Capítulo 2

20 de junho

Aula de Matemática

Sabe, eu realmente não entendo a Mitsago. Se bem que, a partir do momento que você admite que coisas surreais existem de verdade, não é nada de extraordinário ser amiga de uma criatura que veio de outra galáxia ou universo distante. Não estou falando de mim: é da Mitsago. Quero dizer, o meu pai é um hanyou, minha mãe viaja no tempo, meu irmão e eu somos geneticamente anormais. Não é grande coisa que a Mitsago tenha vindo de outro planeta. Por que, que tipo de ser humano com lógica na massa cefálica reagiria desta forma, ao saber que sua amiga tem uma explicação nada coerente para seus cabelos, unhas e olhos anormais:

"Cara, que legal! Izayoi, agora você finalmente vai poder chamar a atenção do Yahiko! E, nossa... Espere só até a Nadeshiko e aquela corja tirarem sarro de você novamente... Vai acabar com elas! Não diga, você pode lançar laisers, ao algo do gênero?"

Uma pessoa normal diria isso? Hein? Diria? Principalmente no banheiro feminino do seu colégio, após você ter implorado que não contasse isso para ninguém? Não, senhor. Mas a Mitsago diria.

El aé o tipo de pessoa que passa a vida agurdando algo fatástico acontecer, isso desde que introduziu-se na literatura mística japonesa e ocidental. A Mitsago sabe tudo de magia, de praticamente todos os países. É normal esperar que uma menina que venceu três vezes. consecutivamente, o concurso de Álgebra e Física nacional, seja no mínimo, lógica e cética. Mas não. A Mitsago é inteligente, legal, meiga e crédula.

Essa conbinação não surte efeitos positivos, quando você conta que é filha de um hanyou.

Tive de tampar a boca da Mitsago com a mão, antes que qualquer outra pessoa olhasse pelos boxs e perguntasse: "Hanyou? Izayoi é um hanyou? Ei, acho que escutei isso na aula de História...", o que, é claro, é tudo de que não preciso.

"Você não percebe o quanto isto é horrível? Mitsago, a minha vida desmoronou!"

Foi bobeira da minha parte, acreditar que ela entenderia a complexidade do assunto apenas com esse argumento.

"Izayoi, se a Debby Dinger cancelar uma faixa do novo CD, a sua vida desmorona. Sua vida desmorona a cada mês. Não seja dramática, isso é ótimo!"

Ela estava me chamando de dramática? Experimente dormir com unhas normais e acordar no dia seguinte com as mesmas medindo quatro centímetros. Ninguém pensa nisso.

"Como assim, 'ótimo'? Mitsago, acorda... Esconderam isso de mim por quinze anos! Já parou para pensar que a Ciência normalmente explica tudo? E que isso não tem explicação? Se descobrirem, se alguém souber, estou perdida! Vão me levar para um laboratório, abrirem a minha cabeça, recolherem todo o meu sangue e..."

"Você está sendo dramática outra vez" ela afirmou, balançando os cabelos ondulados.

"Não, não estou! Talvez um pouco... Mas olhe para mim. Olhe" segurei o seu queixo na minha direção, e apontei para meus olhos "Já viu alguém com pupilas que parecem de gato? E com cabelos que, se deixar, passam do meu joelho?"

"Izayoi, ninguém mais possui pupilas como as suas..."

"É exatamente isso que eu..."

"Exatamente por isso você é especial. Izayoi, você é única!"

"Eu preferia ser única quando não tivesse de conviver com tantas pessoas todos os dias" respondi, apoiando as duas mãos na pia e me encarando no espelho. Outra vez, a mesma garota de olhos dourados, pupilas afinaladas, unhas de dois centímetros e longos cabelos pretos me encarou de volta.

Parece que a Mitsago finalmente compreendeu a gravidade da situação, por que ela pôs a mão no meu ombro e mandou:

"Deixa disso. Olha, você não é anormal. Você tem algo que a maioria de nós não tem, mas isso não te faz ser uma má pessoa, nem nada assim. Importa, sim, o que você é por dentro."

O olhar da Mitsago foi tão doce nessa hora, que não me animei a contestar. Apenas concordei com a cabeça, e sorri. Ela declarou a discussão concluída.

"Agora vamos. O professor Yoshi não vai esperar. A propósito, você estudou para a prova?"

Maldição! Eu tinha esquecido totalmente da prova!

Meus pés escorregaram pelo piso do banheiro, e sentei no chão frio, com uma perna de cada lado do corpo, uma expressão desolada.

"Er... Isso quer dizer um 'Não'?"

"Como adivinhou?" disse, e deixei que minha cabeça tombasse para a frente.

Para variar, decorei o que pude da matéria em exatos quinze minutos. Eu nunca pensei que equações de segundo grau me dessem tanto trabalho. Esqueça, esqueça tudo o que disse: eu quero ir para a outra Era. Eu quero ir para qualquer lugar, desde que não precise estar aqui quando mamãe ver o resultado da minha prova. Por que, seja lá quanto eu tirei, vai fazer com eu escute durante uma hora o discurso da mamãe de que "preciso estudar mais". E nada posso responder: por mais que deteste admitir, sei que ela tem razão.

Do papai, nem preciso escutar nada. Certa vez, ele chegou para mim e mandou: "Também não entendo lhufas de números. São muito complicados, uma confusão só. Mas ouça, não conte isso para Kagome! Ela vai me considerar um péssimo exemplo".

É incrível como, nessas horas, ele também deixa a cabeça tombar para a frente, desolado. Devo ter entendido o que papai quis dizer, por que até hoje não contei nada para a mamãe.

Já o Taisho...

Não o vejo estudar muito. Não como eu, pelo menos. Eu quero dizer, ficar repetindo duzentas e uma vezes a mesma frase: "o quadrado da hipotenusa é igual à soma dos quadrados dos catetos, portanto, se um dos catetos for X...", e gastando todos os papéis de rascunho fazendo contas para treinar. Ele não. Ele lê a matéria uma vez, faz a prova, e ainda consegue um resultado ótimo.

Uma coisa é você ser filha de um hanyou. Outra coisa é você ser a filha de um hanyou que não vai bem em Álgebra. O Taisho não tem essa desvantagem. Vê só como eu não posso contar com o apoio dele?

Isso está começando a me incomodar. "Filha de um hanyou". Não tenho uma espécie própria. A dúvida de o que sou continua me rondando. Não posso classificar-me como uma hanyou, que é meio-humano, meio-youkai, nem como uma humana, por que tenho sangue youkai, mesmo que em mínima quantidade. O suficiente, aliás, para me obrigar a cortar as unhas de duas em duas semanas e a visitar vários dentistas, em busca de uma explicação para meus caninos salientes.

Olhando agora, posso pensar que o Taisho é realmente estranho. Quero dizer, ele também possui pupilas afinaladas, caninos salientes, unhas e cabelos compridos que corta toda semana. Mas não está nem aí. Pelo contrário, age normalmente, como se nunca soubesse do fato de sermos indiscutivelmente "especiais", conforme a Mitsago falou. Presta atenção nas aulas, aprende, estuda, e ainda faz o que gosta, ou seja, admirar estrelas, jogar naquele videogame baka e lutar com meu pai no dojo.

Toda essa normalidade me faz sentir ainda pior. Porque, se o Taisho pode lidar com tanta calma, por que eu não posso? Por que sinto que há algo de terrivelmente estranho? Kuso, por quê?

Claro, o Taisho não precisa se importar com o fato de gostar de alguém. De ser irremediavelmente apaixonado por alguém, de saber que seu destino foi traçado ao lado de uma pessoa com que tem certeza, vai se casar. Ou iria. Por que, com essa história de ter sangue youkai, duvido muito que o Yahiko aceite formar uma família com uma garota cuja descendência está num ramo de cães youkais. Ele vai de desapaixonar. Eu tenho certeza.

Por que o Yahiko está apaixonado por mim. Somos almas gêmeas. Só que... Ele ainda não sabe disso.

Mas é um mero detalhe. Um dia, o Yahiko vai perceber que nosso amor é maior que todas as fronteiras genéticas que tentam me afastar dele. Mas será muito mais fácil se casássemos sem que ele nunca soubesse.

É por isso que discordo da Mitsago. A minha vida desmoronou, sim. Um dia, o mundo vai descobrir, o Yahiko vai descobrir, e a minha vida vai acabar. Eu sei que vai.

E isso não significa que esteja sendo dramática.

Oh-oh... A Mitsago está dizendo que sente-se muito feliz por eu finalmente estar usando o caderno que ela me deu de aniversário, mas que, se não prestar atenção nas aulas de Álgebra, vai pensar duas vezes antes de me ajudar nas provas. Eu tento, ok? Eu torturo cada um dos meus neurônios, chantagei-os a se concentrarem, mas não adianta! Álgebra não entra na minha cabeça, nem com uma broca de perfuração! A única coisa que consigo, durante essas seções de torura, é ganhar um dor de cabeça descomunal. Como se abrissem o meu crânio, mas o que entra são tochas de fogo, e não números. O que eu posso fazer quanto à minha incapacidade numérica? Algumas pessoas nascem assim: às vezes sem jeito para calcular, outras com sangue de youkais cachorros. Mas tente -tente- concentrar-se numa aula de Álgebra quando você vem ao mundo com as duas coisas. Posso garantir que fácil não é.

A minha sorte é que o Taisho não é da mesma série que eu. Com o seu brilhante Q.I, meu irmão conseguiu adiantar-se um ano. Bom para ele e para mim. Caso contrário, eu teria de agüentar os nossos muitos professores dizendo: "Seu irmão é ótimo em Álgebra e Química, Higurashi. Não entendo por que você não consegue notas semelhantes nessas duas matérias..."

De agora em diante, vou me sentir tentada a dizer: "Talvez seja porque youkais cachorros não tenham o dom numérico no sangue. Mas o meu irmão é uma caso raro na família, sabe?"

Mesmo que eu tente, não vou conseguir me concentrar. Se parar de escrever agora, é muito provável que lance mão do meu lápis 3B e fique desenhando. Ao menos isso eu sei fazer bem.

Pessoa alguma pode reclamar das minhas notas em artes plásticas ou japonês. Que sabe por ter lido, junto com a Mitsago, todos os livros de romace épico do J.R.R Tolkien, J.K Rowling, Marion Zimmer Braddley, Nora Roberts, todos traduzidos para o japonês; entre outros, eu tenha desenvolvido uma certa habilidade com palavras. E talvez por isso também, muitos dos meus desenhos sejam num estilo místico, com castelos de torres altíssimas, brilhantes, três Sóis, duas Luas, um cheia e a outra minguante; elfos, dragões, magos... E símbolos do gênero. Alguns até contêm o Yahiko, sobre um legendário cavalo branco, indo em busca de um mago perverso que o desafiou pelo coração da princesa dos elfos do Norte, Izayoi. Que, por um acaso, é parecida comigo...

Que ironia. Sempre gostei de personagens mágicos, histórias surreais. Mas sempre tive em mente que eram exatamente isso: histórias. E, quando descubro que isso pode mesmo acontecer, e que sou a filha de um desses personagens místicos, penso que a minha vida acabou. Nunca vou poder casar com o Yahiko. Nem iniciar a minha banda de rock em homenagem às Thunder Girls, nem criar um ateliê de arte! Kami, o que eu faço agora? Que profissão uma garota com sangue youkai pode exercer? Vai que, se eu encontrar uma espada e tocá-la, a mesma não cresce e arrebenta o vidro das casas, que nem o meu pai fez? Se abrir mesmo uma loja de quadros, quando meus clientes forem encomendar uma pintura, irão achar que sou algum experimento de laboratório, ou que tenho algum problema de visão por causa das minhas pupilas. Que pessoa encomendaria um quadro num pintor que tem pupilas afinaladas?

E minha banda de rock? O máximo que poderei fazer é lançar uma moda, caso faça sucesso, aí todos iriam usar lentes de contato que deixem as pupilas num aspecto felino. Mal saberiam eles que não uso lentes.

Os pais iriam reclamar que seus filhos parecem vampiros, com caninos salientes e olhos felinos. E o que eu faria, se me sentisse responsável por uma onda de adolescentes indo às óticas e dentistas encomendarem lentes de contato e próteses de caninos, semelhantes aos daquela rockeira, a Izayoi Higurashi? Oh, nunca poderei ser um estrela do rock internacional também...

O Taisho pode tranqüilamente ser trancafiado num laboratório de química e descobrir a cura de uma doença, sem que pessoa alguma indague o porquê de seus olhos serem assim. Ele estaria fazendo algo de útil para a humanidade, e ninguém interroga ninguém quando esta pessoa faz algo de benefício geral.

Ei, quem sabe, se o Taisho realmente for um químico condecorado, ele não pode inventar algo que disfarce esses nossos vestígios youkais? Não é impossível. Na verdade, não acredito em mais nada que posso ser impossível. Vou perguntar para ele quando sairmos do colégio.

Até lá, seria bom ouvir os conselhos da Mitsago quanto à aula. Realmente preciso prestar atenção.

Coisas a fazer quando chegar em casa:

a) Descobrir o que eu sou.

b) Descobrir o que mais o meu pai pode fazer.

c) Descobrir direitinho porque o meu pai não tem aparência de hanyou em todos os outros dias do mês, só no primeiro.

d) Descobrir com o Taisho se existe alguma possibilidade de disfarçarmos essas nossas "marcas youkais".

e) Parar de me comparar a um cãozinho.

f) Parar de pensar no Yahiko quando tenho que estudar Álgebra.

g) Parar de pensar se eu realmente posso fazer alguma coisa quando a Nadeshiko e sua corja vierem tirar sarro de mim. Quem sabe ser meia-meia-youkai não tenha alguma vantagem?

h) Parar de pensar nisso também.


N/A.: Olá! Pessoal, eis o segundo capítulo. Espero que tenham gostado! Eu realmente estou escrevendo essa fic a toque de bala, daqui a pouco o cap. 3 sai... Ah, gostaria de agradecer aos reviews! Gente, muito obrigada mesmo! \/ Vamos às respostas?

Ju Higurashi: Que bom que você está gostando da fic! Sabe, eu sou vidrada nos livros da Meg Cabot. Ela lançou vários outros, além da série "O Diário da Princesa". Se você quiser saber, tem uma série de suspense, chamada "A Mediadora", que ela assinou com um pseudônimo, além de O Garoto da Casa ao Lado, um dos meus favoritos desta mesma autora. Recomendo!

Mk-chan160: Sim, o InuYasha e a Kagome são japoneses, mas numa dessas conversas, quando a Izayoi era pequena, ela obviamente deveria ter perguntado o porquê de suas intrigantes pupilas afinaladas... Numa tentativa sem nexo dos pais suprirem a curiosidade da filha, eles disseram que as pupilas eram a marca de seus distantes ancestrais chineses. Não passou pela cabeça de Izayoi que ela não possuía ancestrais desse ramo. Uma mentira dos pais, que ainda não a julgavam preparada para a verdade, entende? Mas obrigada pelo seu comentário, e, qualquer dúvida a mais, pode perguntar!

Abraços, pessoal! E continuem acompanhando a fic!

Carol Sango Maciel