O dia passou sem que os dois trocassem uma única palavra. Inuyasha comentou com Miroku o que havia acontecido, mas ele confessou que não sentiu uma aura sinistra na garota nem no dia anterior nem agora. Mas ele havia achado estranho o fato do tridente ter sumido logo depois que ele saira aquela noite, e agora sabiam que foi ela que invocou a arma quando sentiu a presença de Sesshoumaru. Mas eles combinaram que ficariam de olho.

Anoiteceu e Shanara saiu para tomar ar puro. Ao chegar a uma campina ela sentou-se e suspirou pensativa. Queria achar uma maneira de voltar para casa. Talvez o poço. Se entrasse novamente por ele chegaria ao seu mundo. O Inuyasha mentira para ela sobre o poço, descobriu isso conversando com a Sango. Tentaria isso mais tarde.

Shanara...

Ela se virou e viu Inuyasha de pé ao seu lado. Sorriu para ele e ele não pôde deixar de sorrir por dentro. Como uma garota tão pura poderia ser um demônio?

Inuyasha... descobri como voltar e partirei amanhã. Quero me despedir pois assim que o sol nascer irei pelo poço de onde sai.

Shanara...

É engraçado, só agora falou o meu nome, bem na hora da despedida.

Ele ajoelhou-se a sua frente. Ela sorriu novamente, se aproximou e deu-lhe um beijo. Ele estremeceu diante disso, mas não saiu do lugar.

- Sabe, eu gostei muito de te conhecer, espero que você não se esqueça de mim, porque eu não vou esquecer de você. Não sei o que acontece por aqui, essa diferença entre homens e youkais, mas pelo que vejo não importa a raça, o que importa é o coração e você tem o coração mais bondoso e meigo que já conheci, apesar de você ser meio grosso ás vezes.

Sua boba, foram as suas atitudes estranhas que me deixaram desconfiado, eu sou assim mesmo com os humanos...

A mão de Shanara pousou no peito do rapaz.

Shanara...

Posso sentir a sua alma, e ela é tão pura quanto a minha era a muito tempo. Seu coração é doce... tive muita sorte em conhecer você, Inuyasha.

Os dois ficaram algum tempo olhando um para o outro, em silêncio...

Shanara voltou na manhã seguinte para a sua época, mas vagou pela cidade até o anoitecer. Com passos ligeiros regressou á casa que alugara com seu primo Yuri para passar as férias no Japão. Seu coração batia rápido pelo exercício de correr pela noite que já ia alta. Ao adentrar pela porta da cozinha deu de cara com Yuri, encostado na pia com os olhos baixos.

Por onde andou? – perguntou com a voz suave.

Num lugar estranho. – respondeu ela, dirigindo-se à sala de estar.

Que lugar? – ele bloqueou a sua passagem, olhando muito seriamente para a prima.

Shanara fitou secamente Yuri.

Se quer saber se eu encontrei aquele cara ou me meti em confusão, pode ficar tranqüilo. No lugar onde estive só consegui amigos. Posso ir?

Não até me contar com quem esteve por dois dias, sem deixar rastro nem notícia.

Ela se sentou em uma cadeira e suspirou.

Vai precisar da noite toda para ouvir...

Vá em frente, estou com tempo. – sentou-se à sua frente.

Shanara contou tudo a Yuri. Ele ouvia tudo sem dizer uma palavra. Ao final, baixou o olhar e sorriu.

Já entendi.

Yuri se levantou sorrindo e falou finalmente:

Vou dormir, que sabe sonho algo melhor do que isso.

Ela se levantou furiosa. O primo não acreditou em uma única palavra dela.

Ah, e o copo está dentro da geladeira, caso ainda sinta sede.

Ele era um idiota, pensou ela. Seria possível que ele estava achando que ela bebera o sangue de alguém ou que fora novamente seduzida por ... não gostava nem de pensar nisso. Abriu a geladeira e tomou lentamente o líquido vermelho, fazendo caretas. Que droga!

Subiu as escadas sonolenta. Seu coração estava em paz, pois conhecera um rapaz como ela, alguém que sofria com o fato de ter dentro de si duas almas, uma humana, outra demoníaca, e que não conseguia se encaixar em nenhuma delas. Talvez ela sofresse mais, pois conhecia a ternura de um coração humano, pois já havia possuído um. Inuyasha nasceu com a natureza de um meio youkai, não sabia o que era ser totalmente humano e sentir seu espírito tomado de humanidade. Sentiu vontade de vê-lo de novo, mas sabia que seria impossível. Abriu a porta do quarto e lentamente despiu as vestes do mundo de Inuyasha. Com uma toalha envolvendo seu corpo, ela caminhou até o banheiro, lavou-se demoradamente e vestiu o pijama. Jogou-se na cama displicentemente, os cabelos ainda molhados ensopando os lençóis. Ela não se importava, gostava do frescor do corpo úmido, e estavam em pleno verão japonês. Fazia um calor incomum aquele ano.

O vento abriu as janelas, espalhando pelo ar o perfume de flores do corpo de Shanara. Uma sombra saltava por sobre os telhados, farejando o ar. Seus olhos se voltaram para a direção do sobrado onde os primos estavam. Inuyasha voou até a janela aberta e olhou lá dentro. Viu a moça que esteve com ele algumas horas atrás, deitada languidamente e displicentemente, dormitando levemente.

Shanara... é você?...

A moça levantou a cabeça, pensando estar sonhando.

Inuyasha... o que faz aqui?

O rapaz entrou e sentou-se á beira da cama da mocinha.

Vim ver se você chegou a salvo.

Como descobriu este lugar?

Segui seu cheiro. Sabe, é bem fácil seguir você, sabia? Deixa perfume por onde passa.

Ela sorriu, e o sorriso dela iluminou a penumbra do quarto. Shanara afagou os cabelos de Inuyasha levemente. Ele corou diante disso e se afastou um pouco.

Você leu meus pensamentos, eu queria te ver, e pedir que devolva isto á senhora Kaede. – apontou as roupas que a velhota havia lhe dado para vestir.

Tudo bem. Então acho que já vou indo.

Espere! – disse se levantando de um salto e pegando o tridente que ficava num canto. – Vamos passear juntos, não estou com sono Inuyasha.

Ela invocou Lealdade, subindo em suas costas e dando a mão a Inuyasha. Ele hesitou mas acabou subindo no lobo, que saiu voando pela janela aberta e ganhou o céu iluminado pela lua cheia. Os cabelos ainda úmidos dela tocavam o rosto do rapaz levemente, enquanto o lobo subia cada vez mais alto. De repente, um sopro quente fez Shanara arrepiar.

Lealdade, desça!

O lobo obedeceu tão rápido que Inuyasha quase caiu.

Ei, o que aconteceu garot...

Seus olhos viram uma sombra negra cruzar a lua e descer para onde eles estavam. Era um cavalo negro, com olhos vermelhos como fogo e cascos incandescentes. Suas asas cobriram o luar e um homem sombrio fitou-os de cima do cavalo.

Desta vez fugiu para bem mais longe, Shanara.

Gabriel! Vo...você me encontrou, seu maldito! Eu não quero ir com você!

Shanara, quem é esse sujeito? – disse Inuyasha sacando a Tessaiga e apontando para Gabriel, que sorria sem olhar para o meio youkai.

Inuyasha, abaixe a espada, você não pode contra ele. Deixe comigo, por favor...

Deixar com você? O sujeito aparece querendo levá-la e quer que eu não faça nada? Escute aqui seu idiota, não sei quem você é mais não vai levar a Shanara, ouviu bem?

Ora, e desde quando eu preciso pedir para levar a minha escrava? – disse Gabriel virando o olhar para Inuyasha.

Escrava? – ele estava confuso. Shanara pôs a mão sobre a de Inuyasha, que empunhava a Tessaiga.

Por favor, não faça nada contra Gabriel, eu irei com ele, vá até minha casa e avise a meu primo Yuri.

Deve estar brincando!

Dizendo isso saltou sobre Gabriel para atingi-lo com a espada. Foi repelido pela energia dele.

Uma barreira!

Gabriel riu.

Quem você pensa que é para atacar Gabriel do Esquecimento, miserável ser inferior! Quer morrer, realizarei o seu desejo.

Sacou uma alabarda e apontou para Inuyasha, que estava caído no chão. Shanara correu até o cavalo e agarrou o braço de Gabriel.

Por favor, não o machuque! Eu vou com você!

O cavaleiro sorriu para a moça e falou sem olhar Inuyasha.

Agradeça a Shanara, pois por um pedido dela você viverá mais um pouco. Mas se voltar a me desafiar, não serei clemente.

Lealdade... leve o Inuyasha pra casa e não deixe ele nos seguir... me desculpe Inuyasha...

O lobo imediatamente agarrou o meio youkai pela gola da capa e puxou-o para o céu, enquanto Inuyasha se debatia em vão para se soltar.

Me largue seu lobo maldito! Shanara!

Ela suspirou aliviada. Pelo menos desta vez ele estava a salvo. Ela virou-se para Gabriel.

Obrigada... meu senhor...

Ele pegou-a delicadamente pela cintura e colocou-a na garupa do cavalo alado, que voou rápido em meio a uma labareda.

Shanara! Maldição!

Lealdade só soltou Inuyasha dentro do quarto de Shanara. Bem que ele tentou sair novamente, mas o lobo sentou-se na frente da janela e de lá não saiu.

Ora, seu lobo maldito, por sua causa não pude seguir aquele sujeito idiota! Maldição!

O rapaz lembrou-se das palavras de Shanara. Saiu do quarto dela em direção a outro aposento e farejou. Um raio o fez pular para trás e quando se virou viu uma adaga fincada na parede, perto da sua cabeça.

Quem é você, o que faz no meu quarto?

Ele acendeu a luz. Arregalou os olhos ao ver um rapaz vestido de vermelho e com orelhas de cachorro. Achou que estava sonhando mas Inuyasha o tirou do susto.

Você é o primo da Shanara?

Yuri se lembrou da história que a prima havia lhe contado, sobre o mundo feudal e o rapaz com orelhas de cachorro. Caiu na cama pasmo.

Putz, então a historia da Shanara era verdade!

Refeito do susto, Yuri ouviu o relato de Inuyasha e sua expressão se tornou sombria.

Quer dizer que ele seguiu a Shanara até aqui? Que sujeito persistente!

Afinal, quem era aquele cara?

Aquele é Gabriel, um guerreiro das trevas. Foi ele quem corrompeu a Shanara e a transformou em...

Yuri não sabia se dizia, mas Inuyasha completou:

Uma alma corrompida, com sede de sangue. Eu sei, eu vi ela assim...

O rapaz abaixou o olhar.

Não é uma coisa muito agradável de se ver, os olhos dela tão puros transformados em olhos de um demônio infernal. Yuri suspirou e sentou-se no sofá.

Inuyasha olhou pela janela da sala para a lua que já ia baixando no horizonte, estava amanhecendo.

Onde ela está... pensou tristemente.