Capítulo 18 – Perseguidor do som

Harry imediatamente percebeu que Severus ficara perturbado com o ataque, mesmo depois que eles se mudaram de volta para as masmorras. O sono dele tornou-se agitado e sobressaltado, e Harry não sabia como ajudar, pois toda vez que tentativa mencionar o assunto, ganhava uma resposta ríspida típica de Snape.

Então algo aconteceu durante uma aula de Poções para o segundo ano. Severus sentiu uma dor intensa nas pernas e deu aula o dia inteiro sentado na escrivaninha alta. Harry o arrastou, reticente, para ver Madame Pomfrey.

Ele estava simplesmente intratável.

– Eu estou bem! – rosnado.

– Há dias que você vem reclamando de dores nas pernas e nas costas. Deixe Madame Pomfrey olhá-lo.

– E o que ela vai fazer? Não há poção para isso, e além do mais, poderia não ser seguro para o bebê.

– Ela pode receitar repouso para você. Você já devia ter parado de dar aulas.

– Miss Clearwater estará aqui em poucos dias.

– Não era sem tempo. Mas se Poppy recomendar que você tire folga, você vai obedecer a ela.

Obrigado pelo feitiço a obedecer a Harry, Severus rosnou ainda mais alto, rolando os olhos para o teto enquanto era examinado pela enfermeira.

– Fez muito bem em permanecer sentado, Severus – disse Poppy. – Se insistisse em ficar de pé, poderia ter uma queda de pressão e terminar desmaiando, o que seria muito perigoso. Precisa tomar cuidado com a circulação. Se puder, deite-se com as pernas erguidas algumas vezes durante o dia.

– Eu massageio os pés dele à noite, às vezes – Harry disse. – Os tornozelos estão começando a inchar.

– A massagem deve aliviar e muito.

– Ele vai parar de dar aulas em alguns dias, e aí vai poder descansar mais.

– Recomendo que não dê aula amanhã – Severus rolou os olhos para cima ao ver o sorriso triunfante de Harry. – Se voltar a sentir o desconforto, volte aqui.

De repente, Harry anunciou:

– Ele também tem dormido muito mal à noite. Tem tido pesadelos.

Severus o encarou, surpreso e irritado, mas não disse palavra. Pomfrey indagou:

– Isso é verdade, Severus? – A contragosto, ele concordou. – Desde quando isso vem acontecendo?

– Há alguns dias – foi a resposta.

– Desde que houve um ataque ao quarto do bebê – esclareceu Harry.

– Quer me falar a respeito desses pesadelos, Severus?

Ele corou um pouco:

– Não particularmente. São pesadelos comuns. Eu sempre tive pesadelos, você sabe.

– Não desse tipo, aposto. São sobre o bebê?

– Sim – ele parecia constrangido em admitir.

– Deixe-me adivinhar: o bebê fica preso dentro da sua barriga? Você está para dar à luz e ninguém aparece para ajudá-lo? O bebê é defeituoso, ou não é humano? Alguém machuca você e o bebê é prejudicado?

Severus baixou a cabeça e assentiu:

– Sim... Algo parecido. São pesadelos violentos.

– Francamente, eu estaria surpresa se isso não acontecesse. Mas você tem uma boa cabeça em cima de seus ombros, Severus. Confio que não tomará qualquer poção para dormir sem antes falar comigo. E acredite: é comum para as pessoas grávidas terem pesadelos sobre o bebê. Mas você não deve deixar que isso altere seus padrões de sono, porque isso interfere na sua pressão sangüínea. Portanto, se isso não melhorar, volte aqui.

– Hum... Er... – Severus se mexeu, desconfortável, evitando olhar a enfermeira. – Eu também estou sofrendo de um outro desconforto...

– Mesmo? Do que se trata?

– Bem, faz dias que eu não consigo uma ereção. – Ele estava corado, e Harry ficou abismado, pois não tinha idéia. – Eu... tento, mas...

– Fique calmo, Severus. Você não está ficando impotente. Seu sistema está descompensado do ponto de vista hormonal. É comum pessoas grávidas experimentarem flutuações na libido. No começo da gravidez, a libido pode se exacerbar. Mas a partir do sexto mês, a progesterona aumenta e a testosterona cai, o que causa diminuição do desejo sexual. Não preciso explicar a nenhum dos dois que dificilmente um homem que esteja experimentando queda na produção de testosterona consegue manter uma ereção.

– Mas... Não é justo com Harry.

– Tudo bem – tranqüilizou seu marido. – Não precisa fazer nada que você não queira.

– Mas esse é o problema. Eu quero. Mas meu corpo não colabora.

– Mais uma vez eu vou repetir – esclareceu Madame Pomfrey. – Sexo na gravidez é totalmente permitido, desde que não haja desconforto nem para a mamãe nem para o bebê. Emocionalmente, é até desejável. Claro que com oito meses, você não vai poder ser atlético, Severus, mas fique tranqüilo quanto às mudanças do seu corpo. Elas são normais numa gravidez, e a sua está indo otimamente bem.

Harry sorriu, aliviado. Aparentemente, Severus estava se preocupando à toa, como sempre.

– É só que... é frustrante!

Madame Pomfrey sorriu:

– Oh, então só o que eu posso sugerir é... criatividade, Severus. Pense nisso como uma poção que você precisa preparar com alguns ingredientes a menos. Você não procuraria... alternativas?

A sobrancelha de Severus subiu tão rápido que praticamente pulou. Os olhos de Harry brilharam.

o 0 o

Embora uma pessoa pacífica e reservada, Miss Clearwater era dinâmica e logo se inteirou de todas as atividades acadêmicas de Severus, substituindo-o integralmente na sala de aula. O Prof. Dumbledore designou a Profª Sinistra para atuar como chefe da casa Slytherin durante a licença de Severus, que logo se viu com muito tempo livre nas mãos.

Naturalmente, ele pensou em aproveitar todo esse tempo livre de maneira construtiva, mas percebeu que isso não era tão fácil com um barrigão de oito meses chegando sempre antes dele. Então ele teve que rever seus conceitos, e dedicar-se a tarefas mais mundanas e menos exigentes, como o quarto do bebê.

Era justamente isso que Severus estava fazendo numa tarde, pouco antes do jantar, quando alguém bateu à porta. Ele grunhiu porque tinha tirado os sapatos (os tornozelos inchados o estavam matando) e caminhou de meias até a porta.

E surpreendeu-se ao ver quem batia. Estreitou os olhos e avisou:

– Harry está em aula. Mesmo se não estivesse, não sei se gostaria de vê-lo.

Lupin olhou para o chão, parecendo constrangido:

– Eu sei, Severus. Trago uma oferta de paz.

– Hum, seria um cavalo de madeira? – A acidez na voz de Severus corroia o ar. – Mas não estamos em Tróia, fica na Turquia.

– Está bem, eu mereço. – O professor de Defesa Contra as Artes das Trevas deu um passo para o lado e mostrou o presente. – Achei que isso seria útil.

– Um berço. – Severus ergueu uma sobrancelha. Parecia um berço antigo e bastante caro, todo trabalhado.

– É um berço que estava em Grimmauld Place. Pertenceu à família Black, pode ver pelo brasão – explicou o lobisomem. – Eu o mandei examinar: ele é cheio de feitiços de proteção para o bebê, ele se autoaquece e também balança sozinho se o bebê começar a chorar. Se Kreacher estiver dizendo a verdade, Sirius dormiu nesse berço e o irmão dele também.

– É um presente significativo. Tenho certeza de que Harry vai ficar emocionado. Não seria melhor você entregar pessoalmente a ele?

– Eu... ah... Severus, eu...

– Você o magoou, Lupin.

– Eu sei, mas... eu só pensava no bem dele. Lamento, Severus, eu realmente lamento...

– Eu entendo – Severus foi sincero. – Mais do que você pode imaginar. – Então ele se deu conta de que estava sendo mal-educado. – Você... gostaria de entrar?

– Você se importa?

– Não. Vamos ver se o berço fica bem no quarto do bebê.

Lupin levitou o berço até o quarto e espantou-se em ver tudo pintado de azul. Notou o armário aberto e as roupinhas que Severus tinha começado a guardar.

– Ouvi dizer que Hagrid fez os móveis. Muito bonito.

– Sim, isso mesmo. A propósito, gostaria de agradecer por ceder os seus aposentos durante a reforma. Poupou-me de subir as escadas, e eu realmente fico grato. No meu estado, qualquer ajuda é bem-vinda.

Lupin reprimiu um sorrisinho:

– Você parece mesmo... muito grávido. Para quando é?

– Quatro semanas, se não houver imprevistos.

– Você parece bem... er...

– Bem enorme, é isso que quer dizer.

– Oh, bem, você está mesmo... grande. – Dessa vez ele não conseguiu conter o riso.

– Inferno – Severus pôs as mãos nas costas, tentando aliviar a pressão. – Queria ver como você se sairia.

– Lobisomens são estéreis, esqueceu?

– Que bênção.

– Severus, com quem você... – Harry estacou de súbito ao ver Lupin no quarto de bebê. – Prof. Lupin?

– Olá, Harry.

– O que está fazendo aqui?

– Ele veio entregar um presente – disse Severus, rapidamente, as costas doendo demais. – Se me derem licença, eu preciso me sentar. Fiquem à vontade para discutirem, fazerem as pazes ou se matarem, o que preferirem. Mas meus pés estão me matando. Com licença.

E saiu para a sala de estar, deixando Harry sozinho com Lupin no quartinho do bebê. O lobisomem estava totalmente sem jeito:

– Eu trouxe esse berço da família Black. Kreacher diz que pertenceu a Sirius e Regulus. Achei que iria gostar.

– Foi do Sirius, é? – Harry olhou para o bercinho de madeira, cheio de filigranas e ornamentos.

– Tenho certeza de que ele gostaria que você o tivesse, Harry.

– Obrigado. Foi muito gentil de sua parte.

– Eu... também esperava que me perdoasse. Agora posso ver que você gosta muito de Severus. Espero que entenda que eu só queria protegê-lo, Harry.

Harry o encarou, os olhos verdes faiscando.

– Você me magoou. Pior do que isso, magoou Severus. Agiu como qualquer um, discriminando Severus. Justo você. Eu achei que você jamais faria uma coisa dessas, achei que o fato de você mesmo ser discriminado iria impedir que você jamais fizesse isso com outra pessoa.

– Desculpe, Harry. Tente apenas entender.

– Eu estou tentando. Juro que estou. Mas Severus já sofreu tanto, e esse tipo de coisa só traz tudo de volta. Assim ele nunca vai superar o que aconteceu.

– Acha que algum dia vai poder me perdoar?

– Se você algum dia deixar de discriminar Severus, pode ser.

– Parece justo. Até lá vou precisar de você para assinar algumas burocracias em relação a Grimmauld Place.

– Burocracias?

– Temos que assinar alguns documentos no Ministério da Magia. A casa é sua, não se esqueça disso. Não vai demorar muito, mas você precisa ir.

– Tudo bem. Quem sabe no final de semana? É dia de visita a Hogsmeade, mesmo. A escola vai estar vazia. Vou avisar o Prof. Dumbledore para deixar alguém protegendo Severus na minha ausência.

Um grito veio da sala de estar:

– Sei me proteger sozinho muito bem, obrigado.

– Nossa – espantou-se Lupin. – Ele continua com a audição de um tuberculoso. Sempre foi assim, desde os tempos da escola.

– Eu ouvi isso!

Harry e Lupin sorriram um para o outro. Aquilo aqueceu o coração de Harry, ao perceber que Lupin efetivamente estava tentando se reaproximar. Ele não queria ficar afastado de uma das pessoas mais íntima de seus pais.