A TORRE DOS VENTOS
01: Prólogo
Hades tombara e desaparecera junto com a sua insurreição contra o domínio de Atena sobre a terra. Mais duzentos anos teriam que passar até que o Santuário se visse a braços com uma nova Guerra Santa e todos no Santuário de Atena respiravam de alívio com esse conhecimento. Grande parte do templo da deusa da Guerra e da escadaria das Doze Casas tinha sido destruída nessa e noutras batalhas e os esforços dos cavaleiros sobreviventes concentravam-se na reparação dos danos que tinham sido feitos, tanto aos edifícios como às fileiras da Ordem.
Na sua maioria, as armaduras de bronze tinham conservado o seu dono. Os cavaleiros com o posto mais baixo nunca tinham sido envolvidos em larga escala nas lutas travadas durante o domínio do enlouquecido Saga – com a excepção, claro, de Seiya, Hyoga, Shiriyu, Shun e Ikki. No entanto, esses tinham estado desde o princípio do lado de Atena, e desde então até ao confronto que terminara a Guerra Santa nos Campos Elíseos, a deusa assegurara-se pessoalmente da segurança dos cinco. O mesmo não se podia dizer dos restantes, pois raros eram os cavaleiros de prata que tinham resistido e, dos de ouro, nenhum tinha sobrevivido.
Todos lamentavam as perdas irreparáveis das mestrias e da vida dos homens que se tinham sacrificado pela causa de Atena, mas a ocasião exigia que se caminhasse em frente se e deixasse o passado no seu lugar. Todos os sobreviventes abraçavam com entusiasmo as suas novas missões, quer estas fossem o supervisionamento da construção de um pavilhão, ou o treino de novos aprendizes.
Aos cavaleiros de prata, mais experientes, tinha sido dada a segunda missão. Liderando o grupo estavam Marin de Águia e Shina de Cobra. Os dias das duas eram normalmente bastante preenchidos, divididos entre assegurar-se que todos faziam o trabalho que lhes competia e treinando centenas de jovens ao mesmo tempo. Preencher os lugares vagos era uma preocupação urgente, mas era igualmente difícil encontrar entre os aprendizes talentos e génios que pudessem eventualmente tomar os doze lugares mais altos da Ordem de Cavalaria.
Por todos esses motivos, talvez fosse exaustão o que levou Marin a sair das sessões de treino mais cedo que o habitual, para se dirigir ao seu lugar preferido no Santuário naquele dia.
Esta cavaleira tinha sofrido especialmente com a morte dos seus companheiros de ouro. Desde os seus primeiros dias no Santuário, ela sempre tivera um amigo especial com quem podia contar para tudo, alguém em quem confiava e a quem sabia poder falar sobre o que quisesse. Aiolia, cavaleiro de Leão, sempre estivera ao seu lado, e agora ela sentia terrivelmente a sua falta. Se Marin quisesse ser totalmente sincera, admitiria que um pedaço de si tinha ficado no inferno de Hades, mas fazê-lo seria agravar a perda. Por isso, ela fazia tudo o que estava ao seu alcance para se convencer que não sentia nada por Aiolia a não ser companheirismo entre cavaleiros. No entanto, isso não fazia desaparecer a dor que lhe corroía o coração e diariamente lhe roubava a capacidade de sentir.
—————————————————
Aiolia sentiu-se voltar à consciência lentamente, como que vindo à superfície de um grande lago.
"Onde quer que seja que eu estou agora, isto não é – não pode ser – o Inferno de Hades! Mas então... onde estou?", pensou o Cavaleiro do signo de Leão à medida que recuperava a noção da realidade que o cercava. Estava deitado sobre algo macio e confortável.
"Este local lembra-me o sítio em que... sim, este ar é inconfundível..." Pálpebras pesadas, ainda não tinha aberto os olhos, contente por inspirar o suavíssimo perfume que enchia o ar, trazido pelo vento das terras mais altas cobertas da típica vegetação rasteira do Mediterrâneo e do mar salgado. O sol grego estava em pleno, no alto do seu trono celeste, e Aiolia deleitou-se ao voltar a sentir aquele calor na pele, depois de ter estado tanto tempo no gelo de Cocytos e nos subterrâneos de Hades.
"Perfeito... nunca pensei que a morte pudesse ser assim..." Os seus lábios curvaram-se levemente num sorriso e mais uma vez o Cavaleiro deixou que o vento arrastasse os seus pensamentos. Tudo era tão calmo naquele sítio.
"Atena!..." Subitamente, o vento deixou de ter força suficiente e o Cavaleiro recordou-se do que se tinha passado enquanto o seu coração ainda batia, do seu dever perante a deusa que devia proteger. Por breves instantes, chegou mesmo a sentir pânico, mas logo se acalmou. Atena tinha seguido Hades para os Campos Elíseos, e Seiya e os outros quatro Cavaleiros de Bronze, incansáveis e leais até ao fim como a ordem de Cavalaria exigia, tinham-na seguido para lhe levar a sua armadura divina. "De certeza que conseguiram. Nunca antes eles deixaram a Saori ficar mal, mesmo lutando contra todas as expectativas. De certeza que Atena está em segurança e de volta ao Santuário."
Os seus olhos fecharam-se lentamente e Aiolia deixou o seu espírito descer para um nível abaixo da consciência mais uma vez. Sentia-se cansado como nunca, membros carregados de chumbo e sonolento apesar de tudo. Era um descanso bem merecido. Atena estava em boas mãos, que nunca permitiriam que mal algum lhe tocasse e a guerra seguramente tinha acabado. "Agora posso descansar. Só tenho pena que..."
— Aiolia? És mesmo tu! — Não precisando pensar duas vezes no que tinha ouvido, o Cavaleiro de Leão abriu os olhos e levantou-se num ápice. Não podia crer na voz que estava a ouvir, como poderia ela estar ali no mesmo sítio que ele?
— Marin?... Que estás tu a... — Não teve oportunidade nem fôlego para continuar. A Cavaleira da Águia saltou para cima dele e agarrou os seus ombros com tanta força que quase o sufocou. Parecia que, tal como ele, Marin precisava de se assegurar de que ele era real e estava mesmo ali.
Mas agora Aiolia tinha deixado de perceber o que se estava a passar. Marin tinha ficado no Santuário durante a Guerra, e os espectros tinham sido todos mortos! Como é que ela podia estar ali, com ele, no paraíso?
— Que te aconteceu? Que estás aqui a fazer! — Disse ele, com uma certa dose de pânico, assim que a ruiva do impassível rosto de prata o soltou. Ela não podia estar morta, Aiolia nunca se perdoaria.
— Isso digo eu! Pensei que tivesses morrido e no entanto... aqui estás tu! — O entusiasmo na sua voz era palpável. — A não ser que isto seja um sonho, e nesse caso eu não quero acordar! Nunca, isto é bom demais!... — No final, a cavaleira acabou mesmo por recuar dois passos numa tentativa de se conter.
Aiolia estava pior que confuso. Um sonho tinha ele a certeza que não era, mas isso significava que...
— Eu estou vivo?... — e olhou em redor mais uma vez, apercebendo-se pela primeira vez que aquele não era um sítio parecido com a colina do Santuário onde ele costumava ir. Era mesmo aí que eles estavam. Ele estava vivo... e a Marin estava com ele. E não houve como reprimir a satisfação que ele sentiu quando olhou para ela com olhos de ver e percebeu a sua felicidade por o encontrar. — Mas como? — Perguntou fracamente, ao mesmo tempo que um sorriso incrédulo se abria nos cantos da sua boca.
A Cavaleira da Águia tão-pouco tinha alguma resposta e, voltando a abraçá-lo depois de o ajudar a levantar, começou a encaminhá-lo para sua casa.
— Atena? — Aiolia continuou com as suas perguntas de uma palavra só, enquanto procurava calmar o seu espírito e se habituava ao conceito de continuar vivo.
— Salva! Seiya e os seus companheiros derrotaram Hades, mas Pegasus saiu bastante ferido do combate. Muito, mesmo...
Embora fosse óbvia a tristeza que sentia pelo seu discípulo, Aiolia não deixou de ouvir a inabalável confiança, determinação e, para seu grande prazer, alegria da Cavaleira por detrás do tom de voz empregue. Apesar de tudo, uma gargalhada meio-seca escapou-se-lhe.
— Eu sabia! Eu sabia que nenhum desses cinco miseráveis deixaria Atena ficar mal. Enquanto tivessem forças, eu sabia que lutariam. São realmente formidáveis, deves ter muito orgulho no teu aluno, Marin. Ensinaste-o bem.
— Sim. Ele contou-me do vosso sacrifício... dos Cavaleiros de Ouro, digo... — Marin calou-se abruptamente e Aiolia teve a sensação de que ela não ia reatar o discurso.
— Para derrubar o Muro das Lamentações. A entrada para os Campos Elíseos, onde Hades tinha levado Atena. Não compreendo o que se passou, também. Por todas as razões e mais alguma, eu deveria estar morto! Cheguei mesmo a pensar que estava no paraíso quando acordei há pouco. — Marin demorou algum tempo até responder.
— Mas… sentes-te bem agora? Não estás ferido, pois não? — Ela tentou manter o tom casual e despreocupado, ou pelo menos não tão grave como o do aperto que sentia no peito. Mesmo assim, ela sorria por detrás da máscara, sabendo que com o milagre de encontrar Aiolia o nó desapareceria em breve.
— Para dizer a verdade, nunca me senti tão bem! Sinto-me como se tivesse renascido — disse ele, num tom jovial, mas a máscara não lhe sorriu. — Só gostava era de perceber o que se passou depois do ataque ao Muro para estar aqui agora. É estranho, não me lembro de nada depois disso... Há que falar com Atena!
— Ah, não! Primeiro quero ter a certeza de que está tudo bem contigo, de saúde. Só depois é que vamos a algum sítio falar com quem quer que seja! — Estacou e voltou os olhos de prata para o Cavaleiro de Ouro. Parecia que Marin ia dizer mais qualquer coisa, mas no fim, só se atirou mais uma vez aos braços do Cavaleiro de Leão.
Aquela colina encontrava-se num lugar isolado do Santuário que poucos conheciam. Era o sítio preferido de Aiolia, e também era onde ele e Marin tinham passado muito tempo a treinar, quando ela tinha estado prestes a entrar na competição pela Armadura da Águia prateada. O Cavaleiro de Ouro tinha insistido em lhe dar umas lições particulares, ajudando-a a encontrar os seus pontos fracos e fortes e inclusivamente desenvolvendo com ela aquelas que seriam as suas técnicas especiais de ataque.
Foi precisamente por ser um desses recantos escondidos que, quando entraram nos campos de treino propriamente ditos, à sombra do grande Coliseu, tiveram uma surpresa ao encontrarem lá uma grande multidão já reunida, e a voz de Shina por cima de toda a confusão.
Marin e Aiolia abriram caminho até ao centro, não sem causar muitos gritos de surpresa à medida que iam passando, e o que encontraram foi surpreendente.
— Então tu também! — Disse Milo, o Cavaleiro de Ouro de Escorpião, aproximando-se de Aiolia com naturalidade, como se nada de mais se estivesse a passar. Com ele estavam, para além de Shina e Kiki, o aprendiz do Cavaleiro Mu de Carneiro, nada mais nada menos que Saga, Kanon e Máscara da Morte. — Raios partam, não há mesmo meio de nos vermos livres do miauzinho, eh?... — Escorpião cumprimentou-os, sarcasticamente bem-humorado como sempre.
— Cuidado com a língua, meu amiguinho. Um dia destes ela pode ficar comprida demais e ainda te picas a ti próprio. E nessa altura, estarei lá para ajudar. – Depois, dirigindo-se a todos, Aiolia acrescentou – Alguém sabe o que se está a passar?
Praticamente todo o Santuário estava reunido naquela praça, mas ninguém respondeu. Mais uma figura abria passagem por entre a multidão sem dificuldade. Assim que viam quem era todos se curvavam em respeito à reincarnação da deusa da Justiça.
— Atena...
— Meus bravos Cavaleiros, levantem-se. Foi certamente por obra divina que vocês retornaram, mas não a minha — comentou, confusa, e o olhar com que varreu os cinco cavaleiros ressuscitados, um por um, prometia que se reuniriam quanto antes para discutir o assunto com mais pormenor. — Sejam bem-vindos de volta!
Próximo capítulo...
O Aviso Do Monte Estrelado
