Retratação: CDZ não me pertence!


Roda-viva
Por Lola Spixii

Capítulo 4 – Duas estrelas vão para o céu

O rapazinho mal conseguia discar os números, de tanto que tremia. Depois de três tentativas erradas, finalmente o telefone do restaurante onde Natássia estava tendo a sua primeira semana de trabalho chamou.

– Natássia, estou te ligando do hospital...

– O que você está fazendo no hospital, Serge? – a pergunta saía vacilante da sua boca, intuindo a resposta que teria.

– Dona Irina, ela sentiu-se mal pela manhã...

– Como ela está?

– Ela foi internada, Natássia.

– Como ela está? – o tom da voz se alterou levemente.

– Ela... está morrendo.

– Quê? – Nátassia sentiu o sangue lhe faltar na cabeça, os lábios ficaram momentaneamente formigantes, os olhos começaram a enegrecer enquanto um zumbido lhe invadia os ouvidos.

A cor apenas voltou as faces e os sentidos apenas voltaram ao seu funcionamento normal quando ouviu a frase seguinte.

– Venha o quanto antes...

A moça saiu às pressas do restaurante, preocupando-se quase nada com a satisfação que devia ao dono do estabelecimento, seu chefe. Assim que chegou à sala de espera do hospital encontrou Serge com os olhos úmidos, sentado em uma poltrona, bem no canto.

– Quero vê-la.

O jovem secou uma lágrima e nada disse.

– O que está acontecendo? – Natássia perguntou tendo um novo lampejo intuitivo e sentindo as faces queimarem – Diga!

– Ela faleceu há alguns minutos.

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O velório foi curto e pouco movimentado. Na capela do cemitério, além de Natássia e Serge, alguns vizinhos, muito mais interessados no volume do ventre da jovem loira, já impossível de ser disfarçado mesmo pela pesada casaca preta, do que em prestar suas últimas homenagens à velha Irina.

Natássia teve uma sincera e controlada vontade de expulsa-los todos de lá quando ouviu as primeiras perguntas acerca da sua gravidez. Somente não o fez porque, na verdade, sentia pena daquelas pessoas, da sua mesquinhez, da sua incapacidade de perceber o real valor da vida e da morte.

Além disso, pouco antes do caixão ser finalmente transportado para o local do sepultamento, caiu uma pesada e incomum chuva sobre São Petesburgo, afugentando de lá todos os inconvenientes e tornando ainda mais melancólico o momento em que a jovem depositou os lírios brancos aos pés da lápide. Sentia-se triste por não ter estado ao lado dela nos seus instantes finais, por não ter segurado a mão dela quando finalmente o seu último sopro de vida se esvaiu.

Passou a mão pela barriga, dali em diante seria apenas ela e o seu bebê, a pequena criaturinha que crescia em seu ventre e que nasceria dentro de 3 meses, totalmente dependente de si. Nem nome tinha escolhido para ele ainda... O olhar se perdeu naquele mar de lápides e mausoléus e, pela primeira vez, pensou na sua própria morte. Pensou que seria a única família do seu filho e isso a assustou. E se, como a mãe, morresse durante o parto? A quem confiaria o filho caso lhe acontecesse alguma coisa? Sentiu os joelhos bambearem com esse mal-presságio e quem lhe deu apoio foi o jovem Serge, que não desgrudara dela um único instante.

– Vamos embora, Natássia, não é bom que pegue tanta chuva.

Caminharam lado-a-lado em silêncio até a avenida central, onde tomaram um táxi que os levou diretamente para o apartamento da velha Irina.

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Mu estava na Primeira Casa, apesar de toda a apreensão que sentia pela situação de Shion, era dever dos Cavaleiros manterem-se em seus postos em tempo integral durante a meditação do Grande Mestre. E, apesar de Mu ainda não ter sido nomeado Cavaleiro de Áries, era lá que ele ficava, tão vigilante quanto os demais.

E o sol mal havia se elevado além das colinas aquela manhã quando um mensageiro se apresentou no Templo de Áries, informando que Shion saíra da meditação.

– Quando?

– Há poucos instantes atrás, garoto...

O jovem ariano pôs-se a subir as escadarias com a máxima velocidade que foi capaz. Na ânsia de ter com o seu Mestre sequer percebeu que, mesmo estando ele já fora da meditação, o cosmo permanecia tão ausente quanto antes. Chegou ao 13o Templo em poucos minutos, encontrando todos os Cavaleiros, em suas reluzentes armaduras douradas, reunidos na ante-sala do aposento íntimo de Shion, como era costume quando o Mestre retornava do transe.

E, definitivamente, Mu não se sentia confortável entre eles. Não se sentia parte daquele grupo, se sentia à parte, se sentia marginal. E realmente era...

Os mais despeitados o encaravam desgostosos, achavam absurdo que um aprendiz como Mu tivesse livre acesso ao 13o Templo como qualquer Cavaleiro de Ouro, os incomodava a presença do garoto, discreto, tímido, as roupas simples, os passos miúdos...

Outros o ignoravam simplesmente, não havia motivo para que levassem à sério, ou se importassem com um garoto inexpressivo como ele. E havia ainda aqueles que lhe tinham pena, o consideravam fraco, achavam que ele jamais conquistaria a armadura de Áries e por isso cultivavam um instinto protetor pelo garoto.

Mu estava perdido entre todas aquelas fisionomias quando percebeu que um dos Cavaleiros se destacava dos demais, indo de encontro à ele.

– Camus, graças aos Deuses. – ele disse ao tê-lo há menos de um metro de si.

O aquariano nada respondeu, pegou o outro pelo pulso e o conduziu, abrindo caminho por entre os demais, até a porta do quarto de Shion, mantendo no rosto a frieza habitual.

– Mu, ao que parece, o Mestre Shion está muito debilitado... – o olhar sério do aquariano ao dizer aquelas palavras assustou o outro, que imediatamente entrou no quarto.

Quando chegou à beira da cama onde Shion deveria estar convalescendo, recebeu um olhar fúnebre da sacerdotisa que acabava de lhe fechar os olhos.

– O que significa isso?

Ela apenas abaixou a cabeça e se retirou.

– Mestre Shion!

O corpo inerte de Shion já não podia respondê-lo.

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– Ele está morto, Camus, morto.

– Eu sei, Mu.

– Eu achava que Mestre Shion jamais morreria.

– Eu também.

O jovem e inconformado ariano andava de um lado para o outro na frente de Camus.

– Você está sentindo isso?

– O que? – o aquariano olhou em volta aguçando os sentidos.

– Tem algo de estranho acontecendo, Camus.

– Mu, Mestre Shion era tão mortal quanto qualquer humano. – disse enquanto apertava os ombros do tibetano, tentando traze-lo de volta aos fatos.

– Mas... – Mu suspirou cansado – Preciso começar a organizar a cerimônia Lêmure...

– A cerimônia de cremação?

– Sim.

– Não haverá.

– Claro que haverá, faz parte da tradição da nossa raça...

– Mu, segundo Ifigênia me informou, o Mestre Shion deixou para ela duas recomendações assim que saiu da meditação.

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Já era a quinta semana que Shion mantinha-se em meditação, e à cada dia que passava aumentavam os cuidados dispensados à ele. A cada dia ele ficava mais fraco, mais pálido, mais magro, relatavam à Mu as sacerdotisas, únicas que podiam entrar no recinto de meditação.

As sete virgens revezavam-se noite e dia nos cuidados com Shion, ministravam-lhe água à intervalos regulares de tempo, massageavam-lhe os músculos para que não perdessem o tônus, davam-lhe banho e alimento.

Aquela noite Ifigênia velaria o transe dele. Enquanto o Grande Mestre permanecia imóvel, sentado com as pernas cruzadas sobre uma simples armação de bambu, ela estaria do outro lado do salão, em oração. Sua maior preocupação seria não permitir que os incensos de sândalo, em momento algum, deixassem de queimar.

Porém, a noite já ia alta quando Ifigênia se sobressaltou ao perceber que algo estranho se passava com Shion. O quarto, antes iluminado apenas pela brasa dos incensos e por uma pequena lamparina que ela mantinha junto de si, agora ficava, segundo à segundo, mais claro devido à aura de energia que se formava no entorno do corpo do Grande Mestre.

Ainda pode desistir, Gêmeos. Não será perdoado por esse atentado, mas pouparei a sua vida se vir o verdadeiro arrependimento em sua alma.

Não preciso da sua compaixão, Shion.

Por que, Saga?

Athena jamais me daria o poder que eu desejo. Veja você, tantos anos servindo à Ela e, agora, que Ela poderia ajuda-lo... onde Ela esta, Shion, onde?

Não vai conseguir nada... Não haverá Grande Mestre se não houver Santuário.

Está blefando.

Eu poderia destruir tudo, se quisesse.

Mas você não fará isso. Chega de medir forças com você, acabou, Shion!

Ifigênia ainda estava à meia distância dele quando a cosmo-energia chegou na sua intensidade máxima. O lugar onde Shion estava foi iluminado por uma luz tão forte que a jovem ficou momentaneamente cega e, em seguida, sentiu seu corpo ser atirado de encontro à parede oposta, como se tivesse sido atingida por uma imensa explosão.

Teve certeza de que estaria morta no segundo seguinte, mas as dores denunciavam que, além dos hematomas, pouco da sua integridade havia sido tomada. Abriu os olhos assim que conseguiu forças e a escuridão tomava novamente conta do quarto nesse momento, nem mesmo a sua lamparina mantivera-se acesa. Caçou-a tateando pelo chão e assim que conseguiu acende-la, correu para o lado oposto do recinto, em busca de Shion.

Encontrou-o caído de lado sobre a armação de bambu, aparentemente desacordado.

– Mestre Shion!

Surpreendentemente ele abriu os olhos, e a sua expressão não era de dor, nem de cansaço, também não era a expressão bondosa que ele apresentava a maior parte do tempo... Na verdade Ifigênia não conseguiu lembrar-se de ter visto alguma vez aquela expressão nos olhos dele anteriormente.

– Ares, meu irmão, virá para cá. Ele ficará no meu lugar. Ares me sucederá como Mestre do Santuário...

Nesse momento ele finalmente pareceu sentir alguma dor e a face se contorceu, com os olhos cerrados. Ifigênia, ainda assustada com aquilo tudo, preparou-se para sair em busca de ajuda mas sentiu o braço ser firmemente segurado por Shion e voltou sua atenção para ele.

– Vou buscar alguém para ajuda-lo, Mestre.

– Espere Ifigênia. – a voz era muito mais vacilante agora – Mu... diga à ele que eu não quero ser cremado como manda a tradição Lêmure... diga à ele... – e Shion perdeu novamente os sentidos.

A jovem nada disse, apenas saiu correndo do salão.

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– Eu nunca soube que o Mestre Shion tivesse irmãos.

– A verdade é que nós sabíamos muito pouco sobre ele, Mu.

– Mas ele sabia muito sobre nós.

– O que quer dizer?

– Camus, você acha que ele... que ele nos deixaria em uma situação como essa?

– Que situação?

– O Mestre Shion jamais abriria mão da cerimônia fúnebre Lêmure. – ele dizia em voz baixa, mais para si mesmo do que para Camus.

– Eu entendo que esteja perturbado...

– Eu não estou perturbado – estou mais lúcido que você, pensou.

– Mu, você precisa descansar.

– Camus, será que você não consegue ver?

– Ver o que, Mu? O que eu vejo é que o Mestre Shion está morto e que você não quer se conformar com isso.

– Camus... – ele deu um profundo suspiro, os olhos brilhavam das lágrimas que ainda não haviam caído em nenhum momento – Talvez eu esteja mesmo precisando descansar um pouco.

– Pois então, Mu. Faça isso. Como não haverá cerimônia Lêmure, você não precisa se preocupar com nada.

O jovem ariano saiu do 13o Templo. Aquela foi a última vez que ele foi visto no Santuário.

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As duas figuras entraram em silêncio no apartamento. Enquanto Natássia imediatamente sentou-se em uma cadeira na sala, pondo-se a afagar antigos objetos da tia como se fossem a própria, Serge partiu direto para o quarto da velha Irina.

Seguindo a indicação que ela lhe fez antes de morrer, dirigiu-se para a porta direita de um grande armário de madeira e, lá dentro, avistou, na prateleira mais alta, a delicada maleta de couro escuro a qual ela se referira. Retornou para a sala trazendo a maleta nas mãos.

– Natássia – ele chamou a atenção da jovem, estendendo-lhe, em seguida, os braços, oferecendo a maleta.

– O que é isso? – ela perguntou já tomando o objeto das mãos dele.

– Foram as últimas palavras da sua tia, ela quis que eu te entregasse.

A jovem depositou a maleta com cuidado sobre uma mesa e abriu delicadamente os fechos prateados. O que viu em seguida não foi muito revelador, um amontoado de objetos ensacados por plástico leitoso. Puxou o plástico que estava mais por cima dos demais e retirou o seu conteúdo. Não conseguiu compreender do que se tratava logo no início, via apenas o colorido de cortes e fitas de cetim. Somente depois de manuseá-lo um pouco foi que compreendeu.

Tratava-se de um móbile em forma de balão, costurado em cetim colorido, o cesto de palha clara enfeitado com fitas de cetim igualmente coloridas e, dentro dele, um boneco de cerâmica com chupeta na boca e um tufo de cabelos sintéticos loiros bem no alto da cabeça.

Voltou a desviar a sua atenção para Serge em busca de alguma explicação, que obviamente não veio. Então colocou o móbile sobre a mesa e puxou outro plástico, e outro, e outro... Desfilaram frente aos seus olhos dezenas de brinquedos infantis, desde trenzinhos, bolas e animaizinhos de borracha, até bonecas de louça com expressões delicadamente pintadas. Natássia lembrava-se vividamente de alguns daqueles objetos como pertencentes à sua própria infância.

Ao final sobrou, no fundo da maleta, uma caixa revestida de veludo preto. Natássia logo a tomou nas mãos e a abriu, revelando aos olhos uma peça de beleza ímpar. Um rosário, todo de rubis e ouro, reluzia dentro da caixa.

Logo os olhos da moça começaram a dançar inquietos por toda a sala, e ela colocou a caixa de veludo sobre a mesa e caminhou em passos rápidos para uma imponente arca de madeira. Abriu uma das gavetas e revirou o seu interior tão nervosamente que alguns papéis e objetos foram arremessados para fora. Mas não estava ali, passou para a gaveta seguinte, também não... Abriu um dos armários da arca encontrando, finalmente, o que procurava.

Sentou-se no chão com alguma dificuldade e passou a vasculhar o álbum de fotos com a mesma ferocidade de instantes atrás. Não demorou para achar a foto e, nesse momento, a expressão do seu rosto se alterou sensivelmente. Levantou-se ainda com mais dificuldade e aproximou-se da jóia. Sim, era o rosário que sua mãe segurava nas mãos naquela foto.

– Você contou algo para ela? – Natássia se dirigiu para Serge colocando instintivamente a mão sobre a barriga.

– Não... – Serge disse enquanto esticava o olhar, tendo a mesma constatação que Natássia tivera alguns instantes atrás.

– Vou embora de São Petesburgo.


Bem, vou direto aos agradecimentos por que, como sabem, a linha-dura está instaurada nesse maravilhoso site que nos hospeda!

Agradecimento primeiro à Mme. Verlaine, por ter liberado a cena da morte do Shion.

Agradecimentos não menos especiais para todos que deixaram review ao capítulo anterior: Carola, Ilía, Lili, Verlaine e Calíope; e à Sini e Amy que comentaram pelo MSN. Muito obrigada, meninas!

Quem quiser ler mais algumas bobagens relativas à esse capítulo, pode visitar o www ponto thesenseiclub ponto blogspot ponto com.

Bjinhos!

(Maio de 2005)