AINDA E SEMPRE
Disclaimer: Simples e rápido: personagens de J.K. Rowling, exceto Marina Murtinho, Fernanda Melfontes e Silvia Maria Batira, aqui utilizadas para fins de entretenimento sem ligação à autora ou a quaisquer órgãos e/ou empresas a ela ligados. Não há lucro gerado com isso. Contém spoilers de Harry Potter e a Ordem da Fênix. A canção que inspira este capítulo é "Dias Melhores", de Jota Quest.
Capítulo 3 – Os dias que antecedem
Foi com um susto que se deu conta da presença de Hermione. Esta, apesar da sutileza para chamar a sua atenção, acabou por fazer com que ela pulasse do banco de madeira, causando um estrondo que mereceu um olhar feio e um "psiu!" de Madame Pince.
-- Chegou uma correspondência da Academia Brasileira para você, Ginny. Toma – e a moça de cabelos castanhos dourados lhe estendeu o pergaminho enquanto se sentava ao seu lado. Ao ver que ela não fez menção de abri-lo, perguntou: -- Ué, não quer saber do que se trata?
-- Não agora. Estou ocupada. Você sabe, ando correndo contra o tempo para entregar o artigo sobre as propriedades do murtisco dentro do prazo para a Professora Marina Murtinho, de Poções, para poder fechar o número 10 do periódico deles. Quisera eu ter um daqueles vira-tempos que vimos no Ministério da Magia, agora... – e olhou para a grande ampulheta que descansava sobre a escrivaninha da bibliotecária.
Hermione tentou uma idéia: -- Você pode pedir ajuda ao Harry. Ele pode descrever com perfeição os milagres que uma poção de murtisco que eu preparei para ele operou nos cortes causados por aquela maldita pena da Umbridge. – Sua amiga não respondeu. Deu uma olhada de esguelha para a ruiva, que fingia estar concentrada na consulta ao Moste Potente Potions. Resolveu insistir: -- Sabe, isso agilizaria o seu trabalho, você está há dias internada nesta esc...
O barulho do livro bruscamente fechado atraiu mais um olhar de advertência de Madame Pince.
-- Olha, Mione, eu agradeço pela ajuda, mas não quero fazer isso porque... pPorque... pPorque o trabalho não seria meu -- concluiu de forma pouco convincente. E, para tentar soar natural e firme, acrescentou: -- Afinal, é você mesma que disse que devemos fazer por merecer. Quero ganhar o meu dinheiro honestamente!
-- Ah, sem essa, Ginny! Pedir ajuda faz parte da coisa toda, várias pessoas aprendem assim, sabia? Além do mais, se você não fosse tão cabeça- dura como o seu irmão, já teria desistido da sua idéia de desprezar o Harry!
Foi a vez de Ginny argumentar: -- Eu não sei do quê você está falando. Você sabe que eu estarei no Três Vassouras daqui a uma semana, Mione – e um tremor imperceptível da voz denunciou a si mesma que ainda não se encontrava pronta como gostaria. Voltou a remexer suas anotações, como se buscasse algo, somente para manter as mãos ocupadas.
O silêncio que antecedeu a afirmação de Hermione tornou a frase ainda mais séria: -- Não para mim, Ginny. Guarde sua atuação para o dia 25. Você vai precisar dela, sabemos disso. – E, colocando as mãos da ruiva entre as suas, apertou- as levemente e sussurrou, otimista: -- Dias melhores raiarão para você minha amiga.
"Vivemos esperando dias melhores
Dias de paz, dias a mais
Dias que não deixaremos para trás"
Depositou um beijo na bochecha sardenta de Ginny e disse: -- Até a semana que vem. Se precisar, apareça ou mande uma coruja, se já estiver longe daqui. Vou almoçar e voltar à sala da Professora McGonagall; ela me aguarda para uma reunião no início da tarde. – Já estava se virando para sair quando se voltou e perguntou num tom casual: -- A propósito, você não me disse quem vai levar ao Três Vassouras.
-- Tchau, Hermione -- e, com um sorriso tranqüilo, voltou sua atenção às suas coisas, dispensando-a eficientemente.
Hermione saiu, mas carregou consigo, ao que parecia, não só a fome dela, mas a atenção sua atenção para o trabalho. Guardou suas anotações no material e tirou da bolsa o diário de capa de couro vermelho monogramado na frente com o VW na margem inferior. Molhando a pena na tinta marrom, abriu- o e escreveu.
Ainda em Hogwarts, enfurnada na biblioteca -- como se eu não gostasse disso! Mas o que eu não suporto mesmo é quando Mione tem razão. Saiu daqui há pouco e levou minha paz falseada consigo. Que droga, não dá sequer para disfarçar minha dor sem que ninguém interfira? Nem o trabalho sustenta meus dias. Eu me alimento, trabalho, venho para cá, pesquiso, vou para a beira do lago, mas nada demove o sentimento de angústia do meu peito, e isso me aperta, me faz suspirar e temer os dias que virão. Até a Murta veio me dar sermão, veja só! Disse que ando gemendo mais do que ela, e que não posso me dar a esse luxo, já que posso resolver meus problemas, uma vez que ainda estou viva. As coisas vão muito bem, se uma Murta está em condições de me aconselhar! Já não bastam os vivos?
Devolvendo a pena ao tinteiro, olhou para a janela alta ao lado e olhou para o dia branco. Os fracos raios do sol brincavam timidamente no lago, e a lula gigante esparramava-se preguiçosa à margem, próxima à árvore. O problema de se viver muitos anos no mesmo lugar, pensou, é que as pessoas passam a te conhecer tão bem que se acham no direito de julgar o modo como você escolhe levar a sua vida. Bem, não adiantava ficar se lamentando pelo que não conseguia esconder. O jeito seria trabalhar melhor seu modo de agir e direcionar sua atenção para outras coisas.
"Vivemos esperando
O dia em que seremos melhores
Melhores no amor, Melhores na dor – Melhores em tudo"
Melhorar mais ainda, atingir a perfeição no que fazia era um objetivo perseguido com obsessão por Ginny. Por isso, decidiu enfurnar-se mais ao fundo da biblioteca, na área restrita, para tentar terminar o artigo. O que era mesmo aquela cor lilás relacionada ao animal? Voltou ao seu antigo Fantastic Animals & Where to Find Them, para ler um resumo das características do murtisco. Isso serviria para auxiliá-la numa escrita mais simples e mais direta, pois o artigo se dirigia também aos alunos da Academia e não somente aos professores. Quanto ao seu português... Lamentável, é o que poderia dizer. Teria de pedir para sua amiga Fernanda Melfontes para revisá-lo. Fernanda estava morando em Londres há cerca de um ano e meio, para um estágio no Gringots. Era bastante requisitada por saber de muitas falcatruas e feitiços de criação brasileira que os bruxos utilizavam para lograr o banco, uma vez que se especializara em Defesa contra as Artes das Trevas e em Feitiços na Academia Brasileira. Mais um contato útil de Mione. Na verdade, devia muito à amiga de infância, ainda que ficasse brava com sua intromissão. Não ousava segredar-lhe que Malfoy iria com ela ao Três Vassouras, pois sabia que a isso se seguiria um sermão e a fala assustada acompanhada do olhar de choque da amiga, perguntando-lhe se não endoidecera de vez. Bem, ela mesma se tinha perguntado se não estava mesmo maluca, mas seu coração dizia que não. Apesar de arrogante e até mesmo antipático, Draco não era nada disso quando se tratava dela. Sentia- se mal em abusar da (rara) boa-vontade do rapaz, e sabia que ele fazia isso porque gostava muito dela. Parecia-lhe, de certa forma, que o estava usando para alcançar seus objetivos, mas se ele aceitava, mesmo sabendo que ela não o amava, então não devia se sentir tão culpada assim. Sabia que, no fundo, a idéia de causar frisson em todos os presentes ao acompanhar a garota também era algo que o agradava e que ele antevia com prazer.
Já havia anoitecido quando largou a pena, satisfeita consigo mesma. Dois rolos de pergaminho de um metro cada, com sua caligrafia fina e miúda eram mais do que suficientes. Enrolou-os, escreveu o nome da destinatária e dirigiu-se ao corujal para enviar o artigo à amiga brasileira. Amarrando o pergaminho na perna de uma coruja-das-torres, recomendou-lhe que fosse diretamente a Londres e encontrasse Fernanda no serviço, e somente então se dirigiu para o lago.
A tarde ia a meio quando se sentou sob a volumosa copa da árvore para descansar. Conjurou um pedaço de torta de rim de porco e uma taça de suco de abóbora. Sentia-se, finalmente, faminta, mas era sempre assim: só conseguia descansar, sentir fome ou baixar a guarda quando terminava de honrar seus compromissos. Agora, era com a Fernanda e, depois... Depois, nem sabia o que fazer. Sabia que teria de enfrentar a realidade e se preparar para a grande tarde na "agradável" companhia de Harry e das Patil – de Parvati, para ser exata. Tinha de escolher o vestido, os sapatos, decidir o que fazer com aquelas mechas flamejantes que tinha no lugar dos cabelos e, é claro, decidir o que fazer para deixar aquele rosto sem-graça e coalhado de sardas em algo desejável. Oh, não! Não havia pensado isso. Que se dane!, pensou em seguida. Se não era bonita, feia também não era.
Aproximando-se das águas profundas, mirou-se no reflexo. Alguns raios fracos da tarde ainda batiam nas leves ondas que o vento frio fazia nas águas, e a imagem que apareceu era turva. Mesmo assim, achava que a face refletida naquele azul escuro era bonita. Bom, pelo menos, Draco gostava, e Dean também havia gostado, assim como Michael. Só Potter é que não.
Na verdade, não sabia bem o que pensar disso. Lembrava-se da única vez em que o rapaz, quando ainda era um adolescente, dissera-lhe que ela era bonita. Tinha sido numa tarde como aquela, embora estivessem entrando na biblioteca. Ron a estava criticando por não sair com Neville, que estava sem par para o Baile de Inverno dos sextanistas:
– Mas se você já saiu com ele antes, Ginny, não vejo qual é o probl... --, quando, surpreendentemente, surgiu uma voz por trás de sua nuca e respondeu para seu irmão: -- Ron, larga a mão de ser chato. Se a Ginny não quer ir com o Neville, é porque ela já deve ter um par!
-- Não tenho, não, – havia murmurado, entre os livros e os cabelos lisos que escorriam pelos lados de seu rosto, cobrindo seu semblante sem que Harry a visse direito. – Eu não fui convidada por ninguém, e nem Neville me chamou, Ron. Você é que está enchendo.
-- Eu, enchendo?! – bBradou seu irmão no corredor. – Você reclama de estar sozinha e diz que não quer acompanhar o Neville! Estou te fazendo um favor!
Com o rosto afogueado, levantou seu queixo e desafiou seu irmão: -- Duvido que você consiga algo melhor para você! Mione já está cheia dessa sua falta de sensibilidade! Não precisa ficar me lembrando a toda hora que eu sou feia e desajeitada!
-- Não fala besteira, Ginny – foi o que, surpresa, ouviu Harry dizer. – Você nunca foi feia. Ehr... Ddesajeitada, talvez, mas nunca foi feia. – E, para o assombro de Ron e dela própria, completou com um assopro: -- Sempre te achei uma menina muito bonita. – E entraram na biblioteca. As orelhas de Ron, que sorria radiante, estavam vermelhas, mas ela tinha certeza de que seu rosto não estava escarlate, mas púrpura de vergonha.
Depois daquele dia, poucas foram aàs vezes em que ela havia estado realmente perto dele. É claro que sempre havia a sala comunal e que andava na companhia dele, de Hermione, de Ron, de Neville e de Luna – que se descobrira apaixonada não por seu irmão, mas por Neville, mas não estava junto do garoto. E, quando as coisas começaram realmente a se complicar para todos, e mesmo após todas aquelas mortes e desastres com a ascensão do poder de Voldemort – ela sempre conseguira pronunciar o seu nome --, não teve chance de chegar tão perto para uma conversa franca com ele. Covarde é o que tinha sido, até que, antes do Baile de Formatura dos setimanistas que eram seus veteranos e amigos, havia cruzado com Harry no corredor. Os boatos de que ele estava ficando com Parvati já corriam a escola, e ela se roia de ciúmes. Isso a impediu de interpretar melhor os olhares vagos no rosto sério de Harry, quando estava sentado à frente do xadrez de bruxo, na poltrona vermelha da sala comunal. Mal sabia ela que ele não a olhava como a irmã de Ron, mas como alguém diferente, a quem estava passando a enxergar aos poucos. Ainda envenenada pelas palavras de Lavender, acreditava na versão de que Harry a havia beijado uma única vez como prêmio de consolação, antes do baile. Obviamente, aquilo havia gerado fofocas que correram como fogo em meio à campina seca, e por isso Draco havia acreditado que Harry havia "ficado" com ela.
Não podia se lembrar daquele dia. Definitivamente. Ele estava cansado, exausto, mal-humorado... eE embriagado. Era humilhação demais. Achava que não poderia suportar mais do que aquilo, mas quando ele não a defendeu do beijo de Malfoy, foi o fim.
Depois daquilo, os dias se seguiram iguais, um após o outro, dias de tristeza, de afastamento e de dor constante. Dias iguais e a mais, sem que nada mudasse – até que aquela maldita carta chegasse à sua casa e fizesse com que ela ficasse esperando por uma nova oportunidade.
"Vivemos esperando O dia em que seremos para sempre Vivemos esperando – Dias melhores pra sempre"
Talvez, estivesse sonhando, mas alguma coisa teria de acontecer. O que não podia mais era ficar na mesmice. Pelo menos nisso Hermione tinha razão. Afinal de contas, era uma Grifinória. Se abrir a chaga e expô-la à dor aguda fizesse com que melhorasse de vez, então que fosse. Pelo menos, não passaria mais os dias pensando no que jamais poderia ter, e levasse uma vida mais feliz.
"Dias melhores pra sempre Dias melhores pra sempre Dias melhores pra sempre"
*****
Sentado de frente à lareira do sobrado onde morava, ele mirava vagamente o fogo crepitante. As labaredas dançavam alegremente em meio às cinzas e ao carvão vermelho. A caneca fumegante de café jazia ao seu lado, os papéis do Ministério espalhados no chão. Mas isso não importava. Não via que o café manchava o tapete roído pelas traças. Contemplava o fogo e se lembrava dos cabelos flamejantes de Ginny, de seus lábios rosados e doces, que somente uma vez tivera coragem de provar.
Tinha se mostrado um fracasso total: estava cansado, sujo, suado, e muito mal-humorado, porque tinha acabado de cruzar com Malfoy, que soltava piadinhas cruéis sobre ele e Parvati, gabando-se de ter sido aceito – quando na verdade isso ainda não havia acontecido – para ser o acompanhante de Ginny ao Baile de Formatura. Agora, nunca conseguiria dizer a ela que a achava maravilhosa. Embebedara-se com duas ou três doses de uísque de fogo para esquecer. A bebida ainda ardia na garganta quando cruzou o caminho da ruiva e, sem falar nada, tropeçando, completamente bêbado, havia se agarrado aos seus finos braços como se fossem tábuas de salvação da situação que vivia, e havia colado seus lábios aos dela num beijo desajeitado e breve, para depois sair andando e, na esquina do corredor, tropeçar e rachar a testa na parede. Madame Pomfrey havia ajudado a curar sua bebedeira, é claro, e, se não fosse por Dobby, jamais teria conseguido ir para a Ala Hospitalar sem fazer alarde. Nenhum remédio ou poção, porém, seria capaz de tirar de sua memória a suavidade e a maciez que havia sentido ao entrar em contato com os lábios rosados de Ginny, e tampouco foram capazes de fazê-lo esquecer do perfume de rosas que ela emanava da pele alva e lisa.
-- Amor, você vai ficar aí?
Que coisa, não conseguia um minuto de paz. Lá vinha ela ajeitar o vaso na mesa, recolhendo os papéis do chão, limpando o café do tapete, murmurando Scourfigy! a cada sujeirinha que via, sempre muito eficiente. – Você quer que eu prepare o seu banho?
-- Não, Parvati, pode ir dormir. Você também deve estar cansada do trabalho na livraria. – Descruzou as pernas e, apoiando sua mão no braço da poltrona, ajeitou-se mais confortavelmente.
-- Querido, ler para crianças não é um trabalho extenuante – rRetrucou, sorrindo. – Mas investigar o contrabando de poções romenas ilegais para cá deve deixá-lo exausto.
Harry assoprou: -- Tudo o que eu preciso, Parvati, é de paz para colocar os meus pensamentos em ordem.
-- Eu sei no que você está pensando. Está calado há dias. Acha que eu não sei, que eu não percebi o jeito como você folheia aquele seu maldito álbum de fotografias e pára na foto dela? Harry, você não percebe que ela não te ama como eu amo e que ela não pode te oferecer o que eu te ofereço agora? – cColocou a mão no ombro dele, mas o rapaz se levantou de chofre e a encarou:
-- Nunca, nunca queira saber o que eu penso, porque você sequer vai alcançar a profundidade dos problemas que enfrento – aAtacou. – E, quanto à Ginny, você teria de melhorar muito na vida pra ser tudo o que ela é.
Parvati olhou-o com mágoa e rancor, os olhos parecendo fendas: -- Mas é comigo que você vai se casar, Harry Potter.
-- Deus e você sabem o porquê, Parvati Patil. – Seu ar era cansado e o tom de voz denotava frustração: -- E, antes que eu enlouqueça, vou à Toca. Aproveite para descansar você. Não sei se volto hoje. – E, por estar muito cansado para se concentrar, jogou Pó de Flu na lareira, guardando os óculos no bolso da calça e entrando nas chamas saltitantes, gritou A Toca! e sumiu, enquanto Parvati bradava: -- Vai, pode ir! Já vai tarde! Ela não vai estar por lá, mesmo!
*****
Estava de volta à Rua Falls. Ali era o seu lugar – um lugarzinho simples e precário, tinha de admitir, mas era seu e ninguém a poderia tirar de lá, a menos que quisesse.
Esquentou a água para o banho, encheu a banheira pequena de ágata que possuía, e mergulhou na água tépida, molhando os cabelos e apoiando sua cabeça na curva da banheira. Domingo à noite era um dia maravilhoso para fazer "nada" além de descansar, já que estava livre de suas tarefas mais urgentes. Havia sido exatamente isso ao que havia se dedicado desde que enxugara mais lágrimas ao sair de sob a árvore que margeava o lago de Hogwarts: acordara tarde, vagueara pelas alamedas de Hogsmeade, parara na Madame Puddifoot para tomar um café com creme e canela, e comprara suprimentos para trabalho – três rolos de pergaminho e um novo vidro de tinta vermelha. A sua sempre acabava tão rápido! Então, passara somente na frente do Três Vassouras e acenara rapidamente para Madame Rosmerta, enquanto se dirigia a uma esquina e finalmente desaparatara com seu material e sua mala de viagem.
Estava pensando em como se arrumar para ir ao Três Vassouras no sábado seguinte. Vestido vermelho? Decididamente não. Seria à tarde, e ela já havia usado essa cor naquela desastrosa noite do Baile. Não estava com vontade de repetir a dose. Não poderia usar dourado, tampouco, ou qualquer outra cor desse gênero. Ao mesmo tempo, devia estar elegante e fazer com que Malfoy não se arrependesse de andar ao seu lado. Por isso, gastaria nem que fosse seu último sicle de economia para estar à altura dele e para parecer uma rainha... eE humilhar Parvati. Ah, Deus! Como seria bom que todos a olhassem e a achassem magnífica! Seria um consolo.
Ginny continuou imaginando. Entrementes, a água esfriava, e ela só sentiu o arrepio quando uma coruja-das-torres bateu à janela. Enrolou-se na toalha e a abriu para que ela entrasse. Brrrr! Como estava esfriando! Apanhou o pergaminho, pagou ao animal e o libertou. Sentando-se na cama, abriu-o:
Querida Ginny,
Aqui está o artigo revisado. Excelente, como sempre. Duas ou três expressões foram mexidas, mas seu português está melhorando a olhos vistos! Um beijo e boa sorte na Academia! Diga à Professora Murtinho que mando um grande abraço para ela.
Com amor,
Fernanda
Sorriu, satisfeita. Fernanda era sempre tão gentil, tão prestativa e tão eficiente! Trabalhara no final de semana para que ela não atrasasse o envio do material. Por isso, não se demorou a deitar e adormecer, para que pudesse enviar o artigo o mais cedo possível. Seus olhos se fecharam, mas sua mente voou para mundos imaginários perfeitos, nos quais ela se via como a senhora de um castelo cujo rei era seu amado Harry. Porque, ainda que ninguém soubesse, aquele tipo de exercício noturno era o que aquecia os seus dias e a levava a viver mais outro dia, e era sempre daquele jeito, voando alto sem vassoura, que adormecia mais tranqüila e um pouco feliz.
Na manhã seguinte, Ginny acordou antes que o sol raiasse e, ainda em jejum, saiu pelas ruas do subúrbio londrino e adentrou aquelas ruas estreitas e acabadas, velhas conhecidas suas, até que chegasse à cabine telefônica vermelha de vidros quebrados e empoeirados. Entrou, fechou a porta e digitou os números que sabia de cor, até que finalmente ouviu a voz suave ecoar dentro da cabine:
-- Bem-vinda ao Ministério da Magia. Por favor, informe o seu nome e o objetivo de sua visita.
Com a voz segura e firme, respondeu: -- Virginia Weasley, entrega de material acadêmico para envio internacional. – E, pela fenda de onde deveriam sair moedas, foi expelido um broche dourado com a inscrição "Virginia Weasley, entrega de material acadêmico", que ela logo pregou sobre as vestes marrons. Em seguida, viu a luz do dia que nascia se extinguir, seguida pelo breu e pela luz ofuscante do saguão do Ministério, cujo centro ainda era enfeitado por uma fonte, embora já não fosse a de Brethren. Bom, pelo menos, pensou, se eu for rápida, não haverá porquê alguém me segurar aqui dentro, e eu irei embora antes que o veja.
Atravessou o saguão, deixou sua varinha com Eric, e entrou no elevador, fechando os portões. A mesma voz de mulher disse, quando chegou ao andar desejado: -- Nível Dois, Departamento de Execução das Leis de Magia, que inclui a Seção de Controle do Uso Indevido da Magia, o Quartel- General dos Aurores e os Serviços Administrativos da Suprema Corte dos Bruxos.
Ginny saiu sorrateira, olhando para os lados. Era urgente que comprasse uma coruja. Não podia ficar fazendo essas loucuras e se arriscar a esse ponto só para poder usar o Pig. Não podia, também, pensar em ver seu pai, porque ele certamente reclamaria que ela não aparecia há pelo menos dois meses na Toca, e a levaria para lá. O jeito que ela via de economizar era mesmo deixando o pergaminho endereçado sobre a mesa de Ron e rezar para que ele o remetesse logo. Encontrando o cubículo no qual se lia à porta "Quartel-general dos Aurores", entrou pé ante pé e depositou o rolo sobre a mesa de seu irmão, sempre bagunçada. Balançou a cabeça; não sei como a Mione ainda consegue ficar com ele, e riu-se.
Já havia conseguido escapar de outros bruxos e de seu pai, que ainda não havia chegado, e estava no Átrio pegando sua varinha de volta quando ouviu atrás de si a conhecida voz pastosa: -- Ora, ora, quem eu vejo por aqui... Quando você vai poder ter uma coruja, Weasley? E quando vai parar de usar o elevador para trouxas e incompetentes?
A moça se virou e encarou um Malfoy cansado, um tanto quanto desalinhado mas, mesmo assim, com uma expressão de desdém e de cinismo no rosto charmoso. – Malfoy. Eu devia saber. O que faz aqui a essa hora?
-- Se eu fosse uma nulidade, perguntaria a mesma coisa para você. – E, baixando a voz: -- Não é prudente fazer isso às vésperas de sábado, dona Virginia. Você podia ter levado o artigo para Hogwarts ou para aquela intragável sabe-tudo mandar para você.
Sua resposta hesitava: -- Eu... não pensei nisso.
-- Isso – retrucou o sonserino -- É evidente. Mas arquitetar e prever danos nunca foi o forte dos grifinórios.
-- Agora, você está exagerando. Ademais, que história é essa de me espionar aqui dentro?
-- Primeiro, eu passei a noite aqui, trabalhando. Segundo, quem deve estar aqui sou eu, e não você. Terceiro, ainda bem que tem alguém que cuida para que suas besteiras não sejam ainda maiores. Agora vamos andando, que daqui a pouco essas lareiras estarão impossíveis.
-- Para onde vamos? – perguntou ela, quando ele já a guiava pelo braço, enquanto o bruxo que guardava varinhas testemunhava, estupefato, o diálogo deles. E, virando-se para o homem: -- Ah, antes que eu me esqueça: Obliviate! Estupore!
-- Draco!
-- Não quero que ninguém saia por aí fofocando a nosso respeito... Não antes da hora certa... – e sorriu um meio-sorriso de antecipação. – Vamos, que eu te levo pro Beco Diagonal.
-- O que vamos fazer lá a esta hora da manhã, posso saber?
-- O que você acha? Passar na loja de animais, para acabar com esta palhaçada de sair por aí se arriscando. – E antepondo-se ao protesto da moça: -- Sshhh, nem um piu, moça. Encare como um presente.
-- Eu não preciso de presentes vindos de você, Malfoy!
Os olhos do rapaz faiscaram: -- Não se faça de insolente, Virginia Weasley. Sabe que precisa de uma coruja, ao menos, para poder trabalhar. Se não quiser como presente, depois você me paga. Mas você vai pegar uma, nem que eu tenha de enfiar goela abaixo! Vamos, que o Caldeirão Furado já está perto. Entre muda e saia calada, ouviu?
-- E quem é você pra me dar ordens?
Draco bufou: -- Isso não é uma ordem, mas uma recomendação. Achei que soubesse a diferença, Weasley, mas vejo que são todos iguais, mesmo.
-- Sem essa de humilhar minha família, Draco Malfoy! A sua nunca prestou e nem todo o dinheiro que você tem pode me fazer pensar o contrário! Veja só o seu p...
-- Nunca mencione esse homem de novo, Virginia. Nunca, ouviu bem? – ela não sabia o quanto doía para ele ser filho de quem era. Olhou para a expressão de mal-humor de Ginny e continuou: -- Agora, entra aí, atravessa e me espera do lado da parede de pedra.
Quando Draco apareceu ao lado dela, Ginny perguntou: -- O que você fez?
-- Nada que te interessa.
-- Pára de ser grosso comigo!
-- Então não faça perguntas que não te dizem respeito – e bateu com a varinha nos tijolos de pedra. O quebra-cabeça se movia magicamente enquanto uma ruiva aborrecidíssima se recusava a encará-lo.
Foi com a voz mais branda que Draco se dirigiu a ela, segurando-a pelos braços: -- Vamos, Ginny, não fique magoada comigo. Só não quero que ninguém saiba que estivemos juntos; há olhos e ouvidos por toda parte, e eu tenho de me proteger e de protegê-la também, mas isto não implica você saber do que faço para que isso aconteça. Quanto menos você souber, melhor será para todos nós. É por isso que sou um Inominável. – Afagou os braços dela, que relaxava aos poucos. Em seguida, agitou a varinha sobre sua cabeça, sem aviso, e a desiludiu. Ginny sentiu como se um ovo gelado se quebrasse sobre sua cabeça, e tomou a textura e a cor do que quer que se encontrasse por detrás dela. – Agora, vamos para a loja de animais.
O sol despertara por completo, embora o dia fosse branco, como todos os outros. Caminhando em silêncio ao seu lado, Draco conversava como se falasse sozinho. – Dia branco... Fresco aqui fora, que coisa boa. Nada como poder dar um passeio de vez em quando. – E, para a senhora que atendia atrás do balcão da loja de animais:
-- Quero uma boa coruja, que agüente longos trajetos.
-- Pois não, Sr. Malfoy. Temos uma que servirá perfeitamente aos seus propósitos. Essa coruja branca...
-- Nada disso. O que acha que sou, idiota? Veja para mim aquela ali da gaiola de cobre.
-- Sinto muito, Sr. Malfoy. Ela está reservada para o Sr. Boot e ele virá busc...
-- Não perguntei se está reservada ou não. Quero-a agora. Pago o triplo.
Ginny cochichou: -- Draco! Eu não tenho dinheiro! – mas só ouviu-o silenciá-la discretamente, com um aceno muito leve de cabeça, enquanto se dirigia à mulher do balcão: -- Pegue-a agora; tenho pressa.
-- Pois não, Sr. Malfoy.—Hesitando, a vendedora entregou-lhe a gaiola e murmurou: -- Nesse caso, são vinte e três galeões e cinco nuques, senhor.
-- Draco jogou desdenhosamente alguns galeões a mais sobre o balcão. -- Isso deve bastar para compensá-la pela perda de um cliente. E agora, se me der licença, estou muito ocupado.
-- Pois não, Sr. Malfoy; tenha um bom dia o senhor também --, mas o rapaz loiro já seguia adiante sem olhar para trás, seguido de uma moça invisível que estava encantada com o animal. Pararam à frente da sorveteria de Florean Fortescue.
-- Ah, Draco, quanto dinheiro! Estou desolada!
-- Você sabe que isso não é nada, Ginny. Não espero que me devolva. É um presente que será útil para você, acredite. E vê se pára de ficar amolando aquele babaca do seu irmão e de confiar numa coruja tão pequena e desesperada como aquele idiota do Pidwijin para fazer suas remessas.
-- É Pigwidgeon! – ela protestou.
-- Pouco se me dá. – E esticou o rolo de pergaminho contendo o artigo para a Academia Brasileira de Magia e Bruxaria. – Toma. Pode mandar.
Ela estava assombrada: -- Mas... Eu coloquei na mesa do Ron!
-- E você acha que eu não vi e não peguei? Não quero que saibam que você esteve por lá. Vamos, mande logo esse artigo. – E, vendo a expressão de protesto dela, adiantou-se: -- Não preciso ser gênio pra saber o que é isso, Ginny. Anda, que está de dia e não posso parecer bobo falando sozinho!
Uma vez decidida a aceitar o presente, Ginny respondeu: -- Tudo bem, dessa vez eu aceito porque você tem razão-
-- Eu sempre tenho razão, Weasley --, ele retrucou.
Ela continuou, ignorando o comentário convencido: -- Mas não pense que vai me comprar, Malfoy. – E virando-se para a coruja: -- Poxa, você é muito bonita! O seu nome, qual será?
-- Anda logo com isso!
-- Já vou! Ah, já sei! Que tal Pennelope? – A coruja deu uma bicadinha carinhosa em seu dedo. -- Sim! E eu a chamarei de Penny! Minha linda coruja dourada e marrom! Quem não vai gostar nada é o Percy... – E riu-se, ao lembrar da Srta. Clearwater. E, respondendo à impaciência do rapaz: -- Sim, Draco, já vou, já vou! Toma aqui, leve a sua primeira encomenda e volte para mim. Terei saudade! Vá! – E observou o ponto meio dourado sumir no céu nublado.
Draco estava agitado. – Já não era sem tempo. Quanta frescura para um bicho!
-- É por essas coisas que eu me convenço que não vale a pena ficar com você, Malfoy. – Ele se mexeu, incomodado, e devolveu: -- De qualquer modo, aqui estamos nós. – Estendeu-lhe uma chave de portal e disse: vamos, pegue-a para voltar àquela mansarda que você chama de casa. Lá, eu desiludo você.
Ginny sentiu o puxão no umbigo e tudo rodopiar à sua volta no momento em que encostou o dedo na moeda de ouro. Seu ombro se entrechocava com o de Draco e, então, caiu de joelhos no chão de seu apartamento. Draco se levantou, ajeitou o cabelo e as vestes e disse:
-- Eu ainda insisto que isso aqui é um horror, Ginny. Não é pra você. Definitivamente.
-- É, só que eu não tenho dinheiro para nada melhor, e já te falei que não vou aceitar nada de você – bem, fora a Penny. E agora, faça-me o favor de me fazer voltar ao normal.
O rapaz bateu com a varinha em sua cabeça e ela se sentiu invadida por uma deliciosa sensação de morno torpor. – Vou indo. Eu te pego aqui às três da tarde, no sábado. Esteja pronta. E Ginny – Draco se voltou para ela – Veja lá o que vai usar, se quiser impressionar a todos. – E desapareceu.
-- Não tenho pensado em outra coisa, Draco --, murmurou a si mesma, sentando-se na beirada da cama desfeita.
Olhou resignada para a escrivaninha, e só então se deu conta de que ainda não havia aberto o envelope que havia chegado da Academia e que Mione havia entregado no sábado. Abriu-o enquanto tomava um copo de suco de abóbora – a primeira coisa que tomava no dia --, e sua boca entreabriu-se à medida que lia a mensagem:
Ilma. Srta. Virginia Weasley, A/C Srta. Hermione Granger Ministério da Magia Londres – GB
Academia Brasileira de Magia e Bruxaria, 18 de outubro.
Cara Virginia,
É com grande prazer que vimos informá-la de que seus artigos têm sido de grande valia para nossos cursos e para o aperfeiçoamento de nosso currículo acadêmico. Os alunos têm tirado grande proveito de seus ensinamentos, bem como nós do corpo docente temos nos valido de suas sugestões para tornar as aulas mais atrativas e mais substanciais em áreas que pouco conhecemos, tais como a de poções cujos ingredientes não sejam os de nosso território. Assim, como forma de agradecimento e de reconhecimento de sua valiosa contribuição para esta instituição de ensino, nós a convidamos a integrar permanentemente o corpo docente desta Academia como professora adjunta. Sua tarefa se resumirá a contribuir com pesquisa e produção de textos para nossa escola, bem como com revisão dos textos para envio aos Estados Unidos e à Grã-Bretanha, além de comparecer, a cada trimestre, para reunião geral do corpo docente e planejamento das próximas atividades e eventos acadêmicos.
Inicialmente, podemos oferecer-lhe apenas a quantia simbólica de duzentos e cinqüenta e cinco galeões e o convite para permanecer em nossa escola quando de suas visitas, mas isso poderá mudar de acordo com seu desempenho e com a ampliação do número de publicações em nosso país. Quanto às suas referências, sabemos serem as mais confiáveis e completas.
Esperamos, então, que aceite o convite e forneça o número de seu cofre no Banco Grigots para depósito imediato de seu salário de contratação, e nos informe via coruja quando poderá agendar conosco sua primeira visita.
Informamos, finalmente, que seu artigo sobre as propriedades da poção de murtisco constará nos anais como sua primeira colaboração como professora de nossa Academia, caso aceite o cargo. Sem mais, aguardamos ansiosamente sua resposta e despedimo-nos
cordialmente,
Profa. Silvia Maria Batira Diretora
-- Minha nossa! – foi a única coisa que conseguiu pronunciar antes de desabar na cama, eufórica. Nem vinte e quatro anos completos, e agora isso! Que maravilha! Era melhor do que ser monitora-chefe, ou do que ser apanhadora da Grifinória. Era um emprego com um salário substancial, que permitiria que se mudasse dali para um lugar melhor, além da chance de viajar e de ajudar seus pais!
Pulou de alegria, respirou fundo, sentou-se à escrivaninha e respondeu à carta, dizendo que estaria no Brasil ainda em dezembro para uma rápida visita à escola, e que o número de seu cofre no Gringots era 873. Agora, era só esperar Penny retornar que, logo em seguida, despacharia o pergaminho à Academia. Quem sabe um dia ainda publicasse na Editora Little Red Books? Entrementes, sorrindo bobamente, mirando-se no espelho, encarou com mais otimismo a idéia de aparecer ao lado de Draco Malfoy no próximo sábado, já definindo de que forma ela seria vista por todos.
Sem que ela sequer suspeitasse, o plano de Malfoy havia dado certo até aquele momento e, ao observá-la por debaixo de uma capa de invisibilidade, sorria satisfeito consigo mesmo, antes de desaparatar de fato, causando um estalo que foi estranhado pela ruiva.
*****
Nota da autora: Quero pedir desculpas pela demora no término do terceiro capítulo. Andei muito ocupada com o trabalho, e dei uma parada só para poder postar no 3 Vassouras, que eu adoro! Por isso, quero também agradecer aos leitores que me mandaram os reviews, à minha beta, Diana; à Pichi e à comissão organizadora do site, que têm se dedicado imensamente para que possamos mantê-lo no ar! E aguardem, já estou escrevendo o quarto capítulo!
Disclaimer: Simples e rápido: personagens de J.K. Rowling, exceto Marina Murtinho, Fernanda Melfontes e Silvia Maria Batira, aqui utilizadas para fins de entretenimento sem ligação à autora ou a quaisquer órgãos e/ou empresas a ela ligados. Não há lucro gerado com isso. Contém spoilers de Harry Potter e a Ordem da Fênix. A canção que inspira este capítulo é "Dias Melhores", de Jota Quest.
Capítulo 3 – Os dias que antecedem
Foi com um susto que se deu conta da presença de Hermione. Esta, apesar da sutileza para chamar a sua atenção, acabou por fazer com que ela pulasse do banco de madeira, causando um estrondo que mereceu um olhar feio e um "psiu!" de Madame Pince.
-- Chegou uma correspondência da Academia Brasileira para você, Ginny. Toma – e a moça de cabelos castanhos dourados lhe estendeu o pergaminho enquanto se sentava ao seu lado. Ao ver que ela não fez menção de abri-lo, perguntou: -- Ué, não quer saber do que se trata?
-- Não agora. Estou ocupada. Você sabe, ando correndo contra o tempo para entregar o artigo sobre as propriedades do murtisco dentro do prazo para a Professora Marina Murtinho, de Poções, para poder fechar o número 10 do periódico deles. Quisera eu ter um daqueles vira-tempos que vimos no Ministério da Magia, agora... – e olhou para a grande ampulheta que descansava sobre a escrivaninha da bibliotecária.
Hermione tentou uma idéia: -- Você pode pedir ajuda ao Harry. Ele pode descrever com perfeição os milagres que uma poção de murtisco que eu preparei para ele operou nos cortes causados por aquela maldita pena da Umbridge. – Sua amiga não respondeu. Deu uma olhada de esguelha para a ruiva, que fingia estar concentrada na consulta ao Moste Potente Potions. Resolveu insistir: -- Sabe, isso agilizaria o seu trabalho, você está há dias internada nesta esc...
O barulho do livro bruscamente fechado atraiu mais um olhar de advertência de Madame Pince.
-- Olha, Mione, eu agradeço pela ajuda, mas não quero fazer isso porque... pPorque... pPorque o trabalho não seria meu -- concluiu de forma pouco convincente. E, para tentar soar natural e firme, acrescentou: -- Afinal, é você mesma que disse que devemos fazer por merecer. Quero ganhar o meu dinheiro honestamente!
-- Ah, sem essa, Ginny! Pedir ajuda faz parte da coisa toda, várias pessoas aprendem assim, sabia? Além do mais, se você não fosse tão cabeça- dura como o seu irmão, já teria desistido da sua idéia de desprezar o Harry!
Foi a vez de Ginny argumentar: -- Eu não sei do quê você está falando. Você sabe que eu estarei no Três Vassouras daqui a uma semana, Mione – e um tremor imperceptível da voz denunciou a si mesma que ainda não se encontrava pronta como gostaria. Voltou a remexer suas anotações, como se buscasse algo, somente para manter as mãos ocupadas.
O silêncio que antecedeu a afirmação de Hermione tornou a frase ainda mais séria: -- Não para mim, Ginny. Guarde sua atuação para o dia 25. Você vai precisar dela, sabemos disso. – E, colocando as mãos da ruiva entre as suas, apertou- as levemente e sussurrou, otimista: -- Dias melhores raiarão para você minha amiga.
"Vivemos esperando dias melhores
Dias de paz, dias a mais
Dias que não deixaremos para trás"
Depositou um beijo na bochecha sardenta de Ginny e disse: -- Até a semana que vem. Se precisar, apareça ou mande uma coruja, se já estiver longe daqui. Vou almoçar e voltar à sala da Professora McGonagall; ela me aguarda para uma reunião no início da tarde. – Já estava se virando para sair quando se voltou e perguntou num tom casual: -- A propósito, você não me disse quem vai levar ao Três Vassouras.
-- Tchau, Hermione -- e, com um sorriso tranqüilo, voltou sua atenção às suas coisas, dispensando-a eficientemente.
Hermione saiu, mas carregou consigo, ao que parecia, não só a fome dela, mas a atenção sua atenção para o trabalho. Guardou suas anotações no material e tirou da bolsa o diário de capa de couro vermelho monogramado na frente com o VW na margem inferior. Molhando a pena na tinta marrom, abriu- o e escreveu.
Ainda em Hogwarts, enfurnada na biblioteca -- como se eu não gostasse disso! Mas o que eu não suporto mesmo é quando Mione tem razão. Saiu daqui há pouco e levou minha paz falseada consigo. Que droga, não dá sequer para disfarçar minha dor sem que ninguém interfira? Nem o trabalho sustenta meus dias. Eu me alimento, trabalho, venho para cá, pesquiso, vou para a beira do lago, mas nada demove o sentimento de angústia do meu peito, e isso me aperta, me faz suspirar e temer os dias que virão. Até a Murta veio me dar sermão, veja só! Disse que ando gemendo mais do que ela, e que não posso me dar a esse luxo, já que posso resolver meus problemas, uma vez que ainda estou viva. As coisas vão muito bem, se uma Murta está em condições de me aconselhar! Já não bastam os vivos?
Devolvendo a pena ao tinteiro, olhou para a janela alta ao lado e olhou para o dia branco. Os fracos raios do sol brincavam timidamente no lago, e a lula gigante esparramava-se preguiçosa à margem, próxima à árvore. O problema de se viver muitos anos no mesmo lugar, pensou, é que as pessoas passam a te conhecer tão bem que se acham no direito de julgar o modo como você escolhe levar a sua vida. Bem, não adiantava ficar se lamentando pelo que não conseguia esconder. O jeito seria trabalhar melhor seu modo de agir e direcionar sua atenção para outras coisas.
"Vivemos esperando
O dia em que seremos melhores
Melhores no amor, Melhores na dor – Melhores em tudo"
Melhorar mais ainda, atingir a perfeição no que fazia era um objetivo perseguido com obsessão por Ginny. Por isso, decidiu enfurnar-se mais ao fundo da biblioteca, na área restrita, para tentar terminar o artigo. O que era mesmo aquela cor lilás relacionada ao animal? Voltou ao seu antigo Fantastic Animals & Where to Find Them, para ler um resumo das características do murtisco. Isso serviria para auxiliá-la numa escrita mais simples e mais direta, pois o artigo se dirigia também aos alunos da Academia e não somente aos professores. Quanto ao seu português... Lamentável, é o que poderia dizer. Teria de pedir para sua amiga Fernanda Melfontes para revisá-lo. Fernanda estava morando em Londres há cerca de um ano e meio, para um estágio no Gringots. Era bastante requisitada por saber de muitas falcatruas e feitiços de criação brasileira que os bruxos utilizavam para lograr o banco, uma vez que se especializara em Defesa contra as Artes das Trevas e em Feitiços na Academia Brasileira. Mais um contato útil de Mione. Na verdade, devia muito à amiga de infância, ainda que ficasse brava com sua intromissão. Não ousava segredar-lhe que Malfoy iria com ela ao Três Vassouras, pois sabia que a isso se seguiria um sermão e a fala assustada acompanhada do olhar de choque da amiga, perguntando-lhe se não endoidecera de vez. Bem, ela mesma se tinha perguntado se não estava mesmo maluca, mas seu coração dizia que não. Apesar de arrogante e até mesmo antipático, Draco não era nada disso quando se tratava dela. Sentia- se mal em abusar da (rara) boa-vontade do rapaz, e sabia que ele fazia isso porque gostava muito dela. Parecia-lhe, de certa forma, que o estava usando para alcançar seus objetivos, mas se ele aceitava, mesmo sabendo que ela não o amava, então não devia se sentir tão culpada assim. Sabia que, no fundo, a idéia de causar frisson em todos os presentes ao acompanhar a garota também era algo que o agradava e que ele antevia com prazer.
Já havia anoitecido quando largou a pena, satisfeita consigo mesma. Dois rolos de pergaminho de um metro cada, com sua caligrafia fina e miúda eram mais do que suficientes. Enrolou-os, escreveu o nome da destinatária e dirigiu-se ao corujal para enviar o artigo à amiga brasileira. Amarrando o pergaminho na perna de uma coruja-das-torres, recomendou-lhe que fosse diretamente a Londres e encontrasse Fernanda no serviço, e somente então se dirigiu para o lago.
A tarde ia a meio quando se sentou sob a volumosa copa da árvore para descansar. Conjurou um pedaço de torta de rim de porco e uma taça de suco de abóbora. Sentia-se, finalmente, faminta, mas era sempre assim: só conseguia descansar, sentir fome ou baixar a guarda quando terminava de honrar seus compromissos. Agora, era com a Fernanda e, depois... Depois, nem sabia o que fazer. Sabia que teria de enfrentar a realidade e se preparar para a grande tarde na "agradável" companhia de Harry e das Patil – de Parvati, para ser exata. Tinha de escolher o vestido, os sapatos, decidir o que fazer com aquelas mechas flamejantes que tinha no lugar dos cabelos e, é claro, decidir o que fazer para deixar aquele rosto sem-graça e coalhado de sardas em algo desejável. Oh, não! Não havia pensado isso. Que se dane!, pensou em seguida. Se não era bonita, feia também não era.
Aproximando-se das águas profundas, mirou-se no reflexo. Alguns raios fracos da tarde ainda batiam nas leves ondas que o vento frio fazia nas águas, e a imagem que apareceu era turva. Mesmo assim, achava que a face refletida naquele azul escuro era bonita. Bom, pelo menos, Draco gostava, e Dean também havia gostado, assim como Michael. Só Potter é que não.
Na verdade, não sabia bem o que pensar disso. Lembrava-se da única vez em que o rapaz, quando ainda era um adolescente, dissera-lhe que ela era bonita. Tinha sido numa tarde como aquela, embora estivessem entrando na biblioteca. Ron a estava criticando por não sair com Neville, que estava sem par para o Baile de Inverno dos sextanistas:
– Mas se você já saiu com ele antes, Ginny, não vejo qual é o probl... --, quando, surpreendentemente, surgiu uma voz por trás de sua nuca e respondeu para seu irmão: -- Ron, larga a mão de ser chato. Se a Ginny não quer ir com o Neville, é porque ela já deve ter um par!
-- Não tenho, não, – havia murmurado, entre os livros e os cabelos lisos que escorriam pelos lados de seu rosto, cobrindo seu semblante sem que Harry a visse direito. – Eu não fui convidada por ninguém, e nem Neville me chamou, Ron. Você é que está enchendo.
-- Eu, enchendo?! – bBradou seu irmão no corredor. – Você reclama de estar sozinha e diz que não quer acompanhar o Neville! Estou te fazendo um favor!
Com o rosto afogueado, levantou seu queixo e desafiou seu irmão: -- Duvido que você consiga algo melhor para você! Mione já está cheia dessa sua falta de sensibilidade! Não precisa ficar me lembrando a toda hora que eu sou feia e desajeitada!
-- Não fala besteira, Ginny – foi o que, surpresa, ouviu Harry dizer. – Você nunca foi feia. Ehr... Ddesajeitada, talvez, mas nunca foi feia. – E, para o assombro de Ron e dela própria, completou com um assopro: -- Sempre te achei uma menina muito bonita. – E entraram na biblioteca. As orelhas de Ron, que sorria radiante, estavam vermelhas, mas ela tinha certeza de que seu rosto não estava escarlate, mas púrpura de vergonha.
Depois daquele dia, poucas foram aàs vezes em que ela havia estado realmente perto dele. É claro que sempre havia a sala comunal e que andava na companhia dele, de Hermione, de Ron, de Neville e de Luna – que se descobrira apaixonada não por seu irmão, mas por Neville, mas não estava junto do garoto. E, quando as coisas começaram realmente a se complicar para todos, e mesmo após todas aquelas mortes e desastres com a ascensão do poder de Voldemort – ela sempre conseguira pronunciar o seu nome --, não teve chance de chegar tão perto para uma conversa franca com ele. Covarde é o que tinha sido, até que, antes do Baile de Formatura dos setimanistas que eram seus veteranos e amigos, havia cruzado com Harry no corredor. Os boatos de que ele estava ficando com Parvati já corriam a escola, e ela se roia de ciúmes. Isso a impediu de interpretar melhor os olhares vagos no rosto sério de Harry, quando estava sentado à frente do xadrez de bruxo, na poltrona vermelha da sala comunal. Mal sabia ela que ele não a olhava como a irmã de Ron, mas como alguém diferente, a quem estava passando a enxergar aos poucos. Ainda envenenada pelas palavras de Lavender, acreditava na versão de que Harry a havia beijado uma única vez como prêmio de consolação, antes do baile. Obviamente, aquilo havia gerado fofocas que correram como fogo em meio à campina seca, e por isso Draco havia acreditado que Harry havia "ficado" com ela.
Não podia se lembrar daquele dia. Definitivamente. Ele estava cansado, exausto, mal-humorado... eE embriagado. Era humilhação demais. Achava que não poderia suportar mais do que aquilo, mas quando ele não a defendeu do beijo de Malfoy, foi o fim.
Depois daquilo, os dias se seguiram iguais, um após o outro, dias de tristeza, de afastamento e de dor constante. Dias iguais e a mais, sem que nada mudasse – até que aquela maldita carta chegasse à sua casa e fizesse com que ela ficasse esperando por uma nova oportunidade.
"Vivemos esperando O dia em que seremos para sempre Vivemos esperando – Dias melhores pra sempre"
Talvez, estivesse sonhando, mas alguma coisa teria de acontecer. O que não podia mais era ficar na mesmice. Pelo menos nisso Hermione tinha razão. Afinal de contas, era uma Grifinória. Se abrir a chaga e expô-la à dor aguda fizesse com que melhorasse de vez, então que fosse. Pelo menos, não passaria mais os dias pensando no que jamais poderia ter, e levasse uma vida mais feliz.
"Dias melhores pra sempre Dias melhores pra sempre Dias melhores pra sempre"
*****
Sentado de frente à lareira do sobrado onde morava, ele mirava vagamente o fogo crepitante. As labaredas dançavam alegremente em meio às cinzas e ao carvão vermelho. A caneca fumegante de café jazia ao seu lado, os papéis do Ministério espalhados no chão. Mas isso não importava. Não via que o café manchava o tapete roído pelas traças. Contemplava o fogo e se lembrava dos cabelos flamejantes de Ginny, de seus lábios rosados e doces, que somente uma vez tivera coragem de provar.
Tinha se mostrado um fracasso total: estava cansado, sujo, suado, e muito mal-humorado, porque tinha acabado de cruzar com Malfoy, que soltava piadinhas cruéis sobre ele e Parvati, gabando-se de ter sido aceito – quando na verdade isso ainda não havia acontecido – para ser o acompanhante de Ginny ao Baile de Formatura. Agora, nunca conseguiria dizer a ela que a achava maravilhosa. Embebedara-se com duas ou três doses de uísque de fogo para esquecer. A bebida ainda ardia na garganta quando cruzou o caminho da ruiva e, sem falar nada, tropeçando, completamente bêbado, havia se agarrado aos seus finos braços como se fossem tábuas de salvação da situação que vivia, e havia colado seus lábios aos dela num beijo desajeitado e breve, para depois sair andando e, na esquina do corredor, tropeçar e rachar a testa na parede. Madame Pomfrey havia ajudado a curar sua bebedeira, é claro, e, se não fosse por Dobby, jamais teria conseguido ir para a Ala Hospitalar sem fazer alarde. Nenhum remédio ou poção, porém, seria capaz de tirar de sua memória a suavidade e a maciez que havia sentido ao entrar em contato com os lábios rosados de Ginny, e tampouco foram capazes de fazê-lo esquecer do perfume de rosas que ela emanava da pele alva e lisa.
-- Amor, você vai ficar aí?
Que coisa, não conseguia um minuto de paz. Lá vinha ela ajeitar o vaso na mesa, recolhendo os papéis do chão, limpando o café do tapete, murmurando Scourfigy! a cada sujeirinha que via, sempre muito eficiente. – Você quer que eu prepare o seu banho?
-- Não, Parvati, pode ir dormir. Você também deve estar cansada do trabalho na livraria. – Descruzou as pernas e, apoiando sua mão no braço da poltrona, ajeitou-se mais confortavelmente.
-- Querido, ler para crianças não é um trabalho extenuante – rRetrucou, sorrindo. – Mas investigar o contrabando de poções romenas ilegais para cá deve deixá-lo exausto.
Harry assoprou: -- Tudo o que eu preciso, Parvati, é de paz para colocar os meus pensamentos em ordem.
-- Eu sei no que você está pensando. Está calado há dias. Acha que eu não sei, que eu não percebi o jeito como você folheia aquele seu maldito álbum de fotografias e pára na foto dela? Harry, você não percebe que ela não te ama como eu amo e que ela não pode te oferecer o que eu te ofereço agora? – cColocou a mão no ombro dele, mas o rapaz se levantou de chofre e a encarou:
-- Nunca, nunca queira saber o que eu penso, porque você sequer vai alcançar a profundidade dos problemas que enfrento – aAtacou. – E, quanto à Ginny, você teria de melhorar muito na vida pra ser tudo o que ela é.
Parvati olhou-o com mágoa e rancor, os olhos parecendo fendas: -- Mas é comigo que você vai se casar, Harry Potter.
-- Deus e você sabem o porquê, Parvati Patil. – Seu ar era cansado e o tom de voz denotava frustração: -- E, antes que eu enlouqueça, vou à Toca. Aproveite para descansar você. Não sei se volto hoje. – E, por estar muito cansado para se concentrar, jogou Pó de Flu na lareira, guardando os óculos no bolso da calça e entrando nas chamas saltitantes, gritou A Toca! e sumiu, enquanto Parvati bradava: -- Vai, pode ir! Já vai tarde! Ela não vai estar por lá, mesmo!
*****
Estava de volta à Rua Falls. Ali era o seu lugar – um lugarzinho simples e precário, tinha de admitir, mas era seu e ninguém a poderia tirar de lá, a menos que quisesse.
Esquentou a água para o banho, encheu a banheira pequena de ágata que possuía, e mergulhou na água tépida, molhando os cabelos e apoiando sua cabeça na curva da banheira. Domingo à noite era um dia maravilhoso para fazer "nada" além de descansar, já que estava livre de suas tarefas mais urgentes. Havia sido exatamente isso ao que havia se dedicado desde que enxugara mais lágrimas ao sair de sob a árvore que margeava o lago de Hogwarts: acordara tarde, vagueara pelas alamedas de Hogsmeade, parara na Madame Puddifoot para tomar um café com creme e canela, e comprara suprimentos para trabalho – três rolos de pergaminho e um novo vidro de tinta vermelha. A sua sempre acabava tão rápido! Então, passara somente na frente do Três Vassouras e acenara rapidamente para Madame Rosmerta, enquanto se dirigia a uma esquina e finalmente desaparatara com seu material e sua mala de viagem.
Estava pensando em como se arrumar para ir ao Três Vassouras no sábado seguinte. Vestido vermelho? Decididamente não. Seria à tarde, e ela já havia usado essa cor naquela desastrosa noite do Baile. Não estava com vontade de repetir a dose. Não poderia usar dourado, tampouco, ou qualquer outra cor desse gênero. Ao mesmo tempo, devia estar elegante e fazer com que Malfoy não se arrependesse de andar ao seu lado. Por isso, gastaria nem que fosse seu último sicle de economia para estar à altura dele e para parecer uma rainha... eE humilhar Parvati. Ah, Deus! Como seria bom que todos a olhassem e a achassem magnífica! Seria um consolo.
Ginny continuou imaginando. Entrementes, a água esfriava, e ela só sentiu o arrepio quando uma coruja-das-torres bateu à janela. Enrolou-se na toalha e a abriu para que ela entrasse. Brrrr! Como estava esfriando! Apanhou o pergaminho, pagou ao animal e o libertou. Sentando-se na cama, abriu-o:
Querida Ginny,
Aqui está o artigo revisado. Excelente, como sempre. Duas ou três expressões foram mexidas, mas seu português está melhorando a olhos vistos! Um beijo e boa sorte na Academia! Diga à Professora Murtinho que mando um grande abraço para ela.
Com amor,
Fernanda
Sorriu, satisfeita. Fernanda era sempre tão gentil, tão prestativa e tão eficiente! Trabalhara no final de semana para que ela não atrasasse o envio do material. Por isso, não se demorou a deitar e adormecer, para que pudesse enviar o artigo o mais cedo possível. Seus olhos se fecharam, mas sua mente voou para mundos imaginários perfeitos, nos quais ela se via como a senhora de um castelo cujo rei era seu amado Harry. Porque, ainda que ninguém soubesse, aquele tipo de exercício noturno era o que aquecia os seus dias e a levava a viver mais outro dia, e era sempre daquele jeito, voando alto sem vassoura, que adormecia mais tranqüila e um pouco feliz.
Na manhã seguinte, Ginny acordou antes que o sol raiasse e, ainda em jejum, saiu pelas ruas do subúrbio londrino e adentrou aquelas ruas estreitas e acabadas, velhas conhecidas suas, até que chegasse à cabine telefônica vermelha de vidros quebrados e empoeirados. Entrou, fechou a porta e digitou os números que sabia de cor, até que finalmente ouviu a voz suave ecoar dentro da cabine:
-- Bem-vinda ao Ministério da Magia. Por favor, informe o seu nome e o objetivo de sua visita.
Com a voz segura e firme, respondeu: -- Virginia Weasley, entrega de material acadêmico para envio internacional. – E, pela fenda de onde deveriam sair moedas, foi expelido um broche dourado com a inscrição "Virginia Weasley, entrega de material acadêmico", que ela logo pregou sobre as vestes marrons. Em seguida, viu a luz do dia que nascia se extinguir, seguida pelo breu e pela luz ofuscante do saguão do Ministério, cujo centro ainda era enfeitado por uma fonte, embora já não fosse a de Brethren. Bom, pelo menos, pensou, se eu for rápida, não haverá porquê alguém me segurar aqui dentro, e eu irei embora antes que o veja.
Atravessou o saguão, deixou sua varinha com Eric, e entrou no elevador, fechando os portões. A mesma voz de mulher disse, quando chegou ao andar desejado: -- Nível Dois, Departamento de Execução das Leis de Magia, que inclui a Seção de Controle do Uso Indevido da Magia, o Quartel- General dos Aurores e os Serviços Administrativos da Suprema Corte dos Bruxos.
Ginny saiu sorrateira, olhando para os lados. Era urgente que comprasse uma coruja. Não podia ficar fazendo essas loucuras e se arriscar a esse ponto só para poder usar o Pig. Não podia, também, pensar em ver seu pai, porque ele certamente reclamaria que ela não aparecia há pelo menos dois meses na Toca, e a levaria para lá. O jeito que ela via de economizar era mesmo deixando o pergaminho endereçado sobre a mesa de Ron e rezar para que ele o remetesse logo. Encontrando o cubículo no qual se lia à porta "Quartel-general dos Aurores", entrou pé ante pé e depositou o rolo sobre a mesa de seu irmão, sempre bagunçada. Balançou a cabeça; não sei como a Mione ainda consegue ficar com ele, e riu-se.
Já havia conseguido escapar de outros bruxos e de seu pai, que ainda não havia chegado, e estava no Átrio pegando sua varinha de volta quando ouviu atrás de si a conhecida voz pastosa: -- Ora, ora, quem eu vejo por aqui... Quando você vai poder ter uma coruja, Weasley? E quando vai parar de usar o elevador para trouxas e incompetentes?
A moça se virou e encarou um Malfoy cansado, um tanto quanto desalinhado mas, mesmo assim, com uma expressão de desdém e de cinismo no rosto charmoso. – Malfoy. Eu devia saber. O que faz aqui a essa hora?
-- Se eu fosse uma nulidade, perguntaria a mesma coisa para você. – E, baixando a voz: -- Não é prudente fazer isso às vésperas de sábado, dona Virginia. Você podia ter levado o artigo para Hogwarts ou para aquela intragável sabe-tudo mandar para você.
Sua resposta hesitava: -- Eu... não pensei nisso.
-- Isso – retrucou o sonserino -- É evidente. Mas arquitetar e prever danos nunca foi o forte dos grifinórios.
-- Agora, você está exagerando. Ademais, que história é essa de me espionar aqui dentro?
-- Primeiro, eu passei a noite aqui, trabalhando. Segundo, quem deve estar aqui sou eu, e não você. Terceiro, ainda bem que tem alguém que cuida para que suas besteiras não sejam ainda maiores. Agora vamos andando, que daqui a pouco essas lareiras estarão impossíveis.
-- Para onde vamos? – perguntou ela, quando ele já a guiava pelo braço, enquanto o bruxo que guardava varinhas testemunhava, estupefato, o diálogo deles. E, virando-se para o homem: -- Ah, antes que eu me esqueça: Obliviate! Estupore!
-- Draco!
-- Não quero que ninguém saia por aí fofocando a nosso respeito... Não antes da hora certa... – e sorriu um meio-sorriso de antecipação. – Vamos, que eu te levo pro Beco Diagonal.
-- O que vamos fazer lá a esta hora da manhã, posso saber?
-- O que você acha? Passar na loja de animais, para acabar com esta palhaçada de sair por aí se arriscando. – E antepondo-se ao protesto da moça: -- Sshhh, nem um piu, moça. Encare como um presente.
-- Eu não preciso de presentes vindos de você, Malfoy!
Os olhos do rapaz faiscaram: -- Não se faça de insolente, Virginia Weasley. Sabe que precisa de uma coruja, ao menos, para poder trabalhar. Se não quiser como presente, depois você me paga. Mas você vai pegar uma, nem que eu tenha de enfiar goela abaixo! Vamos, que o Caldeirão Furado já está perto. Entre muda e saia calada, ouviu?
-- E quem é você pra me dar ordens?
Draco bufou: -- Isso não é uma ordem, mas uma recomendação. Achei que soubesse a diferença, Weasley, mas vejo que são todos iguais, mesmo.
-- Sem essa de humilhar minha família, Draco Malfoy! A sua nunca prestou e nem todo o dinheiro que você tem pode me fazer pensar o contrário! Veja só o seu p...
-- Nunca mencione esse homem de novo, Virginia. Nunca, ouviu bem? – ela não sabia o quanto doía para ele ser filho de quem era. Olhou para a expressão de mal-humor de Ginny e continuou: -- Agora, entra aí, atravessa e me espera do lado da parede de pedra.
Quando Draco apareceu ao lado dela, Ginny perguntou: -- O que você fez?
-- Nada que te interessa.
-- Pára de ser grosso comigo!
-- Então não faça perguntas que não te dizem respeito – e bateu com a varinha nos tijolos de pedra. O quebra-cabeça se movia magicamente enquanto uma ruiva aborrecidíssima se recusava a encará-lo.
Foi com a voz mais branda que Draco se dirigiu a ela, segurando-a pelos braços: -- Vamos, Ginny, não fique magoada comigo. Só não quero que ninguém saiba que estivemos juntos; há olhos e ouvidos por toda parte, e eu tenho de me proteger e de protegê-la também, mas isto não implica você saber do que faço para que isso aconteça. Quanto menos você souber, melhor será para todos nós. É por isso que sou um Inominável. – Afagou os braços dela, que relaxava aos poucos. Em seguida, agitou a varinha sobre sua cabeça, sem aviso, e a desiludiu. Ginny sentiu como se um ovo gelado se quebrasse sobre sua cabeça, e tomou a textura e a cor do que quer que se encontrasse por detrás dela. – Agora, vamos para a loja de animais.
O sol despertara por completo, embora o dia fosse branco, como todos os outros. Caminhando em silêncio ao seu lado, Draco conversava como se falasse sozinho. – Dia branco... Fresco aqui fora, que coisa boa. Nada como poder dar um passeio de vez em quando. – E, para a senhora que atendia atrás do balcão da loja de animais:
-- Quero uma boa coruja, que agüente longos trajetos.
-- Pois não, Sr. Malfoy. Temos uma que servirá perfeitamente aos seus propósitos. Essa coruja branca...
-- Nada disso. O que acha que sou, idiota? Veja para mim aquela ali da gaiola de cobre.
-- Sinto muito, Sr. Malfoy. Ela está reservada para o Sr. Boot e ele virá busc...
-- Não perguntei se está reservada ou não. Quero-a agora. Pago o triplo.
Ginny cochichou: -- Draco! Eu não tenho dinheiro! – mas só ouviu-o silenciá-la discretamente, com um aceno muito leve de cabeça, enquanto se dirigia à mulher do balcão: -- Pegue-a agora; tenho pressa.
-- Pois não, Sr. Malfoy.—Hesitando, a vendedora entregou-lhe a gaiola e murmurou: -- Nesse caso, são vinte e três galeões e cinco nuques, senhor.
-- Draco jogou desdenhosamente alguns galeões a mais sobre o balcão. -- Isso deve bastar para compensá-la pela perda de um cliente. E agora, se me der licença, estou muito ocupado.
-- Pois não, Sr. Malfoy; tenha um bom dia o senhor também --, mas o rapaz loiro já seguia adiante sem olhar para trás, seguido de uma moça invisível que estava encantada com o animal. Pararam à frente da sorveteria de Florean Fortescue.
-- Ah, Draco, quanto dinheiro! Estou desolada!
-- Você sabe que isso não é nada, Ginny. Não espero que me devolva. É um presente que será útil para você, acredite. E vê se pára de ficar amolando aquele babaca do seu irmão e de confiar numa coruja tão pequena e desesperada como aquele idiota do Pidwijin para fazer suas remessas.
-- É Pigwidgeon! – ela protestou.
-- Pouco se me dá. – E esticou o rolo de pergaminho contendo o artigo para a Academia Brasileira de Magia e Bruxaria. – Toma. Pode mandar.
Ela estava assombrada: -- Mas... Eu coloquei na mesa do Ron!
-- E você acha que eu não vi e não peguei? Não quero que saibam que você esteve por lá. Vamos, mande logo esse artigo. – E, vendo a expressão de protesto dela, adiantou-se: -- Não preciso ser gênio pra saber o que é isso, Ginny. Anda, que está de dia e não posso parecer bobo falando sozinho!
Uma vez decidida a aceitar o presente, Ginny respondeu: -- Tudo bem, dessa vez eu aceito porque você tem razão-
-- Eu sempre tenho razão, Weasley --, ele retrucou.
Ela continuou, ignorando o comentário convencido: -- Mas não pense que vai me comprar, Malfoy. – E virando-se para a coruja: -- Poxa, você é muito bonita! O seu nome, qual será?
-- Anda logo com isso!
-- Já vou! Ah, já sei! Que tal Pennelope? – A coruja deu uma bicadinha carinhosa em seu dedo. -- Sim! E eu a chamarei de Penny! Minha linda coruja dourada e marrom! Quem não vai gostar nada é o Percy... – E riu-se, ao lembrar da Srta. Clearwater. E, respondendo à impaciência do rapaz: -- Sim, Draco, já vou, já vou! Toma aqui, leve a sua primeira encomenda e volte para mim. Terei saudade! Vá! – E observou o ponto meio dourado sumir no céu nublado.
Draco estava agitado. – Já não era sem tempo. Quanta frescura para um bicho!
-- É por essas coisas que eu me convenço que não vale a pena ficar com você, Malfoy. – Ele se mexeu, incomodado, e devolveu: -- De qualquer modo, aqui estamos nós. – Estendeu-lhe uma chave de portal e disse: vamos, pegue-a para voltar àquela mansarda que você chama de casa. Lá, eu desiludo você.
Ginny sentiu o puxão no umbigo e tudo rodopiar à sua volta no momento em que encostou o dedo na moeda de ouro. Seu ombro se entrechocava com o de Draco e, então, caiu de joelhos no chão de seu apartamento. Draco se levantou, ajeitou o cabelo e as vestes e disse:
-- Eu ainda insisto que isso aqui é um horror, Ginny. Não é pra você. Definitivamente.
-- É, só que eu não tenho dinheiro para nada melhor, e já te falei que não vou aceitar nada de você – bem, fora a Penny. E agora, faça-me o favor de me fazer voltar ao normal.
O rapaz bateu com a varinha em sua cabeça e ela se sentiu invadida por uma deliciosa sensação de morno torpor. – Vou indo. Eu te pego aqui às três da tarde, no sábado. Esteja pronta. E Ginny – Draco se voltou para ela – Veja lá o que vai usar, se quiser impressionar a todos. – E desapareceu.
-- Não tenho pensado em outra coisa, Draco --, murmurou a si mesma, sentando-se na beirada da cama desfeita.
Olhou resignada para a escrivaninha, e só então se deu conta de que ainda não havia aberto o envelope que havia chegado da Academia e que Mione havia entregado no sábado. Abriu-o enquanto tomava um copo de suco de abóbora – a primeira coisa que tomava no dia --, e sua boca entreabriu-se à medida que lia a mensagem:
Ilma. Srta. Virginia Weasley, A/C Srta. Hermione Granger Ministério da Magia Londres – GB
Academia Brasileira de Magia e Bruxaria, 18 de outubro.
Cara Virginia,
É com grande prazer que vimos informá-la de que seus artigos têm sido de grande valia para nossos cursos e para o aperfeiçoamento de nosso currículo acadêmico. Os alunos têm tirado grande proveito de seus ensinamentos, bem como nós do corpo docente temos nos valido de suas sugestões para tornar as aulas mais atrativas e mais substanciais em áreas que pouco conhecemos, tais como a de poções cujos ingredientes não sejam os de nosso território. Assim, como forma de agradecimento e de reconhecimento de sua valiosa contribuição para esta instituição de ensino, nós a convidamos a integrar permanentemente o corpo docente desta Academia como professora adjunta. Sua tarefa se resumirá a contribuir com pesquisa e produção de textos para nossa escola, bem como com revisão dos textos para envio aos Estados Unidos e à Grã-Bretanha, além de comparecer, a cada trimestre, para reunião geral do corpo docente e planejamento das próximas atividades e eventos acadêmicos.
Inicialmente, podemos oferecer-lhe apenas a quantia simbólica de duzentos e cinqüenta e cinco galeões e o convite para permanecer em nossa escola quando de suas visitas, mas isso poderá mudar de acordo com seu desempenho e com a ampliação do número de publicações em nosso país. Quanto às suas referências, sabemos serem as mais confiáveis e completas.
Esperamos, então, que aceite o convite e forneça o número de seu cofre no Banco Grigots para depósito imediato de seu salário de contratação, e nos informe via coruja quando poderá agendar conosco sua primeira visita.
Informamos, finalmente, que seu artigo sobre as propriedades da poção de murtisco constará nos anais como sua primeira colaboração como professora de nossa Academia, caso aceite o cargo. Sem mais, aguardamos ansiosamente sua resposta e despedimo-nos
cordialmente,
Profa. Silvia Maria Batira Diretora
-- Minha nossa! – foi a única coisa que conseguiu pronunciar antes de desabar na cama, eufórica. Nem vinte e quatro anos completos, e agora isso! Que maravilha! Era melhor do que ser monitora-chefe, ou do que ser apanhadora da Grifinória. Era um emprego com um salário substancial, que permitiria que se mudasse dali para um lugar melhor, além da chance de viajar e de ajudar seus pais!
Pulou de alegria, respirou fundo, sentou-se à escrivaninha e respondeu à carta, dizendo que estaria no Brasil ainda em dezembro para uma rápida visita à escola, e que o número de seu cofre no Gringots era 873. Agora, era só esperar Penny retornar que, logo em seguida, despacharia o pergaminho à Academia. Quem sabe um dia ainda publicasse na Editora Little Red Books? Entrementes, sorrindo bobamente, mirando-se no espelho, encarou com mais otimismo a idéia de aparecer ao lado de Draco Malfoy no próximo sábado, já definindo de que forma ela seria vista por todos.
Sem que ela sequer suspeitasse, o plano de Malfoy havia dado certo até aquele momento e, ao observá-la por debaixo de uma capa de invisibilidade, sorria satisfeito consigo mesmo, antes de desaparatar de fato, causando um estalo que foi estranhado pela ruiva.
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Nota da autora: Quero pedir desculpas pela demora no término do terceiro capítulo. Andei muito ocupada com o trabalho, e dei uma parada só para poder postar no 3 Vassouras, que eu adoro! Por isso, quero também agradecer aos leitores que me mandaram os reviews, à minha beta, Diana; à Pichi e à comissão organizadora do site, que têm se dedicado imensamente para que possamos mantê-lo no ar! E aguardem, já estou escrevendo o quarto capítulo!
