Family
Parte II
Yaoi/Angst
1x2
by Yoru no Yami
Heero olhou para o esposo adormecido, não queria ter que deixa-lo sozinho em casa, mas tinha que trabalhar. Já havia faltado dois dias, temendo que algo pudesse acontecer, que T. Maxwell pudesse aproveitar o fato de Duo estar sozinho em casa e tentar coagi-lo, ou algo pior. Mesmo que o americano tenha lhe dito que enfrentaria o pai, não desejava que ele o fizesse, pelo menos não sozinho. Ainda não esquecera do tapa que Lucius dera em Duo e que deixara um leve arroxeado em seu rosto. Heero refreou seus pensamentos ao sentir Duo se remexer em seus braços.
Duo remexeu-se e abriu os olhos lentamente, encontrando o olhar do marido. Deu um meio sorriso e levantou a mão tocando-lhe o rosto. Adorava quando acordava e encontrava Heero o observando, a barba ainda por fazer lhe dava um ar sexy embora o japonês fizesse questão de faze-la todas as manhãs, mesmo ele pedindo para deixa-la assim. Notou o olhar ligeiramente diferente de todas as manhãs; sabia o que preocupava o marido, mas já haviam se passados cinco dias e não havia tido nenhuma notícia de seu pai. Não achava que ele fosse tentar algo, porém não podia descartar tal possibilidade. Desde aquele dia Heero havia dado ordens expressas para a recepção, de que não deixasse ninguém subir até o apartamento, sem o consentimento dele ou de Duo.
Sabia que as precauções de Heero não eram exageradas, seu pai era capaz de fazer tudo, não via limites para suas vontades, não se importava de passar por cima das pessoas para ver realizado seus objetivos. E no momento, leva-lo de volta para casa era um deles. Duo se ergueu ligeiramente e beijou levemente os lábios de Heero, antes de descansar a cabeça no ombro do marido que o abraçou pela cintura, acariciando os fios soltos. Duo desejava que pudesse ficar assim, juntinhos, mas eles tinham obrigações e não podiam permanecer em casa por conta da ameaça que seu pai representava. O americano ergueu os olhos encarando com carinho o azul cobalto dos olhos de seu marido.
- Vá trabalhar, Heero, você tem um projeto importante na empresa. Eu ficarei bem, não se preocupe.
- Mas...
- Sem mais, amor, nós não podemos ficar trancados como prisioneiros dentro de casa. Se meu pai aparecer eu chamo a polícia, não se preocupe. Ele vai saber que não estou brincando.
- Eu não deixo de me preocupar, Duo, ainda mais depois do que houve, você sabe que raramente me engano em relação a alguém
- Eu sei, amor.
- Seu pai não é um homem de ficar parado e deixar as coisas como estão, ainda mais depois que o desafiamos.
- Eu sei disso, mas não vou ficar preso dentro de casa apenas porque ele pode tentar fazer algo contra nós. Além disso você disse que já tomou algumas providências quanto a isso. Mas você não me disse quais foram.
Heero deu um meio sorriso e beijou a ponta do nariz de Duo que tinha o rosto emburrado. Sim ele tomara algumas providências legais contra o pai de Duo, mas não queria chateá-lo ou entristece-lo com elas. Não fora muito fácil, mas devido a alguns contatos e amigos conseguira providenciar o que queria em menos de 24 horas, e que duraria quase dois meses. Tinha conhecimento de que assim que o senhor Maxwell soubesse, iria ficar ainda mais furioso, no entanto não poderia fazer nada contra isso, mesmo com todo o dinheiro do mundo. Duo viu um sorriso irônico nos lábios do marido, apenas não sabia o que ele estava aprontando, mas tinha certeza de que era algo para protege-lo. Tentara arrancar a verdade, mas o japonês sempre conseguia desviar sua atenção para outro assunto. Não importava muito na verdade, fosse o que fosse que Heero tivesse feito, sabia que era para o seu bem e isso bastava. Duo esfregou o rosto contra o peito do marido, para logo em seguida erguer a cabeça confuso pelo pedido. Ainda meio incrédulo, foi o rosto do japonês, tão sério, que lhe deu a certeza de que o que acabar de ouvir não era algum tipo de brincadeira.
- Você não quer ir ao trabalho comigo?
Duo se afastou de Heero e riu. Riu muito. Até podia imaginar ele o dia todo no escritório de Heero fazendo desenhos ou mexendo no computador como uma criança de seis anos que vai passar o dia no escritório do pai. Beijou a bochecha do japonês diante do ar emburrado dele por ter rido de sua proposta. Heero falava sério ao convida-lo para ir com ele trabalhar. E tinha que admitir que não era uma das propostas mais brilhantes, mas fora inevitável não faze-lo.
- Sem chances, amor. Além disso a Hilde me ligou ontem quando você estava no banho e eu fiquei de me encontrar com ela logo mais tarde.
- Porque não me disse?
- Porque eu sabia que você faria essa cara, de que não vai me deixar sair.
- Duo...eu não..
- Não se preocupe, amor, você não me disse que se meu pai tentasse algo, ele se arrependeria? Então, confio em você.
- Ok... o que você e Hilde vão fazer juntos?
- Parece que seremos transferidos para o escritório no centro, enquanto o do shopping está em reforma. Hilde e eu trabalharemos lá, enquanto Charles e Carl vão para uma loja no outro lado da cidade.
- Prometa que terá cuidado.
- Eu terei, agora vamos ou você vai se atrasar e vai acabar pegando mal ficar dependendo da bondade de Sam.
Heero concordou com Duo, realmente não queria e nem podia ficar dependo da boa vontade do chefe. Sam já os ajudara muito permitindo que ficasse em casa fazendo companhia a Duo. As pessoas falavam e isso não era nada bom para carreira de ninguém, boatos podem prejudicar e muito dentro de uma empresa grande como a M&K Naval Engenharia. Ainda mais se fosse taxado como o protegido do chefe, aí sim os invejosos poderiam começar a levantar suspeitas a cerca de sua competência no protejo que lhe fora confiado, e acabaria prejudicando não apenas a ele, mas a Sam também e isso Heero não desejava de forma alguma.
- Eu vou fazer o café hoje.
Heero concordou e beijou Duo antes de levantar e ir para o banheiro fazer a barba e tomar uma ducha. Duo seguiu o marido com os olhos e depois se levantou indo para a cozinha preparar o café da manhã, enquanto o japonês se arrumava. O americano fez café para o japonês e suco para si, pegou torradas, manteiga, queijo e alguns biscoitos mandados pela sua sogra, quando os visitara no dia anterior. Quando Heero chegou a cozinha o café já estava posto e ele se sentou a frente do esposo. Conversaram um pouco até que Heero teve que sair e seguir para o trabalho. Antes porém, ele fez Duo prometer que se acontecesse algo ligaria imediatamente e que tomaria todas as precauções. O americano apenas concordou e sorriu diante do zelo do marido.
- Tá, eu prometo, amor, que ligo para você e que terei cuidado.
- Tudo bem. Eu te amo.
- Também te amo, amor.
Duo deu um beijo carinhoso em Heero na porta do apartamento, o vendo caminhar pelo corredor. Acenou para ele antes que a portas do elevador se fechassem e voltou para dentro do apartamento, fechando a porta atrás de si. Voltou para cozinha a limpando rapidamente. Tinha uma estranha sensação em seu peito, aquela que sempre aparece para nos dizer que algo vai acontecer; balançando a cabeça, optando por ignora-la. Se ficasse pensando o que significava acabaria vencido por ela e se trancaria no quarto até Heero voltar do trabalho. E não faria isso. Não deixaria que seu pai o controlasse dessa maneira. Depois que limpou tudo seguiu para o quarto a fim de tomar um banho e ligar para Hilde.
Heero viu a porta do elevador se fechar e a imagem do americano sumir. Encostou-se na parede pensando se conseguiria agüentar o dia; a vontade de apertar o andar onde moravam e voltar era enorme. Ele ergueu a mão ligeiramente para voltar e arrastar Duo com ele, mas se deixou vencer pelo inevitável: não poderia ficar vigiando Duo 24h por dia, em um momento ele teria que ficar sozinho. E ele havia tomado providências judiciais para protege-lo durante esse período que estivessem longe um do outro. Não era muito, mas era o mínimo que poderia fazer a princípio. Mediante as atitudes que o pai de Duo resolvesse tomar, ele procuraria contra atacar com algo mais eficaz, mas por hora tinha que confiar que as medidas tomadas eram eficientes para detê-lo ou mostrar a ele que não poderia se aproximar do filho. Heero desceu no térreo e foi até o carro, enquanto pensava se seria bom conversar com o advogado da empresa, mesmo ele não sendo especializado na área em questão. No entanto, queria tirar umas dúvidas, mesmo que Quinze lhe tivesse assegurado quanto às medidas tomadas, precisava obter uma segunda opinião. Além do mais precisava se preparar para o que viesse a acontecer, pois tinha certeza de Lucius Maxwell estava planejando alguma coisa. Ele deixou o condomínio seguindo em direção ao trabalho, tinha certeza de que o dia seria bem mais longo.
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Na parte norte, área nobre de Boston:
O celular estava tocando há alguns segundos sobre a cômoda do quarto de hotel mais caro da cidade. Um homem alto e com o semblante carregado deixou a varanda para atender a ligação. Estivera esperando por ela há algum tempo.
- Sim?
- O japonês acaba de deixar o condomínio, senhor.
- Tem certeza de que era ele?
- Sim.
- E meu filho?
- Ele ainda não saiu, senhor.
- Avise-me caso ele saia...e o siga, eu quero saber para onde ele vai.
- Sim, senhor. Vai querer seguir com o plano?
Lucius pensou alguns minutos, sabia que Tábata não o perdoaria caso soubesse, mas não voltaria atrás. Ele deu um meio sorriso. Mostraria ao marido de seu filho, quem era Lucius T Maxwell. Ao responder sua voz saiu sem uma única nota de dúvida ou apreensão, sabia muito bem o peso do que estava a ponto de fazer.
- Sim...vocês sabem o que fazer.
- Sim, senhor, será feito.
Lucius desligou o celular olhando pela janela a paisagem cinzenta da manhã de Boston. Ouviu passos atrás de si e encontrou a esposa o observando. Sorriu indo até ela a beijando suavemente nos lábios antes de afastar-se. Ela segurou a manga da blusa, o fazendo olhar em seus olhos.
- Quem era?
- Nada com que deva se preocupar, querida, apenas alguns assuntos de negócios.
- Que tipo de negócios?
Lucius acariciou o rosto da esposa sem se dignar a responder sua pergunta. Sabia que Tábata não concordaria com seus métodos e não estava disposto a brigar com sua esposa, a amava acima de tudo, e apesar de seu casamento ter sido realizado por conveniência, aprendera a ama-la com o passar dos anos. Entretanto, tinham opiniões divergentes quanto ao filho. Lucius sabia que tinha errado muito com Duo, mas também tinha certeza de que tudo o que fizera fora para o bem dele, mesmo que não entendesse ou aceitasse. Não desejava que tivesse a mesma vida que ele quando era pequeno, queria o melhor para Duo. Seu passado ainda o atormentava o lembrando de onde viera, e jurara que seu filho jamais passaria por isso.
Ele tivera que viver da caridade alheia, passando fome algumas vezes ou tendo que mendigar comida para encher a barriga; dormir em abrigos quando o pai não tinha dinheiro para pagar o aluguel da casa e eram despejados como lixo na rua. Sentia raiva e vergonha dessa época, até os doze anos de idade tivera que viver dessa forma, até que seu pai conseguiu um emprego digno que lhes colocava comida na mesa e lhe permitia vestir uma roupa quente e decente.
Um pouco de sorte, perspicácia e inteligência tornaram seu pai rico em pouco tempo e em alguns anos ele já era um dos empresários mais ricos do estado. Quando assumiu as empresas criadas pelo pai, conseguira triplicar em pouco tempo a fortuna de sua família tornando-se um dos industriais mais ricos do país, e havia feito tudo isso para dar um futuro melhor a sua esposa e filho. E o que Duo fizera? Simplesmente não dera importância, se negava a seguir seus passos, a viver o destino glorioso que planejara para ele. Não conseguia entender porque o filho não tinha a mesma visão que ele a cerca do dinheiro e dos benefícios que o mesmo acarreta.
Ele fora feliz em seu casamento arranjado, porque seu filho achava que não seria também? Porque ele teve que se juntar a um outro homem, por Deus com que tipos de pessoas ele convivera que o havia embutido a idéia de que ser homossexual na sociedade atual era algo normal e correto? Lucius sentiu um ligeiro asco e repulsa ao imaginar seu filho e o outro rapaz juntos. Ele preferiria morrer ou ter um braço arrancado a aceitar tal relacionamento por parte de seu único filho.
Tábata sabia que Lucius não tinha intenção de partilhar seus planos e achava estranho o fato dele não ter mencionado o que faria a cerca da decisão de Duo e da descoberta dos últimos dias. Conhecia seu marido muito bem para saber que ele estava tramando algo contra o filho, sabia o quanto Lucius era preconceituoso em relação a certos assuntos, e ter um filho homossexual certamente não era algo que ele deixaria passar ou simplesmente fecharia os olhos. Ela viu o marido seguir em direção a pequena sala do quarto no hotel onde estavam hospedados, e balançou a cabeça tristemente antes de voltar seu olhar para a paisagem cinzenta através da janela, enquanto refletia sobre o que ocorrera desde que Duo fora visitá-la no dia de seu aniversário.
Ficara tão feliz em vê-lo, em saber que estava bem e amando, que nem ao menos notou o desconforto dele e o fato de tentar desconversar sobre o assunto. Deveria ter percebido que havia algo errado. Fora um choque saber que a felicidade de seu único filho se devia a outro jovem, um pouco mais velho. Claro, nunca fora preconceituosa, mas ainda assim era difícil acreditar que seu único e amado filho estava casado com outro homem. Jamais passara pela sua cabeça que seu querido filho tivesse esse tipo de preferência. E mesmo procurando manter a mente aberta, a revelação a deixara um tanto desconcertada.
Havia feito tantos planos a cerca do casamento de Duo: uma cerimônia religiosa; ele vestido com um fraque cinza, com um cravo branco na lapela, seus cabelos trançados; uma bela jovem, de uma boa família, a seu lado. Mas agora... Ela tentou não chorar, não queria que Lucius se aborrecesse. Porém, sabia que o filho jamais se casaria sem amor e se ele vivia com outro homem, e se casara, deveria ser porque o amava. Mesmo assim seu coração não queria sossegar, não até obter a plena certeza disso. Ele poderia estar apenas confuso, até mesmo carente, e se apegara ao outro rapaz, que não podia negar era tão bonito quanto seu filho, afinal Duo nunca tivera muitos relacionamentos quando jovem. Lucius sempre fizera questão que o filho tivesse apenas amigos e relacionamentos que o mesmo achasse conveniente e adequado. Havia privado Duo de amigos verdadeiros e das descobertas da adolescência que as amizades trazem; o único amigo mais chegado de quem lembrava era Solo, e intimamente sabia que fora ele quem o ajudara a escapar. Tábata desejava ardentemente acreditar que fosse apenas uma fase, que o outro jovem podia muito bem tê-lo enganado, porém, não podia negar que era um jovem corajoso e que ficara impressionada a primeira vista, afinal em todos esses anos nunca vira ninguém enfrentar seu marido da forma como o jovem japonês o fez.
Não queria acreditar no que seu marido falava desde deixaram o apartamento de Duo alguns dias atrás: de que o rapaz casado com seu filho era apenas um aproveitador de olho no dinheiro que Duo herdaria. O marido mandara investigar a vida do jovem, pois o ouvira conversando com o advogado deles na noite anterior e que o mesmo lhe mandara as informações pelo fax. Lucius não a deixara ler, mas notou que ele não ficou satisfeito ao ler o dossiê enviado. Talvez ele esperasse que Heero fosse apenas um pobre coitado que pudesse comprar com seu dinheiro. E saber que o rapaz era de uma família rica, tinha um bom emprego e nada que depusesse contra ele, diminuía as chances de tentar algo contra os dois. Quando Lucius adormecera, ela lera escondido o documento mandado e ficara surpresa ao saber que Heero pertencia a uma rica e tradicional família japonesa, e isso acalmara um pouco seu coração, o suficiente para poder descansar por aquela noite, mas ainda não era o suficiente para que pudesse entender porque o japonês estava com seu filho. Não tinha certeza se ele amava Duo da mesma forma, mesmo com os olhares entre os dois. Precisava conversar pessoalmente com o japonês e tentar afasta-lo de seu filho antes que Lucius fizesse algo. Ela ouviu o som do celular tocando novamente e a voz do marido confirmando algo. Levantou-se e foi para a sala, vendo o marido vestir o paletó e tudo indicava que ele iria sair.
- Vai sair, Lucius?
- Sim, eu tenho alguns assuntos a tratar.
- Você...não vai fazer nada contra eles, não é?
Lucius olhou para a esposa que parecia apreensiva. Sacudiu a cabeça antes de beija-la e caminhar na direção a porta, sendo seguido por Tábata, que continuou a pedir que o marido não fizesse nada.
- Por favor, Lucius, não faça nada com que venha a se arrepender depois.
- Eu nunca me arrependo de nada, Tábata. Ainda está para chegar o dia em que Lucius T Maxwell fará algo do que se arrependa.
Tábata abaixou a cabeça tristemente, o vendo sair. Infelizmente Lucius não media seus atos e talvez isso o fizessem perder o amor de Duo como filho. Pode notar nos olhos do filho, na última vez em que estiveram frente a frente que, apesar de tudo, ele ainda desejava o amor do pai e sua aceitação, mas infelizmente seu marido não via isso. Ela voltou para o quarto e pegou o telefone; quando estava chamando pela terceira vez, a ligação foi completada. Ela conversou durante alguns minutos antes de ligar para a recepção solicitando duas limusines. Estava decidida a não continuar sendo a mãe omissa de sempre; dessa vez faria algo por seu filho, mesmo que fosse contra seu marido. De alguma maneira tentaria assegurar a felicidade de Duo, mesmo que tivesse que abrir mão dele para sempre, e em prol do jovem que dizia ama-lo.
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Restaurante Fellicity:
Duo entrou no restaurante procurando sua mãe. Havia acabado de sair do banho, e se arrumava para encontra-se com Hilde, quando ela ligou, o deixando surpreso com o pedido para encontra-la, mas o que mais o surpreendeu foi o fato dela ter mandado um carro, não, uma limusine para busca-lo. Logo após desligar o telefone, teve que ligar cancelando o encontro com Hilde e pediu que explicasse sua falta ao serviço devido a problemas familiares. E perdido nesses pensamentos, Duo foi guiado pelo garçom até a mesa onde sua mãe se encontrava. Assim que seu filho se aproximou, Tábata se levantou o beijando suavemente nos lábios. Sentou-se novamente, segurando as mãos dele entre as suas. Ficaram em silêncio durante algum tempo até que Duo resolvesse que deveria quebrar o silêncio incomodo. Conversaram sobre várias coisas, evitando o assunto que os trouxera ali. Mas após o almoço foi inevitável não tocarem no que tentavam evitar. Duo sentia-se nervoso, mas respirou fundo levantando a cabeça para encarar a mulher que o colocara no mundo.
- Desculpe-me por descobrir dessa forma.
- Porque não me contou quando foi à Nova York?
- Eu...eu...pretendia levar Heero comigo aquele dia, mas ele teve que viajar a negócios. Eu precisei de muita coragem pra ir vê-la e quando me perguntou sobre minha vida amorosa... não soube o que dizer...pelo menos não da forma com aconteceu...não queria decepciona-la, mamãe.
- Duo...querido, eu sou sua mãe. Não entendo porque você se envolveu com outro homem, mas não há nada que não possamos resolver. Mesmo que vocês tenham se casado sei que deve haver um meio de...
Duo olhou-a magoado, sabia que não deveria acalentar esperanças quanto ao fato de sua mãe aceitar sua decisão, mas não pudera evitar. Quando ela ligara pedindo para se encontrarem ali para conversar, achara realmente que ela o entenderia.
- Não há o que resolver, mãe. Eu amo Heero e vou permanecer casado com ele.
- Tem certeza? Você pode estar apenas um pouco confuso e...
- Por favor...
A voz de Duo saiu um pouco alta demais, chamando a atenção de algumas pessoas. Abaixou a cabeça por alguns segundos, procurando se acalmar antes de continuar. Tábata olhou para as pessoas que os observavam. Estranhou o tom de voz de Duo, pois ele nunca elevara a voz dessa maneira com ela. Aguardou que ele voltasse a falar e notou o leve tom de rebeldia e mágoa, o mesmo com que ele costumava falar com Lucius, quando o pai o censurava por alguma coisa que acreditava estar errada.
- Eu não estou confuso... Pela primeira vez na minha vida me sinto em casa.
- Você tem uma casa!
- Eu nunca tive um lar, mãe, não da forma como eu queria.
Duo viu o olhar triste da mãe ao dizer que nunca tivera um lar de verdade. Não queria magoa-la ainda mais ao dizer tais palavras, mas disse a si mesmo que não mentiria sobre seus sentimentos ou os esconderia, mesmo que isso magoasse sua mãe. Quando deixara tudo para trás, relegara também as convicções com as quais fora criado: de que se deve esconder os verdadeiros sentimentos.
- A senhora não entende...Heero é minha casa, ele é tudo para mim, mamãe.
Tábata estava tentando entender, mas era difícil. Não queria aceitar abertamente perder Duo, não depois de tanto tempo. Podia entender o fato de que ele nunca tivera muito amor por parte de Lucius, mas e dela? Estava certo que ela não o defendera muitas vezes, mas ela o amava a cima de tudo.
- Mas...você nunca demonstrou ter...
Tábata ficou em silêncio sem saber o que dizer. Não queria ser inconveniente, fora criada para ser uma mulher submissa ao marido, ter um vocabulário perfeito e correto, e no momento discutia a sexualidade de seu filho. Duo abaixou a cabeça, soltando suas mãos das de sua mãe; sabia que era inútil, ela jamais entenderia o que ele sentia por Heero. Deixou que algumas lágrimas caíssem de seus olhos, antes de voltar a falar.
- Eu sou gay, mãe, e o fato de nunca ter demonstrado tendências homossexuais, talvez seja porque vocês nunca me permitiram ter a chance de ter relacionamentos ou amigos.
- Está dizendo que a culpa é nossa, por você se envolver com um homem?
- Não, mãe...não importa se há culpados ou não. O que importa e a felicidade que Heero me traz. Eu me sinto completo ao lado dele, de uma maneira que eu nunca senti.
- Eu tinha planos de...
- Eu sei e sinto que não possa realiza-los, mas eu decidi unir minha vida a Heero e não me arrependo.
- Mas e ele? Tem certeza de que ele o ama da mesma forma?
Duo olhou para mãe e balançou a cabeça antes de se levantar. Beijou o rosto dela e sussurrou algumas palavras antes de partir.
- Mesmo que ele não me amasse, como sei que me ama, para mim já seria suficiente estar ao lado dele.
Tábata se virou vendo o filho partir. Algumas lágrimas teimavam em cair, mas as enxugou. Mais uma lição: fora educada para não chorar, não era de bom tom faze-lo, ainda mais no lugar onde se encontrava. Entendia que seria tolice tentar afasta-lo do japonês; precisava apenas verificar se Heero era tudo o que Duo falara e ter a certeza de que era capaz de enfrentar Lucius e seu dinheiro. Se fosse, aceitaria de bom grado o que o destino reservara a seu filho.
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Duo dispensara a limusine e caminhou em direção ao metrô, mas ainda não sabia se ia para casa ou até o trabalho de Heero, uma vez que dissera a Hilde que não iria ao centro. Ajeitou o casaco um pouco e olhou ao redor com a estranha sensação que voltara e isso o estava incomodando. Acabou por decidir ir ver Heero e saírem para jantar fora, pois não sentia vontade de cozinhar. Olhou para a rua e atravessou correndo para pegar o trem, em vez do metrô, e mal notou a van escura que o seguia e um homem de óculos escuros que descera dela e o seguiu em direção a estação de trem a poucos metros.
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M & K Naval Engenharia Naval
Heero tentava em vão se concentrar seu trabalho. Olhou mais uma vez para o gráfico do projeto do novo navio da marinha, mas não conseguia realmente ver o desenho na tela. Sua mente teimava em voltar sempre ao mesmo lugar: Duo. Tentara entrar em contato com o americano, mas o celular dava sempre fora de área. Ligara para Hilde, porém não conseguira falar com ela. Recriminara-se por não ter pegado o telefone do escritório da nova loja com Duo. Ele olhou para o relógio que marcava quase duas horas da tarde e ainda tinha algumas coisas a fazer antes que pudesse ir para casa ou até a loja no centro, e ver se Duo estava bem. O telefone de sua mesa tocou e ele o atendeu, quase antes que soasse o segundo toque, para ouvir a voz de sua secretária.
- Senhor Yuy?
- Sim senhorita, Philld's.
- Ligaram da recepção.
O coração de Heero disparou imediatamente, contudo, procurou dar um tom firme ao perguntar, mas não sabia se havia conseguido.
- E?
- Há uma senhora Maxwell que deseja lhe falar.
- Tábata Maxwell?
- Sim, senhor, eu posso manda-la subir?
- Sim, por favor.
Heero desligou o telefone ainda tentando assimilar o fato de que a mãe de Duo estava subindo para falar com ele. Procurou respirar calmamente e se manter aberto à conversa. Ele sabia que entrar em atrito com a mãe de seu esposo não adiantaria em nada, e, por algum motivo, havia simpatizado com ela. Talvez fosse pelo fato dos olhos dela serem tão parecidos com os de Duo, possuindo o mesmo ar sonhador.
Na recepção:
Tábata olhava para a jovem recepcionista que estava entrando em contato com Heero enquanto pensava que o fato dele trabalhar para uma empresa tão conceituada lhe rendia alguns pontos na sua opinião. Pelas informações que tivera, a empresa onde o japonês trabalhava era a primeira e maior empresa de engenharia naval do país e a terceira do mundo. No entanto isso não seria o suficiente para aceita-lo como possível genro. Ela voltou sua atenção a jovem quando a mesma disse que seria recebida por Heero. Tábata sorriu e agradeceu, seguindo na direção dos elevadores. Em poucos segundos ela se encontrava no 20º andar, caminhando até a recepcionista do andar e perguntando onde ficava a sala do japonês. A moçoila lhe mostrou a direção e em poucos instantes se encontrava na sala do jovem casado com seu filho. Assim que a porta se abriu, Heero levantou-se para recepcionar a mãe de Duo. A mulher estava vestida com um conjunto de saia e blazer da cor verde água, uma blusa branca e os sapatos e a bolsa da cor branca complementavam perfeitamente todo o conjunto.
- Obrigado, senhorita Philld's, por favor anote todos as minhas ligações. Eu não estou para ninguém no momento, apenas para o senhor Duo Maxwell.
- Sim, senhor Yuy.
Heero gentilmente beijou a mão de Tábata Maxwell e indicou-lhe a cadeira, ajudando-a a sentar antes de voltar-se para trás de sua mesa. Eles ficaram alguns segundos em silêncio antes que Heero se manifestasse.
- A que devo a visita, senhora Maxwell?
- Por favor, me chame de Tábata. Posso chamá-lo de Heero?
Heero meneou a cabeça, observando durante alguns segundos o rosto da mulher a sua frente: ela possuía uma beleza singular e charmosa. Tinha os cabelos perfeitamente penteados e os olhos no mesmo tom que os de Duo, apenas ligeiramente mais claros em sua opinião, embora a diferença fosse quase imperceptível e, se ele não estivesse tão habituado a observar os olhos do esposo, não perceberia tal fato. Sabia que também era avaliado pelos olhos da mulher, embora de forma discreta. Deu um meio sorriso, o que fez com que ela corasse da mesma forma que Duo fazia. Não havia dúvidas de que eram mãe e filho.
Tábata sentiu que corara ao ver o japonês sorrir e não imaginava que o jovem pudesse tornar-se ainda mais belo com um simples gesto. A combinação dos olhos de azul profundo, os cabelos castanhos de uma tonalidade quase marrom - naturalmente desordenados - complementavam perfeitamente o rosto de traços asiáticos e marcantes, era, em sua opinião, perfeito. E mesmo que o olhar possuísse uma ligeira frieza, ela não se sentia intimidada por eles, como às vezes ocorria com Lucius, embora o olhar que fora dirigido a seu marido há dias atrás a houvesse assustado.
- Acho que não é muito difícil saber o porque de minha vinda.
- Não. Eu imagino que queira saber o porquê de Duo ter se casado comigo e se eu realmente o amo ou estou apenas interessado no dinheiro de seu marido.
Tábata abaixou a cabeça diante das palavras frias do rapaz e não podia culpa-lo por isso. Heero se repreendeu mentalmente por ter sido tão ríspido, pois não era sua intenção faze-lo. Pelas conversas que tivera com Duo, a mulher a sua frente era tão vítima da frieza e repressão do marido quanto o filho.
- Desculpe-me pela minha indelicadeza, não tenho nada contra a senhora.
- Eu entendo perfeitamente.
Tábata meneou a cabeça, percebendo que havia sinceridade nas desculpas do rapaz a sua frente. Procurou as palavras certas para continuar, embora não soubesse se elas eram apropriadas para descrever seu marido.
- Lucius...ele pode ser um pouco ríspido demais, mas é um bom homem e um bom pai.
- Não creio que espancar um adolescente apenas porque se recusa a casar com alguém por conveniência, seja ser um bom pai.
Os olhos de Heero se estreitaram e sua voz voltou a se tornar fria. Realmente ela não havia escolhido as palavras certas, mas não esperava que Duo houvesse contado tudo ao japonês, no entanto deveria ter imaginado que seu filho não esconderia algo assim dele.
- Ele...contou a você?
- Porque não contaria?
- É verdade...
Tábata sorriu tristemente. Lembrava-se bem desse dia, quando retornara para casa e encontrara apenas um bilhete sob a cama do filho dizendo que não podia mais suportar viver daquela forma, sendo sufocado pela vontade do pai. Sabendo que jamais estaria a altura de suas expectativas, sempre sendo um motivo de repreensão e censura. Não queria e não poderia viver uma vida que não fosse a que construísse com as próprias mãos e esforço. Mal registrou que uma lágrima caia por seu rosto, até que viu um lenço estendido a sua frente. Agradeceu e enxugou os olhos, notando que era a segunda vez no dia que isso acontecia, mas por algum motivo não se importava em faze-lo na frente de Heero. Se recompondo, procurou ouvir com atenção a voz monocórdica do rapaz, enquanto o mesmo falava sobre o que sentia por seu filho.
- Eu amo seu filho, senhora Maxwell. Confesso que não planejei me apaixonar por ele, mas aconteceu. Nem mesmo eu imaginava que um dia me relacionaria com alguém do mesmo sexo.
Heero notou a surpresa nos olhos da mãe de Duo e balançou a cabeça pouco antes confirmar a pergunta não terminada da mãe de seu esposo.
- Você quer dizer que...
- Não, eu nunca tinha tido um relacionamento homossexual antes de conhecer Duo, todos os meus outros relacionamentos foram com mulheres.
- Eu não sabia...eu achava que..quero dizer.
- Não...Duo não é apenas mais um, não para mim. Seu filho é especial, mas creio que seu marido tenha dito que eu o enredei ou coisa aparecida.
Heero viu Tábata balançar a cabeça de leve, concordando. Ele já podia até mesmo imaginar as atrocidades e barbaridades que T Maxwell disse sobre ele.
- Bem, se eu enredei seu filho, pode se dizer que ele fez o mesmo comigo. E antes que pergunte sobre estar interessado no dinheiro de seu marido, posso dizer que eu só vim a saber, a poucos dias, quem eram os pais dele. Nós nunca conversamos sobre nossas famílias.
- Seus pais sabem...sobre...
- Nós?
Tábata sacudiu a cabeça concordando, pelo que lera no dossiê, Heero era filho único e deveria ser natural que os pais dele também desejassem que se casasse com uma mulher e tivesse filhos. Heero podia ver as perguntas nos olhos de sua sogra, ela era tão transparente. Encostou-se na cadeira respondendo a pergunta feita.
- Sim, meus pais descobriram há dois meses, mais ou menos.
- Eles aceitaram bem?
- De início não, eles não descobriram da melhor maneira. Foi quase como se deu com a senhora e seu marido, assim como as acusações de Duo tentar dar o golpe do baú.
- Ah!
Tábata sentiu-se um pouco envergonhada, por também ter pensado o mesmo. Parecia que toda a família rica tinha esse tipo de pensamento quanto seus filhos se envolviam com pessoas que não lhe pareciam aceitáveis.
- Como eu, Duo também não sabia que eu vinha de uma família rica. Para nós sempre foi suficiente estarmos juntos, o resto não importava. Por isso não nos preocupamos em saber detalhes sobre o passado um do outro ou nossas famílias.
- E como vocês se conheceram?
Tábata viu um sorriso aparecer no rosto de Heero, assim com os olhos dele adquirindo um brilho muito parecido com o do filho quando falara sobre o japonês. Em pouco mais de duas horas ela ouvira encantada o modo como eles se conheceram e se apaixonaram.
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Parte leste da cidade- Galpão abandonado:
Duo acordou meio enjoado e atordoado, sentia uma estranha letargia e um gosto estranho nos lábios. Não conseguia lembrar ao certo o que havia acontecido. Procurou abrir os olhos e identificar onde se encontrava, podia ouvir alguns sons ao longe, mas não saberia dizer o que eram, e havia um cheiro estranho no ar, como se fossem produtos de limpeza. Tentou clarear a mente e se lembrar como chegara ali, onde quer que fosse o lugar onde se encontrava. Ergueu-se lentamente procurando superar a tontura e a náusea momentânea, quando ouviu uma voz fria e estranha, que lhe causava arrepios de terror pelo corpo todo.
- Vai sentir-se melhor em meia hora.
Duo abriu os olhos, imediatamente procurando ao redor o dono de tal voz, quando encontrou um homem sentado em uma cadeira a poucos metros dele. Tentou não parecer assustado, mas sabia que falhara ao vê-lo sorrir cinicamente. Lembrou-se rapidamente do que acontecera: entrara na estação e tomara o trem na direção leste, indo para o trabalho de Heero; conseguiu se lembrar de um homem de cabelos escuros que sentara ao seu lado e quis puxar papo. O vagão estava parcialmente vazio e mal se lembrava do restante, somente de que algo foi colocado contra seu nariz e depois só havia o breu.
- Quem é você? E o que quer comigo?
Duo viu o homem sorrir, mas não responder a pergunta. Ouviu o som de uma porta abrir-se em algum lugar e passos vindos em sua direção. O homem sentado ergueu-se e gesticulou com a cabeça para que Duo se levantasse. O americano se pôs de pé com dificuldade e o seguiu. Ao ver quem o aguardava seu coração parou, enquanto o homem estranho o empurrava e o fazia-se sentar novamente. Bem em frente a seu pai, que tinha o olhar frio e impiedoso.
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Edifício da M & K Engenharia – 20º andar:
Heero estava se despedindo da mãe de Duo, quando seu celular tocou. Ele viu o número no visor e atendeu o chamado, sua expressão tornando-se dura, assustando sua sogra quando voltou seu olhar a ela, fazendo-a recuar. Eles haviam tido uma conversa agradável, o que não a fizera notar o adiantado da hora, portanto, ela estava para partir, quando o celular de Heero tocou, e ele pediu que esperasse um pouco para atender. Porém, a forma como seu rosto se alterou rapidamente, e como ele olhara para ela lhe avisara que de que algo havia acontecido. Tábata apenas ouviu algumas palavras, mas entendeu perfeitamente o que havia acontecido, ainda mais quando o japonês desligou o telefone e segurou-a pelo cotovelo, apertando-o.
- Duo acaba de ser levado, desacordado, por um homem de dentro do trem e eu espero, sinceramente, que você e seu marido não tenham nada a ver com isso!
O choque no rosto e nos olhos de sua sogra lhe diziam que ela não sabia de nada. Heero se obrigou a soltá-la antes que sucumbisse a vontade de descontar nela sua raiva. Voltou a sua mesa pegando as chaves do carro. Precisava agir rapidamente, antes que Lucius conseguisse a influência que desejava em Duo. Sabia que o esposo era sensível e vulnerável ao pai, mas não sabia a extensão de tais sentimentos. Tinha plena ciência de que era o suficiente para que seu sogro conseguisse o que desejava: levar Duo embora. Tábata procurava pensar em algo que pudesse fazer quando viu Heero voltar a mesa e depois caminhar em sua direção, a tomando pelo braço e levando com ele. Mal ouviu as palavras dele para a secretária, pedindo que mandasse a polícia a um certo endereço, pois sua mente se recusava a acreditar que Lucius tivesse feito isso.
Heero notou que a mãe de Duo ficara sem reação, mas não podia perder tempo com ela, bem como sabia que não podia deixa-la ali; então, sua única opção era leva-la com ele, talvez servisse de ajuda. Eles chegaram ao estacionamento e o mais gentilmente que pode a empurrou para dentro do carro, com sua mente fervilhando, imaginando o que estaria acontecendo a Duo, se conseguiria chegar a tempo e o que faria a Lucius T Maxwell por se atrever a não escuta-lo. Não era alguém dado a vinganças, mas nunca deixava de cumprir suas palavras, e o que o pai de Duo fizera não ficaria sem retorno.
Heero olhou de lado para Tábata, que torcia um pequeno lenço branco em suas mãos. Nas poucas horas em que conversaram, pudera sentir o quanto ela se culpava por ter se omitido em relação ao relacionamento entre Duo e o marido, e acreditava que ela não continuaria a manter tal atitude, não depois do que haviam conversado. O celular de Heero tocou novamente, e ele o atendeu, ouvindo a voz do detetive que contratara para vigiar Duo, enquanto ele estivesse sozinho.
- Senhor Yuy?
- Sim?
- Ele acaba de entrar.
- Tem certeza de que é ele?
- Perfeitamente, senhor. A imagem bate com a filmagem que nos enviou.
- Certo, a polícia já deve estar a caminho, estarei aí em poucos minutos, apenas vigie.
- Como quiser, senhor.
Heero desligou o celular e olhou para a mãe de Duo, verificando se ela lembrara de colocar o cinto de segurança. Pouco depois avisou-a:
- Segure-se.
Tábata olhou para o japonês segundos antes de ouvir os pneus do carro cantarem sobre o asfalto, ao fazerem uma curva fechada, atravessando um sinal vermelho. Ela segurou-se no painel do carro, tendo o cuidado de apertar o cinto de segurança. Heero acelerou o máximo que podia, ouviu as buzinas dos carros, e, em alta velocidade, torcia para que não batesse ou atropelasse ninguém; tinha certeza de que receberia varias multas, mas se a segurança de Duo fosse o preço por elas, as pagaria de bom grado.
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No galpão abandonado:
- Olá, Duo.
- Pai? O que significa isso?
Lucius sorriu cinicamente diante do poder que conseguia exercer sobre o filho. Através de seus olhos podia ver todo o medo e apreensão, os mesmo sentimentos de quando Duo era pequeno. Mesmo que ele tivesse crescido e tentasse não demonstrar suas emoções, elas estavam latentes em seus olhos e nisso ele era tão parecido com a mãe, muitos fáceis de se lerem.. Se fora fácil tê-lo traze-lo até ali, afasta-lo do japonês seria ainda mais fácil, para poder atormenta-lo psicologicamente e obriga-lo a fazer a sua vontade.
- Você achou realmente que eu o deixaria em paz? Depois de ter me desafiado como fez.
- Eu não...
- Cale-se!
Duo tentou dizer algo, mas calou-se rapidamente quando o pai elevou o tom de voz. Ele abraçou-se, procurando não tremer diante da voz imperiosa com a qual seu pai continuava a exigir obediência, enquanto pensava em Heero.
- Não ouse falar sem que eu permita.
Duo retraiu-se imediatamente. Sentia-se como um menino de cinco anos que não tinha permissão para se dirigir a um adulto. Ele tentava fazer sua mente reagir, lembrar de momentos onde ele fora forte, corajoso ou que pelo menos se sentisse seguro de si, mas não conseguia. Apesar dos 25 anos de idade, não conseguia impedir-se de agir como fora condicionado pelo pai durante anos: a somente lhe dirigir a palavra quanto solicitado. Obediente, viu-se abaixando a cabeça e murmurando um pedido de desculpas, da mesma forma que fazia quando pequeno.
- Perdoe-me, senhor.
Lucius levantou-se e contornou a mesa, erguendo o rosto de Duo com a mão em seu queixo, o obrigando a encara-lo. Com palavras firmes, falou de forma a machuca-lo e mostrar qual era o seu lugar.
- Porque você tem sempre que se rebelar dessa forma? Não vê que tudo que faço é pelo seu bem, para que não tenha que viver ou crescer da mesma forma que eu cresci? Para que não tenha que se sujeitar a ninguém.
- A não ser a você, não é?
Lucius estreitou os olhos diante das palavras carregadas de ironia e mágoa. Viu, nos olhos do filho, algo que nunca estivera presente antes: coragem. Pela primeira vez em anos, não via medo ou receio nos olhos de Duo. A rebeldia, determinação eram sempre suplantadas pela sua vontade, mas dessa vez não pareciam querer dar o braço a torcer. Por alguns segundos se viu enfrentando um olhar parecido com o do jovem japonês, supostamente casado com seu filho, e por alguns segundos sentiu sua determinação de dobrar Duo abalada. Com raiva, ele apertou o queixo do jovem, marcando sua pele, mas ainda assim o olhar não mudara. Apesar das lágrimas começarem a surgir, a coragem ainda permanecia lá, quase inabalável.
Duo pela primeira vez em anos sentia seu sangue ferver. O medo de outrora fora substituído pela raiva e revolta, não a mesma que o acompanhava desde de pequeno, quando se sentia impotente contra a tirania do pai. Ela era mais forte, densa, quase podia toca-la. E descobriu que não eram apenas os momentos bons com Heero que lhe davam forças, mas também todo o mau-trato e abuso que já sofrera. Todas as coisas que gostava e que foram abandonadas quando ele decidiu recomeçar. Conhecia o passado de seu pai, apesar dele não gostar de lembrar-se, seu avô sempre lhe contava como se iniciara o império Maxwell. Amava seu avô, sua determinação inabalável ante as dificuldades e a forma descontraída e alegre com que enfrentara e continuava a enfrentar a vida. Seu avô crescera sozinho, através do próprio esforço e sem ter pisado ou destruído a vida de ninguém, diferente de seu pai, que utilizava seu poder financeiro para comprar e subjugar as pessoas ao seu redor.
- Eu me lembro de cada lição que você me ensinou, pai, assim como me lembro de cada surra que você me dava quando algo não lhe agradava, mesmo eu tendo seguido suas instruções.
Lucius soltou o rosto de Duo, que massageou a região dolorida, enquanto olhava ao redor, vendo apenas quatro homens que deveriam estar a serviço de seu pai. O medo inicial havia sumido e ele se permitiu levantar da cadeira e dizer tudo que se encontrava entalado em sua garganta desde de pequeno. Sabia que tudo o que acontecesse dali para frente mudaria seu destino. Apenas uma coisa ficaria sempre igual, seu amor por Heero, o que lhe daria forças pra continuar.
- Você me ensinou que eu nunca deveria abaixar minha cabeça, que nunca deveria me sujeitar a viver com menos do que eu merecia. Então me diga porque devo obedece-lo, como um cachorrinho treinado? Não pretendo mais abaixar minha cabeça e deixar que passe por cima dos meus sentimentos ou da minha vida.
- Você ainda é meu filho e eu...
- NÃO! Eu sou seu filho, mas não pertenço a você. Você exige meu respeito, então respeite a minha decisão, NÃO EXIJA MAIS DO QUE VOCÊ MESMO NÃO ESTÁ DISPOSTO A DAR.
- Ora, seu fedelho insolente...
Lucius ergueu a mão para agredir Duo por suas palavras. Elas pareciam como adagas cravadas em seu peito e não podia permitir que o filho continuasse a se opor a ele, ou jamais o dobraria a sua vontade. Ele era seu filho e lhe devia obediência sem restrições; lhe dera tudo do bom e do melhor e era assim que ele agradecia? Duo não tentou se desviar ou mesmo impedir o tapa. Doeria menos do que a intransigência de seu pai e a falta de carinho por parte dele. Sustentando o olhar sem receio, fez Lucius parar sua mão a poucos centímetros de seu rosto. Com seu olhar frio e vazio, pela primeira vez, via seu pai fraquejar em alguma coisa. A voz de Duo saiu triste e magoada, pois acima de tudo, sempre desejou que seu pai o aceitasse como era. Por muitas noites imaginou como seria bom se um dia tivesse a aceitação dele. Que seu pai se orgulhasse do homem que ele havia se tornado.
- Porque você não pode entender que não conseguirá nada me obrigando a fazer o que não quero? Você apenas me afasta... pai, é tão difícil entender que eu não quero a vida que você planejou para mim?
- Isso é culpa de seu avô...ele sempre o colocou contra mim.
- Vovô apenas me mostrou o mundo de uma outra forma e se o senhor visse o mundo da mesma forma que ele...
- O quê? Hã? Seria um pai melhor? Você faria o que eu queria? Eu sempre desejei o melhor para você: as melhores companhias, a melhor formação, a melhor esposa, e o que você fez? ENFIOU-SE NUM BURACO, VIVENDO DE ALUGUEL, TRABALHANDO POR UM SALÁRIO QUE MAL DEVE DAR PARA PAGAR SUAS CONTAS, ESTUDANDO EM UMA FACULDADE DE BAIXO NÍVEL E, O PIOR DE TUDO, DORMIDO COM OUTRO HOMEM QUE NUNCA CHEGARA A TER O MESMO NÍVEL QUE VOCÊ!
A voz de Duo se elevou ao ouvir seu pai mencionar o nome de Heero e com a voz carregada de desprezo defendeu-o das acusações sem fundamentos.
- Não ouse falar mal de Heero, você não o conhece. E você mesmo me ensinou que não se deve julgar um livro pela capa.
- E nem quero conhece-lo, vocês...você me dá repulsa, o que você se tornou? Um viadinho, que acha que vive em um conto de fadas, morando com seu príncipe encantado no castelo perfeito. Acha mesmo que ele não vai troca-lo? Eu vi a ficha dele e...
- Você mandou investigar o Heero? Como pôde?
Duo estava chocado, embora devesse ter imaginado que seu pai faria algo parecido. Era do feitio dele procurar no passado das pessoas algo que pudesse usar contra elas e assim ter um meio de controla-las.
- Eu posso fazer o que quiser, Duo, ainda mais em relação a pessoa que supostamente se uniu a meu filho, pois caso não se lembre, você ainda tem meu sangue.
- Pois você perdeu seu tempo, pai, não encontrará nada no passado de Heero que poderá ajuda-lo a controla-lo. Ou que me faça desistir dele.
- Acha mesmo, Duo? Acredita que não há nada no passado do seu "marido" que eu possa utilizar em meu benefício?
Duo ficou incerto. Seu pai seria capaz de encontrar algo no passado de Heero? Havia algo a ser encontrado? Eles nunca haviam conversado muito sobre seus passados, e era por causa desse silêncio que agora estavam passando por tudo isso.Ele ainda se encontrava pensando quando o som de carros se fez ouvir do lado de fora do galpão e ele viu dois homens se aproximar correndo, os rostos um tanto apreensivo, enquanto avisavam a seu pai que a polícia estava do lado de fora.
- Senhor Maxwell, há três carros de polícia lá fora, bem como o outro rapaz.
- Heero!
Antes que Lucius pudesse dizer algo, a porta do galpão se abriu, permitindo a entrada da polícia. Duo viu Heero e correu em sua direção, sendo abraçado pelo japonês que vinha em companhia de sua mãe. Ele afundou o rosto contra o peito sólido e forte do marido, aspirando toda a segurança e sensação de paz que apenas ele lhe proporcionava. Olhou de relance para sua mãe, que tinha o semblante triste, Duo só não sabia se por ele ou porque seu pai seria preso. Voltou sua atenção a Heero ao ouvi-lo perguntar se estava bem.
- Você está bem, Duo?
Duo balançou a cabeça, seus olhos tentavam, em vão, conter as lágrimas. Heero notou a pele marcada sob o queixo de Duo e olhou na direção de Lucius Maxwell, que gritava com a polícia que tencionava prende-lo.
- Quem vocês pensam que são? Não sabem com quem estão lidando, não podem me prender, EU NÃO FIZ NADA CONTRA A LEI.
- Fez, senhor Maxwell.
Lucius voltou seu olhar para Heero, que ainda mantinha Duo em seus braços. Ele viu o japonês observa-lo com desprezo, e lembrou-se de sua infância, quando tinha que mendigar o que comer e as pessoas o olhavam como se fosse lixo. Sentiu-se diminuído diante da força de tal olhar, mas procurou não demonstra-lo. Heero pode perceber a ligeira mudança no olhar do pai de Duo, era parecido com opressão. Deu um meio sorriso cínico antes de contar a Lucius T Maxwell que ele poderia ter vários problemas legais se voltasse a se aproximar de Duo. Ele fez um ligeiro movimento com a cabeça, fazendo o detetive que os acompanhava se aproximar dos policiais, que seguravam com força o executivo, e sussurrar-lhes algo que os fez soltarem o homem.
Heero estendeu uma folha de papel a Lucius, que o encarou por alguns segundos antes de tomar-lhe o papel das mãos. Duo levantou ligeiramente a cabeça do peito de Heero e o olhou, recebendo um sorriso que lhe dizia estar tudo bem. O americano voltou seu olhar para o pai, que a medida que lia o papel em suas mãos mudava seu rosto de incredulidade para raiva. Lucius não conseguia acreditar nisso. O que tinha em suas mãos era uma ordem judicial contendo um mandado de restrição que dizia que ele não poderia se aproximar de Duo de forma alguma, sob o risco de ser preso e julgado. O documento não podia ser verdadeiro, afinal não havia muito tempo que tinham encontrado Duo, e seria necessário haver uma averiguação além de um processo para que tal documento fosse expedido. Heero podia muito bem imaginar o que Lucius pensava a respeito da veracidade do papel em suas mãos, mas ele era legal. Era claro que tivera que pedir alguns favores e cobrar outros para consegui-lo, no entanto, não havia meios de refuta-lo.
- O documento é verídico, senhor Maxwell, seu advogado vai confirmar isso.
- Mas isso é impossível!
- Eu disse que faria de tudo para proteger Duo de você. Agora já sabe que se voltar a se aproximar dele eu não impedirei que o prendam.
A expressão no rosto de Lucius era de total ódio. Ele havia sido completamente humilhado pelo japonês, que simplesmente despejara suas palavras e lhe dera as costas levando consigo seu filho. Irado, ele amassou o papel, percebendo, pela primeira vez, a esposa a seu lado. O olhar que Tábata lhe dirigiu foi capaz de acabar com ele, que não pode continuar a encara-la. Nunca havia duvidado que ela era uma mulher de fibra, mas ela havia sido condicionada lhe ser fiel e obediente. Porém, ao que tudo indicava, ela estava começando a se rebelar em prol do filho.1
Um a um os policiais se retiraram, os deixando em companhia dos homens que trabalhavam para ele. Antes que sua mente se fechasse para encontrar uma explicação de como o japonês conseguira o que ninguém jamais o fez, vence-lo em seu próprio jogo, pode ouvir a voz de sua esposa o ameaçando de forma magoada e triste, antes de se retirar, deixando-o sozinho.
- Nunca mais volte a fazer isso com ele, caso contrário jamais o perdoarei ou voltarei a vê-lo, Lucius.
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Algumas horas depois:
Duo estava deitado sobre o corpo quente de Heero. Eles haviam voltado para casa logo depois de terem ido a delegacia preencher um boletim de ocorrência. Ao chegarem em casa, Heero obrigou-o a descansar, depois que chorara durante vários minutos em seu colo, contando tudo o que tinha acontecido e como ele havia se insurgido contra seu pai.
Ele esfregou o rosto no peito de Heero, sentindo o cheiro do sabonete do banho que haviam tomado a algumas horas. As mãos fortes de seu marido deslizaram por suas costas, o confortando. Sabia que Heero tinha completo conhecimento de seus pensamentos. Ele ergueu ligeiramente a cabeça e o tronco, se perdendo na íris azul cobalto, enquanto sentia os lábios de Heero pousarem suavemente sobre os seus e, pouco depois, ele o ajeitar em seus braços.
- Ficara tudo bem, amor, não pense mais nisso.
- Eu sei, Heero.
- Eu vou cuidar de você, amor, seu pai não poderá fazer nada e ele sabe disso.
- Por falar nisso, Heero, como você conseguiu isso?
- Eu tenho alguns amigos e meu tio é advogado e ele conhece algumas pessoas, não se preocupe está tudo dentro da lei. Eu jamais faria algo que pudesse ser revertido ou que viesse a nos prejudicar mais tarde.
- Fico feliz em ouvir isso.
- Estamos juntos, Duo, e nada e nem ninguém pode fazer algo para mudar isso.
- Eu acredito em você, amor.
Duo fechou os olhos e deixou que o sono e o cansaço o levassem. Estaria seguro nos braços de Heero que cuidaria dele, não importasse o que seu pai fizesse. Eles estavam destinados a permanecerem juntos. Para sempre.
Owari
1 - Bem, eu não pude resistir. Poxa, a Tábata é sim uma mulher obediente, mas não pode ter sangue de barata nas veias. (Lien). Eu nunca disse que ela tinha sangue de barata nas veias, mas sem comentários (Yoru).
Acabei até que enfim. Desculpem a demora.
Agradecimentos a Lien pela revisão.
Agradecimentos a todos os que mandaram comentários.
E a toda a família.
Acho que não preciso dizer que aguardo comentários.
Até a próxima.
