O tique taque do relógio era o único som que se ouvia na casa. Inuyasha tinha ficado sozinho enquanto os demais saíram para comprar mantimentos necessários para a permanência dos dois na casa de Yuri, principalmente o Lamen do hanyou. Desde a conversa de horas atrás Inuyasha não saira do canto em que se sentara, e não disse palavra. Mas seus sentidos estavam atentos. Ele sentiu uma mudança no ambiente, uma sensação muito esquisita. Talvez fosse a estranheza do lugar, ou algo com o cheiro da casa de Yuri, bem diferente da casa de Kagome ou do sobrado em que eles viveram no Japão. O tempo virou lá fora, o céu foi encoberto por nuvens estranhas. Um pressentimento correu pela sua alma e ele resolveu subir pra ver como Shanara estava. Seus passos soaram silenciosos pela escada até o quarto onde estava ela. Abriu a porta e seus olhos se arregalaram ao vê-la de pé. Os olhos estavam semicerrados, como de um sonâmbulo. Ela tirou os tubos onde recebia sangue e começou a caminhar lentamente em direção á janela aberta. Quando Inuyasha quis se aproximar uma rajada de vento o atingiu vinda de fora. Ele nem pensou duas vezes, puxou Shanara pelo braço e a tomou no colo, sacando a Tessaiga.

- Apareça sua maldita! Já senti seu cheiro! O que quer aqui?

Um vulto feminino apareceu e encobriu a janela com as longas asas negras.

- Novamente nos encontramos! E aqui tão longe de sua casa, realmente não sei o que a Shanara tem que os homens enlouquecem por ela.

- Sua bruxa maldita! Diga logo o que quer! Veio a mando daquele monstro?

- Me entregue a Shanara, e não precisará lutar comigo.

Ele rosnou e apontou a Tessaiga ameaçando.

- Você acha que eu vou deixar vocês colocarem as mãos sujas em cima dela? Deve estar brincando!

Trovoada Negra sorriu sarcasticamente.

- Então vocês querem que ela morra não é mesmo?

Inuyasha fez expressão de espanto. Ela continuou.

- Gabriel sabe que ela está morrendo e me mandou levá-la até ele para que salve sua vida. Eu particularmente desejo que ela desapareça deste mundo, mas o meu amo gosta dessa vadia.

Ele explodiu.

- A vadia aqui é você que serve um demônio! Lave a sua boca antes de falar dela ouviu! Desapareça daqui e diga ao seu mestre que é ele quem vai morrer! Suma!

A ferida do vento começou a se formar ao redor da lamina da Tessaiga. Trovoada Negra percebeu que não teria chance e resolveu se retirar.

- Eu vou embora, por que quero mais é que essa garota morra! Só assim terei meu mestre só pra mim. Mas espere pela visita de Gabriel, pode ter certeza que ele virá.

Num bater de asas ela desapareceu em meio á escuridão da noite que caía. Inuyasha suspirou aliviado e guardou a espada na bainha, colocando a mocinha desacordada de volta na cama. Nesse instante entraram os demais. Yuri quis logo saber.

- Inuyasha, vimos a Trovoada Negra saindo daqui, o que aconteceu? – sua expressão era de pavor, assim como a dos demais.

- Ela quis levá-la embora – ele deitou sua cabeça no travesseiro e cobriu-a delicadamente – mas eu nunca, nunca permitiria que isso acontecesse.

Ele suspirou aliviado. Kagome se aproximou do leito e tocou a face de Shanara, e pôde sentir a energia maligna que vinha do veneno.

- Sim, é o veneno do Naraku.

O hanyou se virou para Kagome.

- O que vai fazer? – ele indagou com um brilho no olhar.

- Vou tentar purificá-lo – ela disse olhando fundo nos olhos de Inuyasha. Ele desviou o olhar e sussurrou.

- Por favor... salve-a Kagome.

Ela sentiu os olhos ficarem úmidos. Então era verdade, o sentimento que Inuyasha tinha por Shanara era muito forte. Mas de um jeito ou de outro ela tinha que fazer isso, afinal era de sua natureza ajudar as pessoas independentemente de suas relações pessoais. Ela sorriu e disse.

- Quero ficar sozinha com ela.

Todos assentiram depois de um segundo. O hanyou foi o ultimo a deixar o aposento e lançou um olhar profundo para Kagome, onde ela pôde ver toda a força dos sentimentos de Inuyasha. Isso a encorajou ainda mais a fazer o que devia ser feito.

A primeira coisa que a estudante fez foi localizar o foco da contaminação, provavelmente o local onde foi inserido o fragmento corrompido. Lembrou-se que era na sua testa. Tocou ali e sentiu a força da energia maligna que emanava dali. Estremeceu um pouco mas não desanimou. Foi descendo a mão pelo pescoço seguindo o rastro do veneno, abriu a camisola e no meio do peito conseguiu ver o centro da infecção, que havia se concentrado ali. Colocou as duas mãos sobre o peito de Shanara que vibrou ante o toque purificador de Kagome. Ela se sentiu zonza mas continuou a fazer pressão. Olhou o rosto dela. A palidez a deixava ainda mais lânguida, o que irritou Kagome. Certas garotas nascem com o dom de serem cativantes aos olhos dos homens, e sem duvida ela era uma dessas. A mente da colegial ficou por uns instantes vazia e logo se encheu de dor e sofrimento. Então esse é o coração de Shanara, pensou Kagome tomada de profunda pena. Uma escuridão profunda, uma dor lancinante, um vazio enlouquecedor, era o que havia no interior da alma da guerreira da lealdade. De repente em meio ao escuro surgiu um rosto, um homem que causou profundo pavor a Kagome, e ao redor dele sangue e destruição. Ela pôde ver os piores medos na mente de Shanara.

- Pobrezinha... como seu coração está tomado de sofrimento...

O veneno começou a se espalhar e a repelir a mão de Kagome. Ela se sentiu muito mal, as mãos ardiam feito brasa, mas ela continuou. Tinha que salvar o que restara da alma corrompida daquela mulher, porque senão... senão Inuyasha ia morrer de tristeza e remorso. Esse pensamento se tornou mais forte e tomou a forma de uma aura brilhante, que invadiu o quarto.

Lá embaixo, todos estavam na expectativa. O mais nervoso era Inuyasha, que não parava de bater o pé no chão. Kamala agüentou o quanto pode mas logo explodiu.

- Ei seu vira lata irritante! Vai parar com isso ou quer que eu o faça parar na marra!

Disse isso acariciando a Força. Inuyasha vociferou.

- Cale a boca seu trancinha idiota! Será que vai demorar muito afinal? O que a Kagome está fazendo!

- Tenha calma – Yuri apaziguou – espero que tudo corra bem...

- Por que a duvida Yuri? – Kamala não gostou do tom que o amigo usou.

- Não sei... soube que a capacidade de purificação da senhorita Kagome era espantosa, e temo que tal purificação faça mais mal do que bem.

- Porque? – Inuyasha pulou e quis saber, pegando Yuri pelos colarinhos.

- Shanara possui um lado sinistro, como o seu Inuyasha – ele se desvencilhou e olhou friamente para o hanyou – quem sabe o que pode acontecer se esse lado da alma dela for purificado junto com o veneno?

- Inuyasha!

O grito de Kagome fez todos subirem a toda velocidade para o quarto de Shanara. Inuyasha foi o primeiro a chegar e correu a acudir Kagome, que estava caída, exausta ao lado da cama da mocinha.

- Kagome! Fale comigo! Kagome!

Ele olhou pasmo as mãos dela, com sinais de queimaduras. O veneno era muito forte, pensou o hanyou. Com Kagome nos braços ele se virou para olhar Shanara. Ela ainda estava envolta pela aura de Kagome. Os últimos traços do veneno foram desaparecendo até sumirem completamente. Todo o corpo dela vibrou livre da infecção. Inuyasha sentiu novamente a energia que emanava dela, como na primeira vez que a vira, no vilarejo da velha Kaede. A cor voltava lentamente á sua pele. Ela abriu os olhos. Era como se estivesse acordando de um pesadelo. Olhou ao redor e viu Inuyasha com Kagome nos braços e se lembrou de ter sentido a aura dela junto ao seu coração. Sorriu ao ver os dois juntos. Era assim que devia ser.

O hanyou suspirou aliviado. Ela estava bem. Olhou o rosto de Kagome e a apertou ainda mais junto ao seu peito. Obrigado... minha Kagome... pensou ele finalmente.