Capítulo 8 - Solitários
Em um minuto Gina se viu em um corredor escuro. Haviam usado uma chave de portal, mesmo já sabendo aparatar. Não queria arriscar ser encontrada por nenhum auror naquelas condições, com um Comensal ao seu lado e indo ao encontro de Voldemort. Nada parecia tão ruim. Exceto, para Gina, o sofrimento de não ter ninguém no mundo.
Era como uma câmara escura e profunda. Muito pior que a Câmara Secreta de Hogwarts. O corredor era estreito e algumas portas estavam trancadas por onde passavam. Apenas seguia o homem de capa, tentando acompanhar os passos compridos que dava. Não estava acreditando no que estava fazendo. Mas tinha certeza que talvez poderia colocar seus planos em prática. Chegou a duvidar que os planos fossem dar certo. Tentou desistir mas algo em sua cabeça a impediu. Um medo tentou invadi-la mas não conseguiu. Depois de um tempo andando chegaram a uma porta que se abriu magicamente. Um homem de capa preta estava em pé, andando, ao lado de mais uns vinte Comensais, pôde chutar. Quando entrou todos se voltaram para ela. Voldemort então chegou perto, mexendo os longos e finos dedos na varinha.
- Obrigado Malfoy - disse ao homem ao lado de Gina. A garota o viu se afastar e se juntar aos outros Comensais.
- Malfoy? - ela perguntou e ele parou, sem olhar para trás. - Imaginei que fosse...
- Surpresa, querida? - perguntou Voldemort.
- Mas por que o mandou me buscar? Se soubesse quem era não tinha sido tão simpática.
- Se aquilo foi ser simpática não me peça mais para ir salvá-la, Lord - disse Draco, tirando seu capuz. Gina pôde observar o quão bonito era seu cabelo. Loiro, do mesmo tamanho que sempre fora, mas agora estava bagunçado. Seu rosto branco se mantinha da mesma forma que quando o conhecera em Hogwarts. Sem expressão e com o nariz torcido. Os olhos cinzas faiscavam ao seu encontro, como se a examinasse por dentro. Ela se sentiu incomodada.
- Você estará perto dela, Draco - disse Voldemort e ele fez uma cara de horror. - Vocês são meus novos Comensais... Precisam aprender a trabalhar juntos.
- Hey, errado Tom. Eu não sou Comensal - disse Gina. Voldemort virou-se para ela e pôde ver olhos vermelhos brilhantes por baixo da capa.
- Muito bem - disse, chegando mais perto. - Eu não sou Tom Riddle. Sou Voldemort.
- Pra mim é Tom - disse, encarando-o. Não negou que sentiu um medo na espinha por estar enfrentando o Lord das Trevas mas nada a restava mesmo. Se morresse ali que diferença faria?
- Ok lady... - ele disse, virando-se aos Comensais. - Todos fora daqui e me deixem a sós com ela - todos obedeceram.
- Olha Lord... - ela disse, tentando não parecer falsa demais. - Eu precisei da sua ajuda sim. Mas isso não quer dizer que eu me torne sua escrava.
- Ninguém é meu escravo, apenas têm respeito por saber que sou mais forte.
- Ok, eu te respeito também se assim for preciso. Mas eu estou indecisa.
- Ora vamos, Gina, temos coisas importantes a fazer - disse, pegando no ombro dela e a levando para uma cadeira ao longo da sala. Gina sentiu seu corpo gelar com o toque frio. - Amanhã teremos um encontro aqui. E você é minha convidada de honra. Sei que não irá fugir. Ficará às vistas de meus Comensais pessoais.
- Não me diga que é ele...
- Draco Malfoy sim, por que não? O pai dele foi meu melhor Comensal até morrer. Narcissa também. Enfim. Draco a acompanhará até o encontro de amanhã. E você decidirá o que fazer...
- Se quero virar Comensal... O que ganharia com isso, Lord? - perguntou, ponderando o plano em sua cabeça. Naquelas circunstâncias tudo poderia dar certo. Mas ao mesmo tempo tinha seus contratempos.
- Ganharia poder... E minha inteira confiança. Você será protegida, para sempre, querida.
- Por que está fazendo isso comigo?
- Te acho muito parecida comigo... - respondeu, andando de um lado ao outro e Gina fez uma careta que ele não viu. - Sofri muito injustamente também. Por erros dos outros. Durante boa parte da vida sofri com conseqüências de alguns erros meus. E sei que você ainda sofrerá muito.
- Você não sabe...
- Sei sim. Uma simples palavra pode transformar nossa vida em um inferno. E talvez essa palavra já tenha sido dada a você.
- Entendo... Mas...
- Sei o quão você é inteligente, Virginia. E se você simplesmente morresse essa inteligência não seria aproveitada - disse, aproximando- se. - Quero que você sinta que o que perdeu não é nem metade do que receberá.
- Posso ir embora? - perguntou, sentindo um medo a invadir novamente. Voldemort estava muito perto e mexia as mãos fervorosamente. Gina se sentiu enfraquecer e esqueceu que não havia comido desde cedo. Colocou a mão na cabeça e tentou não fazer cara de dor.
- Malfoy! - logo Draco estava postado ao seu lado. Ele olhava para Gina com um desgosto mortal e ela fazia o mesmo. - Leve-a com você. Faça o que combinamos sem reclamar.
- Sim senhor - disse Malfoy, andando, e Gina supôs que era para acompanhá- lo. Seus pés estavam gelados e seu corpo tremendo. Seguiu-o até uma porta que parecia mágica. Quando entraram deram de frente a um corredor claro, luxuoso, as paredes de pedras e um tapete vinho. Archotes de fogo iluminavam o local e alguns homens loiros em quadros estavam dormindo. Gina não disse nada mas supôs que era a casa dos Malfoy.
Ele a levou à porta de um quarto muito grande e bonito. A cama era imensa e rosa. O chão de carpete e as cortinas também vinho deixavam tudo com ar de um castelo medieval. As paredes ainda eram frias, de pedras.
- Ali é o banheiro e se precisar de algo mande algum elfo me chamar - ele disse, virando-se de costas. Antes de sair ela o interrompeu.
- Malfoy? - ele parou mas continuou de costas. - É ruim ser Comensal? - ela se sentiu estúpida por perguntar aquilo. Mas queria mesmo saber.
- Se você tiver um objetivo na vida não. Ao contrário pode ser um tanto doloroso - ao dizer isso fechou a porta, deixando-a sozinha. Passou alguns minutos observando o quarto. Era tudo muito bonito, como nunca imaginara que a casa dos Malfoy fosse. Enquanto andava sentiu suas pernas pesarem. Percebeu o quão burra estava sendo, estando no território inimigo. Mas agora tinha que pensar que o território inimigo era o outro lado. Agora que entrara ali não poderia sair mais. Sentou- se na cama, contemplando o quão burra tinha sido ao entrar naquela furada. Encontrara Voldemort! Ah se os aurores soubessem disso... Sim, pela primeira vez estava à frente deles. Mas não tinha certeza que queria continuar assim.
Ainda sentia uma dor terrível por não poder dormir com um beijo de boa noite de seu pai. Um leite quente de sua mãe e alguma palavra desaforada de Rony. Deitou-se, sentindo a pior das sensações: a indiferença. O medo já havia tomado todo seu coração e a cada minuto suspirava para ver se ainda estava acordada. Poderia ser tudo um sonho, por que não? Ou então já havia morrido.
Depois de alguns minutos seu estômago pesou e lembrou-se que qualquer mortal, inclusive em seu estado, teria que comer algo. Colocou uma capa negra que estava pendurada no armário sobre as vestes da escola, tirou seu malão do bolso, transfigurando-o para o tamanho normal, e abriu a porta do quarto. Fitou por uns instantes o corredor escuro e sentiu pavor. O barulho de água pingando em algum lugar a deixou com arrepios inexplicáveis. Uma tocha no fim indicava que havia uma porta.
- "timo... Agora vou invadir a casa de um Comensal e ser morta a qualquer instante! - ela disse em tom de brincadeira ao fechar a porta e caminhar até o outro extremo do corredor. Por um instante sua consciência vacilou. Pensou em voltar ao quarto, trancar-se lá e só abrir quando sua mãe a fosse buscar. Mas sabia que isso nunca ocorreria. Mais do que nunca sua família deveria estar com vergonha de ter uma filha fugitiva. E isso doeu muito naquele instante. Tentou se acalmar, em vão, e continuou andando. O que estivesse a esperando esse era seu destino. Estava predestinada a sofrer.
Rodou a maçaneta de leve e a porta se destrancou. Entrou em uma sala muito comprida, onde no fim havia uma lareira e uma cadeira. A cadeira se movimentava de leve e imaginou que alguém estivesse ali. Mas não se virou ao falar com ela.
- O que faz aqui? - perguntou Draco ao ouvir o barulho da porta se abrindo. Só poderia ser aquela Weasley tentando invadir sua casa pois aquele corredor só dava ao seu dormitório. Pensou por um momento em virar-se e lançar nela um Avada Kedavra, assim o poupava de ter que cruzar com gente como ela durante o resto dos tempos.
Durante toda sua vida detestou a família daquela garota. Não mais que a sua própria, mas detestava todos com o sobrenome Weasley. Graças a Ronald Weasley, claro. O garoto era um dos únicos bruxos sangue puro que conseguia deixar Draco morto de ódio. E ali, hospedada em sua casa, havia um dos mil irmãos que tinha. Perguntou-se por um instante o que ela estaria fazendo ali, se deveria estar contra eles. Sentiu alguma coisa parecida com pena, por pensar que era a única escolha dela. "Mas ninguém sentiu pena de mim", foi seu pensamento ao balançar mais uma vez a cadeira e voltar-se ao ódio que sentia.
Alguns anos antes, especificamente quando Draco estava em seu sexto ano, seu pai lhe chamou para uma conversa definitiva. Teria que jurar sua lealdade ao Lord das Trevas que, naqueles tempos, começava uma guerra contra a maldita Ordem da Fênix de Dumbledore. Draco hesitou e sofreu muito com essa atitude. Não sabia se era exatamente isso que queria. Na verdade o que mais pretendia fazer era terminar Hogwarts e fugir para longe onde não tivesse que ser comandado por ninguém. Nem do dito bem nem do dito mal.
Mas nada ocorrera como esperava. No dia de sua volta, então, Voldemort apareceu em sua casa com outros Comensais e pediu lealdade ao garoto. Draco lembrou de ter se desesperado ao ouvir a voz pálida e gélida de Voldemort em sua sala e por instantes ter sido interrompido de sua fuga por um elfo. Sua mãe já estava morta de pneumonia e estava acostumado a esses tipos de doenças. Mas seu pai permanecia forte e se espelhava muito nele para concluir suas idéias. Mas não conseguiu fugir.
Tornara-se Comensal da Morte contra sua vontade e isso não o agradava nem um pouco. Não sabia o que fazer da vida nem por que fazer, já que nada o interessava mais. Quando completou alguns meses com a marca no braço seu pai foi terrivelmente morto. Por Voldemort, claro, que sempre dizia que um Malfoy era insubstituível. Mas parece que acreditara que Lício não fora. Draco lembrava de ter sentido muito ódio mas não ter podido fazer nada. Não tinha sequer forças para tentar fugir. E sabia que o outro lado aceitaria sua fuga com uma prisão ou então o condenaria a morte. Não era exatamente isso que planejara pro futuro. E então, vendo aquela garota ali, sozinha, lembrou dele mesmo. Certo, não era mais velho. Tinha dezoito e ela deveria ter uns dezessete. Mas o pensamento que deveria estar ocorrendo nela poderia ser parecido. O sonho de ganhar poder ao lado de um mestre. Doce ilusão. "Doce não, amarga..."
- Malfoy? - ela perguntou ao ver sua cadeira mexendo novamente.
- Perguntei o que faz aqui! - ele brandiu com ferocidade.
- Estou com fome - disse, tentando não parecer triste, mas era impossível. - Não como nada desde de manhã, acho...
- E daí?
- E daí? Ora a casa é sua, pensei que...
- Pensou errado, volte ao seu aposento.
- Mas Malfoy eu...
- Já avisei. Volte ao seu aposento.
- Você não pode algum dia ser educado?
- Não.
- Por quê?
- Você faz muitas perguntas, garota - ele disse, levantando e sentindo uma extrema raiva por ela ter tentado falar com ele.
- Não deveria?
- De maneira nenhuma.
- "timo, onde está Voldemort? - perguntou, colocando as mãos na cintura. Ele se virou para ela, com uma capa que não pôde ver seu rosto. Mas ele a viu. Um manto preto havia sido jogado contra as roupas da escola. Ele tentou sorrir ao ver novamente um uniforme de Hogwarts mas não lhe ocorreu que seria uma boa hora para isso. Ela tinha uma visível cabeleira ruiva que o deixava nauseado. Estava pálida, como nunca pensara que um Weasley poderia ser.
- Não faço idéia onde o Lord dorme... Se ele dorme – disse, enfatizando "Lord". Não gostava de chamar Voldemort assim mas assim lhe fora designado.
- Eu preciso comer! - ela disse, quase caindo no chão. Draco percebeu que era coisa com urgência mas não quis se importar. Gina pensava o quão idiota estava sendo mas não se importava. Estava fraca, com fome e com ódio por ter que pedir alguma coisa à pessoa mais detestável do mundo. A não ser Voldemort, que com certeza vencia Draco de dez a zero. "Ok, zero não, cinco..."
- Já avisei para voltar pro seu aposento! - ele gritou, tentando permanecer com calma. Era uma virtude que não conseguisse transparecer seus sentimentos. Era a marca dos Malfoy e agradecia ter herdado isso. Viu a garota abaixar os olhos e sair da sala. Em um minuto chamou um elfo.
Gina saiu lentamente, deixando transparecer o quão indignada estava por ter que fazer algo como aquilo. Obedeceu a um Malfoy. Isso com certeza traria risos a Luna, um xingamento de Rony e uma advertência de Harry e Hermione. E ela sorriu levemente ao lembrar os bons momentos. Mas depois a pior cena se transpareceu em sua cabeça. Não, odiava Harry Potter com todas as forças que ainda tinha. Embora essas não fossem muitas, pois com dificuldade alcançou a porta e sentou-se em sua cama. Antes que pudesse despir-se a porta se abriu sem estrondo e um elfo entrou com uma enorme bandeja. Os olhos de Gina se arregalaram ao ver o quanto que havia de comida ali dentro. E imaginou que Draco tivesse feito isso de propósito para avisa-la o quanto a família dele podia e a dela... Bem, que família que ela tinha?
Tentou agradecer mas ele fora mais rápido e saíra do quarto. Olhou para aquela comida e tentou sorrir. Comeu com uma rapidez incrível e agradeceu mentalmente a Merlin por não estar na rua uma hora daquelas, lugar onde provavelmente já estaria morta.
Mas logo lhe ocorreu que o preço por todo aquele luxo era muito caro. Virar Comensal da Morte nunca estivera nem perto de seus pesadelos. Mas o que poderia fazer? Era como o próprio Voldemort falara: a palavra já havia sido dita. E a ela só restava a opção de aceitar calada seu destino.
N/A: Sim, aquele encapuzado era o Draco... E bom, espero que estejam gostando! Ainda tem muita coisa pela frente... Thanks Pichi! Obrigado pelas reviews!!
