Disclaimer: Esta história é baseada nos enredos de J. K. Rowling para a série Harry Potter, escrita para fins culturais e sem gerar quaisquer lucros. À autora está reservado o direito moral e das obras, bem como para seus parceiros comerciais. A canção que inspira este capítulo é "Andrea Doria", da Legião Urbana.

Ainda e Sempre

Capítulo 8 – Cinco meses

Harry acordou com gotas de suor na testa. Não se lembrava nitidamente do pesadelo, mas tinha certeza de que fora mais terrível do que conseguia se lembrar. Imagens de Ginny morrendo pelas mãos de Draco Malfoy, muito sangue, risadas histéricas de Parvati, e a sensação de uma queda infinita num buraco negro se misturavam. Sua noiva, porém, encontrava-se ao seu lado, dormindo profundamente. Colocou os óculos, olhou para a janela e vislumbrou os telhados das casas vizinhas. Ao longe, um gato miava, solitário. Em seguida, olhou para o relógio de pulso: quase cinco horas. Não adiantava; sabia que não conseguiria dormir, mesmo tendo ido dormir depois da meia-noite.

Calçando seus chinelos, levantou-se e foi para a cozinha para preparar um chá. Os cabelos, sempre desarrumados, caíam sobre a cicatriz, quase entrando nos olhos. Precisava cortá-los. Sentado-se na cadeira, os braços apoiados na mesa de madeira, pensava nas festas de final de ano, nos Weasleys, em Parvati, em Ginny e em Draco. Cara de sorte. De tudo o que ele poderia ter lhe infligido de dor, aquela com certeza fora a mais bem escolhida, a maior de todas: separá-lo de Ginny. Ora, não era culpa do rapaz; ele é que nunca enxergara as chances que tivera com a ruiva. Agora, era tarde demais. Como fora se deixar levar, como permitira uma gravidez? Tantas vezes tentara dizer à morena que nunca deixaria de gostar da irmã de seu melhor amigo; parecia inútil, agora. Ela estava lá em cima, dormindo a sono solto, a barriga querendo aparecer. Quatorze semanas de gravidez; mais algumas e seria pai.

Deus do céu, como aquilo o assustava! Não pelo bebê – ser pai era como ter a chance de acompanhar uma criança como jamais pudera ser acompanhado --, mas a idéia de que aquilo era definitivo o assustava. Hermione, contara Ron, fizera o favor de apagar todas as chances que ele tinha com ela, contando-lhe sobre a gravidez de Patil. Bem, se fosse honesto, admitiria que ele não deixava Parvati por princípios morais. Tinha certeza de que seus pais não o condenariam, mas ficariam chateados se soubessem que ele engravidara uma moça para depois abandoná-la e lidar somente com a criança.

Bebia o chá fumegante. Seria um menino ou uma menina? Nasceria com cabelos escuros, com certeza. Gostaria que tivesse seus olhos, ou os olhos de sua mãe. E, definitivamente, nenhuma cicatriz. Nada de marcar alguém do jeito que ele fora marcado. Queria para o filho – ou filha – uma vida comum, uma aparência que permitisse a ele ou ela se misturar na multidão quando bem quisesse, sem atrair olhares curiosos, de raiva, ou de compaixão. Riu, ao pensar que, se fosse de Ginny e parecido com os Weasleys, dificilmente se misturaria, com aqueles cabelos flamejantes.

Hermione reapareceu em seu pensamento: "e se o filho não for seu?". Como poderia não ser? Estivera com Parvati durante meses a fio, separando-se somente na ida para a Romênia. Por mais que ela fosse superficial, fizera de tudo para estar ao lado dele, quisera até mesmo ir junto na viagem e, fosse pelo fato de ele ser famoso ou por amá-lo, sempre insistira em ficar com ele, desde o Baile de Formatura.

-- Não conseguiu dormir? – A voz de Lupin o assustara.

-- Já de pé, Lupin?

-- Sabe como é, Harry, eu não consigo dormir muito bem fora de casa, ainda que seja a sua casa e que você me receba tão bem.

-- Acordei há pouco. Quer chá?

-- Aceito. O que te acordou?

-- Nada de mais.

O olhar de Lupin, no entanto, era perscrutador.

-- Nada de mais, ou tudo de menos? A quem você espera enganar, Harry? Posso ver de longe o que você está pensando – e nem preciso ler sua mente pra saber. Mas acho que você já sabe o que vou dizer. – Remus pegava sua xícara.

-- Sei. Acho que sei. Mas eu não acho justo, Lupin. Como é que ela pode aceitar um canalha como aquele? Eu simplesmente não entendo.

-- E quem é que entende os sentimentos das pessoas, Harry? – Pegou uma bolacha e continuou: -- Você já pensou que ela pode realmente gostar dele?

-- Filho da mãe! – Harry socou a mesa, as xícaras quase caindo. – Não acredito que isso possa ter acontecido!

-- E de que adianta ficar nervoso? As coisas já estão feitas, e eu sei que você não vai deixar a Parvati sozinha com um filho pra criar. – E, vendo o olhar de espanto de Harry; -- Oh, não se preocupe, ninguém me contou, mas a coisa está começando a ficar difícil de esconder. Mais de três meses, eu diria. Certo?

-- Como você consegue, Lupin?

-- Fácil, amigo. O que mais o faria desistir do seu amor? Junta-se dois mais dois, e qualquer um mata a charada.

Harry olhou para a janela. Lá fora, a lua tímida, escondida por nuvens carregadas, ainda passeava no céu. Pensou em Ginny e em tudo o que pensara em dizer pra ela nos anos que se seguiram a Hogwarts.

Às vezes parecia que, de tanto acreditar

Em tudo o que achávamos tão certo

Teríamos o mundo inteiro e até um pouco

mais

Faríamos floresta do deserto

E diamantes de pedaços de vidro.

Agora, tudo parecia longe. Até mesmo ela, com Draco, naquela terra desconhecida. Sabia muito bem o que o seu pesadelo significava. O dia parecia mais branco, e começava a nevar.

– Pois é, Lupin, todas as minhas possibilidades se foram. Mas do que eu estou reclamando, não é mesmo? Tenho uma noiva amorosa, um filho por nascer, uma bela casa, um emprego estável, e sou famoso por ter salvo o mundo de Voldemort!

Remus olhou para ele e pousou a xícara na mesa.

Mas percebo agora

Que o teu sorriso

Vem diferente,

Quase parecendo te ferir.

-- Sabe, Harry, esse ar irônico combina mais com o seu pai. Eu te disse que você ia perceber que era mais parecido com ele do que imaginava.

-- E o que ele teria feito no meu lugar? – Precisava de uma resposta que o levasse a se conformar ou a agir de outra forma.

-- Bom, eu não posso responder por ele, até mesmo porque não sabemos o que um Tiago mais maduro teria feito. Mas acho que ele teria feito o que pareceria ser verdadeiro para ele. Porque, apesar de sempre brincar, ele nunca gostou de mentiras. Nem para si mesmo.

Não queria te ver assim –

Quero a tua força como era antes.

O que tens é só teu

E de nada vale fugir

E não sentir mais nada.

Diante do silêncio do rapaz, ele continuou:

-- Sabe, Harry, é difícil. Tem muita gente envolvida nessa história toda, as feridas sempre vão surgir, seja de que lado for. A questão é: você vai agüentar por quanto tempo? A vida costuma ser mais longa quando a gente faz as escolhas erradas. – Levantando-se, concluiu: -- Bom, eu vou me trocar. Até daqui a pouco.

Sentado na cadeira, voltou para a época em que ele e seus amigos, juntos, formaram a AD. Tudo o que queriam era o mundo real para poderem lutar. Agora, tinha o mundo real e não gostava do que tinha; essa era a verdade. As coisas eram mais difíceis, e cada passo tinha de ser pensado com cuidado e antes de ser feito. Não havia nova chance.

Às vezes parecia que era só improvisar

E o mundo então seria um livro aberto,

Até chegar o dia em que tentamos ter demais,

Vendendo fácil o que não tinha preço.

O rosto de Ginny veio-lhe à mente. Sentiu-se sufocar, os olhos ardendo. Se pelo menos pudesse falar com ela, dizer o que sentia! "Fizesse isso antes, Potter", sua consciência lhe respondeu. "Parvati. Filho. Responsabilidade."

Não havia como fugir. Lá em cima, ouvia o chuveiro funcionando. Ela acordara. Colocou mais água na chaleira e pão na chapa para esquentar. Nada de ovos ou bacon; ela enjoaria. Um filho. Dali pra diante, aquela deveria ser a sua preocupação.

As semanas que se seguiram pareceram menos pesadas para Ginny. Descobrira que, afinal, viver com Draco era realmente muito bom. Ou melhor dizendo, quase viver com ele. Porque o rapaz não abandonava sua mansão e ela se negava a mudar para lá, de modo que a separação em alguns dias da semana era inevitável – além dos dias de plantão dele no serviço. Para compensar, ele a mimava com carinhos e presentes que ela não tinha como recusar: flores, uma gargantilha, uma gaiola maior para Penny, uma escrivaninha nova.

Mesmo assim, nada tirava dela aquela melancolia insistente que teimava em invadir seu coração a cada vez que pensava em Harry, ou que o via, ou que via Parvati. Ela sequer entendia o por quê de a morena lhe virar o rosto. Ela era a sortuda que esperava um filho de Harry. De Harry. Piscou várias vezes, evitando lágrimas, e voltou a conversar com sua mãe, que lhe contava animada que finalmente Hermione e Ron haviam resolvido se casar.

-- É claro que não poderemos ter uma festa muito grande, e temos de pensar no local. Os pais dela podem estranhar a nossa casa. Estava pensando, querida, será que você poderia...?

-- Mas é claro, mamãe. Pode falar pra Mione que terei prazer em receber e hospedar os pais dela para o casamento.

-- Oh, ela não sabe que eu estou pedindo! Por que não faz de conta que a idéia foi sua e convida você?

-- Porque a idéia foi sua, mãe, e não acho justo mentir assim.

-- Ora, não é realmente uma mentira, Ginny, é só uma questão de ser mais delicada.

-- Ainda assim, você pode ser delicada com ela, mãe. Ah, aí vêm eles. – Pela janela da cozinha, enquanto mexia a varinha sobre o caldeirão, Ginny viu as figuras de Mione e Ron chegarem pelo caminho de terra e adentrarem a porta de tela da cozinha.

-- Ufa, que calor! Nem bem entramos em maio, e o sol já está ardendo desse jeito! – Hermione se abanava com a agenda que carregava.

-- Bom para jogar quadribol! E aí, Ginny, vai de artilheira? O Harry vai ser o apanhador. – Ron falava da partida de quadribol que estavam combinando há cerca de duas semanas.

Ela hesitou:

-- Ahn, não sei se vai dar. O Draco...

-- Sem essa, Ginny. Nem pense que esse panaca vai estragar a nossa partida perfeita! Fred e George até concordaram em fechar a loja só pra jogar com a gente! Temos planejado tudo com muito cuidado e você está definitivamente em nossos planos!– Seu irmão parecia realmente chateado. Como agradar à família, agüentar os olhares de ciúmes de Parvati, convencer Draco a comparecer (ele nunca fora à Toca) e, o mais difícil, falar com Harry normalmente? Não que não tivesse conversado com ele desde o Ano Novo – houve algumas oportunidades, como o aniversário do pai dela, em fevereiro, em que entabulara uma conversa aparentemente normal, com ele. Ainda se lembrava do primeiro diálogo depois de anos:

-- Oi, Harry. – Ele se espantara com a aproximação dela. – Como estão as coisas?

-- Er... beleza, Ginny. E com você?

-- Tudo bem.

Como será que ele conseguira ficar ainda mais bonito? Com certeza, a perspectiva de ser pai o agradava.

-- E aí, quer um menino ou uma menina?

-- Ahn... O que vier está bom, pra mim. – Deus, como ela era linda! – E você?

-- Eu o que?

-- Vai se casar com... vai se casar com ele?

-- Vou indo com calma, Harry. Mas estou contente com ele, se você quer saber.

"Contente" e não "feliz", ela dissera, e ele havia reparado.

-- E você e a Parvati?

-- Estamos bem.

-- Acho que ela nunca gostou de mim.

-- É, não dá pra negar, né? Ela tem ciúmes. – Aquela era uma conversa definitivamente surreal. Ele se sentia como se não estivesse conversando com ela.

Eu sei – é tudo sem sentido.

-- Não precisa. De verdade. Estou vivendo com Draco, não é mesmo?

Droga! Ela tinha de lembrar daquilo?!

-- Mesmo assim, parece que é assim... Mas não vou deixar de falar com você por causa disso.

-- Não? ... Parece que foi assim nos últimos anos, Harry.

Quero ter alguém com quem conversar,

Alguém que depois não use o que eu disse

Contra mim.

-- Ah, não diz isso, não. Sabe que eu tentei falar com você.

-- Para quê, Harry? – Ela se esforçava para não dizer a ele tudo o que estava pensando. – Ela vem vindo aí. Vou para lá. Não estou a fim de cena. – E, deixando-o sozinho, virara-se em direção aos pais.

-- Ginny, o caldeirão! – Sua mãe viera acudir o caldo, que entornava. – Onde é que você estava, minha filha?

-- Er... aqui. – e virando-se para Ron: -- Tudo bem, vou jogar. Estarei por aqui até amanhã, mesmo.

-- Legal! Toda a turma vem assistir! – Ron parecia radiante. – Vai ser como nos velhos tempos: o Lee até vai fazer a narração!

-- Ron, me ajuda com a mesa, por favor. – Hermione pegava toalhas e pratos. – Conjure uma lá fora.

-- Vou levando o pudim de carne. Ginny, querida, pode trazer o caldeirão sem derramar? – A voz da mãe já vinha do quintal.

Hermione aproveitou que teria poucos segundos para cochichar pra Ginny:

-- Aí, hein? A esperança nunca morre! Eu sabia que você tentaria...

-- Está louca, Mione? A Parvati e o Draco não... – Mas a amiga já estava longe.

O almoço foi bastante animado. Como era bom se reunir com a família! Adorava ver a mãe ralhando com o pai pelas invencionices do barracão, que às vezes saíam pelo jardim sozinhas, fazendo buracos aqui e ali pelo jardim, no meio das moitas, ou Mione insistindo para que Ron parasse de brincar à mesa com as velhas varinhas falsas inventadas pelos irmãos. "Até parece que não teve infância!", ela reclamou. Ele não parava de falar:

-- A Alicia e a Angelina virão, com certeza. E conseguimos uma folguinha pro Oliver, também. Ele está em Londres, pra temporada de eliminatórias da Copa Mundial, como vocês sabem. Quis chorar quando contei que o Seamus vai de batedor pro time dele, e foi aí que pediu pras meninas reformarem a artilharia, como antigamente. É... com isso, o nosso caldo entornou. Quer dizer, ficamos defasados, falta um jogador ainda.

Ginny fez as contas no dedo:

-- Fred e George de batedores, você de goleiro, o Harry de apanhador, e eu de artilheira. Faltam dois, Ron, e o jogo é amanhã!

-- Isso --, revelou Ron, com um sorriso na cara, enquanto acariciava a barriga cheia, recostando-se melhor na cadeira – é porque eu ainda não te contei que o Charlie vai jogar também.

-- Ah, meu Deus! Que boa notícia, meu filho! Que surpresa maravilhosa... O Charlie, aqui!... – Lágrimas de felicidade assomavam aos olhos da Sra. Weasley. – Vou já preparar o quarto pra ele e...

-- Calma, mãe. Vamos ter de arranjar mais espaço, -- completou Ron, -- porque o Gui também vai jogar. E o Percy vem pra assistir.

-- QUE MARAVILHA!!! Todos em casa, de novo, Arthur!

-- Sim, querida, será ótimo. Com tantos serviços e afazeres, nem tem dado tempo de eles aparecerem.

Ouviram o famoso crack! e, em seguida, a pergunta:

-- Alguém aí falou em aparecer? – Fred pegava um pedaço da torta de maçã que estava na mesa.

-- Ou... aparatar? – Fred agora mordia um pedaço de torta de frutas secas.

-- Sim, estaremos todos juntos amanhã, garotos. – O Sr. Weasley se levantava. – Isso é motivo de comemoração! Vou buscar a tivrola...

-- É vitrola, Sr. Weasley, -- Hermione o corrigia gentilmente.

-- Ah, ... sim... Bem, aquela coisa que toca aquelas bolachas pretas com música...

-- Discos, papai. – Ginny completava. – Por que não usa o CD mesmo?

-- Humf! E pensar que os trouxas acreditam piamente que eles é que inventaram o tal CD! – Percy saía da cozinha, arrumando a camisa. Tinha acabado de aparatar. – Se não fosse Wulgfang o Enbirutado a confundir arco-íris com aquela luzinha do laser, não haveria CDs pra ninguém...

-- Ah, Percy, que bom que você já chegou! – A Sra. Weasley se levantou para abraçá-lo.

-- Tenho o meu quarto, espero? Com tanta gente...

-- Bom, filho, receio que terá de repartir com o Carlinhos... A casa vai ficar lotada... – A mãe tentava se desculpar.

-- Não tem problema, mãe. O Gui e a Fleur podem dormir lá em casa com a Becca no quarto de hóspedes, e o Charlie poderá dormir no meu escritório, na cama de armar que tenho lá. É tão perto, que não tem problema, eu acho. – E ouviram outro estalido.

-- Bom, não pra quem vem de longe, como eu; posso me acomodar até no chão, desde que fique com vocês.

-- Charlie! Que bom te ver! – Ginny, que estava mais perto, abraçou o irmão.

-- Arre, que está mesmo uma mulher feita, mana. Quando foi que você cresceu assim? – Ele a segurava pelo ombro.

-- Ora, que pergunta mais boba, Charlie! Sabe que estou crescida há muito tempo!

-- Bom, não te vejo há quase um ano, moça, e acho que você mudou. Não sei dizer o quê, mas mudou.

Hermione interveio:

-- Er... Ginny, me ajuda com os pratos, sim? – E foi para a cozinha, enquanto os irmãos se cumprimentavam entre si e aos pais.

Já na cozinha, Ginny suspirou:

-- Obrigada, Mione. Eu não sabia onde enfiar a cara...

-- Eu vi, Ginny. Mas não se preocupe, acho que o Charlie nem se deu conta.

-- Quero ver quando ele perceber... Vai querer partir o Draco em pedacinhos e o dar de comida aos Rabo-Córneos... – Ela ensaboava a louça enquanto olhava os irmãos se divertirem no quintal.

-- Ele não é bobo, sabe que você não é fraca ou facilmente convencida. Além do mais, seu pai já falou pros filhos que ninguém vai mexer com o Malfoy. – Ela fez uma pausa proposital: -- Embora, é claro, esse tipo de coisa não fosse necessária se você tivesse feito a escolha certa.

-- Hermione Granger, não me venha com esse seu papinho sonso de novo. Você sabe o quanto eu demorei pra esquecê-lo e o quanto me custou a decisão de mudar de vida.

-- Bom, Virginia Ginevra, você pode enganar quem você quiser, menos a mim. Não consegue sequer dizer o nome do Harry. – Viu um brilho fugaz nos olhos castanhos da amiga – Mas não sou eu quem vai "estragar" a sua maravilhosa felicidade. Toma – e jogou o pano de prato para ela antes de sair da cozinha, -- sua vez de enxugar a louça.

-- Por Merlin, vocês podem me dizer o que significa isso? – A Sra. Weasley não parava de cumprimentar as pessoas que chegavam, e já perdera a conta de quantos eram.

-- Bom, mãe, eu contei pra Luna que ia ter o jogo. – Ginny ajudava a conjurar sofás, cadeiras e almofadas no jardim, enquanto Hermione distribuía refrescos, água, chá e café incessantemente.

-- Mas ela já sabia pelo Neville, Sra. Weasley – Lee a informava, ao chegar.

-- Bom, o Harry chamou o Hagrid, que chamou a Professora McGonagall, que resolveu trazer a Madame Pomfrey pro caso de precisar, que achou melhor pedir pra Madame Hooch apitar a partida, que avisou a Amanda, que falou pra Susan Bones, que ...

-- Sei, sei, sei, já entendi... Deus e o mundo devem comparecer aqui hoje. Agora eu entendi por quê o Arthur fez questão de lançar um feitiço de ampliação do terreno ontem à noite. Estava quieto demais, cochichando com os meninos.

A Professora McGonagall interrompeu a conversa entre a Sra. Weasley e Lee Jordan:

-- Uma ajudinha, Molly, se não se importa: "Resolvere!" – E, num passe, as acomodações e arranjos para comes e bebes estavam feitos. – Agora, pode ir descansar.

-- Obrigada, Minerva! Não sei como não me lembrei disso antes!

-- Tensão, Molly, querida, -- ela ouviu o marido dizer. – Agora relaxe e aproveite. E você, mocinha, não tem de ir ser trocar?

-- A partida começa só daqui a uma hora, pai.

O Sr. Weasley franziu o cenho:

-- Onde está o seu namorado?

-- Noivo, pai. Draco teve de ir trabalhar, está de plantão naquele serviço que eu nunca sei o que é.

-- E ainda bem que não sabe. Não a quero metida nos negócios dos Inomináveis, Ginny. É perigoso, e você sabe disso. – A voz dele era séria.

-- Como se eu fosse um bebê! Mas não se preocupe, eu estou bem satisfeita com o meu emprego na Academia Brasileira. – E então, pelo canto do olho, viu que Harry chegara com Parvati e cumprimentava os amigos. – Ahn, acho que vou me trocar. Não quero me atrasar se houver algum problema com a roupa.

O Sr. Weasley a segurou pelo ombro quando ela já ia passando. Detendo-a, confidenciou:

-- Filha, não vai adiantar ir agora. Como você vai fazer pra jogar do mesmo lado que ele lá em cima, daqui a pouco? É melhor ir falar com ele.

-- Eu até iria se ela não estivesse grudada nele. Que coisa, parece cola.

O Sr. Weasley riu, olhando-a complacente:

-- Ah, se o seu namorado estivesse aqui, hein, minha princesa?

-- Que é que tem?

-- Nada, nada não, deixa pra lá. Vai se trocar, então. Vou dar um jeito de passar um "solvente" no braço daquela moça pra ele ir se trocar também. Espero que o vestiário improvisado atrás da casa seja grande o suficiente para todos.

"Droga de proteção de couro!" Praguejava em silêncio, bufando enquanto apertava o cordão da proteção do braço direito com a mão esquerda e segurava o outro com os dentes, o cabelo escapando do rabo-de-cavalo que havia feito. Assustou-se com a voz atrás de si:

-- Deixa que eu faço pra você. – Viu uma mão surgir por detrás de sua cabeça, pegando o cordão que segurava na boca. Não precisava ver o resto pra saber quem era, e viu-se murmurando um "obrigada" sem jeito para ele, que passou para a frente e estava com a cabeça abaixada, amarrando a peça.

-- Como vão as coisas, Virginia?

-- Não me chame assim.

-- Não é esse o seu nome?

-- É. Só que me lembra uma outra pessoa.

-- Não sabia que Draco Malfoy ainda a chamava assim. – Como lhe custava falar dele com ela!

Ela se desvencilhou dele, mas não se mexeu. Deus, como esquecer aqueles olhos verdes? Estavam escuros, fitando-a. Sentiu calor. O dia estava mesmo ficando mais quente, e seria difícil jogar com aquele ar abafado, naquele uniforme todo fechado. Desconversou:

-- Dia quente, né? Acha que ganharemos? – Sentou-se para colocar a proteção de couro na canela.

-- Seja lá qual for o resultado, nós dois perdemos, Ginny. – Ele se abaixou para ajudá-la, mas ela recuou a perna. – Que foi, não quer minha ajuda?

-- Não quero que... – Não completou a frase.

-- Não o que, Ginny?

-- Que se abaixe assim, Harry. – A voz não era mais do que um fio.

Ele olhou para cima e encontrou o rosto dela vermelho. Via claramente que ela fazia uma grande força para não sucumbir à vontade de chorar.

-- Tem razão. Eu devia ter feito isso há muitos anos. E decentemente, ao invés de me embebedar daquele jeito vergonhoso. – Encarou-a. Era linda, mesmo a ponto de ceder às lágrimas que se acumulavam nos cantos dos olhos. Ela tornou a desconversar, abaixando-se para que ele não mais a encarasse.

-- Diga-me, como está Parvati? Padma disse à Luna que ela andou se sentindo mal. Quero dizer, pior do que o normal.

Harry se levantou, pegando a camisa do uniforme e virando-se de costas para ela, tirando a que estava usando e vestindo a outra. – É verdade. Fomos ao St. Mungus e o medibruxo recomendou repouso o máximo possível. Disse que ela anda com a pressão mais alta do que o normal, que está nervosa demais. – Vestia a blusa com a inscrição do nome e começava a colocar a proteção de couro no braço. – Me ajuda? – estendeu os cordões para ela – Não sei porquê. Tenho feito de tudo para agradá-la, tenho até deixado o serviço mais cedo para ficar mais tempo em casa.

-- Não estou a fim de partilhar da sua vida conjugal, Harry. – Ela amarrou a cara, também. – Pronto. Vou sair pra você se trocar e vou chamar meus irmãos pra se trocarem.

Já ia saindo quando se sentiu sendo puxada por ele.

-- Ginny!

-- O que é, Harry? – A voz tentava mostrar impaciência, sem sucesso.

Para ele, aquele era um momento crucial. Não conseguia mais deixar de lado o que sentia. Sem mentiras, Lupin havia dito em janeiro. Seu pai não teria recuado. Olhou-a disse, segurando seu braço:

-- Desculpa.

Ela se sentiu extremamente quente. Não só pelo calor, mas pela raiva que sentia explodir dentro de si. Como ele ousava fazer isso com ela, depois de todos aqueles anos de espera e de frustração?! Não aceitaria aquilo, não mesmo.

-- Um pouco tarde demais para isso, não é, Harry? Afinal, o seu filho...

-- E pode apostar, Ginny, que é a única coisa que me segura. – Pronto. Disse. Só não sabia direito o que fazer. Porque ela começou a soluçar, lutando para não derramar lágrimas.

-- Ah, é mesmo? Agora você me diz isso? Pois eu tenho uma novidade pra você, Sr. Potter: eu não posso lidar com isso. Não me faça perder mais tempo do que já perdi com você! Eu não vou voltar atrás, se é isso o que você espera de mim! – Os cabelos já estavam soltos, mexendo-se enquanto ela se agitava, apontando para si e gesticulando sem parar, agitada, o rosto vermelho e os olhos rasos d'água. – Ouviu bem? Devia ter dito isso quando eu ainda gostava de você! Quando eu perdia noites de sono a fio e quase me dava mal nas provas porque você não saía do meu pensamento, ou quando eu me perdia na dor de te ver e não poder te tocar como eu queria, querendo a cada segundo que conversava com você largar tudo e te abraçar! Treze anos, e você vem me dizer isso agora!

Harry estava estupefato.

-- Eu... não sabia. Não sabia que era assim, Ginny. Ou por tanto tempo.

-- Draco tem razão, você é mesmo burro. Todo mundo via, mas você estava ocupado demais pensando naquela esmilingüida da Chang! Ou conversando com o meu irmão! Ou com a Hermione! Deus, como eu queria ser o meu irmão, como eu sentia inveja da Hermione por passar tanto tempo com você e partilhar dos seus segredos! Tudo o que eu conseguia era escrever, escrever e pintar.

-- O que você quer que eu diga, Ginny? Eu... – O estômago parecia ter se tornado uma pedra, e afundava cada vez mais. De culpa, vergonha, remorso, o que quer que fosse e que o fizesse se sentir mais miserável ainda.

-- Eu não vou aliviar pra você, Harry. Porque isso que você diz estar sentindo não é um centésimo do que eu senti, está me ouvindo? Um nada no meio de tudo o que vivi. Vivi, porque agora já não é assim. – Ela só sentiu as lágrimas escorrendo quando viu que ele estendia a mão em direção ao seu rosto. – E não se atreva a tocar em mim! – Passou a barra da manga no rosto e respirou fundo, fechando os olhos. Precisava se acalmar para a partida. Virou-se de costas e disse: -- Vista-se de uma vez. Não quero que ninguém saiba que você esteve aqui comigo. Nem os meus irmãos.

Harry recolheu a mão estendida e sentou-se na cadeira, desamarrando os tênis. Sentia o rosto arder de raiva de si mesmo. Como pudera ser tão cego, como pudera infligir tanta dor a ela, a quem tanto amava? Onde estava Hermione quando precisava dela para lhe dizer o que fazer naquelas horas? Ginny tinha razão: ele jamais poderia sentir o que ela havia sentido. E não poderia deixar Parvati, fosse qual fosse o seu desejo.

Nada mais vai me ferir.

É que eu já me acostumei

Com a estrada errada que eu segui

E com a minha própria lei.

-- Pode se virar agora. – Estava amarrando novamente os tênis. Levantou-se e, olhando para ela, disse:

-- Não devia ter falado com você antes do jogo, acho.

-- Não devia ter falado comigo sobre isso, Harry.

-- Disso eu não abriria mão. Já estava decidido. Não posso mais suportar a mentira.

-- Não venha querer reparti-la comigo. Você fez a sua escolha, não fui eu que a convidou para ir ao Baile. Não fui eu que a engravidei.

-- Também não fui eu que provocou o seu irmão e a mim no Baile. Aquele idiota merecia a surra que Ron lhe deu.

-- Se você está falando de Draco, não perca o seu tempo. Ele não mentiu pra mim.

-- Disso nunca saberemos.

-- Não quero mais falar sobre isso. Ele agora é meu noivo.

-- Não vou mais tocar nesse assunto, Ginny. Mas não vire as costas pra mim.

Ela ficou em silêncio. Como ele era estúpido! Acaso não sabia que ela jamais seria capaz de lhe virar as costas? Como poderia viver sem olhar pro rosto dele, sem ver aquele par de esmeraldas brilhantes, ou sem ver aquele sorriso tímido e aquele jeito impulsivo de ser? Ou, ainda, aqueles lábios que sempre quisera experimentar? Droga de sentimento que aflorava nos momentos mais inoportunos! Desviou o olhar para as mãos, bufando. Levantou o olhar:

-- Não vou fazer isso com um amigo da minha família. – Virou para sair e, já na porta da tenda, olhou para ele e disse: -- E não se atreva a perder aquele pomo hoje, Potter. Os Weasleys não querem perder o reinado.

Sozinho, Harry murmurou para si mesmo:

-- E não vão. Pelo menos você, moça, jamais perderá a majestade. Não para mim.

Tenho o que ficou

E tenho sorte até demais,

Como sei que tens também.

Terminou de amarrar as proteções de couro nas canelas, colocou as luvas e saiu para o dia ensolarado, espantando da porta improvisada uma joaninha engraçada, amarela e castanha.

N/A: Gostaria de agradecer a cada um dos reviews que recebi até o momento; eles são muito importantes porque me trazem o feedback de suas leituras! Sendo assim, obrigada a todos; espero que continuem acompanhando a songfic. E, é claro, r&r, pls!