O Primeiro Presente

Claire estava de pé no banheiro e estudava seu rosto no espelho. Alguma coisa estava diferente, ela pensou, tocando suas bochechas, seus lábios. Ela apenas não podia dizer o quê. Ela estava positivamente brilhando, sua pele mais radiante do que nunca, até mesmo na luz suave da vela.

Era o meio da noite. Sirius estava dormindo na cama dela, e ela não tinha idéia de por que acordara àquela hora. Ela não estava doente - ao contrário, ela nunca havia se sentido tão… bem… tão forte antes. Tão consciente de seu corpo e do mundo inteiro à sua volta. Devia ser Sirius que tinha aquele efeito sobre ela, decidiu. Eles estavam casados há quase oito semanas agora e onde havia uma certa estranheza antes, agora parecia alguma coisa que lembrava uma amizade. Pelo menos da parte de Sirius, pensou Claire. Ele podia ser amigo dela - enquanto ela o amava. Ela nunca diria a ele, claro, não depois que ele a proibira de sentir qualquer coisa por ele. Mas enquanto ela mantivesse seu amor no coração, ele viveria, e quando Sirius fosse embora e ela ficasse sozinha novamente, esse amor iria mantê-la viva.

Enquanto isso, ela se certificaria de que Sirius fosse feliz ou pelo menos tão feliz quanto possível para um bruxo com o seu passado. Desabafar sobre os ataques tinha feito ele ficar mais calmo, mais equilibrado. Ele contava a ela histórias quase todas as noites, e uma ou duas vezes ela o tinha forçado a voltar ao mundo real, longe das vozes. Mas ele aprendera a se controlar, passo a passo.

Depois da primeira noite, Claire tinha encontrado a pena semimágica na manhã seguinte, caída sobre um monte de pergaminhos, exausta. Primeiro ela havia pensado que os pergaminhos eram suas próprias cartas, até que ela leu o primeiro deles.

A pena havia escrito cada palavra das histórias de Sirius - e apenas por lê-las novamente, Claire reviveu todas as emoções da noite anterior. Ela chorou. Ela riu sem parar.

E então, antes que Sirius acordasse no sofá, ela trancou os pergaminhos em sua escrivaninha.

Oito semanas. Ela deu a língua para a sua imagem no espelho. Apenas oito semanas e ela já fazia tanto espalhafato sobre ele como se fosse sua esposa há oito anos.

Oito semanas. Ela congelou. Sua mão desceu suavemente pelo seu corpo, entre os seios, sobre o estômago e parou para perto do umbigo. Aquilo era ridículo… Ou seria verdade? Seria possível?

Ela se sentiu tonta de repente, sua cabeça leve de alegria.

Os sinais… todos os sinais tinham estado lá e ela os havia ignorado, tinha culpado apenas a excitação pelas mudanças na sua vida. Ela estava com trinta e dois anos e tinha desistido de desejar uma criança há muitos anos atrás, quando ficara claro que ela nunca iria se casar. Quem iria dar a ela uma criança quando ela vivia trancada dentro de casa? O desejo havia diminuído, mas nunca morrido. E agora haveria um bebê…

Um bebê de Sirius…

Ela não podia contar a ele. Apesar do forte impulso de correr para o quarto e acordá-lo para contar a novidade, ela sabia que nunca deveria fazer aquilo. Se a missão deles tivesse sucesso, Voldemort poderia ser derrotado antes do bebê nascer. Sirius iria embora, seria livre, livre para fazer todas as coisas que o destino não havia permitido que ele fizesse até agora. Ver o mundo. Escrever livros. Encontrar o amor...

Suspirando ela apagou a vela. Ela o amava, portanto não o prenderia ao lado dela através de um bebê. Porque uma coisa ela sabia com certeza - Sirius nunca abandonaria sua criança. Mas ela não queria que ele ficasse por causa de responsabilidade ou honra. Então ela não contaria a ele.

Quando ela entrou debaixo do cobertor, Sirius procurou por ela em seu sono e a puxou para seus braços. Ela se aninhou no abraço dele novamente, maravilhada como seus corpos se encaixavam perfeitamente, como se fossem feitos um para o outro. Ela deixou que ele a abraçasse e ficou ali, contente apenas por ouvir as batidas do coração dele.

Um bebê.

Seria menino ou menina? Como ela conseguiria criar uma criança completamente sozinha? Claire sorriu e beijou o braço de Sirius. Ela não estava mais sozinha. Sirius tinha aberto o mundo para ela. E quando ela tivesse a criança, ela nunca ficaria sozinha novamente. Os elfos iriam ajudá-la e ela sempre podia contar com a ajuda de Poppy e pedir a ela detalhes sobre a gravidez. Embora isso devesse ficar em segredo tanto tempo quanto possível. Que presente! Que presente precioso!

Esfregando o rosto contra a pele morna de Sirius, ela sussurrou muito suavemente: "Obrigada."

Sirius murmurou alguma coisa em seu sono e suspirou quando ela beijou a orelha dele.

Claire sorriu. Ela encontraria uma forma de agradecer a ele, para deixá-lo tão feliz como ela estava agora. As três coisas que ela sabia que ele queria - ela iria fazer com que ele as conseguisse.


Três dias depois Claire estava nos aposentos de Snape em frente à lareira e mexia com as mãos se sentindo desconfortável. Ela havia vindo para falar com Laurel, mas tinha encontrado apenas o Mestre de Poções que parecia estar de mau-humor e nem tinha lhe oferecido uma bebida ou havia pedido para ela se sentar enquanto esperava. Ele ficava andando em círculos murmurando alguma coisa sobre - bobos apaixonados - e a ignorava.

Quando Laurel entrou, Claire respirou aliviada.

"Claire." Laurel sorriu para ela. "Que bom você nos visitar. Eu sinto muito pelo caos, mas estamos preparando nossa bagagem."

"Vocês vão viajar nas férias?" Claire estremeceu. Logo agora, quando ela precisava desesperadamente da ajuda de Laurel!

"Na próxima semana!" Laurel deu uma sorriso enorme. "Nós vamos visitar meus pais, e como nós planejamos ficar por umas poucas semanas, existem muitas coisas a preparar." Piscando para Snape, que franziu a testa em resposta, ela sussurrou: "Dois caldeirões! E um pilão. Claro que nós não podemos sair de férias sem isso."

Claire riu da expressão meio exasperada de sua amiga. Ela sabia muito bem que Laurel só havia visto a sua família uma vez depois de ter sido detida pelo Ministério e mandada para Hogwarts para aprender a lidar com seu talento mágico. Não era de se admirar que ela estivesse excitada. "Como você convenceu Severus?" Ela perguntou.

"Olho por olho, dente por dente. Uma semana com meus pais. Uma semana procurando plantas raras nas montanhas." Laurel deu de ombros. "Graças a Deus por aquela planta pintada sei lá do que só nascer nos Alpes Austríacos!"

"Não pintada, listrada." Snape arqueou uma sobrancelha e manteve seu rosto tão austero quanto possível. "Mas confie em mim, antes de nós voltarmos você vai saber exatamente como ela se parece, onde pode ser encontrada e como deve ser colhida."

"Provavelmente nua sob a luz da lua cheia." Laurel brincou, e Claire observou divertida como o rosto de sua amiga corou quando Severus concordou seriamente. De repente ela se sentiu como uma intrusa em um momento de intimidade. Mas ela precisava da ajuda de Laurel...

Pigarreando ela pegou a mão de Laurel e pediu: "Posso falar com você um minuto? A sós?"

Elas deixaram Snape e seus equipamentos, atravessaram o hall e saíram do castelo.

Nas escadas elas quase esbarraram em Serene, que estava sentada com um livro de feitiços no colo.

"Eu realmente não posso lembrar de ter estado tão entediada como estou agora." A bruxa de cabelos vermelhos suspirou.

As três mulheres se sentaram no gramado em frente ao castelo.

"Você não está ocupada o suficiente fazendo Remus Lupin se sentir miserável?" Claire corou quando viu Serene franzir a testa. "Sinto muito, eu sei que não é da minha conta."

"Exatamente." Serene retrucou. "Gostaria de saber por que todos acham que têm o direito de interferir na minha vida privada? Ou na de Remus?"

"Nós gostamos dele." Claire explicou. "E nós gostamos de você também."

Serene olhou para ela e estreitou olhos. "E daí?"

"E daí que nós queremos ver vocês felizes." Laurel interferiu calmamente.

Antes que Serene pudesse responder, Claire sentiu que ela devia mudar de assunto, ou a conversa terminaria em uma tremenda discussão. Fosse lá qual fosse o problema entre Serene e Remus, eles dois eram adultos e podiam lidar com isso sozinhos.

"Eu vim pedir a Laurel para me acompanhar até Londres amanhã." ela disse.

"A Londres? Eu posso ir também?" Serene pediu, aparentemente feliz por Claire ter levado a conversa para longe de sua vida sentimental. "Essas paredes estão me encarcerando agora. Está tudo tão vazio e calmo sem os alunos."

Claire notou alguma coisa no rosto bonito da bruxa que não tinha estado lá há algumas semanas atrás, um leve traço desespero em volta dos olhos dela. De repente ela teve pena de Serene, talvez pela primeira vez. Ela havia invejado a outra desde que a conhecia, mas agora ela estava tão feliz e Serene parecia tão genuinamente infeliz...

"Você não vai visitar sua família?" ela perguntou com gentileza.

"Não tenho ninguém para visitar. Pelo menos ninguém com quem eu me importe." Serene deu de ombros. "Então um dia em Londres é o melhor que posso conseguir."

"Se nós sairmos cedo de manhã." Laurel sugeriu. "Nós podemos voar direto para Londres e voltar em um dia."

Claire olhou para seus sapatos. Era nesse momento que ela devia confessar? "Eu prefiro ir de trem."

"Você não gosta muito de voar, não é?" Serene lembrou. "Remus me disse que você teve um problema com a vassoura dele há uns dias atrás."

"Bem, eu suponho que nós possamos Aparatar." Laurel mordeu o lábio. "Apenas... Aparatar não é realmente minha escolha favorita de transporte."

"Eu também não posso Aparatar." Claire admitiu. Então ela suspirou e olhou para as duas bruxas, seu rosto pálido de ansiedade. "Eu acho que tenho que contar a vocês agora."

"Nos contar o quê?"

"Eu não posso voar. Eu não posso Aparatar. Eu não posso nem mesmo pegar o maldito Expresso, porque eu não vou ser capaz de sair da plataforma em King's Cross."

Serene e Laurel olharam para ela.

"Eu sou um aborto." A voz de Claire sumiu por humilhação. "Para sair da plataforma você precisa de magia... e eu não tenho nenhuma."

"Oh, Claire." Laurel a abraçou impulsivamente. "Você deveria ter nos dito antes!"

Serene concordou silenciosamente. Então, de repente, ela sorriu. "Nós vamos com você de trem e a puxamos pela parede da plataforma!"

"É o que eu desejava ouvir." Suspirou Claire. Elas tinham aceitado muito melhor do que ela havia esperado. Mas elas eram especiais, cada uma a seu jeito, as duas bruxas que haviam sido trazidas a Hogwarts como alunas adultas.

"Mas o que você está querendo fazer em Londres?"

A boca de Claire se contorceu. "Vocês vão ver quando chegarmos lá."


Em frente à casa dos Dursleys, Claire ajeitou sua jaqueta azul e checou o coque e os óculos meia lua. Serene tinha escolhido uma roupa que a deixava parecida com uma Diretora. Ela parecia um pouco com Minerva McGonagall, pensou, quando se viu em um pequeno espelho de bolso, e a idéia a fez rir nervosamente.

Respirando fundo, ela apertou um botão perto da porta. Laurel tinha lhe dado muitas informações sobre a cultura Trouxa na viagem de trem para Londres, e não foi surpresa para ela quando uma campainha soou em algum lugar dentro da casa.

Um adolescente gordo abriu a porta, uma fatia de pizza em sua mão gorda.

"O que você quer?" ele perguntou, mastigando sua comida com grande dedicação.

"Eu sou Professora Winterstorm." Claire levantou as sobrancelhas e olhou para o menino com a expressão mais antipática que conseguiu fazer. "Eu gostaria de falar com seus pais."

O menino virou sem falar uma palavra e trotou de volta para dentro, não sem gritar: "Mãe!"

Uma morena magra desceu as escadas, batendo indulgentemente na cabeça do menino.

"Em que posso ajudá-la?" ela perguntou desconfiada, quando viu Claire parada na porta.

"Eu sou a Professor Winterstorm." Claire repetiu e estendeu a mão, como Laurel tinha mostrado a ela. Surpresa, a Sra. Dursley apertou a mão da visitante.

"Eu sou Diretora da Mansão, uma instituição correcional para bruxos incuravelmente malevolentes."

"Bruxos?" Petúnia Dursley empalideceu. "Você… Você é…"

"Eu, uma bruxa?" Claire franziu os lábios. "Bom Deus, não! Eu faço o melhor que posso para que eles vejam os erros que cometem, mas… bem, você sabe como eles são." Ela deu à mulher um sorriso cúmplice. "Teimosos e descarados."

A tia de Harry revirou os olhos. "Não precisa me dizer." ela suspirou. "Por favor, venha comigo. Meu marido vai adorar conhecer você."

Obviamente Petúnia estava certa a respeito daquilo. Valter Dursley não parava de fazer perguntas à jovem Professora sobre o instituto que ela representava. Claire explicou como garotos como Harry precisavam de pulso forte para controlá-los - e um bastão, de vez em quando, também - e de como a proibição de banhos quentes e refeições regulares faziam maravilhas com os delinqüentes juvenis sob seus cuidados.

"Até o Diretor Dumbledore teve que admitir que não pode mais lidar com o menino. Então, com seu consentimento, claro, eu gostaria de levar o jovem Harry comigo - para a Mansão - pelo resto das férias. Tudo o que vocês precisam fazer é assinar e datar na linha pontilhada."

Atônita ela observou como Valter pegou a caneta e assinou sem um segundo de hesitação, entregando o sobrinho a uma mulher estranha, sem nenhuma credencial.

"Eu vou arrumar as coisas dele!" Petúnia sorriu para ela. "Talvez você possa ir e contar a ele sobre… a situação. Nós não estamos falando com ele." Ela apontou para cima. "É a segunda porta à esquerda."

Quando Claire subiu as escadas, ela escutou os Dursleys excitadamente discutindo a possibilidade de umas férias na Espanha - agora que tinham resolvido o problema com o menino.

Ela bateu na porta, e quando ninguém respondeu, contou até quinze antes de virar a maçaneta. Ela se lembrava muito bem de como ela se recusava a falar com seus pais quando ela era da idade de Harry - uma batalha que ela sempre perdia. Mas naquela época ela não tinha outras pessoas para falar, então tudo o que eles tinham que fazer era esperar.

Harry estava deitado em sua cama, apoiado em alguns travesseiros, lendo uma revista gasta. Ele nem olhou para cima quando Claire entrou, apenas quando ela timidamente pigarreou.

Ela não tinha certeza se ele a reconheceria. Obviamente Sirius ou alguém a havia apontado para Harry. Ela lembrava vagamente do rosto de Tiago Potter, mas Sirius tinha dito que o menino tinha os olhos da mãe, então o cabelo escuro devia ser de Tiago. E a cicatriz tinha sido deixada por Voldemort, ela pensou. O olhar que ele deu a ela era uma fascinante mistura de surpresa, desprazer e curiosidade.

"Você?" a voz de Harry tremeu de preocupação. "Aconteceu alguma coisa com Sirius?"

"Não. Não, ele está bem." Claire assegurou. Então ele ainda se preocupava com o padrinho, apesar de zangado com ele. Ela achou aquilo um bom sinal.

"Eu posso me sentar?" ela perguntou.

Harry deu de ombros. "Se você quiser."

Claire olhou para a única cadeira que estava coberta por uma pilha de roupas e livros. Ela achou melhor sentar na beira da cama.

"Como foi para os Dursleys deixarem você entrar? Eles detestam bruxas."

"Eu menti." Claire admitiu e explicou sobre a história que ela havia inventado para os parentes dele.

Harry olhou para ela incrédulo. "Mas por quê?"

"Eu quero que você venha comigo, Harry." Claire cruzou as mãos para resistir à urgência de puxar um punhado de cabelo fora do coque. "Eles assinaram um documento me colocando como sua guardiã pelo resto do verão."

"Mas por quê?" o menino insistiu.

"A briga entre você e Sirius é muito ridícula." Claire suspirou. "Ele sente falta de você, e eu estou certa de que você sente falta dele também."

"Ele não sente minha falta. Ele tem uma esposa agora." Harry deu um olhar estranho para ela. "E talvez vocês tenham um bebê em breve. Ele vai ter uma família dele próprio, e não vai mais precisar de mim."

Ele fez o melhor que pôde para manter a voz calma e sem emoção, para parecer adulto e racional, mas bastou Claire olhar dentro dos olhos dele para ver a criança perdida, e o coração dela sentiu a dor dele. A hipótese de ela poder ter um bebê em breve a surpreendeu. Mas não havia como ele saber da gravidez dela. Ela tentou encontrar as palavras certas que não ferissem o orgulho dele e ao mesmo tempo assegurar a ele o amor de Sirius.

"Harry." ela arriscou. "Sirius não contou a você sobre o… acordo especial que foi o nosso casamento?"

O menino evitou os olhos dela. "Ele disse que se casaria com você apenas para ser casado."

"Certo. Apenas para estarmos casados. Ele não se tornou meu marido porque ele planejasse ficar comigo para sempre. Não é como se nós estivéssemos apaixonados ou qualquer coisa parecida. Na verdade, nós não tínhamos nos visto desde que eu era mais jovem do que você é agora. Ele só se casou comigo para nós dois podermos ajudar o Diretor Dumbledore…"

"Mas… como você pode se casar com alguém que você não ama?" Harry corou. "Eu quero dizer… vocês… bem, vocês têm quartos separados?"

Agora era a vez de Claire corar e seu rosto queimou com o embaraço. "Eu estou certa de que Sirius vai explicar a você. Isto é, se você vier para casa comigo."

Harry respirou fundo e esfregou a ponta do nariz. "Eu… eu sinto muito… eu nem mesmo sei como chamar você."

"Claire. Você pode me chamar de Claire."

"Eu não posso apenas ir a ele, Claire." admitiu Harry e abraçou os joelhos. Claire notou que ele havia crescido um pouco no ultimo mês, ele estava mais magro e mais pálido do que quando ela o tinha visto no campo de quadribol na aula de Animagia com Sirius.

"Eu disse coisas a ele das quais me arrependo agora. Mas eu fui sincero quando falei. Ele deve estar com raiva de mim."

"Algumas vezes nós temos que superar nosso medo e encarar as coisas que nos assustam." Claire repetiu o que Snape tinha dito a ela na feira. Ela pegou mão de Harry, e viu com um leve sorriso como ele estremeceu. Ele estava com quase dezesseis e ainda ficava embaraçado com o toque de uma mulher.

Harry sacudiu a cabeça. "Eu sinto muito."

Claire se levantou e ajeitou a saia. "Bem, eu imagino que eu deva aceitar isso. Mas eu posso pedir um favor a você?"

Ele deu de ombros, secretamente desapontado por ela ter desistido tão facilmente.

"Você poderia me levar até a estação de trem e me ajudar a entrar na plataforma?"

Harry franziu a testa. "Entrar na plataforma? Por que você iria precisar da minha ajuda para isso? Você apenas precisa atravessar a barreira…"

Claire deu a ele um sorriso sem graça. "Eu não posso."

"Você não pode?"

"É uma barreira mágica. E eu sou um aborto."

Agora ela conseguira toda a atenção dele. Os olhos dele se arregalaram. "Verdade? Você não pode fazer nenhuma mágica?"

"Nada. Eu sou tão ruim como qualquer Trouxa." Ela se sentou na cama novamente, casualmente, como se estivesse pronta para sair a qualquer momento. "Mas claro que eu cresci no mundo dos bruxos. Acredite em mim, pode ser tão embaraçoso quanto ser um bruxo no mundo dos Trouxas."

Fascinado Harry começou a fazer perguntas a ela. Então, de repente, ele parou. "As pessoas sabem? Eu quero dizer, Sirius sabe?"

Claire sorriu. "Até eu me casar com ele, ninguém sabia que eu era além do Diretor Dumbledore e Minerva McGonagall. Agora Remus sabe. E Severus. E Laurel e Serene. Não é mais um segredo, eu imagino."

"Snape?"

"Ele aceitou muito bem." Claire assegurou a ele e lembrou como o Mestre de Poções tinha explodido quando ouvira pela primeira vez que a nova espiã deles era um aborto "Considerando que ele é Snape e tudo o mais…"

"E agora você me diz…" ele disse suavemente, os olhos verdes mergulhados nos dela. E você veio a Londres, disfarçada de um… tipo de Diretora malvada."

Ela sorriu. "Algumas vezes nós temos que fazer coisas que nos metem medo."

"Mas por quê?"

Claire se levantou e foi até o quadro de fotos na parede em cima da escrivaninha de Harry. Os móveis no quarto do menino lembravam uma liquidação, como se os parentes de Harry tivessem dado a ele todos os móveis mais feios que não serviram para seus quartos. O que provavelmente era o que eles tinham feito... No quadro estavam pregadas várias fotos de adolescentes sorrindo e acenando, colegas de escola, ela imaginou.

"Eu conheci Sirius na escola, você sabe." ela disse suavemente e continuou olhando para o quadro. "Antes dos meus pais decidirem manter a vergonha da família em casa. Eu estava no segundo ano na Lufa-Lufa, e Sirius era…" Ela suspirou. "Ele era o que todas as meninas daquela época podiam desejar. Alto, bonito, com olhos bonitos. Gentil, engraçado, forte."

"Então você tinha uma… ah, queda por ele?"

As badaladas do relógio na sala de estar lembraram a Claire da passagem do tempo. Mas ela não podia apressar a conversa.

"Uma queda? Não. Boa Deusa, não! Eu o odiava. Ele implicava comigo sempre que me via, me colocava apelidos…"

Harry riu. "Isso era porque ele gostava de você, sua boba!""

Claire teve que rir. "Bem, ele escondia isso muito bem!" Então ela ficou séria novamente. "A coisa é, Harry, e isso tem que ficar apenas entre nós…"

Ele concordou.

"Eu amo Sirius." Ela corou e acariciou Edwiges através das grades da gaiola. "Eu o amo muito. E eu sei que ele sente sua falta. Se você ama alguém você não quer que essa pessoa seja infeliz. É por isso que eu vim pedir a você para vir comigo, para nossa casa em Hogsmeade." Ela se virou relutante e encontrou Harry olhando para ela como se olhasse para uma aparição em pleno ar.

Eventualmente ele pigarreou. "Uau!"

Claire teve que rir com a mistura de admiração e horror que viu no rosto dele. "Sinto muito sobre isso, Harry." ela pediu desculpas. "Eu não conheço nenhum rapaz da sua idade, mas isso deve ter sido embaraçoso."

"Ehm… não… sim." Harry tirou os óculos e começou a limpá-los.

"Apenas prometa não contar a Sirius."

Ele franziu a testa, mas então ele concordou gravemente. "Eu não contarei."

Claire suspirou. "Eu temo que devo correr. O trem sai às quatro da tarde e se você for gentil e me levar até a plataforma eu…"

"Eu só tenho que empacotar Edwiges e minhas coisas da escola, que estão embaixo da escada."

"Suas coisas?" O rosto de Claire se iluminou. "Você vai comigo para casa?"

"Para sua casa, sim. Eu ainda não estou certo se Sirius vai me querer lá, mas talvez você me deixe ficar o resto do verão. Eu não vou causar problemas, eu posso tomar conta de mim mesmo e…"

"Oh besteira! Sirius vai adorar ver você! E quando eu disse casa, Harry, eu fui sincera. Fique até quando desejar. Você sempre será bem vindo à Mansão Winterstorm. Mesmo quando…"

Harry jogou a pilha de roupas sem cerimônia dentro de um baú que ele puxou de debaixo da cama. "Mesmo quando o quê?"

"Mesmo quando Sirius e eu não estivermos mais casados."

O menino olhou para cima, uma expressão atônita no rosto. "Mas você disse… você disse que o amava."

Claire levantou a gaiola de Edwiges do batente da janela e a cobriu com um lenço de seda. Então ela se ajoelhou perto de Harry para ajudá-lo a arrumar seus livros de feitiços. "Lembra o que eu disse a você sobre nosso casamento? Sirius vai embora um dia, e eu não tenho direito de prendê-lo junto a mim. É por isso que eu peço novamente a você para não mencionar essa nossa conversa a ele."

De repente Harry pareceu muito mais velho, mais maduro do que podia se esperar de um menino na idade dele. Mas então, novamente, ele havia visto coisas mais terríveis do que a maioria dos bruxos já tinha visto, Claire pensou.

"Eu prometo." Ele estendeu a mão e ela aceitou agradecida.

Ficando ereta, ela franziu a testa. "Quando nós descermos não se esqueça de que eu sou a Diretora Winterstorm. Eu sou realmente malvada e você é um aluno arrependido."

Ele fechou a tampa do baú com uma pancada e olhou para ele em dúvida. "Você tem certeza que pode parecer malvada?"

Claire checou o cabelo no espelho e ajeitou o colarinho de sua blusa. "Eu vou fazer o melhor que puder. A questão é, você pode parecer arrependido?"


Quando eles saltaram do trem em Hogsmeade naquela tarde, Claire viu a silhueta alta de Sirius de longe. Ela não havia dito a ele que ia a Londres, então um dos elfos devia ter falado. Serene e Laurel também viram ele se aproximar e se despediram apressadas de sua amiga e de Harry e pegaram suas vassouras para voar para Hogwarts.

Claire pigarreou e sorriu ansiosamente quando viu o rosto sério de Sirius.

"Eu estava preocupado." ele disse ao invés de cumprimentá-la.

Ela teve que inclinar a cabeça para olhar para ele. "Eu deveria ter dito a você. Mas era para ser uma surpresa." Ela passou a mão pelo braço dele. Não foi preciso mais do que aquele toque para fazer com que ele a puxasse para seus braços e a abraçasse.

"Eu estava preocupado." ele repetiu. "Não é seguro para você ir a Londres sozinha."

"Eu não fui sozinha. Éramos três de nós, Laurel e Serene foram comigo." Claire saboreou o calor e o cheiro do corpo dele. Ela estava cansada da viagem e tudo o que ela queria agora era ser levantada e carregada para casa. Mas esta não era a tarde dela e ela sabia disso. Esta era a tarde de Harry.

Empurrando delicadamente o peito de Sirius, ela se afastou dele. "Na viagem de volta éramos quatro."

"Quatro?" Ele franziu a testa. "Eu pensei que você tinha dito..." A voz dele falhou, de repente, quando ele reconheceu Harry que ainda tentava levitar seu baú para fora do trem.

Claire observou o rosto de Sirius mudar de surpresa, para alegria, para preocupação.

"Você sabe que ele só está seguro na casa de seu guardião." ele lembrou a Claire, nunca deixando de olhar para Harry.

Harry se aproximou, o baú, com a gaiola de Edwiges em cima, seguindo os dois, como um animalzinho de estimação. "Tio Dursley assinou um documento nomeando Claire minha guardiã pelo resto do verão." ele explicou desajeitado. Ambos, bruxo e menino olharam um para o outro, sem saber o que dizer, como apagar as palavras amargas que tinham trocado da última vez que se encontraram.

Claire suspirou. Homens! Eles eram tão difíceis - e ainda assim, tão adoráveis...

"Você sabe de uma coisa?" Ela sorriu para os dois e empurrou Sirius para mais perto de Harry. "Por que vocês dois não pegam suas vassouras e jogam uma partida rápida de Quadribol, enquanto eu vou para casa me certificar de que os elfos prepararam um quarto para Harry?"

Claro que eles prepararam, ela pensou. Sua presença era mais necessária para se certificar que eles não tinham colocado faixas douradas na cama do menino... Afinal de contas o jovem Harry era uma estrela, e certamente eles iriam tratá-lo de acordo com sua fama no mundo dos elfos.

Harry concordou, ainda evitando os olhos de Sirius e trocando o feitiço para que o baú achasse sozinho o caminho para a Mansão Winterstorm.

Enquanto o menino soltava a trava de segurança da sua vassoura, Sirius pegou a mão de Claire. A expressão no rosto dele fez com que ela quisesse chorar e rir ao mesmo tempo. Ela viu os profundos olhos azuis desprotegidos por um momento, e o que ela reconheceu neles foi alegria, gratidão, e alguma coisa mais... desejo, carência, saudade. Então o momento passou, e ela observou a sua fachada de bruxo que não podia ser atingido se recompor. Mas, por um segundo, ele havia permitido que ela desse uma olhada dentro da própria alma.

Sirius levou a mão dela aos lábios e a beijou com delicadeza, sussurrando bem baixinho para ninguém além de Claire poder ouvir: "Obrigado."

Continua...