Capítulo 2 – A magia das coincidências
Pela segunda vez naquele dia, Remus Lupin vestiu-se. Umas calças beges e uma camisa de manga curta. Apesar da chuva, o tempo de verão estava abafado.
Olhou pela janela. A chuva continuava, mas já não caía de uma forma torrencial, apenas suaves gotas de água límpida molhavam os chãos alcatroados.
Remus olhou para o relógio de pulso e o seu coração relaxou. Afinal, havia-se despachado. Ainda só eram 8:30h, e o seu emprego ficava perto.
Pegando novamente no guarda-chuva, Remus saiu de casa. Em vez de descer para o rés-do-chão, subiu três andares mais, para atender ao convite que lhe tinham feito.
Tirando o porteiro do prédio, um senhor anafado e com um enorme bigode surrado, Remus não conhecia nenhuma pessoa muggle que habitasse em Londres. Não sabia porque havia aceito o convite daquela amável e misteriosa senhora… Talvez para não continuar na ignorância e para conhecer gente nova. Remus sempre fora tímido, e excluía-se dos eventos sociais, conhecendo muito pouca gente. Mas havia decidido tomar uma nova atitude no mundo muggle.
Remus bateu à porta da casa da esquerda, esfregando os pés no tapete verde da entrada que dizia visivelmente "Welcome", mas que se encontrava colocado ao contrário.
Ouviu passos e alguém abriu a porta.
Remus olhou e depressa reconheceu a rapariga do incidente. Tinha um corpo franzino mas bem constituído, vestido com um par de jeans e uma camisola sem mangas, tinha uma face tímida e pálida mas que certamente encerrava uma personalidade forte, olhos negros penetrantes e cabelos castanhos-claros, ondulados. Remus reparou que ela não devia ter mais do que vinte anos.
Ela sorriu. Parecia analisá-lo com o olhar, e a análise parecia ter tido um resultado positivo.
"Entre!" exclamou.
Remus esfregou novamente as botas no tapete do "welcome" virado ao contrário e entrou numa sala larga e espaçosa, com pouca mobília, mas com uma decoração bonita e agradável.
A rapariga ainda o mirava, antes de falar.
"Oh! Mas que tontice a minha!" exclamou novamente, batendo com a mão na testa. "Ainda não me apresentei! Sou a Emily River."
Remus apertou a mão dela com um sorriso. "Eu sou Remus Lupin, prazer."
"O prazer é todo meu. A cozinha é já aqui ao lado. Já fiz o seu chá, como prometido."
Remus e Emily entraram na cozinha, bastante pequena em relação à sala, recheada com papéis de lembranças e posters coloridos. O frigorífico continha inúmeros ímanes infantis colados na porta, o que lembrou a Remus, imediatamente, o frigorífico que Sirius possuía antigamente.
"Estes bolos safaram-se. A chuva não os arruinou." Sorriu Emily apontando para um prato cheio de pequenos bolinhos de diversos feitios, que se encontrava ao lado de um bule fumegante. "E salvaram-me a mim. Na promoção de esta semana, ofereciam uma capa para a chuva – a que eu usei. Sorte, hein?"
Remus respondeu com um sorriso. "Mrs. River, não precisava de estragar os bolos comigo. Eu afinal fui o culpado pelo acidente."
Emily sorriu novamente. "Você não teve culpa, eu é que devia andar com atenção. E não sou casada, portanto esqueça o "Mrs.". E o "Miss". Trate-me por Emily, se faz favor."
"Claro, Emily. Trate-me por Remus." Sugeriu ele, ostentando o tom mais formal que conseguiu.
Comeram em silêncio, trocando olhares discretos. Remus reparou como ela era agradável: Os olhos grandes encontravam-se perfeitamente encaixados por baixo de duas sobrancelhas finas, o nariz pequeno e levemente arrebitado dava um aspecto engraçado e infantil, os lábios rosados e carnudos ostentavam um leve sorriso, enquanto ela mexia o chá quente com uma colher.
Emily parecia avaliar novamente Remus.
"Essa cicatriz…" Ela notou. Esticou a mão e com a ponta dos dedos tocou na bochecha de Remus. "Desculpe a curiosidade, mas como a arranjou?"
Remus corou levemente com aquele toque suave. "Hum… Caí quando era garoto." Mentiu. Felizmente, ela não se delongou com as perguntas.
Não trocaram mais palavras durante o pequeno-almoço, até porque Emily pegou num jornal regional que tinha comprado (e cuja primeira página se encontrava borratada devido à chuva).
"Tenho que ir!" Exclamou Remus olhando para o relógio. "Não posso chegar atrasado no meu primeiro dia de trabalho!"
Emily despejou o resto do conteúdo do bule no lavatório, e colocou lá dentro o prato vazio e as chávenas usadas. "Eu também tenho que ir. Aonde é o seu trabalho?"
Remus remexia distraidamente no bolso, à procura de qualquer coisa, até se lembrar de que tinha guardado a varinha em casa. "É na rua 23. Na gelataria FunnyIce."
Emily deixou cair as chaves em que estava a pegar e olhou com um ar levemente assustado para Remus. Depois, agarrou-se à barriga e desatou a rir.
"Des-des-desculpe… Tem a certeza?"
"Hu… sim." Disse Remus, surpreendido com a atitude.
"Você é mestre em coincidências ou quê? Primeiro, moramos no mesmo prédio, segundo, trabalhamos no mesmo sítio!"
Remus olhou para ela alguns segundos e esboçou uma pequena gargalhada. "É engraçado, de facto, quem diria!"
Inconscientemente, o coração de Remus deu um pulo ao saber a novidade. Não só por aquilo tudo, mas por ser Emily. O seu sorriso sincero, os seus olhos negros brilhantes, a sua pele pálida mas certamente macia… faziam dela uma rapariga muito bonita. Mas muito jovem. Remus não sabia que sentimentos estava a desenvolver em relação à rapariga, mas sabia que tinha que os conter. Ele era feiticeiro, e acima de tudo lobisomem. Não queria magoar nenhum muggle por isso, muito menos uma pessoa jovem e inocente.
"Mas uma grande e boa amizade não faz mal." Pensou Remus, inspirando ar fresco, enquanto saía pela porta do prédio. Olhou para o lado e sorriu para a sua primeira amiga (se é que a podia tratar como tal) muggle, que retribuiu com cumplicidade.
Aquele era, certamente, o começo de uma grande aventura num mundo sem magia mas recheado de leviandades.
