Capítulo 12 – E você e eu
Beijos suaves devolveram-lhe os sentidos, e Harry distribuía dezenas deles por todo o seu peito. Ao vê-lo olhando-o com emoção nos olhos negros, o rapaz sorriu e estalou-lhe um beijo nos lábios:
– Como eu te amo, Sev.
– Por favor, não me chame assim.
– Tá, não chamo – um tom divertido. – Você me ama também?
– Não sei – ele suspirou. – Não faço idéia do que seja amor. Mas sei que nunca senti antes o que sinto por você. É algo muito poderoso. Às vezes... assusta.
– Não precisa ter medo – Harry puxou-o para junto de si, com um suspiro satisfeito. – Amar é muito bom.
– Harry, você é tão novo. Não gostaria de aproveitar mais a juventude, conhecer pessoas, ter aventuras?
– O que está dizendo?
– Tem uma coisa que me preocupa. Você é jovem demais para se prender a alguém tão mais velho que você. Deveria estar se apaixonando por uma pessoa diferente a cada semana, divertindo-se com os amigos, sem preocupações na vida. Quer passar a vida toda com um único amante, e ainda por cima um...? – ele se interrompeu, cabisbaixo. – Você merece coisa melhor.
– Eu não quero mais ninguém porque você me satisfaz em todos os sentidos, Severus. Só tem uma coisa que me preocupa.
– Só uma? – Severus deu um sorriso irônico. – Você é mesmo um otimista Gryffindor.
– Eu não conheço direito o feitiço que seu pai colocou em você. Fico desconfortável em pensar que você é obrigado a me obedecer sempre, por toda a sua vida.
– Não é bem assim. Há ocasiões em que poderei até me recusar a cumprir uma ordem direta, por exemplo.
– Mesmo? Como assim?
– Mesmo que você me ordene, eu não serei capaz de fazer ou permitir que alguém o machuque. O contrário também se aplica, para minha autopreservação.
– Então você não precisa ser... tão submisso.
– Se precisar, eu ainda posso chamá-lo de pirralho insolente – sorriso irônico.
– Nunca pensei que fosse ficar tão feliz ouvindo você dizer isso – Harry sorriu. – Você também sente quando estou longe, lê meus pensamentos e coisas assim?
– Sua proximidade me traz – ele fechou os olhos com uma expressão de satisfação – contentamento. Diz-se também que esse feitiço proporciona um limitado grau de consciência do vinculado.
– Como assim?
– Em tese, eu seria capaz de perceber se você está passando por algum desconforto ou emoção forte, mesmo à distância.
– Legal! Será que eu também posso ter um vínculo desses? Talvez o Prof. Dumbledore saiba como fazer esse feitiço.
– Harry, do que está falando?
– Ora, não é justo eu ter todo esse poder sobre você. Se eu tiver o feitiço também, então as coisas ficam mais equilibradas. Sem contar que vou adorar esse lance de sentir você à distância. Será que vamos ler os pensamentos um do outro?
Severus não compartilhou o entusiasmo:
– Harry, esse feitiço beira as Artes das Trevas por ter fortes componentes da Maldição Imperius nele. É um vínculo de sangue, é como se mexesse na sua própria alma. Isso é muito sério.
– Mas não é justo. Torna a nossa relação desigual!
– A intenção do feitiço é justamente essa. E da mesma forma como dois errados não fazem um certo, o fato de você se submeter ao mesmo feitiço não vai tornar nossa relação mais equilibrada – O rapaz ainda estava rebelde, mas não falou nada. – Olhe, esse feitiço é tão antigo e obscuro que pouco se sabe sobre ele com certeza, só de lendas. Por que não pesquisamos mais sobre ele antes de agirmos?
– Boa idéia. Agora, que acha de jantarmos?
Severus não tinha idéia de que estava com fome até acompanhar Harry até a cozinha e verificar que já havia várias refeições prontas, cortesia dos elfos domésticos de Hogwarts. Os dois compartilhavam um delicioso pudim Yorkshire quando Harry perguntou:
– Você pode me explicar uma coisa? Como toda essa confusão começou, afinal? Como exatamente você engravidou?
– Você não vai gostar de saber. A culpa é de seu amigo Longbottom.
– Neville? O que ele tem a ver com isso?
– Ele cometeu uma asneira tão grande em sua poção que reuniu os ingredientes necessários a uma antiga e esquecida poção de fertilidade. Estes ingredientes, combinados com alguns da Poção de Clareamento que você fazia, ajudaram a criar as condições para a gravidez. Quando você tocou em mim, o efeito se completou.
– Então... foi meu toque que o engravidou? Não precisaríamos ter feito sexo?
– Não, isso não é verdade. É preciso sexo, e foi precisamente por esse motivo que essa poção ficou esquecida por tantos séculos: ninguém sabia se era a poção ou o sexo que fazia as mulheres engravidarem. Eu só engravidei porque carregava células suas na ocasião. O curioso é que essa poção em particular jamais tinha sido usada antes para a concepção masculina.
– E tem diferença?
Severus o encarou como se estivesse ensinando Poções Básicas a aluno particularmente obtuso:
– Se não tivesse, eu não teria engravidado. É claro que tem diferenças. A maior delas foi a criação de um útero temporário. Lembra-se de eu ter ficado desacordado quase 24 horas? Era meu corpo se rearranjando.
– Como você descobriu tudo isso?
Mais um olhar reservado a estudantes pouco brilhantes, arqueando um sobrolho:
– Eu sou um Mestre de Poções. Além do mais, Madame Pomfrey confirmou a evolução do útero em meu organismo. Contudo, ela não conseguiu confirmar qualquer outra ligação desse útero que seja capaz de proporcionar a saída do bebê. Não há alternativa senão uma cesariana.
– Severus, isso parece perigoso.
– Muggles têm feito isso desde a Roma Antiga – daí o nome cesariana, originário de Júlio César em pessoa. Minha confiança em Pomfrey certamente inclui a performance dessa cirurgia. De qualquer modo, ela prometeu consultar St. Mungo's sobre o procedimento.
– E aquilo que você falou no verão sobre a gravidez de um bruxo? Quero dizer, os riscos e tudo mais.
– Harry, é tudo verdade. Os riscos são bem altos. Não há garantias.
O rapaz adquiriu um tom sério e prometeu:
– Vamos tomar todos os cuidados, meu amor. Se precisar, iremos pessoalmente até St. Mungo's tratar de você e do bebê.
– Está tudo bem – tranqüilizou. – A gravidez corre muito bem, segundo Pomfrey.
– E você está feliz? Com o bebê, quero dizer.
– Eu... ainda não me acostumei à idéia.
– Como assim, não se acostumou? Eu só soube ontem, e você já sabia bem antes. Não estou entendendo.
– Deve pôr-se no meu lugar. Uma gravidez era única coisa que faria meu pai ter poder sobre mim de novo. Se eu engravidasse, ele poderia fazer de mim seu escravo pessoal de novo, usar-me como... fonte de renda. Durante 20 anos, eu vivi aterrorizado com essa perspectiva. Quando ela se concretizou, de maneira tão inesperada, eu entrei em pânico. Não pensei na gravidez em si. Tudo no que eu pensei é que meu pai agora podia cumprir o que sempre prometeu. E ele fez exatamente isso: você o ouviu dizer que já tinha recebido uma oferta e tinha combinado me vender.
– Mas isso acabou. O Prof. Dumbledore o enfrentou, cobriu a tal oferta e agora ele não pode fazer mais nada contra você. Nunca mais.
– E é precisamente essa a idéia à qual ainda não me acostumei. Confesso ter dedicado poucos pensamentos ao bebê e ao futuro.
– Mas você o quer, certo? Nosso bebê?
– Harry – a expressão de Severus suavizou-se –, eu não me importo de correr riscos. E nas poucas horas que pensei sobre o bebê, eu me dei conta de que nunca esperei ter um filho, muito menos engravidar. Por isso, por favor, me perdoe se não pareço tão entusiasmado. É que estou apavorado.
– Está tudo bem, meu amor. Você vai ter tempo de sobra para se acostumar com a idéia. Tem sugestão de nome?
Severus deu de ombros:
– Famílias de sangue puro gostam de dar a seus filhos nomes latinos, ou de reis e imperadores – romanos, de preferência.
– Como Severus?
– James também é nome de um rei.
– Você se incomodaria se o nome do bebê fosse James?
– Esse é o nome do avô dele – Severus evitou olhar Harry. – Compreensível que queira homenagear seu pai dando o nome de seu primeiro filho.
– Severus, é seu filho também. Quero sua opinião sincera. Se você acha que não pode conviver com o fato de seu filho ter o nome de seu antigo inimigo... Olhe, não tem problema. Só me dê alternativas de nomes.
– Preciso pensar sobre o assunto. Embora não haja praticamente chance de ser uma menina, saiba que não faço objeções a que tenha o nome de Lily.
– E o nome de sua mãe? Eu nem sei qual é.
– Augusta. – O olhar de Severus se suavizou. – Eu não me lembro muito dela.
– Augusta também é um nome distinto. Vamos começar a fazer uma lista, aos poucos.
– Como quiser, Harry – ele se ergueu. – Agora eu vou lavar os pratos.
– Nada disso – Harry o deteve. – Foi decretado que hoje é Dia de Severus, e no seu dia você não faz nada. Além do mais, ficar em pé não lhe faz bem. Madame Pomfrey foi bem clara. Portanto, pode ficar sentadinho aí, bem bonitinho.
– Está bem – Severus assentiu. – Mas precisamos falar de um outro assunto. Um que temos evitado até o momento, mas logo precisaremos tratar dele.
Parecia coisa combinada, porque nesse exato momento, o tal assunto se pronunciou diretamente nos dois, sem margem de procrastinação.
A cicatriz de Harry ardeu intensamente, fazendo-o sibilar de dor, e o braço de Severus começou a doer, levando-o a segurá-lo. Voldemort parecia indócil.
Severus se ergueu:
– Ele está me chamando.
– Ele já sabe do que aconteceu – disse Harry. – Quer explicações.
– Preciso ir – ele se virou. – Não me espere acordado.
– Não! Você não vai.
– Harry, minha situação já é precária agora. Se eu não for, ele jamais vai se convencer de que eu não o traí.
– Ele provavelmente já sabe de tudo, e é óbvio que vai exigir que você me entregue a ele. Vai puni-lo quando não fizer isso, vai puni-lo por termos nos casado, vai colocar você e o bebê em perigo. Não vou deixar isso acontecer. Você não vai.
– Isso só vai piorar as coisas. Na próxima vez...
– Não está entendendo? Não vai haver uma próxima vez. Tudo isso que aconteceu o deixou muito exposto. Não sei nem se Voldemort já não sabe que você é um espião.
– Não sabemos disso com certeza. Por isso precisa me deixar ir.
– Não! – Harry parecia irredutível. – Se eu não deixar, você não poderá ir, não é?
– É verdade – Severus parecia contrariado. – Se me der uma ordem direta, eu não poderei desobedecer dessa vez.
– E como está conseguindo me contestar?
– É minha percepção que minhas atividades ajudam a mantê-lo em segurança.
– Bom, pelo menos essa noite você não vai. O maldito não respeita nem nossas núpcias?
A despeito de si mesmo, Severus deu um sorrisinho:
– Então não quer que eu vá por puro despeito, é isso?
– Voldemort devia ter pensando duas vezes – Harry de repente se deu conta. – Desculpe, usei o nome dele.
– Não há problema. A dor parece ter diminuído. Aparentemente, isso pode indicar que minha ligação com ele diminuiu. Não é difícil entender o motivo pelo qual isso teria acontecido.
– O feitiço de seu pai?
– Precisamente. Minha ligação com você é mais forte.
– Adorei – Harry olhou para cima e falou com o teto. – Essa eu ganhei de você, Voldie monstrão!
Severus teve que sorrir ante a espontaneidade de seu marido, que terminara de lavar a louça com um sorriso triunfal.
– E agora, Sev? O que gostaria de fazer?
Harry viu o olhar de Severus mudar diante dessa pergunta. Era uma coisa inconsciente, notou. Mais uma vez, ele esperava ser repreendido ou até espancado pelo simples fato de dizer em voz alta seus desejos. O rapaz notou que rapidamente estava aprendendo a ler seu marido. Pena que ele estivesse lendo tanta falta de amor-próprio.
– Severus – Harry pegou as duas mãos entre as suas. – Jamais tenha medo de me dizer o que você quer. Sempre vou ouvi-lo, eu sempre quero ouvi-lo, entendeu?
Os olhos de Severus encararam o rosto de Harry atentamente, e o rapaz sentiu o coração doer ao perceber o quanto seu marido havia sido traído e enganado na vida. Com o tempo, pensou Harry, talvez aquilo pudesse mudar.
– Eu gostaria – ele baixou a voz e os olhos – de apenas dormir, se você não se importa.
– Claro que não. Você deve estar cansado, depois de um dia tão cheio. Se preferir dormir sozinho, acho que a minha cama ainda está no quartinho.
– Não! – Severus pegou no braço dele por impulso. – Não, eu gostaria de ficar com você. Por favor.
– Está bem – Harry beijou-lhe as mãos. – Então, de volta ao leito nupcial.
Eles passaram a noite toda abraçados, o contato parecendo confortar tanto um quanto o outro. Anos mais tarde, Severus ia se lembrar daqueles dias como sendo aqueles em que mais se sentiu vulnerável em toda a sua vida – e também os dias em que se sentiu mais cuidado, graças a Harry. Sem o jovem mago a seu lado, ele certamente não teria sobrevivido incólume a todas essas turbulências.
Harry tinha planos de deixar Severus dormir até bem tarde, mas pouco depois do amanhecer ele notou estar sozinho na cama. Alarmado, saiu a procurar o marido e foi encontrá-lo de joelhos no banheiro, a pele ligeiramente esverdeada. Ele se assustou e correu para ele:
– Meu Deus, Sev, o que foi? O que você tem?
– Enjôo matinal – foi a resposta em tom ácido. – Tenho uma poção para isso.
– E o que eu posso fazer?
– Pare de me chamar de Sev e me traga a maldita poção.
Harry obedeceu, decidindo que, se ele estava conseguindo xingar, então ele não estava tão ruim assim.
