Capítulo 16 – Deixe isso

O dia não tinha sido especialmente estressante, mas Severus estava com sono e ansioso por chegar a seus aposentos e enrodilhar-lhe com Harry em silêncio. Os aspectos mais tortuosos da gravidez pareciam já ter passado e a última semana tinha sido relativamente tranqüila.

Mas tudo indicava que aquela noite não seria nada do planejado. Quando Severus entrou em seus aposentos, ouviu vozes vindo do quarto de dormir. Ele sacou a varinha e invadiu o aposento, disposto a enfrentar os possíveis intrusos.

Harry, Hagrid e Dumbledore viraram-se assim que ele entrou, os dois primeiros numa atitude defensiva. O diretor de Hogwarts sorriu para ele, com os olhos muito azuis:

– Ah, Severus, enfim.

– O que está acontecendo?

– Hagrid quer nos ajudar – disse Harry, percebendo o marido nervoso. – Na verdade, ele quer nos dar um presente.

– Presente?

O meio-gigante enrubesceu:

– Não pude dar um presente no casamento, e o Natal está perto, então a hora parece ser apropriada.

– Hagrid vai construir o quarto do bebê – sorriu Harry, apontando. – É possível abrir essa parede e fazer um aposento bem pertinho do nosso.

– Além da obra, Hagrid se ofereceu para também fazer os móveis para o bebê – esclareceu Dumbledore. – Vou usar um pouco de mágica durante a fase da obra, por causa das camadas mágicas que naturalmente protegem as masmorras.

Por uns segundos, Severus ficou chocado, depois ele se acalmou: o bebê não iria dormir no mesmo quarto que ele e Harry, então era óbvio que ele iria precisar de um novo aposento. Ele é que não tinha antecipado isso. Harry parecia animado:

– Hagrid quer começar amanhã mesmo, para poder terminar logo. Assim tudo estará pronto e acabado bem antes do bebê chegar. Não é ótimo?

– Hum – fez Severus. – Quanto tempo levaria essa empreitada?

– Ah, uns 20 dias, talvez um mês – estimou Hagrid. – Depois disso, vocês podem se mudar de volta.

– Mudar?

– Sim – confirmou Harry. – Não podemos ficar aqui enquanto ele estiver fazendo a obra.

– Por que não?

– Severus, todo aquele pó e depois os vapores da tinta, não farão bem a você nem ao bebê. Você não poderia ficar aqui mesmo que não estivesse esperando.

– Mas... eu não posso sair daqui...! Meu laboratório!... Meus espécimes!...

– Calma, o laboratório está seguro, bem longe desses aposentos – tranqüilizou Dumbledore. – E eu já estou providenciando uma solução de alojamento para você e Harry.

– Mas não há problema de alojamento – Severus franziu o cenho. – Há aposentos para convidados em Hogwarts. Podemos usar um deles.

– A maioria desses aposentos fica nas torres de Ravenclaw e Gryffindor, por causa da magnífica vista – lembrou o diretor. – Harry não quer que você precise subir tantas escadas todos os dias durante um mês.

– Suponho que possamos ocupar um dos dormitórios de Slytherin e pedir a alguns alunos que se mudem – sugeriu Severus. – Será por pouco tempo, mesmo.

– Não será necessário incomodar sua casa, Severus. Falei com Remus Lupin, e ele está disposto a ceder seus aposentos durante o tempo que for necessário. Como vocês sabem, a sala de Defesa contra as Artes das Trevas fica no andar térreo. Será necessário apenas vencer um lance de escadas para chegar até as masmorras.

– Lupin concordou?

– Com certeza. Ele deve estar até providenciando a mudança dele para os aposentos em Ravenclaw.

Snape absorveu a informação com um toque de curiosidade. Hagrid interrompeu seus pensamentos:

– Bom, agora só falta definir os móveis. O que vocês vão querer no quarto? É só dizer que eu faço.

Houve breves minutos de indecisão. Harry e Severus se olharam, ambos dando-se conta naquele instante que não faziam a mínima idéia dos móveis de um quarto de criança.

– Er... bem – arriscou Harry – Um berço... um armário... er...

– Um chiqueirinho – ajudou Dumbledore.

– Um chiqueirinho! – Severus sentiu o sangue subir. – Está chamando meu filho de quê?

Harry tentou explicar:

– Não, Severus, esse é o nome trouxa do cercadinho onde o bebê pode ficar sozinho. Olhe, é melhor chamarmos um especialista – ele ergueu a voz. – Tibby!

A pequena elfa apareceu, vestindo a sua toalha xadrez.

– Chamou, Mestre Harry Potter, senhor?

– Tibby, precisamos de sua ajuda. Não sabemos o que colocar no quarto do bebê. De que móveis ele vai precisar?

– Mestre Harry Potter – a elfa parecia a ponto de se debulhar em lágrimas – quer conselhos... de Tibby?

– Sim, preciso de sua ajuda. Prof. Snape e eu precisamos de você.

– Tibby não merece honra – As lágrimas fluíam. – Mestre Harry Potter é tudo que Dobby falou! Tão bom, tão generoso, grande mago...

– Tibby, pode nos ajudar? – Harry sentia sua paciência testada. – De quais móveis precisamos?

– Bebê precisa de berço regulável. Móbile encantado em cima de berço para se distrair. Cômoda para roupinhas. Baú para lindos brinquedos – Ela ia fazendo uma lista com os dedos. – Cercadinho para brincar. Mamãe do bebê precisa de trocador para fralda. Cadeira para amamentar.

– Cadeira?

– Cadeira grande, com balanço – explicou a elfa, fazendo movimentos como se tivesse um bebê nos braços. – Assim bebê come e logo depois dorme.

Dumbledore indagou ao meio-gigante:

– Está anotando isso, Hagrid?

– Sim, professor.

– Mais alguma coisa, Tibby? – perguntou Harry.

– Mestre Harry Potter senhor vai querer também construir pequena banheira para quando bebê for bem novinho – colocar feitiço antiafogamento.

– Muito boa idéia, Tibby. Você foi de muita ajuda. Posso chamar você se tiver alguma dúvida?

– Claro, Mestre Harry Potter, senhor. Tibby sempre pronta a ajudar Mestre.

– Obrigado, Tibby. Pode ir agora – A elfa fez longa reverência e sumiu. – Isso resolve a questão. Nossa, ela sabe mesmo tudo sobre bebês.

– Excelente – sorriu Dumbledore. – Agora, Hagrid, é melhor deixarmos Harry e Severus empacotarem suas coisas. Eles têm uma mudança para fazer.

Aquela noite foi passada entre resmungos e empacotamento.

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Severus apagou o quadro distraidamente, enquanto os estudantes esvaziavam a sala de aula. De costas, ele não viu um aluno se aproximando:

– Prof. Snape?

– Mr. Malfoy – ele se virou, e com a varinha fechou a porta. – Esperava um contato seu.

– Esperava?

– Na verdade, tinha esperança de poder lhe agradecer. Aquele dia, em Hogsmeade, foi idéia sua, não foi?

– Sim, senhor. Eu vi uma oportunidade e a agarrei.

– Calculei. Agradeço o esforço, mas advirto-o que outra chance como essa não se apresentará tão cedo. Meu marido se tornou ainda mais... zeloso a respeito de minha segurança. Ele raramente deixa o meu lado.

Os olhos cinza brilharam, um cintilar estranho e cheio de ódio:

– Não perca a esperança, senhor. Nosso Lord não vai deixar um servo valioso como o senhor desamparado.

– Está sendo extremamente gentil – Severus o encarou calculadamente. – Por quê?

– Ora, o senhor é um dos nossos. Protegemo-nos uns aos outros.

– Poupe-me o discurso de Gryffindor, Draco. Ambos somos Slytherins e protegemos apenas nossos próprios interesses. Qual é o seu interesse?

A expressão nos olhos do rapaz se tornou dura:

– Meu pai disse que nosso Lord me encarregou de evitar que o senhor se perca para o lado de Dumbledore. Essa missão pode garantir minha entrada na elite dos Death Eaters.

– Seu sucesso representaria uma dupla vitória. Talvez não seja uma missão totalmente impossível. Eles estavam despreparados para o ataque em Hogsmeade. Eventualmente vão baixar a guarda de novo.

– Foi tão perto... – Draco assumiu uma expressão decidida e ligeiramente insana. – Não perca a esperança, senhor. Quando eles menos esperarem, podemos tentar de novo. E aí tudo vai ficar bem. As coisas estarão como deveriam ser.

Severus assentiu, disciplinando cuidadosamente as expressões de seu rosto. Internamente, ele começou a analisar com seriedade a possibilidade de o filho de Lucius Malfoy estar sofrendo de um severo desequilíbrio.