Capítulo 22 - Então
Com os olhos cheios de lágrimas e terror, Severus viu Voldemort aproximando-se dele, Lucius o segurando. Antes que Voldemort tocasse Severus, porém, alarmes soaram, um cheiro de magia no ar. Eles olharam em volta, Nagini se ergueu em posição de sobreaviso e Lucius alertou:
– As proteções!... – Ele jogou Severus para o lado, e o grávido caiu sentado no chão de maneira muito desajeitada. – Alguém está tentando invadir a propriedade. A passagem de emergência!
Enfurecido, Voldemort rosnou em Parseltongue e passou a varinha ao redor de Severus. Furioso, ele cuspiu:
– Um feitiço localizador! Maldito Dumbledore! – Ele se virou. – Nagini! Vamos precisar de reforços!
Mal ele dissera isso, vários estalidos se ouviram no salão, e quase uma dezena de pessoas Aparataram no local. Severus ouviu gritos descoordenados, alguns até em Parseltongue. Lucius deu um guincho deselegante assim que um feitiço o atingiu e o levou ao chão. Draco foi impedido de chegar à porta por Bill Weasley. Lupin imobilizou Lucius, Severus notou, enquanto procurava Harry desesperadamente entre os recém-chegados. Ele também não conseguia ver Nagini em lugar nenhum. Contudo, sua atenção foi desviada quando ele foi erguido à força.
– De pé, puta! – grunhiu Voldemort, agarrando-o pelo braço. – Não pense que vai escapar de mim!
– Tire as mãos dele, Voldemort!
Harry.
Severus arregalou os olhos e sentiu seu coração bater mais forte ao ver o garoto de varinha em riste, os olhos verdes brilhando cheios de determinação. O feitiço lançado por Sevinus Snape fazia o Mestre de Poções querer pular em Harry, agarrar-se a ele, sentir seu toque. Ele se debatia nos braços de Voldemort, ansioso.
– Que tocante! – riu-se Voldemort. – O pirralho veio atrás da puta...! Mas talvez tenha sido tudo em vão, eu receio. Porque eu não vou abrir mão dele. Lamento, guri. Você vai morrer.
Ele empurrou Severus para trás, e o homem grávido mais uma vez caiu no chão, uma sensação horrível no baixo ventre. Mas no segundo seguinte, a sensação se intensificou, e ele percebeu que uma chave de portal tinha sido novamente acionada.
Ele mal gritou:
– Harry!...
Sua voz ainda ecoava no ar quando ele sumiu em pleno ar, os gritos de Harry se misturando à chegada de Death Eaters.
O mundo se recompôs à sua volta num lugar escuro, úmido e frio, que Severus reconheceu mesmo à meia-luz: as masmorras da Mansão Malfoy. Ao menos, um dos cubículos. As paredes de pedra pareciam ainda mais ameaçadoras com uma única tocha, e ele notou que havia um cobertorzinho fino no chão sujo. Talvez aquela fosse sua cela, a tal que Draco mencionara antes.
Ele se ergueu, uma dor em sua barriga, e apreciou o fato de estar sozinho. Ao menos não estava longe de Harry. Caminhou até a porta de madeira e constatou, sem surpresa, que estava trancada. Bateu nela, gritando. Ninguém atendeu.
Severus suspirou, tentando ignorar a dor no ventre e tentou avaliar as possibilidades. Sem varinha, sem chance de sair daquele lugar, ele só poderia esperar ser resgatado, ou – na pior das hipóteses – a volta de Voldemort, no caso de Harry ser derrotado. Mas Severus confiava que o Sangüinis Vinculum o deixaria saber se alguma coisa acontecesse a Harry.
Ele tentou controlar-se. Tudo daria certo se ele mantivesse a cabeça no lugar. Ele só tinha que ignorar tudo que Voldemort dissera sobre as manipulações, as mentiras. Não valia a pena pensar naquilo agora.
Severus estremeceu, e um arrepio percorreu seu corpo. De repente, ele começou a sentir frio, e tentou esquentar os braços. Então a porta se abriu, de repente, gentilmente.
A tocha se apagou e ele mergulhou no escuro total. Um ar gélido penetrou o cubículo onde ele estava. O frio triplicou, e Severus sentiu como se estivesse mergulhando em água gelada.
Não havia um ruído no cubículo da masmorra, mas em sua cabeça, havia um grande burburinho de sons do passado.
"Sua puta!... Você me deixou mal com meu cliente!..."
"Seu pai exigiu um bom dinheiro pela sua bundinha virgem, e eu quero o que paguei, sem choro nem escândalo, entendeu, sua putinha?"
"Ela é uma vadia, um veado e puta que dá para qualquer um por dinheiro..."
"Não pense por um minuto que você poderá ser algo diferente do que você sempre foi e sempre será..."
"Potter não se importa com você. Se ele se importasse, não o teria deixado a cargo de um elfo doméstico e de uma mulher patética..."
Severus cambaleou para trás, estarrecido. Uma mão esquelética, putrefata, apareceu na porta, e ele soube o que estava para entrar.
Um Dementor.
A criatura deslizou em sua direção, e Severus tentou se afastar dele, tremendo de frio, as vozes aumentando em sua mente. Então isso era o ataque de um Dementor.
Era a pior coisa que já vira. Pois era a soma das piores coisas que se lembrava, todas juntas num único pacote.
Um Patrono... Ele precisava produzir um Patrono... Mas como, se não tinha varinha?
Ele se lembrou do conselho de Harry: "Pense em algo feliz..."
Mas não havia felicidade nele. Ele só se lembrava das humilhações, dos desgostos, das mágoas, das desgraças, dos sofrimentos. Ele iria morrer nas mãos daquela criatura, seu filho não-nascido ia morrer também...
A mão esquelética avançou para ele, estendida. As costas de Severus encontraram a parede e ele se deixou escorregar, sem forças.
Harry, me perdoe...
Merlin, eu vou morrer.
As vozes em sua cabeça gritaram ainda mais alto, e ele fechou os olhos, batendo o queixo de frio. Um frio que gelava toda sua alma. O rosto de Harry sorrindo de repente dançou em sua mente, e foi como uma lufada de vento de verão.
O rosto de seu filho sorrindo também apareceu-lhe na sua mente, e Severus sorriu debilmente. Aquilo o intrigou.
Ele se lembrou que Harry foi o primeiro a lhe proporcionar prazer sexual.
Ele o fez sentir-se amado. Desejado. Digno de ser amado.
De repente, a tocha voltou a ser acesa. Sentindo a claridade e o calor, Severus abriu os olhos.
O Dementor tinha desaparecido.
A porta estava aberta.
Sem entender direito o que tinha acontecido ali, Severus respirou fundo, sentindo a temperatura de seu corpo elevar-se gradualmente, e tentou erguer-se. Foi cambaleando até a porta, mas não conseguiu sair.
Nagini tinha surgido à porta.
Severus parou, hesitante. A cobra não parecia em posição de ataque, mas ela o encarava intensamente. Cuidadosamente, ele deu um passo. O animal imediatamente reagiu, sibilando, contrariado, e pondo-se no caminho de Severus.
Voldemort mandara a cobra vigiá-lo.
Os dois ficaram ainda num impasse, frente a frente. Não que Severus pensasse seriamente em tentar ser mais rápido ou mais ágil do que o réptil, mas ele tentava desesperadamente uma saída, pois as dores de seu corpo aumentavam.
Ele logo não conseguiu mais ficar em pé. A cobra o observou sentar-se no chão com dificuldade, esticando a língua nervosa no ar. Ele ofegou, sentindo as forças mais uma vez fugindo de seu corpo.
Então ouviu passos no corredor. Nagini ouviu também, e sibilou ameaçadoramente para esperar o invasor.
Que sibilou de volta.
O coração de Severus se iluminou ao ouvir aquilo:
– Harry! Aqui!
A voz veio do corredor:
– Severus? Você está bem?
– Harry! Cuidado! Nagini...
Nagini se enrodilhava próxima a Severus, rapidamente ficando em posição de ataque. Ela sibilava, furiosa. Harry finalmente apareceu, varinha erguida, sibilando de volta. Os dois trocaram um diálogo furioso em Parseltongue, um que Severus imaginou ser intenso, porque a veia no pescoço de Harry estava saltada como ele vira poucas vezes.
A dor se intensificava em Severus, que começou a ter engulhos. Ele abstraiu o embate da cobra com seu marido, dando-se conta de uma coisa.
O bebê estava para nascer.
– Harry... – Ele tentou dizer, o quarto todo rodando em sua cabeça. – O bebê...
E não conseguiu dizer mais nada, a escuridão se fechando em sua cabeça como se a cobrisse com um manto pesado.
