Capítulo 24 – Pode acontecer
– O que houve?
Healer Dorian o encarou, o rosto mais sombrio que Harry já o vira.
– O quadro não é nada bom, Mr. Potter. Acho melhor o senhor vê-lo o quanto antes.
Harry entrou no quarto sem ter total noção da realidade à sua volta, da presença de Madame Pomfrey, dos dois healers e de Bill. Só o que ele percebia era que havia uma cama ali, e Severus estava nela. Seu coração estava descompassado, ele não se deu conta de se mexer, mas de repente estava do lado da cama.
Sentiu algo no peito, uma sensação que nunca experimentara antes. Encarou Severus e seu coração pareceu se apertar ao vê-lo tão absolutamente imóvel, quase sem respirar. Ele estava branco, ainda mais do que o normal, uma textura na pele parecida com cera.
– Sev – Harry tinha o peito tão esmagado pela dor que não conseguiu pronunciar o nome todo, num volume que mal alcançou os ouvidos dos healers.
Havia movimento atrás de si, mas ele ignorou tudo, ignorou todos. Harry olhou para o rosto impassível, as feições que tão bem conhecia. Alguém colocou uma cadeira atrás dele, mecanicamente ele sentou nela, sem tirar os olhos daquele rosto que ele tanto amava.
Ele sequer notou as lágrimas que desciam de seu rosto.
– Severus, você precisa acordar. Nós temos uma filha, uma filha linda, e eu quero saber que nome você prefere. Pode ser Augusta, como sua mãe. Você gostaria disso? – Harry pegou a mão inerte e fria e colocou entre as suas. – Severus, por favor, nós precisamos de você. Ela e eu também. Por favor, meu amor, acorde. Sev, me escute. Eu vou chamar você de Sev até você ficar tão irritado que vai acordar só para me mandar parar, não vai, Sev?
A movimentação em torno deles se intensificou e Harry ergueu a cabeça para ver Healer Dorian discutindo com Madame Pomfrey, um assistente e Bill:
– Mas nós retiramos o feitiço!... Isso não devia estar acontecendo. Como assim, ele está melhor?
– Os sinais deles melhoraram – Bill repetiu e Healer Dorian parecia abismado. – De repente. Com a proximidade de Harry, ao que tudo indica.
Molly, ainda com a neném no colo, sorriu:
– Ele está melhor?
Bill se virou, espantado por ver sua mãe, Ron, Hermione e Lupin também dentro do quarto.
– Sim, mãe, mas não sabemos por quê. Ele parecia... – Bill se refreou antes de dizer "morto", olhando Harry. – ... er, bem ruim há alguns minutos. Tudo pode ser por causa daquele feitiço. Pensávamos que o feitiço tinha sido retirado, mas parece que não foi bem assim.
Healer Dorian ajuntou:
– De qualquer modo, deveremos saber mais a qualquer momento. O especialista em diagnóstico está para chegar. Enquanto isso, Mr. Potter, o senhor se importa se fizermos alguns testes também com o senhor?
– Eu não quero deixar Severus – reclamou Harry.
Madame Pomfrey tranqüilizou-o:
– Não precisa. Apenas vire-se para nós, que nós fazemos tudo.
Harry obedeceu, e pelo menos quatro varinhas passaram em volta dele e de Severus, os healers anotando muitas coisas. Foi então que mais pessoas chegaram ao quarto.
– Healer Dorian – falou um dos trainees, parecendo muito nervoso –, o Dr. Huis e seu auxiliar acabaram de chegar.
Harry virou-se para ver uma pessoa que parecia ser membro da família Moody. Ele vinha num guarda-pó cinza, mancando de maneira pronunciada, fortemente apoiado numa bengala, dois enormes olhos verdes que encararam todos os que estavam no quarto (e havia muita gente). Tinha cabelos compridos muito louros e muito finos, espalhados feito palha de milho. Havia algo perturbador naqueles olhos, pensou Harry, como se eles pudessem ver além dos objetos – como o olho mágico de Moody.
O tal Dr. Huis estava acompanhada por um estranho homem muito magro e muito alto, que parecia uma imitação de uma árvore muito jovem e extremamente comprida. Ele trazia uma maleta surrada e tinha um ar meio aéreo a respeito de si mesmo. Harry lembrou-se de Luna Lovegood, e decidiu que o auxiliar do Dr. Huis o fazia lembrar-se muito de sua amiga.
O Healer Dorian correu a recebê-lo:
– Dr. Huis, meu nome é Dorian, nós nos falamos na lareira. Gostaria de agradecer muito por vir até St. Mungo's. Fez boa viagem de Timisoara?
O homem tinha uma voz grave ao dizer, azedíssimo:
– Poupe-me as gentilezas, Dorian. Já estou aqui, agora me deixe tomar conta das coisas. – Virou-se para Severus, olhando-o de cima a baixo. – Ah. Severus Snape em pessoa.
– Exatamente – concordou o Healer Dorian. – E este é seu marido, Harry Potter. Ele acaba de derrotar Você-Sabe-Quem.
Dr. Huis levou os olhos muito verdes até Harry e olhou-o, de cara fechada, claramente pouco impressionado. Tentando ser gentil, Harry cumprimentou-o:
– Obrigado por ajudar, Dr. Huis.
Parecendo ignorá-lo totalmente, o especialista continuou a olhar Harry, que num reflexo recorreu à Oclumência. Mas Huis não estava invadindo sua mente, ele pôde perceber. Depois de desconfortáveis segundos em silêncio, o especialista se apoiou na bengala para se virar para Dorian, gesticulando para Harry:
– Ele pode ficar. – Virou-se e apontou para Mrs. Weasley. – Ela também. E você, Dorian. Todos os outros saem.
– Mas os assistentes...
– Sh'rak pode providenciar tudo que é necessário – O compridão olhou para o Healer Dorian e fez um meneio de cabeça, gentil e cortês. Huis virou-se para os demais, apoiado na bengala. – Então? O que ainda estão fazendo aqui? Fora, todos vocês.
Um pouco ressentidos com as maneiras bruscas e rudes do tal especialista, eles foram fazendo fila e deixando o quarto, murmurando seu descontentamento. Ron, Lupin, Hermione, Bill, Madame Pomfrey e os dois assistentes deixaram o quarto. Huis pessoalmente mancou até fechar a porta do quarto.
– Muito bem, vamos ver se terminamos isso logo. Eu odeio o clima de Londres e pretendo dar o fora daqui o mais rápido possível
Healer Dorian se adiantou:
– Deixe eu lhe passar os fatos mais pertinentes do caso. Aparentemente, ele sofreu...
Huis o interrompeu, seco:
– Que espécie de especialista em diagnose eu seria se deixasse você me dizer o que devo olhar? Eu pensei que tivesse deixado minhas condições de trabalho bem claras, Dorian.
– Claro, Dr. Huis – O curandeiro parecia vexado. – Lamento a interferência.
Harry cada vez menos gostava do homem, que circulou a cama de Severus, mancando com o apoio da bengala, o tal Sh'rak seguindo-o fielmente. A bebê tinha se acalmado e estava dormindo no colo de Molly Weasley, que também olhava o Dr. Huis de maneira reprovadora, como se estivesse louca para dizer a ele algumas verdades sobre como tratar as pessoas com educação.
– Não devem julgar Dr. Huis – disse o Healer Dorian em voz baixa. – Ele tem habilidades sociais questionáveis, mas é um excelente diagnosticador. Tem diplomas em medicina bruxa e Muggle, e trabalha no Hospital Municipal de Timisoara, um dos mais conceituados no ramo médico bruxo. Por isso ele usa o título de doutor. E ele é o melhor, acreditem. A medicina romena é muito mais avançada nessa área de maldições familiares do que a asiática, estranhamente.
Aquilo pareceu acalmar um pouco mais Harry, mas naquele exato minuto, Huis fechou a cara, irritado, sem desviar os olhos de Severus:
– Dorian, seu néscio! Você achou mesmo que se livraria de um Sangüinis Vinculum só com encantamentos? Humpf! – Ele se virou para Sh'rak, sem dizer palavra. O compridão abriu a maleta e tirou um instrumento estranhíssimo, que fez Harry arregalar os olhos. Pareciam duas varetas muito longas superpostas, como uma tesoura. Huis pegou-a, abriu em cima de Severus e o arco formado pelas duas pernas se iluminou, lançando luz no rosto pálido do paciente. – Hum... Gravidez. Interessante. Mas ele andou fazendo coisas que uma pessoa grávida definitivamente não deveria. Ele tentou enfrentar um Dementor sozinho. E depois uma cobra muito grande. Eu diria píton. Ou uma Boa. E tudo isso sem varinha? Ele é muito corajoso ou muito tolo.
Harry sentiu a raiva aumentar. Ele decididamente não tinha a menor simpatia por este Dr. Huis. A bebê suspirou, no colo de Molly, que tentou ajeitá-la de maneira mais confortável.
O especialista mancou mais um pouco ao redor de Severus, resmungando:
– Interessante... Ele já teve muitos Cruciatus, mas nada recentemente. É, foi torturado diversas vezes. Bom, maldições, apenas as de sempre. Vamos ver envenenamento. – Inclinou-se para Severus, como se fosse acariciar-lhe os cabelos. De repente, puxou um fio, arrancando-o sem dó, e Harry se ergueu, em protesto. – Isso deve dar.
Passou o cabelo arrancado a Sh'rak, que cuidadosamente colocou-o numa caixinha de vidro. Com um toque da varinha de Huis, a caixinha se encheu de uma névoa esbranquiçada. Durante alguns segundos, a cor oscilou entre o pérola, o acinzentado muito claro e o gelo. Ao final de alguns segundos, quando a bebê já começava a dar sinais de que estava começando a ficar com fome, o magrão abriu a caixinha.
Huis olhou para dentro e vaticinou:
– Snape no momento está estável. E com certeza ele não foi envenenado. Mas há um veneno em seu corpo. Por isso é que ele está morrendo.
– Como assim? – Harry sentiu seu corpo inteiro se retesar de raiva. – Ele não foi envenenado, mas há veneno? Que espécie de diagnóstico é esse?
– Calma, garoto – disse o Dr. Huis. – Isso é só a preliminar. Fique aí quietinho.
– Não pode dizer alguma coisa que faça sentido?Até agora você só tem espalhado seu mau humor por aí e não ajudou Severus em nada!
O bebê começou a se agitar ainda mais, como se pressentisse a tensão no ar. O especialista se virou para ele, a bengala batendo furiosamente no chão enquanto ele ia na direção de Harry:
– Sabe, é por isso que eu absolutamente abomino parentes de pacientes! Vai me fazer arrepender por tê-lo deixado aqui, não é, garoto? Saiba que eu só fiz isso porque preciso de você aqui! Se não, você estaria no olho da rua!
Molly também se exaltou, tentando acalmar a menininha em seus braços:
– Não fale assim com Harry! Ele está nervoso, não está vendo? Até a pequenina está sentindo o nervosismo!
– Por que não vai... trocar as fraldas dela ou algo assim, Madame? – sugeriu Huis, sarcástico e irritado, movimentando-se com o tal Sh'rak atrás de si.
– Ora, ora, Agamemnon – disse uma voz conhecida da porta. – Vejo que você não conseguiu emendar ainda sua personalidade...
Os olhos verdes pousaram no recém-chegado, e Molly sentiu uma onda de alívio ao ver quem tinha acabado de entrar. Harry também.
– Albus Percival Wulfric Brian Dumbledore – recitou Huis, comprimindo os olhos. – Eu deveria saber que você não estaria longe. Parece que tem que saber de tudo que se passa no maldito mundo bruxo! E afaste esse seu monstro do meu paciente.
– É muito bom ver você também, Agamemnon – sorriu Dumbledore, entrando com Fawkes empoleirado no ombro. – E talvez goste de saber que o seu paciente compartilha do mesmo esfuziante bom-humor que você.
Harry piscou, dando-se conta de que era verdade. Se Severus fosse um médico, provavelmente ele teria o mesmo temperamento de Huis. Os dois tinham grandes probabilidades de virem a ser grandes amigos.
A menina ainda sem nome começou a chorar abertamente e Molly disse a Harry:
– Eu vou cuidar delazinha e volto já. Não se preocupe.
– Não demore – ordenou Huis, áspero. – Volte assim que puder.
A matriarca Weasley ficou intrigada, mas também muito aturdida por receber uma ordem tão peremptória, e achou melhor sair da presença daquele homem horrível o quanto antes. Harry aproximou-se de Severus enquanto Dumbledore e Huis ainda discutiam. E de repente algo dentro da maleta do misterioso Sh'rak começou a apitar.
Ao mesmo tempo em que o corpo de Severus começou a sacudir todo.
– Severus? – Harry se horrorizou. – Severus! Severus, não!
Ele soube, em seu coração, que Severus estava morrendo naquele exato instante.
