2° Capítulo

Reencontro

O moreno se colocou em frente aos rapazes. Com um sorriso estampado no rosto, logo tratou de estender a mão em direção a Duo, que estava com cara de poucos amigos mediante ao sorriso malicioso que via no rosto do moreno, mas nada que depois não fosse resolvido.

Duo estendeu a mão para cumprimentar de forma educada. O moreno aos seus olhos era realmente bonito, seus cabelos soltos e ondulados, iam até abaixo de sua cintura, basicamente do mesmo tamanho dos de Duo, seus olhos eram verdes, tão verdes quanto os olhos de Trowa, mas com um brilho de malicia e um teor de maldade. O corpo de Mitchel era bem moldado, não era muito largo, mas marcava presença imponente, deveria ter 1.90cm de altura.

A primeira impressão que teve era que aquele cara de alguma forma deveria ter algum dedo no sumiço de seu amigo, e faria de tudo para descobrir, fosse por bem ou por mal.

Bom, as apresentações estavam sendo feitas um a um... Quatre como sempre, apresentou Mitchel para todos seus amigos e no último que era Trowa, sua voz quase que falhara ao sentir aqueles olhos a lhe fitar intensamente.

Mitchel sentiu a tensão de Quatre, sabia que aquele que estava a sua frente seria um problema, sabia que Quatre ainda não havia se desvencilhado completamente de tudo em sua vida anterior, e a prova disto era que estavam ali... em Londres e com os amigos de seu 'Angel'. Mas não se conteve e acabou soltando uma piada, afinal, aquilo todo era um grande jogo.

"Quer dizer que tenho o prazer de conhecer Trowa Barton... Eu possuía uma outra imagem de sua pessoa... " Quando ia continuar a falar, seu celular começou a tocar... o número que constava no visor não poderia deixar de atender, voltou-se ao grupo... " Vocês irão me desculpar, mas tenho coisas pendentes a resolver. Com licença". Antes de sair do local, seus dedos passaram lentamente pelo pescoço de Quatre, enquanto a outra mão tocava lentamente o braço esquerdo do loirinho, sinalizando que este deveria se comportar na sua 'pequena ausência' e saiu deixando Quatre aturdido e tenso demais.

Seus pensamentos foram cortados pela voz de Duo e suas mãos a lhe puxar para sentar bem próximo.

"Pode começar a falar Quatre Raberba Winner... aonde o senhor se meteu durante este tempo todo? Você nos deixou preocupados, sabia... Vai, começa a falar Quat...". Duo olhava intensamente esperando uma resposta para suas perguntas. Os outros alternavam o olhar entre Quatre que não estava vermelho, mas apenas distante e Duo que estava aparentemente se coçando de tanta curiosidade.

Bom, todos estavam curiosos, mas dariam tempo a Quatre de se sentir a vontade para responder tantas e tantas perguntas que seriam feitas.

O loirinho segurando o punho esquerdo em toques discretos, olhou para Duo e começou a falar tranqüilamente.

"Eu estava em Nova Iorque... fui para lá porque precisava me distanciar, precisava me ariscar, precisava sentir que minha existência servia para alguma coisa...". Foi feito um silencio e Quatre continuou... "Eu nunca esperei que ao desembarcar e me ariscar a pegar um simples táxi que já havia sido destinado a me buscar, em um local desconhecido, eu seria vítima de minhas próprias escolhas... Eu... com cara de inocente, um estrangeiro, sem malicia nenhuma, foi por assim dizer... seqüestrado... Fui levado para um local que nem em pesadelos eu poderia ter visualizado. Fui arrancado do veículo, jogado ao chão; o local parecia um galpão abandonado. O taxista saiu em disparate e me deixou ali com a minha mala. Eu não sabia aonde estava e que lugar era aquele, eu só sabia que era uma coisa que não havia volta... E eu não estava interessado em voltar... não havia nada para me fazer voltar...". Deixou um suspiro escapar fazendo uma pequena pausa.

Duo escutando aquilo se aproximou do amigo com os olhos marejados. Por Deus... seu amigo havia sofrido alguma coisa, algo de tão grave e profundo que emanava tristeza por todos os poros, mas por que depois disto tudo Quatre não voltou? Duo estava com essa pergunta na cabeça, mas depois faria a pergunta, não agora... depois.

Quatre continuava a falar, mas o que estava contando ao seus amigos, não era nem um terço do que acontecera.

"Eu simplesmente fui preso naquele lugar. Fiquei lá trancado por muitas horas, no início eu desatei a chorar, a me sentir estúpido, pensei em vir embora, retornar ao meu lar e aos meus amigos e desamores..." Lançou um breve olhar em direção a Trowa que estava concentrado demais no relato do loiro, mas que se chocou quando viu a forma que Quatre o olhara. O loirinho soltando um suspiro baixo voltou a falar agora segurando o pulso com mais força.

"Perdi a noção do tempo ali dentro. Foi quando eles apareceram e brutalmente e arrastaram para outro local. Me amordaçaram, amarraram e começaram a me espancar. De certo perdi a minha consciência, pois quando acordei estava nu em uma cela". Olhou para Duo e viu que o amigo estava com o semblante além de envolto em lágrimas, notava algo crescendo nos olhos do amigo... raiva, ódio. Apenas tocou o rosto do amigo e deixou um sorriso escapar. "Calma Duo, sei o que você deve estar pensando, mas acredite, tudo existe com um propósito e acredite, depois da tempestade sempre vem a calmaria". Disse isto sorrindo mais ainda ao ver a cara de espanto de Duo e imaginando que se contasse tudo o que lhe ocorrera, o amigo certamente ficaria louco...

Vendo que todos estavam calados a espera da continuação do relato, Quatre apenas apoiou os braços sobre a mesa, fazendo com que as mãos ficassem na altura de seu rosto e desta forma servissem de apoio.

"Sabe, vou poupar lhes os detalhes sórdidos, porque sei que isto não fará bem a vocês. O desfecho vocês devem imaginar também, mas apenas para constar... sim, eu fui violentado. Não só por um cara, mas pelo que eu consigo me lembrar... foram mais de cinco homens a me tomar naquele dia". Seus olhos estavam tão distantes, estavam apagados, mas se todos ali olhassem bem para o rosto do loirinho, veriam um pequeno e discreto sorriso.

Duo se levantou bruscamente da mesa olhando para Quatre, que depois de ser arrancado de seus devaneios voltou a ficar sério e levemente ruborizado com as palavras do amigo.

"Como você consegue falar assim tão calmamente de uma coisa que te fez tão mal? Como Quatre, me diga... Diga para gente o porque de você não dar notícias depois de uma coisa destas... Por Deus, Quat, você poderia estar morto e a gente nem saberia aonde te localizar..." Duo desabou em lágrimas, fazendo com que Quatre se sentisse culpado.

Heero que até agora estava quieto levantou e abraçou seu amor tentando acalma-lo, mas Duo estava muito alarmado com aquilo tudo. Pensar que seu melhor amigo quase desapareceu da fase da terra por se arriscar de forma tão irresponsável... Seu amigo estava tão decepcionado a este ponto? A ponto de não mais se importar com sua própria vida?

Quatre vendo o estado de Duo, se levantou e abraçou o amigo carinhosamente. Afastando-o um pouco para lhe responder as perguntas.

"Duo, você sabe que eu sempre fui o mais calmo dentre todos aqui, você sabe muito bem a minha natureza, você é a única pessoa desta mesa que consegue ainda me deixar sem graça por me conhecer tão bem. Se falo com tanta calma, é porque não possuo motivos para remoer sentimentos acerca do que me aconteceu. Se desapareci, era por que se fazia necessário meu afastamento... eu tinha que me afastar de sentimentos conflitantes, de meu passado medroso e covarde, me afastar da minha inocência para me tornar um pouco mais confiante em mim mesmo. Sei que meus métodos não são os mais corretos perante aos seus olhos, mas garanto que hoje em dia tenho mais coragem do que você possa imaginar meu amigo. E se você puxar pela memória, saberá porque eu fui embora". Abraçou um pouco mais antes de lê mostrar um sorriso que era do antigo Quatre, mas antes que pudesse relaxar um pouco mais, viu a silhueta conhecida de Mitchel voltando para a mesa, se afastou de Duo assumindo assim o mesmo ar distante de antes.

"Desculpe-me pela ausência, mas negócios são sempre negócios, mesmo estando em outro país". Sorriu abraçando o loirinho pela cintura e fixando o olhar em Trowa quando deu um leve beijo no pescoço de Quatre, fazendo o loirinho se estremecer levemente. Trowa vendo aquilo estreitou o olhar, sabia que aquele cara estava de certa forma lhe desafiando. Pela primeira vez na noite, Trowa acabou puxando assunto, afinal não deixaria uma noite de reencontro ser estragada por aquele cara irritante.

"Quer dizer que você veio para ficar ou pretende voltar para Nova Iorque? Os professores sentiram sua falta, o pessoal da turma também e eu também senti sua falta... falta do meu amigo". Não estava acreditando naquilo que acabara de falar, a sorte foi o remendo do final, mas tinha certeza que o loirinho sendo esperto como era, não iria engolir aquilo.

Quatre ao escutar a pergunta de Trowa, deixou o embalo dos toques de Mitchel em sua pele e se preparava para responder, mas aquilo... aquelas palavras antes do moreno se calar... 'eu também senti sua falta...' Parecia um sonho antigo, mas que logo foi destruído por um balde de água fria com a continuação da frase...' falta do meu amigo'... Era isto... Ele não passava de um amigo apenas. Rapidamente seu cérebro processou a informação de resposta fria. "Também senti sua falta Trowa, falta de nossos debates, mas senti falta também dos meus amigos queridos, dos professores. Quem sabe eu apareça para uma visita. Agora quanto a ficar... ainda estou me decidindo. Temporariamente ficarei sim, eu e Mitchel" Olhou para Mitchel sorrindo maliciosamente, quase se esquecendo do pessoal a frente. Notou que o moreno atrás de si havia ficado incomodado com a pergunta de Trowa, mas isto depois eles resolveriam.

Quatre olhou para Wufei que continuava calado, apenas observando. De alguma forma sabia que seu amigo estava analisando aquilo tudo, sempre calado, sempre observador. Foi ai que o silêncio de Wufei se rompeu... um simples comentário de um bom observador...

"Winner, bonita pulseira esta que está usando no braço esquerdo, posso ver de perto?" Os olhos de Wufei se encontraram com os de Quatre. Um certo nervoso percorreu-lhe as veias, pois sabia que o chinês havia notado algo. Algo em seu comportamento, algo que aquela pulseira poderia denunciar, mas como se negar a um pedido que para muitos parecia apenas uma curiosidade? Mitchel soltou a cintura do loirinho que apenas estendeu o braço por cima da mesa deixando a vista a pulseira e também outras coisas.

Os olhos castanhos de Wufei se fixaram na pulseira. Segurou a mão de Quatre puxando um pouco mais para perto de seu rosto. Sim, era uma pulseira lindíssima, grossa, aparentemente de prata, mas não era. Wufei sabia muito bem reconhecer este tipo de material, afinal sua família trabalha a décadas com jóias e aquilo no braço de seu amigo era ouro branco e puro com ouro. A pulseira era mesclada, era trançada entre a mistura de ouro branco e dourado, e possuía um pingente. Wufei levou os olhos na altura do pingente e sentiu a mão de Quatre se retesar um pouco com aquilo. No pingente, também mesclado com os dois tipos de ouro, havia uma letra bem grande, mas não era do mesmo material que o restante da pulseira. A letra era um "S". Olhou para Quatre e depois para Mitchel e voltou a olhar a pulseira.

"Realmente é uma pulseira muito bonita meu amigo, e deve valer uma fortuna. Não são muitos que hoje em dia pedem uma pulseira como esta. Foi você que desenhou?" Perguntou olhando para o moreno seriamente.

"Sim, eu sou designer de jóias" Falou satisfeito e curioso ao mesmo tempo com a rápida observação do chinês. Mas a pergunta seguinte deixou Quatre alarmado e o restante do pessoal com curiosidade...

"E cadê o restante? Me refiro a col.."Olhou pra Quatre que estava com os olhos arregalados e continuou a pergunta... "Me refiro ao cordão... você deve ter feito o conjunto, certo?" Estava se segurando para não falar o que estava pensando. Se aquilo que ele viu fosse o que estava realmente em sua mente... a estadia de Quatre e o desaparecimento dele tinham uma explicação, mas nada poderia falar agora... para ninguém.

O moreno sabia que o chinês tinha descoberto algo pela forma que começou a perguntar e depois reformulou a pergunta. Sim, ele havia feito o conjunto. Uma pulseira discreta que carregava a inicial de seu 'nome' e o cordão que também possuía a inicial. Gastara uma fortuna com aquilo, mas valeu cada centavo...

CONTINUA...