Disclaimer: Esta songfic é baseada no enredo da série Harry Potter, de Joanne Kathleen Rowling, a quem está assegurado o direito moral de reconhecimento da autoria dos livros. A ela e a seus parceiros comerciais pertencem a obra e os produtos. Esta história não lucra bem material algum, e é escrita com o objetivo cultural de entretenimento de fãs da série e internautas. A canção que inspirou este capítulo foi "Live to Tell", da Madonna.

Ainda e Sempre

Capítulo 9 – O Segredo de Hermione

A algazarra na Toca tinha sido bastante grande, e a Sra. Weasley, com a ajuda da Professora McGonagall, teve de ser dura para controlar o barulho, até que todos se fossem. Restavam apenas as pessoas mais próximas à família, além de todos os irmãos. Mesmo assim, contavam cerca de 30 pessoas, e o jantar se transformou em uma pequena comemoração da vitória dos Weasleys.

Quando todos se foram, restou a Ginny se despedir dos pais e voltar para a sua casa. Já recebera uma coruja de Draco, perguntando se iria embora naquele dia, e não queria deixá-lo esperando ainda mais. Ele já andava estranhamente apreensivo e irritado, e atribuía a mudança de humor ao trabalho confidencial dele. Ainda estava irritada pela conversa que tivera com Harry, e nem mesmo a vitória sobre Chang a fizera se sentir melhor. Talvez, se ele tivesse ido embora logo em seguida, tivesse conseguido relaxar, mas Parvati achara de se sentir pior justo no final do jantar, tendo sido levada ao St. Mungus por Harry e por Hermione. "Bom, não adianta de nada ficar pensando nisso," murmurou para si mesma enquanto vestia o casaco.

-- Pensar no que, princesa? – Arthur segurava a valise dela já perto da lareira.

Ginny se assustou. Não tinha percebido que falara em voz alta

-- Ah, nada de mais. Estava pensando nas leituras atrasadas pro meu próximo artigo. – Se pelo menos pudesse ser mais convincente, seu pai não a olharia daquele jeito enviesado. Acabou lhe dando brecha para a pergunta que temera depois da partida. Ele olhava para os lados, checando para ver se a Sra. Weasley não estava por perto:

-- E aí, falou com o Harry, então?

-- Falei.

-- E?

-- E o quê?

-- Como foi?

Teve de mentir:

-- Normal, pai. – Ele parecia desapontado. Sorriu para animá-lo e fingiu estar brava: – Será possível que até o senhor, Sr. Arthur Weasley, anda conspirando?

Ele a olhava meio sem jeito:

-- Só quero ver você feliz.

-- Confie em mim, estou bem. – Entrou na lareira e estendeu o braço para apanhar a valise. – Já é tarde, pai.

-- Disse tchau pra sua mãe, mocinha?

-- Pra todo mundo. Vou indo.

-- Um beijo no seu velho, princesa. – Ele se aproximou da lareira e depositou um beijo rápido na bochecha dela.

-- Tchau, pai. Até mais.

-- Não demora pra voltar.

Mas ela não ouviu. O fogo verde crepitava e ela já estava rodopiando para a grade da lareira do seu sobrado.

-- Ganharam, ao menos?

-- Oi pra você também, Draco. – ela o beijou e sentou-se na poltrona. – Sim, mas par que a dúvida?

A voz pastosa demonstrava escárnio: Ora, veja bem: o paspalho do Wood, os brutamontes dos seus irmãos gêmeos, o panaca do Weasley e o retardado do Potinho. O que mais você queria que eu esperasse?

Ela se chateou: -- Bom, Draco, pra sua surpresa, o time foi muito bem, e o terreno lotou de gente. Umas duzentas pessoas, acho.

-- Nossa! Como é que o seu pai fez caber tudo isso lá naquele meio lote? Não, não responda, chérie... Não quero nem imaginar, ou vou ter de mandar investigar o seu pai...

-- Você está é com inveja do time; sempre soube que somos excelentes.

-- Eu?! Inveja? Ora essa, é só o que me faltava, ter inveja dos seus irmãos, ou de um jogadorzinho de meia-tigela feito o Wood, ou ainda daquele idiota de cicatriz na testa e péssimo gosto pra mulheres. Uma indiana, francamente... E isso, depois de uma chinesa, tsc, tsc...

Ela se levantou de um movimento: -- Olha, Draco, se estava querendo me irritar, conseguiu. Sabe que não gosto que fale da minha família! – Mas ele a segurou e fê-la sentar-se novamente.

-- Desculpe, Ginny. Não foi minha intenção. O hábito, sabe como é... – E mudando para um tom casual: -- E como vai aquela barriga da Patil? Aposto que já está para nascer!

-- De fato. Ela anda meio mal, coisas de grávida, imagino... Teve de ir pro hospital agora à noite, estava com a pressão alta...

Draco virou de repente para olhá-la, a mão direita alisando o queixo escanhoado. Após um momento de silêncio, murmurou: -- Ééé... Nem pra cuidar direito dela ele serve. Por Merlin, como pode ser tão débil? – E, com um sorrisinho no rosto: -- Mandaremos flores para ela, chérie, com desejo de pronta recuperação.

-- Draco, não provoca... – Mas ele já se levantara em direção à cozinha, falando consigo mesmo: "Você não viu nada, Virginia, e espero que nunca veja, ma chérie..."

Harry andava em círculos no saguão do hospital. Já fazia mais de uma hora que Parvati havia entrado na ala da enfermaria para ser examinada pelo medibruxo. O teria sido, dessa vez? Tinha certeza de que ela não ouvira a conversa que ele tivera com Ginny na tenda improvisada para vestiário, porque a deixara aos cuidados de Lavender, com quem conversava animadamente sobre o enxoval que estava fazendo.

Ginny. Sentiu seu estômago afundar novamente. Lembrou-se de como ela tentara segurar as lágrimas, e do quanto se alterara com ele. E com razão. Se não tivesse sido tão idiota, seria dela o filho que formaria a sua família. Suspirou: "Não adianta chorar sobre a poção derramada, seu imbecil". Levantou a cabeça ao ver Hermione sair da sala de consulta.

-- Pode entrar, Harry, mas fica quieto porque ela está dormindo.

Ao vê-lo entrar, o medibruxo olhou severamente para ele e sussurrou:

-- Lá fora, Sr. Potter. Agora.

Hermione e Harry o seguiram para o corredor. Ele estava ansioso e interpelou: -- O que foi, Dr. Smethwick?

-- Eu é que pergunto, Sr. Potter. Eu já não falei para o senhor das outras duas vezes em que estiveram aqui que a gravidez da Srta. Patil é delicada e que ela não pode passar nervoso?

-- Mas...

-- Estou realmente preocupado, Sr. Potter. Assim, não vai dar. O que aconteceu dessa vez para ela estar com a pressão tão alta?

Harry boquiabriu-se.

-- Isso para mim é uma surpresa, doutor. Tenho feito de tudo para acalmá-la, desde o serviço doméstico até fazer as comprar e ficar mais tempo em casa. Não sei o que pode ter acontecido.

-- Pense no que pode ter sido, Sr. Potter.

-- Dr. Smethwick, eu quero saber como ela e o bebê estão, por favor!

O medibruxo resmungou:

-- Bem, dessa vez. Ministrei uma Poção Calmante e outra para Dormir sem Sonhar. Isso deve resolver o problema por ora. Mas é essencial que o senhor tente se lembrar do que aconteceu hoje para que isso tenha acontecido. Ela já está com quase 9 meses e inspira cuidados máximos.

Harry fez um esforço de memória.

-- Realmente, doutor, eu não...

-- Um instantinho, Dr. Smethwick.. – Hermione gentilmente o puxou pela manga para o lado. O medibruxo aproveitou para fazer anotações na papeleta e dar orientações para o estagiário.

-- Que foi?

-- Harry, eu acho que eu já sei o que foi.

-- Então fala logo!

-- É óbvio, não é, Harry? Ela está com medo!

-- Estou na mesma, Mione.

-- É o seguinte, ela viu que você sumiu pra se vestir, daí viu você jogando e viu quando você voou pra perto da Ginny, e...

-- Mas eu estava jogando!

-- Eu sei, Harry, mas ela tem medo de ver você com ela, sabe, e daí ela ficou nervosa depois do jogo, com o jantar e tudo o mais. Ela não tirou os olhos de vocês dois.

-- Eu nem olhei pra Ginny.

-- Que mentira descarada, Harry. Eu vi, e ela também viu.

Dessa vez, ele ficou pasmo.

-- Olha, agora vê se não vai ficar zangado comigo, porque eu estava pensando no seu bem e...

-- Desembucha, Hermione.

Ela estava vermelha e gaguejando. Aquilo não era bom sinal, ele sabia.

– Se a sua intenção é me apavorar, está conseguindo.

-- Bom, não é pra tanto! É que eu... Bem, eu... por acaso estava... assim... passando por perto do vestiário e... hum... ouvi de leve a discussão que você e a Ginny tiveram. – Ela estava visivelmente sem graça.

A cara dele não era das mais felizes, e ela se adiantou ao comentário: -- Mas ninguém mais ouviu, juro!

-- Tá, mas e daí, o que isso tem a ver com a Parvati?

Hermione bufou: -- Ora, não é óbvio, Harry? Você some, ela some, depois vocês aparecem com cara de enterro, e nem durante o jantar se alegram. Ninguém precisa ser gênio pra perceber que alguma coisa aconteceu entre vocês!

-- Mas não aconteceu nada além da conversa!

-- Eu sei disso, mas ela no mínimo deve ter fantasiado coisas que nem chegaram perto de acontecer, e daí ficou nervosa, e o resto você viu no que deu...

Harry riu pelo nariz: -- Quer dizer então que nem conversar mais eu posso, é isso?

-- Bom, se você quiser preservar o bebê dela...

-- Meu filho também, Hermione!

--Que seja; vai ter de ficar longe da Toca até o parto. Ah, olha lá...

O medibruxo estava chamando novamente. – E então?

-- Acreditamos que seja uma indisposição, muita agitação hoje, eu joguei quadribol e... ahn... acho que ela ficou com medo de eu me machucar.

-- Pois bem, Sr. Potter, nada de emoções minimamente alteradas para a Srta. Patil daqui até o nascimento da criança. Sugiro que a traga de volta assim que suspeitar das dores de parto, vai ser uma operação complicada e como ela está com pressão alta, deverá ser monitorada por uma equipe de partos do hospital. Esta noite, ela passa aqui, e amanhã pode seguir para casa. Há alguém que você possa chamar para ficar com ela até o parto?

-- Uma enfermeira?

-- Eu sugiro mais uma pessoa próxima dela, em quem ela confie, Sr. Potter, e que saiba dos hábitos dela. Não gostaria de vê-la se movimentando muito nem pelo quarto. O ideal é o repouso, mesmo, e uma alimentação bastante leve e sem sal.

A imagem de Lavender e a de Padma passaram pela sua cabeça: -- Acho que sim, doutor. Vou verificar isso assim que o dia amanhecer.

-- Certo. Vou deixar a permissão para acompanhamento noturno de hoje, Sr. Potter. Com licença, -- respondeu o medibruxo, saindo para atender outro paciente.

Hermione se voltou para Harry: -- Bom, Harry, quer que eu fique com você?

-- Não, Mione, sei que você tem de ir pra Hogwarts amanhã cedo.

-- É verdade, -- respondeu, -- mas não sem antes passar no Beco Diagonal e no Ministério. Tenho de buscar a capa nova que encomendei -- a minha desbotou --, além de mais alguns materiais, e também tenho umas pendências no escritório. Pode deixar, eu aviso lá que você vai chegar mais tarde. – E respondendo antes que ele pedisse: -- E sim, eu termino o relatório sobre magia celta em Bath e suas possíveis ligações com o círculo de Lynpherinx. Sinceramente, esse ladrãozinho metido a mafioso já está me dando nos nervos...

Ele sorriu para a amiga: -- Muito obrigado, mais uma vez. O que seria de mim e de Ron se não fosse você, Mione?

Ela ponderou, com um ar pretensamente convencido: -- Você quer mesmo saber, Harry? --, e riu em seguida. – Bom, vou indo. Qualquer coisa, é só chamar. Vou mandar a Hedwig pra cá. Assim, você tem como falar com a Padma e com a Lavender. Tchau, então!

-- Tchau, Hermione.

Viu a amiga desaparecer pelo corredor e, em seguida, entrou na enfermaria. Parvati dormia profundamente, a expressão serenada pela Poção para Dormir sem Sonhar.

Os ponteiros do relógio pareciam não se mexer a noite toda e, quando viu, já era de manhã. Um sol radiante brilhava na vidraça da enfermaria e batia em seus óculos no criado-mudo. Colocou-os e, então, viu Hedwig encarrapitada no espaldar de uma cadeira. Parvati ainda dormia, a barriga subindo e descendo conforme seu peito se estufava e esvaziava de ar. Olhou para o relógio novamente e constatou que eram quase oito horas. "Bom, já dá pra mandar o bilhete pra Padma". Mas pensou melhor e decidiu que chamaria Lavender, com quem Parvati mantinha amizade de longa data e com quem trabalhava na livraria. Padma, apesar de ser irmã de Parvati, era de temperamento completamente diferente e mais reservada, e se achava atarefada, pelo que a irmã contara a ele, com um curso preparatório de intercâmbio com a Índia. Ela trabalhava na Seção de Cooperação Internacional de Magia, ocupando o cargo de assistente da seção, embora fosse encarregada, certamente, de tarefas mais relevantes do que (Harry riu ao se lembrar) relatórios sobre a espessura dos caldeirões que Percy fizera ao entrar para o Ministério.

-- Vai, Hedwig. Tenha certeza de que ela receberá o bilhete, ok? – A coruja branca saiu com o pergaminho amarrado à perna, para o céu azulado de maio.

Faltavam somente um prendedor novo para a capa e uma nova caneta para que terminasse as compras no Beco Diagonal, quando avistou uma capa negra enfunando e cabelos negros compridos, em direção à Travessa do Tranco. " O que...?"

Largou as compras sobre o balcão da Madame Malkin, explicando que havia esquecido um produto na botica, e saiu correndo em direção ao homem. Sorrateiramente, esgueirou-se pela travessa e, à distância, viu-o entrar numa loja. Não poderia se arriscar a ser vista por ele, porque estava bisbilhotando e, nesse quesito, sabia que a melhor coisa seria contar com uma mãozinha dos gêmeos. Tirou do bolso uma Orelha Extensível que se pronunciou pelo rodapé das paredes até chegar à loja. "Francamente! Talvez eu esteja começando a ficar maníaca!", mas algo lhe dizia que ela tinha de saber o que estava acontecendo. O que conseguiu ouvir a deixou no mínimo surpreendida:

-- Pele de ararambóia, pó de chifre de bicórnio, sanguessugas e hemeróbios... Aqui estão, Professor. Já faz bem quase um ano que não o vejo aqui para comprar esses ingredientes. Andou preparando a Poção Polissuco? – O vendedor sabia ser inconveniente!

-- Não que seja da sua conta, Mortmer, -- ouviu Snape responder, -- Mas não. Apenas preciso completar meu estoque. – Ouviu moedas caírem no balcão e um "Passar bem" seco e baixo sibilado por ele.

Recolheu o cordão cor de carne rapidamente e, antes que estivesse no ângulo de visão de Snape, voltou correndo para a loja da Madame Malkin, o rosto corado e a respiração entrecortada. A velha senhora se surpreendeu:

-- Que foi, querida? Está com pressa?

Hermione parou para respirar e ensaiou uma explicação:

-- Na verdade, Madame Malkin, estou, e por isso estou correndo de lugar em lugar, hoje. Ainda vou comprar uma caneta nova. Vi uma de pena de águia dourada maravilhosa na vitrine da Floreios & Borrões. E tenho de passar na Gemialidades Weasley, ainda. Assim sendo, não poderei ficar muito.

-- Sim, querida. Aqui está a sua capa nova, do jeito que encomendou. Um bom dia para você, Srta. Granger!

Mas Hermione já acenava da porta e saía apressada para o Ministério. No caminho, ia pensando na estranha visita de Snape à Travessa do Tranco. Sabia que alguns ingredientes estavam com baixíssimo estoque na Grã-Bretanha e que tinham de recorrer a lugares como aquele vez por outra, mas a questão era saber quando Snape havia utilizado o seu estoque. Mais do que isso, saber se era ele mesmo quem havia utilizado. Ela, mais do que ninguém, sabia que entrar na sala dele e pegar coisas do estoque particular não era lá tão difícil assim.

Após as compras e uma rápida visita aos gêmeos, atravessou o muro de volta ao Caldeirão Furado, passou para a rua Charing Cross e pegou o metrô. Aquela era a vantagem de ter nascido trouxa: sabia exatamente como se virar no mundo deles e como passar ao Ministério sem dar bandeira, quando era preciso usar a cabine vermelha. Dessa vez, porém, dirigiu-se à casa dos pais, onde ainda morava, para descarregar a compra e dali ir ao serviço. "Ainda não me acostumei com esse fogo verde, minha filha" foi a voz que ouviu pelas costas antes de rodopiar no ar morno das lareiras e sair na grade do saguão principal do Ministério.

Ron se assustou com a entrada intempestiva dela: -- Hoje estou com uma pressa danada, Ron!

-- Bom dia pra você também, Mione.

Sem dar atenção à reclamação dele e sem mencionar a estranha aparição de Snape na travessa do Tranco, contou em poucas e rápidas palavras a avaliação do médico com relação à Parvati, sem deixar de acrescentar um muxoxo de desaprovação pelo fato de Harry estar com ela.

-- Bom, Hermione, ele escolheu.

-- Eu diria mais que foi escolhido, Ron. Passa o tinteiro pra mim, por favor. – Com a testa franzida de visível mau-humor, sentava-se diante da escrivaninha de Harry, remexendo os papéis dele. Leu como um raio o relatório e, vinte minutos depois, o despachou para o destino. Levantou-se de chofre:

-- Bom, é isso. Vou ver a Profa. McGonagall hoje, e talvez eu durma por lá.

-- Mamãe ia fazer um jantar pra gente discutir sobre a cerimônia...

-- Fica pra depois, Ron. Tenho uma coisa muito importante pra fazer em Hogwarts.

O tom de ironia e de mágoa acompanhava a observação do ruivo:

-- Ah, sim, tudo o que diz respeito a Hogwarts e ao seu emprego é importante demais, Mione. Só espero que você se lembre de vez em quando que eu existo!...

-- Não seja bobo, Ron. É claro que eu me lembro disso o tempo todo. – Beijou-o rapidamente e se despediu: -- Então, até amanhã.

Se havia uma coisa que aprendera durante os anos que freqüentara Hogwarts, era se movimentar no castelo discretamente e quebrar regras sempre que achava necessário. Desta vez, tinha um palpite muito forte de que a visita de Snape tinha, de alguma forma, a ver com a vida de Harry.

A questão seria descobrir como. Ela tentava descobrir um jeito de fazê-lo quando ouviu batidas na porta. A Professora respondeu um "entre!" sem tirar os olhos dos documentos, e o próprio Snape entrou. Sua expressão amargou ainda mais ao ver que Hermione estava na sala. – Eh, vou buscar mais uns pergaminhos, Professora.

-- Pode ficar, srta. Granger, -- respondeu McGonagall. E para o professor: -- E então? Alguma novidade, Severo?

Ele respondeu, em seu tom baixo e grave:

-- Nada, Minerva. Mas tenho certeza de que alguém – olhou para Hermione significativamente, ao que ela tratou de pensar em qualquer outra coisa – andou mexendo novamente no meu estoque de ingredientes nos últimos meses.

-- Ora, ora, Severo, quem mais poderia ser? Você protege aquela sua sala muito bem, e os elfos não têm poderes para ultrapassar suas barreiras.

Ele retrucou: -- Não estou falando de elfos. – O rosto de Hermione continuava impassível, e ela se esforçava para olhar para o pássaro que pousava no beiral da janela ao invés de se lembrar das vezes em que aquilo ocorrera.

-- Quem então? Ninguém além de seus alunos e de Draco Malfoy passa por ali, e muito menos sem autorização! – A voz dela demonstrava impaciência: -- Vamos, vamos, Severo, esqueça isso de uma vez por todas.

-- Você pode até esquecer, Diretora, mas eu continuarei vigilante. Com sua licença. – Inclinou levemente a cabeça, sem baixar o olhar, para McGonagall, e levantou-se, empertigado, ao lançar a Hermione um último olhar perscrutador.

Ela respirou aliviada.

Depois de auxiliar a professora de Transformação em algumas incumbências administrativas da escola, dirigiu-se sorrateiramente ao quadro com a fruteira de prata, que escondia a passagem para a cozinha, onde foi acolhida por dezenas de elfos. Remunerados e com plano de carreira, eles reconheciam sua luta durante os anos letivos e posteriores à escola para manter e fazer fazer o F.A.L.E. Winky, agora chefe da cozinha e muito mais consolada, confiante e falante, deu-lhe as boas-vindas. "Algo para o café, Hermione Granger? Chá? Café? Bolo? Torta? Frutas? Pão? Suco?"

-- Obrigada, Winky, um pouco de suco – E, logo, uma bandeja com pães, bolos de frutas e suco de abóbora era trazida por quatro elfos. – Não precisavam se incomodar.

Eu só passei aqui pra ver como estão as coisas.

-- Ah, muito bem, senhorita! A Professora McGonagall não é muito de conversar, como Dumbledore fazia na época em que Dobby trabalhava aqui, mas é muito bondosa.

-- Ahn... e os outros professores? Tudo bem com eles?

-- Sim, senhorita. – Hermione sentiu-se esmorecer um pouco. Mas então a elfa confidenciou: -- Bem, senhorita, não todos, exatamente...

-- Como assim?

-- O Professor Snape esteve aqui, muito bravo, perguntando quem tinha limpado a sala dele, porque uns ingredientes tinham sumido do estoque, sabe. Ele olhava de um jeito, senhorita, que a pobre Winky quase se molhou...

-- E quando foi isso, Winky?

-- Foi no começo de agosto do ano passado. De lá pra cá, ele sempre tranca o armário dele, e a gente não tem mais permissão de limpar a sala sem que ele esteja presente! – Era mais do que ela esperava: não só conseguira confirmar que Snape não havia preparado a Poção, como descobrira e época em que os ingredientes haviam sido furtados -- e quem tinha andado pela sala, à época em que tudo acontecera. Resolveu disfarçar e mudar de assunto: -- Bem, deixa isso pra lá. E os alunos, tem alguém que visita vocês?

A conversa durou até a hora de servirem o jantar. Winky trabalhava e protestava contra a ajuda que Hermione oferecia, até que acabou por expulsá-la da cozinha em direção ao Salão Principal, onde jantou na mesa dos professores e, disfarçando um bocejo, se retirou para dormir, bem antes do término do jantar.

Assim que se viu longe do Saguão, retirou da pasta que carregava duas preciosidades: o Mapa do Maroto e a Capa de Invisibilidade d e Harry, que pegara naquela manhã logo após ter deixado o escritório. "Devolvo quando voltar. Hermione" fora o bilhete que deixara no malão em que Harry escondia as duas peças. Somente ela e Ron sabiam onde ficavam; ela se aproveitou da casa ainda vazia para pegá-los, e quase fora pega. Chegara a ouvir a porta do alpendre sendo destrancada por Harry quando desaparatou no quarto.

Coberta pela capa, verificou o mapa e viu que Snape ainda se encontrava no Salão Principal. Caminhou devagar, para não tropeçar, em direção às masmorras e à sala do professor. "Não tenho tempo pra pensar mais agora, tenho de voltar pra Londres amanhã. Mas antes preciso pegar uma coisinha". Dirigiu-se ao armário trancado, murmurou "Alohomora!" e olhou como estava o estoque dos ingredientes da Poção Polissuco. Depois, escolheu, dentre os frascos, aquele cujo conteúdo parecia nada além de água muito transparente. Derrubou um pouquinho no seu frasco pequeno, retornou o grande ao armário, lacrou-o novamente e saiu quase correndo da sala, lacrando-a também. Com sorte, ele jamais perceberia.

Num corredor dois andares acima, parou para verificar o mapa. Sussurrou "Lumus!" e viu que, bem naquela hora, ele passaria por ali. Apressadamente, murmurou "Malfeito feito!",e as linhas do mapa desapareceram, para em seguida comandar "Nox!"e ver a luz da varinha se extinguir. Escondeu-se numa das salas de aula e, quando achou seguro, dirigiu-se para os aposentos dos professores visitantes, onde estava hospedada.

Ela estava trêmula pelo que fizera: transgredira as regras, pegara as coisas de Harry escondido, procurara notícias na cozinha, invadira a sala de Snape mais uma vez, e furtara um pouco de poção. O coração batia em descompasso, quase saindo pela boca, o cérebro fervia com as últimas notícias, e a testa gotejava de suor. Sentada na beira da cama, procurou acalmar a respiração. "Calma, Hermione, agora é só pensar. Calma! Deixe-me ver... Se quem entrou na sala do Snape foi o Draco, alguma coisa ele queria, porque ele nunca vem à escola. Não é como Ginny ou eu, que trabalhamos aqui também. Quando ele veio? Não sei, mas foi o único que veio. Então, por exclusão, só pode ter sido quando os ingredientes sumiram, em agosto do ano passado. Foi Malfoy que pegou. Mas para qu? Quero dizer, para que ele ia querer uma Poção Polissuco? Ele sabe aparatar, desiludir, e uma série de feitiços mais práticos pra trabalhar. Ele não ia recorrer a isso, ter de ficar um mês cozinhando, e muito menos deixar isso na mão dos outros, do jeito que ele é. Devia de ter algo em jogo que valesse muito a pena para arriscar o pescocinho dele desse jeito. Então, foi ele próprio quem fez... Mas a pergunta continua, ou melhor, fica mais complicada: para se passar por quem? Ai, que dor de cabeça..." Sem conseguir solucionar mais essa peça, acabou adormecendo, o sono agitado, com as idéias girando como um redemoinho na cabeça.

A lua estava alta no céu quando ela gritou: "É claro!". Olhou à sua volta. Os archotes estavam apagados, e a cortina do dossel estava semicerrada. Sentou-se, esfregando os olhos, voltando a se agitar. Arrumou a pasta, a valise com roupas e desaparatou.

Descobrira. Só faltava confirmar a suspeita.

-- Ah, Hermione, que bom que você apareceu cedo! – Harry se levantou da sua cadeira, no escritório. – Quero te pedir um grande favor.

-- Que foi que aconteceu, Harry?

-- É que a Lavender só vai poder chegar hoje à noite para ficar com a Parvati. Ela está visitando os pais, e ontem eu nem pude vir. A Padma viajou faz três dias, fiquei sabendo hoje. Passei aqui pra resolver umas coisas, mas se eu não arranjar ninguém que vá ficar com ela, terei de voltar.

Ela suspirou: -- Tá bom, eu vou. Era pra eu estar em Hogwarts ainda, mesmo... Mas fica me devendo essa.

-- Obrigadão, Mione!, -- sorriu aliviado, achatando o cabelo desarrumado.

-- Vou indo, então. A gente se vê mais tarde.

A chance que queria para descobrir mais uma peça do quebra-cabeças tinha sido dada de bandeja por Harry. Além de poder retornar o mapa e a capa sem que ele desse pela falta de ambos, poderia ter uma certa conversa com Parvati.

Na verdade, não esperava qualquer colaboração da morena, e a expressão de desagrado tomou conta do rosto da moça assim que ela aparatou na casa do Harry:

-- É só por hoje, Parvati, pra você não ficar sozinha. O Harry me pediu esse favor, e pode ter certeza de que estou fazendo isso por ele... e pelo bebê. Por isso, trata de ir melhorando essa sua cara; sua amiga Lavender chega à noite para ficar com você. Está precisando de alguma coisa? Está com fome ou com sede?

Parvati foi lacônica: -- Não, obrigada.

-- Pois bem, estarei no quarto ao lado, lendo. Qualquer coisa que precisar, não se levante sem me chamar. – A morena não respondeu.

Hermione não desistiria tão fácil. Guardou as coisas de Harry no lugar o mais silenciosamente possível, pegou o Daily Prophet e deu início à longa jornada de espera pela chance de ter uma conversa muito sincera com Parvati.

Os minutos se escoaram no ritmo da nesga de sol que caminhava sobre o chão e sobre os móveis do quarto em que Hermione estava. Ela já ia acender a luz quando ouviu a moça chamá-la.

-- Sim? Quer ir ao banheiro?

-- Não! – respondeu prontamente. Mas então reconsiderou: -- É, quero sim, mas...

-- Não precisa ficar constrangida. Vamos lá, que eu te ajudo.

De volta ao quarto, colocando-a na cama, perguntou:

-- E então, o que você quer comer? Uma salada, um pedaço de pão, um bolo?

-- Uma salada e... hum... um pedaço do bolo de nozes que tem no armário sobre a pia, por favor.

-- E para beber?

-- Nada.

-- Como assim, nada? – A voz dela saiu um pouco esganiçada. – Você precisa beber alguma coisa, Parvati, pelo bebê!

A moça parecia indecisa, mas acabou concordando:

-- É, acho que você tem razão. Um copo de suco de laranja, então.

Hermione estava radiante:

-- Volto num instantinho!

Na cozinha, Hermione cantarolava. Era incrível como as coisas pudessem dar certo de uma hora para outra! Pegava as folhas na geladeira, temperava com ervas e um nadinha de limão, acrescentava cenoura ralada e postas de frango, enquanto pensava em como abordá-la. "Bom," pensou, "o primeiro passo é fazê-la falar". Sorrindo para si mesma, retirou o frasquinho do bolso e pingou 3 gotas da poção no suco de laranja e tornou a guardá-lo no bolso. Pegou a bandeja com o prato de salada e o bolo, colocou o suco e subiu as escadas.

-- Aqui, tome. Não tenha pressa de comer.

-- Na verdade, estou faminta. – Começou a mastigar a salada. -- E você?

-- Eu já comi, obrigada. Mas pego uma folhinha da sua alface. – Beliscou a salada, para que Parvati não desconfiasse de nada. Ela parecia até mesmo surpresa com a mudança repentina de comportamento de Hermione.

-- Eu nem sei como agradecer Hermione. Sei que você nunca gostou muito de mim, mas você tem ajudado o Harry para ele ficar mais tempo em casa, e agora isso...

-- Que nada. Qualquer pessoa que visse uma mulher grávida faria isso se tivesse um mínimo de decência. Além disso, -- esperou que a morena bebesse uns bons goles de suco para falar – você tem estado nervosa nos últimos meses...

Parvati desatou a chorar. Pegando o lenço num dos bolsos, Hermione o ofereceu a ela e a confortou:

-- O que é isso, Parvati? Olha, não pode ficar desse jeito não, que o bebê... – Mas ela continuava a chorar. Não dizia nada, apenas soluçava, as lágrimas rolando copiosamente.

Hermione esperou que ela se acalmasse. Aparentemente, Parvati se restabeleceu consideravelmente. Agora, parecia que não havia emoção na voz ou nos gestos. Eram mecânicos, e o olhar estava fixo no guarda-roupas. Chegara o momento.

-- Parvati Patil, -- ela a chamou. – Olhe para mim.

Os olhos negros da moça deram de encontro com os castanhos dela. Tomou uma inspiração e perguntou:

-- Esta criança que você carrega é filha de Harry Potter?

-- Não. – A resposta monossilábica não produziu qualquer efeito sobre Parvati.

Hermione sentiu suas mãos tremerem de raiva e, por um momento, tudo o que quis foi esbofetear a noiva de Harry. Respirou fundo várias vezes, citou para si a data e os nomes de destaque da Revolta dos Duendes, e considerou que, ao menos, Parvati tinha um direito de se explicar e de contar os detalhes daquela história.

-- Conta a história toda, desde antes da gravidez, Parvati.

I have a tale to tell

Eu tenho uma história para contar

Sometimes it gets so hard to hide it well

Algumas vezes fica tão difícil de escondê-la direito

I was not ready for the fall

Eu não estava pronta para a desgraça

Too blind to see the writing on the wall

Estava cega demais para enxergar um palmo diante do nariz

-- Eu estava namorando com o Harry há uns meses sem interrupção, depois de várias separações no decorrer de mais de dois anos. Parecia que, daquela vez, o relacionamento daria certo.

-- E por que você queria que desse certo?

-- Porque eu gosto do Harry Potter. – A voz continuava despida de qualquer reação.

-- Você o ama?

-- Aprendi a gostar e a depender da atenção dele.

-- Por que, Parvati? Por que o Harry?

-- Porque ele sempre foi o maior, o grande herói e o mais importante. Eu percebi que seria bom quando aparecemos juntos na entrada do Baile de Inverno do Torneio Tribruxo, e tudo se acentuou mais quando ele derrotou Você-Sabe-Quem.

Hermione sentiu o estômago afundar. Sempre dissera a si mesma que o motivo de Parvati era status, mas nunca julgara que fosse de modo tão calculista. Pensava que pudesse haver amor, ao menos. Respirou e demandou:

-- E o que não estava mais dando certo no ano passado, que era diferente das outras vezes?

-- Eu sabia que ele finalmente tinha tomado coragem pra se declarar para a irmã dos Weasley, aquela Ginevra. Não me conformava com isso, e tivemos uma briga feia antes de ele viajar para a Romênia. Eu lhe disse que era falta de consideração me largar por outra e que ele me humilharia, e ele respondeu que estava cansado de viver mentindo para ele e para mim. Eu estava desesperada. Pensei até mesmo em me matar.

-- E então?

-- E então, um dia, ele voltou da viagem. Eu me lembro que era uma quarta-feira, porque ele tinha dito que voltaria somente na manhã de quinta-feira. Ele tinha ficado quase três semanas longe, e era fim de agosto. Eu estava na banheira quando ele aparatou e foi me procurar, dizendo que estava morrendo de saudade de mim. Eu lhe perguntei da briga, e ele disse que era pra esquecer, que não queria falar sobre aquilo. E então nós dormimos juntos. – Parvati tomou fôlego.

Hermione continuava a sorver cada palavra que estava ouvindo.

-- Continue.

-- Aquela foi sem dúvida uma noite diferente. Não que ele fosse sempre seco, mas a atenção era diferente. Era como se aquela fosse a única vez que ele tivesse para ficar comigo. Não houve carícias ou beijos antes, ele tinha pressa, e dizia que era saudade. Eu acreditei. Fiquei extasiada e pensei, por um momento, que ele havia esquecido a menina ruiva. Dormi nos braços dele me considerando a mulher mais sortuda do mundo. Mas, quando o dia amanheceu, eu acordei sozinha. Ele estava estirado no outro quarto, ainda nas roupas de viagem. Eu não entendi o que tinha acontecido, e resolvi começar a arrumar a casa, até que ele acordasse para que conversássemos. E quando ele acordou, ele rejeitou meu abraço e meu beijo, dizendo que estava cansado e que ainda estava chateado por causa da nossa briga. Era como se nada da noite anterior tivesse acontecido. Quando perguntei por que ele estava tendo aquela reação depois de ter passado a noite comigo, ele disse que eu estava delirando. Eu achei que tivesse sonhado, mas as sensações remanescentes eram muito reais. Fiquei receosa, sem saber o que fazer. O receio se transformou em pavor quando a menstruação, que deveria vir dali a quatro dias, atrasou. Corri para o hospital e fiz o teste de gravidez, e a enfermeira sorriu dizendo para mim, depois de examinar a minha aura e de testar minha saliva, que eu seria mãe. Nunca em minhas aulas de Adivinhação eu teria previsto essa desgraça.

Hermione riu pelas narinas e grunhiu:

-- Não me surpreende. Mas e daí?

-- A desgraça já estava feita, e eu não poderia sonhar em me separar do Harry e voltar para casa com um filho no ventre sem pelo menos saber de quem era. Eu me sentia suja; durante horas eu fiquei quieta, nesse quarto, sentada, me balançando repetidamente, cismando e repassando cada minuto do que havia acontecido. Cheguei à conclusão de que ele estava falando a verdade. Por outro lado, aquilo significava deixá-lo livre para Ginny, o que eu não queria de jeito algum. Por isso, naquela noite em que eu soube do resultado, eu convenci Harry a dormir comigo. Era o único modo de matar dois coelhos com um só tiro: diria que estava grávida dele e o afastaria de vez da pequena Weasley, para quem ele estava realmente planejando voltar. – Um esgar de desprezo lampejou nos olhos da morena.

Jamais ela tinha ouvido uma história tão sórdida. Aonde aquilo a levaria, era o que queria ver. Instigou a outra a continuar.

-- Dali a três semanas, anunciei a gravidez ao Harry. O pacto estava selado; eu sabia que ele não me abandonaria. Mesmo assim, ficava apreensiva a cada vez que ele chegava perto daquela mulher.

-- Esse foi o motivo da ameaça de pré-eclâmpsia? Essa pressão alta, esse nervoso...

-- No início, sim. Mas, há três semanas, eu finalmente tomei coragem e fiz a vidência-medibruxa para saber o sexo da criança e para saber como ela era. Precisava ao menos ter alguma pista de quem era o pai dessa criança.

A vidência-medibruxa, Hermione sabia, era o equivalente ao ultrasom utilizado pelas jovens trouxas, mas com uma diferença essencial: além do sexo, era possível ao medibruxo dizer cor de olhos, de pele e de cabelos, o que fosse possível já distinguir no feto, de acordo com o estágio de crescimento em que estava.

-- E então? Alguma idéia de quem é o pai? – Ela mal respirava.

-- Sim. Os traços são peculiares: pele muito branca, compleição magra, cabelos negros como os meus, mas os olhos definitivamente prateados. E o queixo pontudo.

Não podia acreditar no que estava escutando. Sussurrou o início da frase:

-- Draco...

-- Malfoy, sim. Pode imaginar o meu desespero. Foi quando fui parar pela primeira vez no St. Mungus. O caso não era de uma gravidez normal, porque eu mostrava o que os medibruxos chamaram de "estado mental alterado", então me mandaram para lá para terminar o acompanhamento da gravidez. Eu mandei um bilhete para Draco Malfoy, dizendo que eu sabia o que ele tinha feito e que eu jamais o perdoaria. Pedi para vê-lo, e ele veio enquanto o Harry estava trabalhando. Disse-me que era um favor especial que havia feito a nós dois, que ambos tiraram lucro disso e que, portanto, eu não era nenhuma vítima.

Como é que uma pessoa podia chegar a tal nível de baixeza, Mione se perguntava. Não tinha palavras para condenar, repreender, consolar ou absolver, o que quer que fosse que tivesse de dizer a Parvati. Aquela história era tão incrivelmente absurda, que não teria acreditado se a morena não tivesse tomado uma boa dose do poderoso Veritaserum de Snape antes de contá-la. Lembrava-se até mesmo de ter sugerido isso em um momento de desespero, a Harry, mas jamais supusera que fosse verdade. Suspirou alto, apoiando o queixo nas mãos fechadas juntas e perguntou:

-- E isso aconteceu quando?

-- Há duas semanas.

-- A questão, Parvati, -- Hermione fazia um esforço para compreender – é saber como Malfoy sabia que você estava no seu período fértil e como ele conseguiu um pedacinho do Harry pra colocar na Poção Polissuco.

-- Simples. Ele ouviu Padma pedir uma poção para cólica no setor ambulatorial do Ministério, quando você estava com ela, e a ouviu comentando que uma coisa curiosa é que nós duas temos o nosso período religiosamente juntas. Dali para frente, foi somar dois mais dois e preparar a poção no tempo certo.

-- E o Harry?

-- Não foi nada difícil. No último dia do Harry no serviço antes da viagem, ele fingiu esbarrar nele por engano e os dois foram para o chão. Ele se apoiou no Harry e pegou o fio de cabelo de que precisava.

-- Ele mesmo te contou isso?

-- Sim.

A man can tell a thousand lies

Um homem pode contar mil mentiras

I've learned my lesson well

Eu aprendi bem a minha lição

Hope I live to tell the secret

Espero viver para contar o segredo

I have learned till then

Que tenho acumulado até então

It will burn inside of me

Ele queimará dentro de mim

Hermione reparou na mesa-de-cabeceira. Ali, pousava um vaso de rosas cor-de-rosa com um cartão: "Para o seu pronto restabelecimento, e da menina também. Draco Malfoy." Então, ela esperava uma menina. Uma garotinha que, a despeito de tudo era inocente e bela como aquelas flores que seu pai lhe enviara.

I know where beauty lives

Eu sei onde vive a Beleza

I've seen it once, I know the warm she gives

Eu a vi uma vez, sei o conforto que ela oferece

The light that you could never see

A luz que você jamais poderá ver

It shines inside, you can't take that from me

Brilha aqui dentro, você não pode tirá-la de mim

-- Alguém mais sabe desta história?

-- Não.

Hermione quase espumava de raiva. Como pudera ser tão ingênua, como? Como pudera colocar em risco a felicidade das pessoas que mais amava, em nome de um amor que Malfoy dizia sentir por Ginny? Ele ultrapassara todos os limites da moral e do respeito para alcançar seu intento e agora era Parvati quem sofria as conseqüências. Olhou para a morena, que estava visivelmente pálida de cansaço.

-- Deite-se e durma, Parvati. Amanhã será outro dia. – Ajeitou as cobertas sobre a moça e desceu as escadas. Anoitecera, e Lavender surgia da lareira.

-- O que houve com a Parvati, Hermione? E o Harry, onde está? O que você está fazendo aqui?

-- Tomando conta dela. Está alimentada e acabou de dormir. Não a perturbe. O Harry está chegando. Fale pra ele levar você e ela para a casa dos Weasleys com uma Chave de Portal. Aqui está. Mande-o usar novamente a Chave de Portal para chegar à orla da Floresta Proibida para conversarmos dentro de meia hora. – E, sem responder a qualquer uma das perguntas de Lavender, desaparatou.

"Ah, Malfoy, eu te avisei!" Foram somente essas palavras que Ginny, naquela noite, ouviu de Hermione, quando o berrador chegou em sua casa. Draco e ela estava jantando, e ele ficou branco. Logo em seguida, Penny chegou com uma carta para ela.

-- Me dá isso aqui, Draco! – Com uma força surpreendente e uma prática de desvios adquirida no quadribol, Ginny pegou o pergaminho e leu. "Ginny, precisamos conversar muito seriamente. Apareça AGORA na orla da Floresta Proibida. JÁ. Hermione." O rapaz estava esperando, tenso, os braços juntos do corpo. – E então, Draco? O que significa tudo isso?

-- Besteira da Granger, que vive de alucinações. Ei! Aonde você vai a essa hora?

-- Para mim, basta, Draco. Sua resposta te entrega sem que você queira.

Ele deu uma volta em si, exclamando, pasmo: -- Endoidou, só pode ser! – Mas Ginny já vestia o casaco e a capa roxa. – QUER FAZER O FAVOR DE ME ESCUTAR?

Em vez de ser atendido, foi ele quem escutou o estalido. À revelia de todo o receio que tinha, Ginny desaparatara. "Maldição!" Socou a mesa, de onde caíram os copos de vidro. Não havia tempo a perder; precisava ir também. Pegou a varinha e desaparatou logo em seguida.

Entrementes, Hermione andava de um lado para o outro à beira da Floresta, perto do lago. A lua brilhava timidamente, e a luz era garantida, na verdade, pelas milhares de estrelas que cintilavam aqui e ali. Deus, o que faria? Como contar a série de segredos que estava guardando há anos? Se tudo desse certo, Malfoy também viria para o confronto. Ela não tinha ilusões: seria uma batalha, da qual certamente sairiam feridos. Não chamara Ron porque considerava justa a discussão entre os envolvidos, somente, e Parvati seria a única que não estaria presente, devido ao seu estado debilitado de saúde.

Não fora fácil escolher um local para que isso acontecesse, tampouco. Ela mesma morava com os pais; em Wiltshire, em território inimigo, nem pensar. Também não daria para ser na Toca; Malfoy sairia morto dali. Harry não desejaria, muito menos, ter Malfoy em sua casa. A única opção seria o sobrado de Ginny, mas não poderia porque ficava em território trouxa, e a coisa podia piorar. Se fosse sincera consigo mesma, responderia que sua primeira escolha tinha realmente sido Hogwarts, porque fora ali que tudo começara, e fora à beira do lago que vira Malfoy conversando com Ginny no último dia de aula. Fora no jardim que interpelara Malfoy para lhe contar que sabia do jogo sujo que ele havia armado. E, no fim, os acontecimentos se amontoaram de tal maneira que se havia transformado em uma gigantesca bola de neve prestes a atropelá-la. Mas não tinha como fugir; fora a responsável por deixar que a história toda continuasse por anos a fio, e tinha de dar um jeito de desfazer os nós.

Seu pensamento foi interrompido pelo estalido da aparição de Harry, que caía a seu lado com a Chave de Portal. Em seguida, Ginny e Draco entravam pelo portão, esbaforidos. Tinham aparatado em Hogsmeade e, de lá, tomado coches para chegar ao portão da escola. Todos pareciam constrangidos por estarem juntos naquele lugar àquela hora.

Draco foi o primeiro a falar:

-- Vai, Granger, desembucha logo. Não tenho tempo a perder na vida.

A voz dela tremia no começo e, aos poucos, foi se firmando:

-- Claro que não, Malfoy. Por isso mandei um recado curto e grosso. E também foi assim o bilhete para cada um de vocês. – Olhou para os amigos.

-- Refere-se àquele berrador demente?

-- O que foi aquilo, Mione? – perguntou Ginny.

A moça olhou para cada um deles e disse:

-- Bom, eu vou contar uma história pra vocês. Começa bem aqui, em Hogwarts.

-- Xiiii, lá vêm mentiras...

-- Cala a boca, Malfoy. – A voz de Harry era baixa e ameaçadora. Ele podia sentir a gravidade na voz da amiga.

-- U-hu, agora resolveu acordar pra vida, Potter?

-- Fica quieto, Draco! – Ginny resmungou.

Hermione continuou:

-- Bom, começou com a notícia de um certo Baile de Formatura do sétimo ano...

Seguiu contando o mais difícil dos segredos: o de que sempre soubera que Draco Malfoy trapaceara para ir com Ginny ao Baile. Seus olhos estavam rasos d'água.

-- Por favor, Ginny, Harry, me desculpem... Eu não sei porque fiz isso… Eu achei que…

-- Ah, essa é boa! AGORA você vem chorar, Granger! Coitadinha da intragável sabe-tudo! Por que você não conta que ficou quieta por que eu te chantageei? Vai, fala tudo! – Hermione tentava secar as lágrimas, enquanto Draco despejava todo o seu rancor acumulado. -- Eu não presto mesmo, não é isso? EU enganei a Ginny, não é mesmo? Ou por acaso fui EU, também, que fiquei seis anos e meio virando as costas pra ela, pra toda a atenção que ela dava, nem que fosse através de cartões ridículos, pra mim? Também fui EU que ignorei toda a dor dela, e fui EU que deixei ela chorando sozinha no lago? – Ginny chorava muito, e Harry sentia o coração confrangido, o estômago afundado de tanta culpa. -- E será que também fui EU que deixei a Ginny largada naquela porcaria de mansarda, sem um emprego decente, sem ter ao menos uma lareira, alvo de zombaria entre os conhecidos, sem fazer com que ela tivesse uma fonte de renda garantida e um salário minimamente razoável? Hein, Granger, conta pra mim, por acaso foi a amiga dela, aquela insosa da Fernanda Melfontes, que falou com aquela incompetente a quem chamam de Diretora e ofereceu uma quantia maior para pagar o salário dela? – O rosto dele estava vermelho, e ele apontava pra si mesmo, gesticulando sem parar. – Ah, é mesmo, fui eu! Também fui EU que a procurei, por acaso? Fui EU que fui covarde e resolvi ficar noivo de outra mulher, quando a amava?

-- MAS A FILHA É TUA, MALFOY! – Nem Hermione esperava ter gritado daquele jeito.

A man can tell a thousand lies

Um homem pode contar mil mentiras

I've learned my lesson well

Eu aprendi bem a minha lição

Hope I live to tell the secret

Espero viver para contar o segredo

I have learned till then

Que tenho acumulado até então

It will burn inside of me

Ele queimará dentro de mim

Levou um tempo até que todos assimilassem a informação. Conseguira, por um momento, fazê-lo se calar. Ela continuou, olhando para Harry e Ginny:

-- Sim, você se achou bom demais para esconder mais essa. Só que EU descobri, tá bem? Tive um trabalho desgraçado pra descobrir suas tramóias. Eu te avisei, Malfoy, não mexa no vespeiro e não será picado! Só que você pecou por uma coisa: não devia ter pegado os ingredientes da Poção Polissuco do estoque do Snape!

The truth is never far behind

A verdade nunca está muito atrás

You kept it hiden well

Você a manteve bem escondida

If I live to tell the secret I knew

Se eu viver para contar a história que eu sabia

Then will I ever have the chance again?

Então será que terei a chance de novo?

Harry estava perplexo:

-- Peraí!... Poção Polissuco? Como assim...? – E Ginny gritou, horrorizada.

-- Ah, Harry, pára de ser débil! Não vê que o Malfoy tomou a Poção Polissuco pra engravidar Parvati? Só assim ele teria o caminho definitivamente livre para conseguir Ginny!

Ouviram um baque suave na grama. Ginny desmaiara, mas ninguém se mexeu.

-- Vai, Granger, continua com as suas alucinações! Olha só o que você fez com ela!

-- Não gaste sua saliva, Malfoy: Parvati me contou tudo. E nem tente duvidar: dei a ela o Veritaserum antes da conversa. – O olhar dela era de desafio. – Eu avisei que a sua chantagenzinha de nada ia cair por terra um dia, Malfoy, e que se você fizesse mais isso pra magoar meus amigos, você ia ter de se ver comigo!

-- Como se você fosse páreo para mim, Granger! Não tenho medo, nem tente me intimidar. Você é uma metida a sabichona que sempre enfia o nariz onde não é chamada, e não perdeu essa maldita mania! Patil não é a vítima que você está pensando! Ela até gostou do nosso encontro, se você quer saber! – Levantou a varinha. – Vai se arrepender amargamente do dia em que resolveu se meter, sujeitinha de sangue ruim!

Mas o que ele iria fazer, ninguém jamais soube. No momento em que apontou a varinha para ela, que se preparava para um duelo de bruxos, Harry avançou com tudo para cima dele, a varinha largada no chão. Não queria saber de mais nada, queria infligir toda a dor que sentia nele, descontar todos aqueles anos de sofrimento dele e de Ginny, a honra de Parvati, as verdades ocultas de Hermione, a desilusão de não estar mais à espera de um filho.

Com o muque fechado, acertou Malfoy várias vezes no peito e no rosto, não deixando de apanhar, também, embora fosse menos. Rolavam na grama fresca, se atracando num duelo de trouxas adiado por mais de uma década. Os óculos de Harry voaram longe, junto com a varinha de Draco, chutadas para a margem do lago.

-- Seu filho da mãe, desgraçado! – Harry continuava a socá-lo cegamente, como se Malfoy fosse um saco de areia. Sentia sua força aumentada dez vezes com o ódio, e o prazer de surrar Malfoy era algo jamais imaginado. Mais tarde, pensaria que talvez fosse assim que seu primo Dudley se sentisse quando o surrava, ou quando estava no ringue.

Hermione olhava desconsolada, não sabia o que fazer, não queria chamar ninguém e achava milagre que ninguém tivesse aparecido por lá. Ajudou Ginny, que acordava, a se levantar. Ela olhava a cena surreal, numa espécie de transe, com os reflexos da água escura a turvar a mente. Aquilo não podia estar acontecendo. Era como se voltasse no tempo mais de dez anos e visse os dois brigarem perto da Floresta Proibida, depois de uma aula de Trato das Criaturas Mágicas.

-- Eu avisei, Malfoy, para tomar cuidado com ela. – Harry havia se levantado e pegado a varinha. O rosto já estava arroxeando e provavelmente bastante dolorido, mas ele sequer sentia o sangue escorrer do lábio cortado. Tremia por inteiro. – Você devia de saber que se Arthur Weasley ou os irmãos dela não acabassem com você, eu o faria! – Levantou a varinha e apontou para o peito de Draco, deitado no solo, sangrando e sem reagir. O braço estava dobrado num ângulo esquisito. – Avada...

-- NÃO! – gritaram Ginny e Hermione juntas. Ginny se colocava na frente de Draco, e Hermione puxava bruscamente o braço de Harry, fazendo-o cair sentado.

-- Não, Harry, não. – A amiga lhe suplicava, a voz baixa e chorosa, os olhos úmidos. – Por favor, por favor, Harry... Vamos embora... Vamos sair daqui...

Harry continuava a encarar Draco. Estava olhando, também, para Ginny, que ajudava o rapaz a se levantar, apoiando-o em seu corpo. Ela olhou para ele.

-- Ginny...

-- Não, Harry. – A voz tremida se afirmava enquanto ela se equilibrava e abraçava Draco, que gemia e mancava.

-- Mas...

-- Deixa, Harry, -- Hermione pediu, conciliadora. Colocou a mão em seu braço e olhou como a Sra. Weasley às vezes olhava para ele. – Deixe-os ir. Ela tem de passar por isso sozinha, e você não pode decidir por ela.

If I ran away

Se eu fugisse

I'd never had the strength to go very far

Eu jamais teria forças para ir muito longe

How will they hear the beating of my heart?

Como eles ouviriam as batidas do meu coração?

Ele olhou para a amiga como se a visse pela primeira vez em anos. Calma e visivelmente exausta, ela se levantou e estendeu a mão para ele:

-- Vamos. Eu sei que temos de conversar por causa disso.

Will it grow cold, the secret that I hide

Esse segredo que eu escondo, ele se tornará frio?

Will I grow old?

Envelhecerei?

How will they hear?

Como eles ouvirão?

When will they learn?

Quando descobrirão?

How will they know?

Como saberão?

Ele aceitou a mão e se levantou, ajeitando no corpo a jaqueta jeans rasgada nos cotovelos. Seria mesmo bom ir com ela. Havia perguntas demais que precisavam de resposta e, pelo que havia acontecido, sabia que somente ela poderia responder.

Nota da autora: Sim, no final das contas, o título deste capítulo é plagiado de Harry Potter e o Prisioneiro de Azkaban. Mas não foi de propósito; as coisas permanecem na mente da gente de modo fantasmagórico: eu fiquei meses sem este volume porque emprestei a uma amiga (que ainda não o devolveu porque não nos temos visto, mas sei que o livro está em ótimas mãos!) e, quando tive acesso a uma edição de outra pessoa e estava chegando ao fim dele, deparei-me com o título. Paciência, isso é só para provar que essa idéia de a Hermione tão certinha ter segredos é tão perfeita que merece título, como a própria autora, em sua genialidade incomparável, o fez em primeiro lugar. E sim, este capítulo demorou a sair porque era a grande reviravolta da songfic e, devido a isso, ficou longo. Mas não deu mesmo para separá-lo, dentro da estrutura que criei. Foi simplesmente impossível. De qualquer modo, aí está. Espero que curtam. Aos leitores que têm acompanhado pacientemente – completaremos um ano com esta songfic neste mês de novembro --, os meus sinceros agradecimentos e as desculpas pelos escorregões. Estou sem beta reader desde o quinto capítulo. Aos novos leitores, sejam bem-vindos! E, como sempre, peço que deixem suas reviews, ok? F. Mellingott.