Disclaimer: Os personagens de Saint Seiya não me pertencem, minha utilização deles não tem fins lucrativos de espécie alguma, bem como a citação de nomes de locações e estabelecimentos reais.
Nota da autora: Pessoas, a recepção dessa fic foi melhor do que esperava! Apesar dos poucos reviews aqui no site, recebi muitas críticas positivas via MSN... Fico agradecida e feliz, especialmente por ser minha primeira incursão no maravilhoso mundo do 'casal 20' de Saint Seiya, Miro e Camus. Muito obrigada pelo carinho e bem... a fic já está terminada ( vocês não correm o risco de não ter um final! ) e vai ter mais 2 capítulos. Divirtam-se!
Capítulo II
Violência
Camus passou a vigiar ostensivamente a boate durante o dia. A casa funcionava em um sistema diferente durante a semana: era apenas um lounge sofisticado. A partir de quartas feiras à noite, começava a função de prostituição com os 'second class boys': garotos de programa mais baratos ou menos requisitados que se dispunham a trabalhar. Claro – Miro era um dos mais procurados rapazes, sua semana era toda de folga.
Começou a observá-lo de perto, mas ele raramente saía dos arredores da boate. Sentava nas calçadas próximas, conversava com outros meninos da casa, entrava. Era difícil vê-lo. Um dia, muito mais atraído pelo menino de lábios macios do que pelo seu amor à profissão, Camus circulou pela Primeira Avenida, com seu sobretudo caramelo – Seattle era sempre fria – suas calças escuras e blusa clara, os cabelos ruivos despenteados, vigiando com seus olhos falsamente distraídos as ruas.
Encontrou Miro sentado em um banco de um café, o Lux, algumas poucas ruas distantes da boate. Os longos cabelos loiros estavam presos em uma trança que ia até o cós da calça jeans justa. Usava uma camiseta branca justa e uma camisa xadrez avermelhada – um clássico na região desde o movimento rock grunge. Nos pés, Havaianas azuis, importadas e vendidas a preços exorbitantes por Aldebaran. Tomava um enorme copo de café e lia o jornal distraidamente.
Camus passou por ele como quem não o havia visto, entrando para buscar um café. Miro o viu e ficou vermelho. Nunca sabia como agir quando via um freguês na rua. Essas pessoas odiavam ser reconhecidas e, em geral, eram do tipo que tacavam pedras em homossexuais durante o dia e à noite pediam para serem penetrados enquanto usavam roupas íntimas femininas. Hipócritas; mas eram hipócritas ricos e que, bem ou mal, eram o ganha-pão de moleques como Miro, que de outra maneira estariam morrendo de Aids e sífilis pelas ruas. Então, com esse pensamento em mente, Miro ignorou solenemente a presença de Camus.
O matador não se intimidou e rápido compreendeu que não apenas assassinos, mas garotos de programa também tinham um código de silêncio. Gostou disso.
– Oi. Você vem sempre aqui? – perguntou o ruivo, sentando-se com seu café e seu sanduíche de queijo ao lado do rapaz.
Miro corou vivamente.
– Às vezes. E você?
– Eu trabalho aqui perto, no E.E. Robbins, no 2200. Faço a segurança da joalheria.
– Ah...
– Boas notícias? – fez apontando o jornal.
– Não. O preço da saca do café aumentou na bolsa – uma geada no Brasil. Nosso cafezinho vai ser mais caro em duas semanas.
– Bem, não se pode ter tudo.
Miro abaixou o jornal atrás do qual tentara se esconder.
– Você não se importa?
– Importar com o quê?
– Todos nas redondezas freqüentam a Hímeros.
– E daí?
– Todos sabem que sou garoto de programa.
– Eu também sei.
Miro dobrou o jornal nervosamente.
– Não se importa de ser visto com um garoto de programa?
Camus riu.
– Que diabos! Não!
– Não?
– Não! Se tivesse vergonha disso, não freqüentaria uma casa daquelas e não teria chance nenhuma de conhecer um garoto de programa. – ele balançou a cabeça rindo ainda dos pruridos morais de Miro. – Quer sanduíche?
– Eu não entendo você!
Camus ofereceu-se para acompanhar Miro até a Hímeros. Antes, pagou seu café e o sanduíche, pagou o café de Miro e ainda o presenteou com uma barra de chocolate recheado enorme. Desceram a rua até a boate, Miro devorando a barra.
– Você vive na Hímeros?
– Vivo.
– Deve ser prático. Não precisa de metrô.
– É. É melhor que ficar na rua.
– Você já trabalhou na rua?
Miro o encarou desconfiado. Por fim, respondeu.
– Já. Não é seguro. E você come o que fatura. Tem que trabalhar: doente, cansado, com chuva, com sol. Não tem segurança e não pode escolher cliente.
– Deve ser por isso que os melhores meninos da cidade vieram para a Hímeros.
– Viriam a convite de qualquer um que lhes oferecesse um mínimo de segurança.
– Você se sente seguro, Miro?
"Merda! Camus! Que espécie de pergunta idiota foi essa?"
– Muito.
"Ah, se você soubesse, menino! Antes do final do mês, vai estar morto."
– Ah, Leon... A casa funciona de novo na sexta. Você vem?
Miro sabia que estava se excedendo. Nunca se convidava um cliente assim frontalmente, mas já havia abandonado quase todas as reservas profissionais que Aldebaran tão metodicamente os ensinara.
– Estarei aqui na sexta, Miro.
Os olhos azuis faiscaram de felicidade.
– Sério?
– Claro.
Para confirmar a disposição de voltar a vê-lo, Camus aproximou-se sutilmente para beijá-lo na bochecha.
– Você usa um perfume de dia e outro de noite. – murmurou Miro, de olhos fechados esperando o beijo.
Camus de imediato suspendeu o movimento na direção dele. Observador. Muito observador. Um assassino também era observador. E ele também tinha reparado que Miro usava um perfume diferente de dia.
– É que de dia eu uso um perfume feminino. Anaïs Anaïs, Cacharel.
– Eu sabia. – o loiro pronunciou-se triunfante. – Eu também uso perfume feminino de dia.
– Chaos, da Donna Karan. É esse?
– Você é bom nisso!
– Você é o especialista. Deve ser freqüentador assíduo da Bloomindale's!
– Esse tipo de luxo é parte da minha profissão.
– Bom... Te vejo na sexta?
– No lounge central, na mesa 11, bebendo dry Martini? – Miro perguntou, com as mãos enfiadas no bolso da calça, rindo – o sorriso espontâneo que Camus adorava.
– Isso.
Acenou para ele da descida da rua.
"Que diabos! Quando vou matar esse garoto? Quem ia querer Miro morto? Ele é tão doce! Nunca deve ter feito mal a ninguém! Mas... Eu também não devo perguntar nada. Pagam e eu faço o serviço. Não interessa a doçura da vítima. Dessa semana não passa."
— # —
Era noite de sexta-feira. Camus estava terminando de se arrumar no quarto modesto de hotel. Gostava muito da sua aparência sofisticada, da blusa de uma malha vermelha escura de gola alta que combinava perfeitamente com seus cabelos, da calça justa de microfibra príncipe de Gales, os sapatos Galleano. Sabia que estava na moda e para isso servira aquela vaca da sua mãe: para ensiná-lo a vestir-se como o mais elegante dos europeus. Perfumou-se, pôs seu Cartier dourado no o pulso e quando ia saindo, seu celular tocou.
– Alô?
– Camus! Sou eu, Vanessa!
– Vanessa? Vanessa, você está chorando? Fique calma, o que houve?
– É o Leo! Não sei onde ele está! Estou desesperada, Camus! Ele estava na Blanchard com a Sétima quando a gente se falou da última vez... Parece que uma gangue estava atacando alguém, um prédio, não sei... Estou com medo! Eu ligo, ligo e ninguém atende! Estou com medo, Camus... eu não tenho ninguém a quem recorrer... Você ainda conhece as ruas?
– Conheço, Vanessa. Eu vou ver o que posso fazer para achar o Leo. Se ele estiver em Seattle, eu acho.
– Obrigada, Camus!
– Eu te ligo.
Pronto! Tudo o que Camus precisava agora era de uma missão paralela. Uma missão que ia colocá-lo bem longe da Hímeros. Mas não podia deixar Vanessa na mão. Ela foi durante muito tempo coordenadora do orfanato onde ele vivia e facilitava com freqüência as suas saídas com sua gangue; por causa dela, conseguira muito do respeito dos seu colegas – diferente deles, que viviam nas ruas, ele desfrutava da cama e da comida do orfanato, mas com uma liberdade única. Vanessa nunca cobrou pelos favores, só pedia que Camus voltasse. E ele sempre voltou, até o dia em que a mãe o veio buscar e nem mesmo Vanessa pôde impedi-la de retirar o menino de lá. Vanessa e o marido sempre o ajudaram muito. Não era justo abandoná-los.
Apanhou seu carro, um belo Volvo preto, e embicou para a Blanchard, onde Vanessa achava que Leo estava. Não demorou a encontrá-lo, refugiado na igreja da 601. A gangue tinha acabado de sair e Camus sabia quem eles eram – gente menor, latinos. Brigando pelo tráfico. Fizeram barulho, mas não muitos estragos: alguns cafés depredados, carros perfurados por balas e o maior dos danos foi o fogo que atearam no prédio da Xerox na Sexta Avenida. Pouca coisa. Tratou de levar o apavorado Leo para sua casa. Ele tinha sido pego de surpresa no meio da rua voltando do trabalho e roubaram-lhe o celular e a carteira.
Deixou-o seguro e feliz, entregue nos braços da mulher, no seu discreto prédio de apartamentos, o William Tell, na Segunda Avenida. Aproveitou o fato de que o William Tell ficava perto da Hímeros e foi direto para lá. Parou o carro um pouco antes, perto do Bell Tower e foi caminhando.
Estava quase chegando lá quando viu alguém correndo na rua vir na sua direção. E a julgar pelos longos cabelos loiros não podia ser outro senão Miro – Camus duvidava que outro homem de Seattle tivesse cabelos tão longos e tão loiros quanto aqueles. E se houvesse este homem, ele não estaria correndo nos fundos da boate gay mais cara da cidade.
Não errou. Era Miro. O reconheceu quando ele passou correndo, de cabeça baixa, por um poste. Ia falar algo, mas ele passou direto. Perplexo, Camus correu atrás dele até agarrá-lo. Só aí Miro percebeu que era o ruivo que esperava. Atirou-se nos braços dele chorando.
– O que houve, Miro? – tentou, com os dedos, erguer o queixo que Miro colava com fúria ao seu peito, para olhá-lo nos olhos. O jovem loiro voltou-lhe os olhos azuis lacrimosos. Camus viu, indignado, a marca de uma hematoma imenso, sangrando, perto dos olhos queridos.
– Me tira daqui, Leon! Por favor... – Miro continuou chorando com a cabeça enfiada no peito de Camus.
O ruivo abraçou-o forte, levando-o até o carro.
– Vamos, venha comigo.
– Para onde vai me levar? – soluçou Miro, entrando no carro.
– Para a clínica da Quarta Avenida. Vão dar um jeito no seu rosto.
– Não... Não precisa... – gemeu Miro no banco do carona.
– Claro que precisa! Esse corte... Quem fez isso com você? Fala, Miro!
O loiro despencou a cabeça no ombro de Camus. Seus soluços balançavam seu corpo esbelto todo. A ira de Camus já estava chegando à níveis fora de controle.
– Foi... foi... um cliente... ele me bateu! Me bateu, o desgraçado!
– Quem foi o miserável, Miro?
– Ele... Ele... o maldito, Leon! Eu podia ter me defendido! Podia ter esmagado a cabeça dele com as minhas estátuas! Mas ele... ele... ele é poderoso, você sabe? O desgraçado é senador!
– Miro... Miro, ele te bateu muito?
– Muito! Covarde! Ele sabia que eu não podia reagir! Essa gente tem poder, Leon! Ele pode fechar a casa, pôr a gente na cadeira... prostituição é crime no estado... Maldito! Me bateu! No meu rosto, Leon! – mostrou o rosto pálido, ferido, arranhado e cheio de hematomas. – No rosto! O meu ganha pão! Desgraçado!
Camus manteve o rosto pequeno e acetinado sobre seu ombro enquanto dirigia até a clínica na Quarta Avenida. Lá atenderam Miro. Não havia nenhum ferimento mais grave, além dos óbvios ataques ao rosto perfeito do jovem. Deram-lhe um analgésico, limparam os ferimentos, deram um micro ponto em um corte perto dos cílios e recomendaram gelo para o inchaço.
Miro saiu da sala do médico apertando a compressa fria contra o rostinho machucado. Camus estava impaciente, bufando no corredor. Passou seus braços possessivos por sobre os ombros de Miro.
– Está se sentindo melhor, Miro?
Ele apenas assentiu com a cabeça.
– Venha comigo.
– Para onde?
– Para minha casa. Espere um minuto aqui. Vou ligar para a minha... irmã. Moro com ela.
Camus foi para o outro canto do corredor, ligou para Vanessa e implorou que ela lhe emprestasse o apartamento pela noite – jurou que estaria fora pela manhã e garantiu que pagaria para que ela e Leo passassem uma noite de sonhos no hotel mais caro de Seattle. A moça aceitou prontamente.
– Vamos, Miro. Você dorme lá em casa hoje.
Dirigiu de volta até o William Tell. Miro não parava de chorar. Secava as lágrimas, ficava em silêncio por alguns minutos. Depois seus ombros se convulsionavam com soluços espaçados até ele começar a chorar novamente. Camus não o interrompeu. Mas as fibras da sua alma perdida vibravam de ódio a cada soluço que ouvia.
Levou-o até o apartamento de Vanessa. Como combinado, a chave estava sob o capacho da porta. Abriu-o. Era uma casa simples, mas tudo era branco e amarelo, delicado. Era um ambiente delicioso – não dava vontade de sair. Deu graças por isso. Tudo o que seu menino precisava era de um ambiente familiar que lembrasse o menos possível a noite e uma casa de prostituição.
Sentou Miro no sofá, foi até o quarto de sua 'irmã' e apanhou toalhas limpas. Depositou-as delicadamente sobre o colo de Miro, completando o serviço com um beijo em sua testa e um afago nos cabelos desgrenhados.
– Vai tomar um banho morno. Eu preparo um leite quente para você.
– Obrigado, Leon.
Camus olhou para aqueles olhos azuis claros, fundos, magoados, ternos. Sentiu um impulso furioso em sua alma.
– Me chame de Camus. É o meu nome. Albert Leon Camus.
Miro não precisou de muito para compreender que aquela era uma prova de confiança. Beijou carinhosamente os lábios do ruivo, acariciando o rosto meigo daquele que o salvara.
– Obrigado, Camus.
— # —
– Camus... o que eu visto? – Miro apareceu na porta do banheiro vestido com um roupão branco, os cabelos loiros molhados pingando no chão de laca branca.
– Vista isso.
Não era à toa que o chamavam de 'ice master'. Ele sempre sabia o que fazer. Logística era seu forte. Deu nas mãos de Miro um pijama de listras que ele sabia que Leo detestava, mas Vanessa recusava-se a jogar fora. O pijama de algodão barato e estampa cafona, contudo, ficou adorável em Miro.
Camus ajudou o garoto de programa a sentar-se na aconchegante cama de casal de Vanessa, ligou a televisão no Cartoon Network e trouxe da cozinha o pires branco onde estava a caneca com leite quente onde boiava uma barra de chocolate e biscoitinhos de manteiga à volta. Sentou-se ao lado do menino e o observou comer sem vontade e beber mecanicamente o leite.
– Vai me dizer quem foi o diabo que fez isso com você?
Miro olhou-o sem entusiasmo.
– Não interessa mais. Era um gordo careca, de olhos azuis. Não quero em lembrar dele, Camus...
– Miro... ele tinha uma cicatriz aqui... aqui do lado do rosto?
O loiro ficou pálido.
– Como sabe?
– Senador Ralph Engleton Zimmerman. O filho da puta é um herói de guerra. Deve ter atirado em meia dúzia de crianças vietnamitas e estuprado menininhos menores de idade. Voltou para o Colorado com uma marquinha na cara e encheu o peito de medalhas... – resmungou furioso.
– Como sabe isso tudo?
– Eu vejo tv, Miro. E ouço as coisas. Ele já foi processado no estado dele por bolinar os filhos das empregadas da casa. Imaginei logo que só um porco como ele poderia ser covarde para fazer isso. Além do mais, a sua descrição bateu.
– Não quero mais falar sobre isso. Minha cabeça está zunindo.
Camus olhou para a cama. Não sabia bem o que fazer – um sentimento com o qual não estava acostumado. Levantou-se desconfortável e murmurou:
– Eu... Eu... vou dormir na sala.
Miro olhou-o com um brilho de escárnio nos olhos.
– Não seja ridículo, Camus. Quantas vezes já dormimos juntos? Sou garoto de programa. Deita aí, se quiser.
– Bem, está certo.
Despiu-se completamente, exceto pela samba canção de seda da Versace. Deitou-se ao lado de Miro, abraçando-o delicadamente, tentando ser o mais suave possível. Não tinha idéia de onde mais o maldito podia ter batido. O sangue em suas veias frias fervia. Como alguém podia ter coragem de bater em uma criança grande como Miro?
O loiro ronronou, feliz como um gato preguiçoso sob o sol, cobriu Camus de beijos ternos, abraçou seu salvador, entregou-se a ele de boa vontade, grato, gentil, permitiu-se ser amado até adormecer de cansaço em seus braços.
— # —
Não eram ainda três da madrugada quando Camus se vestiu para sair. Estava na suíte do quarto quando ouviu gemidos tênues de Miro. Voltou correndo para verificar o que se passava. Miro debatia-se na cama, protestava murmúrios de "Não! Não!" que progrediram para gritos até ele acordar. Olhou ao seu redor e viu que o algoz do seu pesadelo não estava lá: estava seguro. Estava com Camus. Jogou-se no braços do ruivo que estava inclinado sobre cama.
– Pss... Calma, Miro. Calma... – ajeitava-lhe os cabelos mimosos dourados, aconchegou a cabeça do loiro contra seu peito.
– Você está vestido? Vai embora?
– Não. Vou sair um pouco mas já volto.
– Não me deixa sozinho.
Camus debruçou-se mais sobre aquele rosto perfeito, roçou seu nariz contra o do outro, beijando carinhosamente a boca contraída de medo.
– Eu volto logo.
– Por favor...
– Não chore mais, Miro... você precisa dormir, deve estar esgotado.
– Você volta? Volta?
– Já disse que volto. Eu não demoro nada.
— # —
Já eram quase seis da manhã quando Camus retornou à casa de Vanessa. Encontrou Miro ainda dormindo. Acendeu o abajur do lado da cama, o quarto estava escuro. Pegou-se admirando os traços firmes, bonitos do rosto do loiro. Apanhou uma longa mecha de cabelo, com inúmeros anéis dourados. Brincou com ela entre os dedos. Miro despertou, mas o fascínio de Camus não diminuiu um milímetro por isso.
– Você estava aí há muito tempo?
– Algum. – admitiu, sorrindo.
– Estava me olhando dormir?
– Você dorme como um anjo, Miro.
Ele espreguiçou-se na cama. Um meio sorriso formou-se em seu rosto.
– Eu? Anjo? Não sou anjo.
– É sim, Miro. Você é um querubim.
– Você é que é um anjo. Obrigado, Camus... Se não fosse você eu provavelmente ia ficar vagando na rua até o sangue secar no meu rosto e ia acabar voltando para a Hímeros.
– Não me agradeça tanto. Eu não fiz nada. – ele olhou para o rosto de Miro, um rosto que parecia estar envolvido por um halo de luz, uma santidade implícita. – Seu rosto já desinchou. Está perfeito.
Miro ajeitou-se na cama, acariciando o próprio rosto com as duas mãos.
– Ah, eu devo estar horroroso.
– Você nunca esteve tão lindo quanto hoje. – falava tão sério que ele mesmo teve dificuldades de entender por que dissera aquilo. Só sabia que era verdade. Miro nunca fora tão lindo quanto lhe parecia agora, com aquele pijama velho, entre lençóis de algodão, com cabelos desarrumados.
– Que horas são, Camus?
– Seis horas agora.
– Que horas você tem que estar no seu trabalho?
Camus já ia perguntar 'que trabalho?'; lembrou-se a tempo de que, para Miro, ele era segurança de joalheria.
– Às nove. – mentiu.
– Então deita aqui... ainda dá tempo de fazermos amor até umas sete horas e depois dormir mais um pouco até às oito. E dá até tempo de tomar café no caminho...
Fazer amor. Que palavras lindas na boca daquela criança loira! Camus olhou-o num misto de compaixão e ternura que nunca sentira por nada vivo antes. Deitou-se ao lado dele, para recebê-lo em seus braços.
– Miro, você é perfeito... – balbuciou antes de ter sua boca calada pela dele.
— # —
Na hora mais adiantada da manhã (mesmo que Camus tivesse desejado que ela não chegasse nunca), levou o rapaz loiro para comer alguma coisa antes de deixá-lo na Hímeros. Afinal, sentiu-se piedoso pela pobre dispensa de Vanessa, que já estava desfalcada de sua preciosa barra de chocolate e de seus biscoitos amanteigados mais finos.
Comeram no Card Café, ao lado do prédio. Depois, Camus dirigiu até a Hímeros. Deixou Miro na porta, não sem antes fazê-lo jurar duas vezes que estava bem. Miro beijou-o pelo vidro aberto do carro.
– Vem de noite, Camus. Vou estar te esperando.
– Pode esperar.
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Camus voltou para o hotel. Tomou um banho cuja finalidade era a de esfriar a cabeça, mas não adiantou muito: ela continuava quente. Aliás, fervia. Já estava passando da hora de dar cabo do seu serviço. Tinha um nome a zelar: era um assassino profissional que nunca tinha deixado de entregar uma encomenda no prazo. Atirou-se nu e aborrecido contra uma poltrona surrada. Poderia ter matado Miro com uma facilidade incrível. A noite apresentara-lhe oportunidades. Já tinha ido para a cama com ele um bocado de vezes; Miro entregava-se prazerosamente, se deixava tocar e beijar com plena confiança, fechava os olhos, dava-lhe todas as facilidades para ser assassinado.
"É isso, Camus. É hoje. É hoje que Miro vai morrer. É só um trabalho. É o seu trabalho."
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Obrigada à Ada e Nana Pizani que betam esta fic com muito carinho.
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