro de rir (considere um elogio)com elas? Já levei até um esporro por estar gargalhando no meio da aula de informática. Nunca mais abro meus e-mails no curso, hehe. OH, eu adoro assistir Inuyasha, e AMO o Sesshy! Acho que tenho algum tipo de tara por vilões. E eu estou superando o trauma de morar em SC... não que eu não goste daqui, mas sinto saudade do meu Paranazinho.

Silverluck: EU te inspirei? Estamos falando da mesma pessoa? Euzinha? Uau! Tô podendo! Hauehaue! Obrigada! Espera, minha fic? Perfeitosa? Meu ego tá inchando... Os McKinnon... eu sei o que eles são! Mas não vou dizer! Mwhauahau! Mas não foi apenas vc que ficou curiosa não... olha, quer um conselho? Esquece o Animais Fantásticos. Hehe. Não precisa ir à merda não. É impressão minha, ou vcs estão evitando esse lugar? Hauehaue! M-morte? Eeeeuu? Chuinf! digita furiosamente, para não sofrer ataque letal

Mia Moony: Oh, miguinha! Saudades? Ah... vc sabe que tenho uma espécie de trava com esse negócio de sentimentos, mas... eu tb! Saudades! chuinf Não me faça chorar! Ah! Sim, discuti com o Carlos. Não lembro pq. Já dei os créditos, e não tinha dado antes por achar que vc ia preferir se manter no anonimato. E estou realmente tentando fazer a Lene parecida com vc, pq, bem, é um jeito de matar a saudade. E vc já sabe o que a Lene tem, abelhuda! Estragou minha surpresa! Mas eu ajudei... só... segredo, hein? Haueha! Sabe, acho que vc vai concordar comigo, o real dono da aparência do Mark é... inimaginável! Quanto à sua crise... eu queria fazer ela passar! Mas acabei piorando as coisas. Foi mal. Ooohhnnn! Bidi! Fofa! Vc quer me deixar deprê? Fiquei 'mocionada! Brigada!

Cristina Melx: Obrigada! Mil vezes obrigada! Quando eu digo que vcs estão deixando minha auto estima lá em cima... All right! Estou continuando! Hehe.

Roberta: Ora, reviews não têm como ficar um lixo! São a opinião dos leitores! E realmente, quando vc escreve e ninguém comenta, dá a impressão de descaso. Mas minha fic já está sendo indicada? Uau! Que bom que vc está gostando! E acho que a coisa mais legal das fics é vc poder brincar com os personagens, atribuir características e ações não reveladas nos livros. Fazê-los adolescentes é incrível! Estou nas alturas por ter ganho mais uma leitora!

Um enorme beijo pra todo mundo que comentou! Vocês fazem a alegria de qualquer um! Continuem comentando, para não precisar ir à merda, falou? Hehe. Vou ficando por aqui, e até a próxima atualização, ok? Bye, people!