Disclaimer: A esta altura, todos já sabem do aviso prévio de leitura: personagens de Rowling, usadas sem o intuito de usurpar os direitos dela ou daqueles que a eles estejam ligados. Sem lucro algum, a história se destina ao entretenimento de fãs da série. Contém spoilers de Harry Potter e a Ordem da Fênix. A canção que inspira este capítulo (principalmente no fim dele) é a "When in Love with a Blind Man", do Tears for Fears.

Capítulo 6 – No sobrado

A neve acumulada na entrada do prédio dificultava a mudança. Ainda que fossem poucas as coisas que possuía, Ginny fazia questão de não deixar nada para trás: empacotara desde seus abafadores de chá até as maiores telas que havia pintado. Murmurava Locomotor sobre cada pacote, enquanto Draco a ajudava a colocar as coisas no carro. – Ainda não consigo entender por que você faz questão de usar este tipo de transporte, Virginia. Seria muito mais fácil se você me deixasse passar com isso pela lareira, -- resmungava o loiro ao lutar com o porta-malas para encaixar mais um de seus baús.

A presença de Draco passara a ser constante após aquele fatídico sábado de novembro. Ele a ajudara com a escolha da nova casa, bem como se oferecera para ir com ela ao Brasil. Também a auxiliava com compras pelo Beco Diagonal e pelas ruas de Londres, sempre argumentando que uma vez que estavam "noivos", deviam ser vistos juntos. Para sua surpresa, a companhia de Draco se revelara um bálsamo contra a imensa dor que sentia a cada vez que se lembrava de Harry e de Parvati juntos no Três Vassouras.

Tinha de confessar, também, que o gosto de Malfoy era refinado. Educado numa família de posse, o sonserino era o responsável pela escolha de alguns imóveis para que ela pudesse se decidir por qual morar. No final, sua escolha recaiu sobre, justamente, aquele que o rapaz havia colocado na lista "só para você não dizer que não tem um lugar simplesinho". Não pôde evitar as réplicas dele contra seus argumentos, mas finalmente conseguiu ouvir o que queria: -- Bom, se é isso o que você prefere, vou fazer o quê?

O sobrado, localizado a alguns quilômetros de Ottery St. Catchpole, era construído de madeira e pedra no estilo elisabetano, quase como um chalé, mas um pouco mais imponente. Era frio, tinha de admitir, mas ela nunca gostara do calor constante. Além do mais, ele continha uma coisa preciosa para ela, que era uma ampla lareira, na qual poderia tostar marshmellows e utilizar para transporte. Providenciara Pó de Flu para ter em estoque, na ocasião em que estivera no Beco Diagonal para comprar uns móveis usados, novamente sob os protestos de Draco. "Não tem jeito, quem é pobre, é pobre mesmo...", viu-o dizendo, bufando e girando os olhos pra cima. É bem verdade que a cama quase causara uma briga feia entre eles, como as que costumavam ter nos primeiros anos de Hogwarts. Pois ele a conjurara do nada, assim que puseram os pés pela primeira vez na casa, dizendo: -- Presentinho pra você, Virginia.

Ela retrucara veementemente:

-- Nem vem que não tem, Malfoy! Você ficou louco de pedra, foi isso?

-- Não, mas faço questão de botar fogo eu mesmo naqueles paus podres e naquele amontoado de palha todo torto que você chama de colchão! A tecnologia inventou colchão de plumas de ganso, chérie, sabia?

-- Mas precisava ser uma cama king size feita de carvalho entalhado e com dosséis, acortinada por veludo creme e forrada com sedas e cetins, Draco? Não acha que sua megalomania está indo longe demais?

-- Não exagere, Gin...

-- Não exagere você! Pode devolver já! Não vou aceitar! Não mesmo! Ponto final! -- e se virara de costas para ele, muito indignada. Continuara a falar: -- Se você acha que vai me comprar, Malfoy, ou que vai se deitar nesta cama comigo, pode tirar sua vassoura da chuva!

Não havia percebido nada além do silêncio que se seguira a essa frase, e só percebeu que ele estava atrás dela quando sentiu seu hálito fresco e o ar quente na nuca, sussurrando: -- Bom, a esperança é a última que morre, milady... Mas não se preocupe, não foi por isso que comprei a cama... Não por isso... Acho que o quarto deve ser o recanto aconchegante da casa, onde a pessoa pode baixar sua guarda e ser ela mesma, curtindo ao máximo o que é seu e a paz que pode obter do silêncio, e o prazer que uma cama como esta pode proporcionar... – Seus dedos percorriam a cintura dela, por sob a capa roxa. – Pense na sensação maravilhosa de se deitar nua em pêlo sobre estes lençóis macios, de colocar uma destas almofadas sob suas pernas, descansando-as...

Ginny afastara-se dele antes que aquele arrepio que percorria sua espinha a denunciasse, mas cedeu àquele argumento indefensável e murmurou: -- Pois bem, Draco. Mas juro, juro mesmo que somente desta vez eu aceitarei um presente desses. Agora vamos tratar de pegar as coisas do apartamento.

-- Não exagere, minha flor. Ainda insiste em chamar aquela mansarda de apartamento?

-- Bom, foi lá que vivi por mais de quatro anos...

-- Sei disso, e me arrependo de não ter podido ajudá-la antes... – ah, não, que boca grande a sua!

Ela o encarou desconfiada: -- Como assim, "ajudar"?

-- Ora, a comprar a coruja pra você poder trabalhar melhor e receber a proposta daquela Academia Brasileira. – Ele fora rápido!

Ginny respirou aliviada. Por um momento apenas, pensou que ele pudesse estar por trás de sua contratação na Academia.

-- Bem, lá isso é verdade, e eu te agradeço por isso também, Draco. Além de rápida, Penny é também super carinhosa! E tão bonita... – Viu quando ele bufou e balançou a cabeça, as mãos na cintura, olhando para cima e murmurando algo como "mulheres!" enquanto saíam para voltar ao apartamento no terceiro andar da rua Falls.

Agora, precisava pensar em como dispor os poucos móveis de que dispunha na nova casa. Com o tempo, pretendia comprar outras coisas, um sofá mais novo, uma mesa para a cozinha que não estivesse com a perna sempre precisando de um feitiço pra se sustentar corretamente, a sonhada estante para seus livros usados e os que ainda estavam por vir. Sua biblioteca seria modesta, mas seria um lugar aconchegante para trabalhar. Sorrindo diante desse pensamento, Ginny estacionou pela última vez o carro diante do sobrado, trazendo consigo a terceira e última leva de mudanças em seu carro. Draco ainda se lamuriava, argumentando que haviam feito as viagens à toa, ainda que fossem mais rápidas do que aquelas que os trouxas comumente realizavam com um veículo como aquele.

O sol já estava se pondo no horizonte quando eles puderam finalmente descansar, sentados diante da lareira que crepitava alegremente, uma caneca de chá para cada um e biscoitos enviados por Molly Weasley ainda naquela manhã, insistindo que a filha necessitava comer se quisesse ter forças para fazer a mudança e ainda ficar de pé para poder viajar para o Brasil. A carta enviada por ela demonstrava o quanto estava chateada por ver que a filha não aceitara ajuda dos pais e dos irmãos, mas não deixava, mesmo assim, de demonstrar o carinho e a preocupação com relação a ela, embora a moça achasse que ela houvesse exagerado ao perguntar se "aquele rapaz" a estava tratando bem e a aconselhando a tomar "cuidado".

-- Como se aquela rolha tivesse feito isso! – retrucou Malfoy!

-- Draco! É minha mãe!

-- Não estou falando mais do que a verdade, Ginny. Você é a sétima filha dela! – Caminhando para perto da poltrona dela, agachou-se ao seu lado, olhando-a provocativo, e sussurrou: -- E nós nem começamos a brincar, querida...

Ginny estava tão vermelha quanto o fogo:

-- Nem pense nisso, Malfoy! Desista dessa idéia. – Sua voz, porém, não soava tão definitiva quando deveria. Isso o encorajou a colocar sua mão sobre a dela, pousada sobre o braço do móvel, e a projetar seu corpo, inclinando-se sobre ela e, olhando em seus olhos, a lhe dizer:

-- Um prêmio de consolação para o bom moço, então. – Roubou-lhe um beijo breve, imprimindo nos lábios dela o gosto de menta, deixando-a com a lembrança da pressão de seus lábios sobre os dela. Levantou-se sem dar tempo para Ginny reclamar e, antes que ela se recuperasse da surpresa, disse sem olhar para ela: -- Descanse; você está com cara de quem viu fantasma. Vou embora, que hoje estou de serviço. – Dizendo isso, desaparatou. Ela continuava pasma, olhando para o fogo.

Já fazia uma semana que se encontrava instalada quando recebeu sua família na nova casa. Um fogo forte aquecia o ambiente, a tábua de queijos e os vinhos sobre a mesinha rústica completavam a cena. Seus pais chegavam pela lareira, porque ainda não sabiam exatamente onde podiam aparatar. Molly falava enquanto escovava suas vestes:

-- Mas que sala bonita, minha filha! Está faltando umas toalhinhas de crochê, é verdade, mas posso fazer para você, Ginny. – A mãe sorria para ela.

-- Olá, como vai a minha princesa? – Seu pai a abraçava.

-- Estou ótima, pai! – Sorriu e devolveu o cumprimento, beijando-o.

-- Está mais corada, finalmente. Parece que aquele rapaz a está tratando bem, então.

-- Papai, "aquele rapaz" tem um nome. Ele se chama Draco Edward Malfoy e nós vamos nos casar.

-- Algo que você não precisa ficar nos lembrando, Ginny, -- ouviu os irmãos gêmeos retrucarem, ao se recomporem de uma aparatação mal-sucedida sobre a poltrona, que agora jazia deitada.

-- E algo que não teria acontecido se o papai tivesse me deixado quebrar a cara daquele safado, sem-vergonha, estúpido, can...

-- Ronald Weasley, o que foi que combinamos antes de sairmos da sua casa? – A voz de Hermione era claramente de repreensão. – Peço desculpas, Ginny. Você sabe como ele é...

Ela só pôde sorrir para a amiga, acenando acordo com a cabeça, as mãos ocupadas servindo vinho nas taças. Graças a Deus, as cadeiras, as poltronas e o sofá haviam sido suficientes para acomodar a todos sem que precisasse conjurar mais lugares. Teria sido embaraçoso fazer isso na frente de Angelina, que acompanhava Fred, e de Fleur, que estava com Bill. Ron ainda bufava, sentado ao lado de Mione.

-- Excellante escolha, Virrginia... Vinhos rarrros da France, minha terre natall... – A esposa de seu irmão mais velho segurava em seus braços o filho mais novo do casal, o pequeno Patrick. Loiro como a mãe, o bebê dormia serenamente. Rebecca, no entanto, insistia em pular pela sala e correr atrás de Bichento. – Quiete, Becky, ou coloco você parra dorrmirr, -- avisou a mãe da menininha ruiva, sardenta e franzina que estava brincando.

-- Quer colocá-lo no berço, Fleur? – perguntou ela à mulher. – Preparei um quarto para as crianças lá em cima, ao lado do meu. Poderá ficar mais sossegada para conversar.

-- Virginia se parece comigo. Sempre pensando em tudo – declarou Percy, satisfeito, sua pose empertigada com uma taça na mão, a outra no bolso da calça.

-- E você, sempre o chato perfeito. – Retrucou Charlie. – Se Ginny fosse como você, não se daria ao trabalho de lembrar aos outros como bem receber a família. – Ele conseguira folga e viera da Romênia para estar junto com a família.

Molly acudiu:

-- Meninos, sem brigas. Hoje é um dia feliz! Nossa Ginny comprou uma casa maravilhosa e está trabalhando num emprego fixo! Ah, como estou contente com isso! – Em seguida, envolveu a ruiva num abraço apertado e amoroso. Foi Mione quem perguntou:

-- E então, Ginny, como está o serviço? – pegou mais um pedaço de queijo prato enquanto ouvia a resposta da moça.

-- Bom, as coisas ainda devem esquentar. Por enquanto, estou pesquisando sobre as diferenças entre a Poção para Dormir sem Sonhar e a Poção para Dormir do Sonâmbulo. E não, Mione, obrigada, mas vou fazer isso sozinha, -- retrucou rindo, ao vê-la abrir a boca para responder. – O salário é pago a mim, e estou me divertindo com isso. E com um pouco de medo, para falar a verdade. Vou ao Brasil amanhã, gente!

-- Mas tão cedo, filha? E tão perto das festas? – o Sr. Weasley franzia a testa, inclinando-se para frente na poltrona em direção a ela.

-- A viagem já estava agendada há semanas, pai. Eu estava esperando só eu me instalar e recebê-los em casa para poder fazer isso. Estou sendo aguardada pela equipe docente antes das festas de fim de ano para ser apresentada aos alunos e para participar da reunião que deve programar as atividades para o próximo ano deles. Não se esqueçam de que lá, as férias ocorrem durante o final e o início do ano, retornando às aulas somente no final de fevereiro.

-- Que coisa mais doida, isso sim. Férias de final de ano! – Ron lembrava das festas que fazia com os amigos na escola, durante o Natal, e dos passeios a Hogsmeade.

-- Eles é que são espertos. Poder ficar com a família durante os feriados é algo maravilhoso, -- ponderou Bill, olhando para a filha. – Eu mal consigo negociar com os duendes para ter dois finais de semana livres por mês, e ao menos um feriado a cada final de ano com minha família! Nem sei como consegui estar aqui hoje! -- Fleur retornou do andar superior:

-- Mas que casa bonita, Virrginia! E que quarrto marravilhoso é o seu! A porrta estava recostada... Não temes ambiantes ton grraciosos ainda, mas planejames mudarr os móveis ainda no prrócsimo ano... – Ginny riu discretamente de seu sotaque incorrigível, tossindo para disfarçar.

-- A sua casa é maravilhosa, Fleur, e você sabe disso. – Sabia que a cunhada adorava ser mimada. Parte veela, a vaidade era o ponto forte de sua personalidade. – Mas não mereço o mérito; foi Draco quem escolheu a decoração. Eu disse a ele que não queria coisas chiques e caras, mas ele insistiu que era preciso ter conforto no ambiente em que se descansa de verdade, e que se o dinheiro serve pra alguma coisa, é pra fazer a gente se sentir feliz e protegido quando precisa.

-- Bom, temos de reconhecer que o Sr. Malfoy sabe tratar uma mulher, então, -- observou Percy, agora sentado ao lado de Mione. – Ouso dizer que ele merece meus cumprimentos por estar cuidando de você, Virginia. Está parecendo mais saudável e mais feliz. – Ah, Deus! Somente ele para se enganar com as aparências. Hermione disfarçou um suspiro de frustração e se levantou para recolher as garrafas vazias. Ginny cortava mais queijo, a faca movendo-se sozinha sobre a tábua.

-- Pra tudo ficar melhor, só faltava ele dispor de um elfo doméstico para ela, -- ironizou Charlie. – Pára de ser impertinente, Percy!

-- Só faltava essa, agora! Acha que algum elfo vai querer trabalhar como escravo, a esta altura do campeonato? Só mesmo o Dobby pra servir ao Harry, mesmo tendo promovido a revolta dos elfos e regulamentado a situação de todos no ministério! – Pronto. Hermione, que parecia indignada, finalmente conseguira metê-lo na conversa.

Durante alguns segundos, os olhares de todos se voltaram para Ginny, esperando para ver qual seria sua reação diante da menção do nome de Harry Potter. Ela sabia que tinha de ser rápida, para não deixá-los perceber a farsa. Por isso, disse simplesmente, mexendo os ombros e fazendo casa de desinteresse: -- Bem, é uma escolha dele, Mione. Dobby gosta dele, não? Ele o faz por amizade. – E, aparentemente despreocupada, mudou de assunto: -- Alguém quer mais vinho? Agora, tenho um do Porto, de uma boa safra. E esse queijo suíço é realmente algo a não perder. – Ofereceu a tábua aos pais.

-- Essa comida de trouxas que você come não é ruim, querida, mas se você me deixasse cozinhar e trazer um pouco pra você a cada três dias, eu...

-- Não, mamãe. Obrigada, mas estou realmente bem. Só me sinto cansada da mudança; as coisas têm acontecido rápido demais, não é mesmo? Mudança de apartamento, e agora o emprego...

O Sr. Weasley aproveitou a deixa:

-- E, por falar em emprego, temos de ir embora. Ginny viaja amanhã. Vamos indo, pessoal?

-- Por favor, não quis dizer isso, gente! Ainda é cedo! – Sempre conseguia dar um fora quando não podia...

-- Sabemos que não, Ginny, mas o papai tem razão. Você vai como?

-- Provavelmente, aparataremos, Fred.

-- Quê, aquele idiota vai com você?! Sozinha, longe, com ele? Nem pensar! – Ron estava vermelho.

-- Ron, eu entendo que você se preocupe, mas vou dizer mais uma vez que você será bem-vindo aqui enquanto não insultar as pessoas de quem gosto, certo? – doía-lhe dizer aquilo ao irmão, mas precisava colocar um basta na rixa. Achava que ele fosse piorar ainda mais, mas se surpreendeu ao ouvi-lo dizer: "Certo, certo. Mas ele que não a trate decentemente, que eu quebro aquele nariz que Mione já devia de ter quebrado no terceiro ano!"

Aos poucos, as pessoas foram se despedindo e desaparatando. Por fim, restaram Ron e Mione, que ficaram para ajudar na arrumação. O argumento da amiga a convenceu: "Se não podemos acompanhá-la amanhã, ficaremos pra ajudar na arrumação. Assim, você não se cansa mais ainda e aproveita para dormir mais cedo e descansar".

As coisas já estavam no lugar, e seu irmão lavava a louça quando Mione disse que precisava ir ao banheiro.

-- Tem um lá em cima, eu levo você, Mione. – Ginny subiu os degraus na frente da outra, levando-a à porta contígua ao quarto das crianças. Depois, desceu para enxugar a louça. Quando a amiga desceu, foi a vez de Ron pedir para ir ao banheiro.

Mione assumiu o lugar do irmão dela. Displicentemente, olhando para a janela à frente, vendo a neve cair, disse:

-- Bela paisagem. E bela atuação, Virginia Ginevra Weasley, como sempre. Quase me convenceu. Tão fria quanto esta cozinha. Mas ainda não entendo por quê você está fazendo tudo isso. Você sabe que ainda dá tempo de arrumar as coisas. – Estendeu-lhe uma taça.

Ginny já estava acostumada com a amiga. Até que tinha demorado para terem aquela conversa naquela noite. Sem resistir ou mentir a ela, respondeu:

-- Bom, Mione, acho que isso é exagero da sua parte. Ele a escolheu por livre e espontânea vontade, e você sabe disso tão bem quanto eu. Já estão noivos há quase um mês.

-- O que eu sei, -- retrucou a mulher, passando-lhe mais uma taça – é que você não sabe da missa o terço. – Ela esta indecisa; aquele era um segredo de Harry. Decidiu-se, virando-se de chofre para Ginny: -- Ah, não adianta ficar escondendo. Daqui a pouco, todo mundo vai ver, e acho melhor você saber antes. Harry ficou noivo dela porque Parvati está grávida de dois meses, Ginny! – Pronto, dissera a quê havia vindo. Talvez tivesse de esperar que a amiga colocasse a taça sobre o balcão antes de obter sua resposta.

O estrépito do vidro estilhaçando no chão de pedras fez com que Ron descesse correndo para ver o que acontecia. A irmã se apoiava na bancada, as mãos prendendo a prancha de madeira como se se agarrassem à própria vida, o rosto lívido. Não. Aquilo não podia ser verdade. O rosto de pesar da amiga, entretanto, dizia que seus ouvidos não se enganavam. Nada a preparara para ouvir aquela notícia. Deus, por que, por qu?

When in love with a blind man

[Quando está apaixonada por um homem cego]

-- Ginny, você... você está bem? – Ron tentava chegar perto, sem saber ao certo o que fazer. – O que está acontecendo, Mione? Ela se machucou? Cortou-se com o vidro?

-- Vamos, Ron, deixe-a em paz. O corte não está sangrando. – Hermione secou as mãos e dirigiu-se para a porta da cozinha. – Anda, Ron! Em casa a gente conversa.

Ginny parecia despertar de um devaneio:

-- Mione?

-- Sim? Precisa de mim? Quer que eu fique e te ajude a arrumar as coisas... er... para amanhã?

Os ombros da ruiva estavam caídos, a expressão do rosto pesada, o olhar desamparado quando se virou pra ela e murmurou:

You watch what you say

[Você toma cuidado com o que diz]

You watch yourself burn

[Você vê a si mesma se consumir]

With dreams of escaping

[Com sonhos de fuga]

-- Obrigada por me contar. E por tudo. Mas amanhã viajo ao Brasil. Com Draco Malfoy.

-- Ah, não! Pra que você foi abrir a boca, Mione? Ela não precisava saber disso agora! – Ron estava visivelmente chateado. – Não precisava deixar a minha irmã triste antes da reunião dela.

-- Como se você fosse um exemplo de sensibilidade, Ronald Weasley! – esbravejou Hermione. – Ela tem o direito de saber das coisas antes que se decida precipitadamente. – E virando-se para a amiga: -- Sabe onde eu estou. Se precisar, mande a Penny, ou então apareça.

Por alguns momentos, os três ficaram se encarando, as sombras de um refletindo no semblante do outro. As velas estavam começando a se extinguirem. Foi Ginny quem quebrou o silêncio:

-- O.K., O.K., pessoal, podem sumir, sim? Não vou me matar por causa dessa besteira toda. Vamos. – Ensaiou o melhor sorriso que pôde, segurou as lágrimas e, num tom pretensamente jovial, despediu-se: -- Eu os verei daqui a alguns dias. --
E virou-se em direção à porta que dava passagem à sala de jantar. Em seguida, ouviu dois estalidos, que anunciavam a desaparatação de Ron e de Mione.

Finalmente, estava sozinha. Poderia fazer o que quisesse: sair correndo descalça pela neve, através da noite e do frio, beber até cair, comer até estourar, dançar nua no Três Vassouras e ser recolhida ao St. Mungus, quebrar mais uma taça e cortar os pulsos... Porque o que ela sentia poderia tranqüilamente servir de justificativa para qualquer uma daquelas loucuras.

Mas, se Ginny procurasse definir o que estava sentindo ali, naquele momento, parada na sala em frente à lareira que queimava os últimos restos de lenha, não conseguiria fazê-lo direito. Não era somente a dor profunda e constante, aguda ainda assim. Não. Era um mal-estar que a fazia se sentir exausta, cansada daquela vida de espera que levava, daquele disfarce todo, de tudo o que procurava fazer para se manter aparentemente bem, enquanto toda sua família e mesmo Harry, acreditava ela, sabiam que ela estava mentindo. E o pior de tudo, mentindo para si mesma. Doía-lhe a recusa dele, a gravidez de Parvati, os olhares de pena de Ron, a disposição total de Mione, a sua recusa a Malfoy. E tudo por uma besteira, uma obsessão, um amor acumulado inutilmente.

And make love to the man

[E faz amor com o homem]

That teaches your behavior.

[Que a ensina como se comportar]

Ela definhava por dentro por algo que aquele bebê inocente ainda por vir, no ventre da noiva de Harry, acabara de matar. Estava consumado. Seriam dali por diante a família feliz e completa, e ela jamais deveria atrapalhar.

When in love with a blind man

[Quando está apaixonada por um homem cego]

You love on your own

[Você ama sozinha]

To an occasional smile

[Para um sorriso ocasional]

Ela amara sozinha durante todos aqueles anos, sentindo que um olhar, um sorriso, uma palavra ocasional dele fosse sinal de que um dia as coisas iriam dar certo, que ele haveria de vir até ela e dizer o quanto fora cego e burro. Era hora de parar de ser ingênua. Talvez, pudesse até dar atenção verdadeira a quem realmente a amava. De repente, o certo seria o que estava à mão.

You never know why

[Você nunca sabe porquê]

But sometimes he smiles

[Mas às vezes ele sorri]

And sometimes just lies there,

[E às vezes ele só fica ali,]

So jealous.

[Tão ciumento].

Tomou a decisão. Subiu o lance de escadas num só fôlego, arrumou as camas, fechou a mala com os pergaminhos e as roupas dentro, tomou um banho rápido e deitou-se na cama. Dali para frente, sua vida seria outra. De verdade.

Lá embaixo, o fogo da lareira voltara a crepitar alto, alimentado por todas as telas que ela havia pintado em momentos de dor, tristeza e solidão.

N/A: Durante meses eu travei neste capítulo porque, na verdade, eu comecei a escrever com intenção de que fosse outro. Ele não estava planejado na minha estrutura, mas "pediu" para nascer e, enquanto não percebi isso, não pude continuar. Ter ido ao Potter Rio no último final de semana parece ter servido para espairecer e tomar algumas inspirações para concluí-lo e partir para o que eu havia planejado continuar ainda em fevereiro. De qualquer modo, aqui está, novo em folha. Mais uma vez, meu obrigada às pessoas que enviam os reviews e à minha beta reader, Diana, que tive a oportunidade de conhecer pessoalmente no PR! Enjoy!