Eu andei pela cidade algumas horas. Fui ao supermercado, à padaria e em algumas lojas que estava precisando ir para comprar algumas coisas pra casa.
Em frente a uma vitrine de uma loja de eletro-eletrônicos, eu vi um "notebook" que a tempos estava querendo comprar pra ela. Não pensei duas vezes antes de entrar e comprar. As coisas não estariam muito boas quando eu chegasse em casa. Nada como levar algo para "acalmar a fera" mais uma vez. Andando de carro pelas ruas eu tive a impressão que ainda estava faltando algo para nossa "reconciliação". Parei no shopping e resolvi visitar algumas vitrines. Entrei em uma loja de artigos de bebê e comprei um vestidinho. Essa seria a peça chave pra noite. Ela não iria resistir a esse vestido. Mandei embalar para presente e voltei ao carro seguindo pra casa. Chegando la, abro a porta e não ouço barulho algum. Vou andando até o nosso quarto, quando ouço algo caindo no chão.
"Merda!"- eu escutei ela dizendo de dentro do quarto. Fui até lá mas não vi ninguém. Ia tirando o casaco quando a vi "surgir" de debaixo da cama.
"Que houve?"- eu perguntei, rindo do cabelo dela jogado na cara.
"Que houve"?- acho que isso foi uma tentativa de me imitar- "você ainda pergunta? Isso é hora de chegar? Eu tenho que tomar banho, me trocar, fazer almoço antes de ir trabalhar e você nem pra me ajudar?"- ela catava cacos de vidro no chão e eu ainda tentava decifrar qual era o objeto quebrado.
"O que é isso?"- perguntei, apontando pro chão. Antes que ela pudesse me responder, resolvi cutucar mais- "quer dizer, ERA, né? O que você destruiu?"- eu sorri, vendo-a cruzar os braços indignada.
"Vai pastar, Carter!"- ele amontoou os cacos e foi levando para a cozinha- "a lâmpada do quarto queimou...e eu fui tentar trocar..."- ela parou no caminho, pegando alguns cacos que tinham caído no chão durante o percurso.
"Quem mandou não me esperar?"- eu estava adorando provoca-la- "agora não temos uma lâmpada quebrada, e duas quebradas..."- eu gargalhei e ela me mostrou o dedo do meio, e foi indo.
"Cuidado pra não se cortar, viu?"- eu gritei lá do quarto e a escutei retrucar.
Fiquei em silêncio um pouco, só escutando o movimento dela na cozinha. Mais cedo ou mais tarde ela ia me chamar.
"Aaaai!"- eu a escutei gritas e corri pra cozinha.
"Não vai me dizer que você"- eu ia começar a brincar com ela de novo, mas me aproximei mais e vi que o tal corte não tinha sido tão levinho e estava sangrando bastante
"Viu o que você fez!" - ela mostrou a palma da mão.
"Eu!" - eu me aproximei tentando ver o corte.
"Sai daqui Carter.." - ela andou ate a pia ligando a agua da torneira.
"Me deixa pelo menos ver isso na sua mão!" - eu fui andando em sua direção.
"Pra que!" - agora sim ela falava com voz de choro.
"Eu sou medico?"
"Eu também sou.. grande bosta isso viu..." - ela falou olhando pra agua que saia da torneira.
"Abby..." - eu fiquei ao seu lado na pia. Ela olhou pra mim deixando uma lagrima cair. Eu peguei sua mão e vi o corte. – "Você ainda tem kit de sutura aqui!"
"Não sei... talvez no banheiro.." - eu sai dali e fui ao banheiro procurar. Achei ele facilmente e quando estava voltando pra cozinha ela estava sentada na cadeira olhando pra mão.
"Você está chorando de ciúmes ou de dor?"- eu sentei na cadeira e peguei a mão dela, vendo o corte profundo.
"De dor..."- ela arrastou a voz, deixando cair uma lágrima quando eu mexi no corte- "mas onde você estava?"- eu sorri, vendo todo o ciúme dela.
"Eu ja tinha te falado.. eu fui comprar umas coisas pra nossa casa.. é que eu parei antes no Shopping e vi uma coisa que me agradou muito, então eu decidi comprar."
"O que foi?"- eu ja percebi uma animação maior na voz dela.
"Espere eu terminar aqui que você ja vai saber.." - eu falei limpando o corte.
"Ai!" - ela puxou a mão de volta.. – "Isso doi!"
"Deixa de ser chorona" – eu peguei a sua mão de volta. – "Vamos ver aqui... você prefere cinco ou seis pontos!"
"Quatro!"
"Eu sou médico, não mágico" - eu rio,ajeitando tudo para começar a "costurar". Pude ver os olhos espantados. Eu sabia que ela tinha medo. Não sei como ela consegui se formar, tinha tanto pânico de agulha e coisas assim quando se tratava dela.
"Cuidado, hein?"- ela olhava fixamente pra mão. Se eu não estivesse louco, podia jurar que ela estava literalmente tremendo
"Olha pro outro lado" - eu achei melhor. Não queria ela supervisionando meu trabalho. Realmente médicos são os piores pacientes.
"Eu não"- ela disse rapidamente- "pra você me costurar que nem seu nariz?"
"Muito engraçada dona Abby.. pois saiba que eu ja conheci mulheres que achavam o meu nariz a coisa mais linda do mundo.." - eu falei dando o primeiro ponto.
"Só se elas estivessem mesmo muito cegas.." - ela fingiu uma risada, eu aproveitei e fiquei calado fingindo que havia ficado com raiva do seu comentário. Eu continuei dando os pontos sem falar nada, quando estava acabando ela abaixou seu rosto procurando pelos meus olhos.
"John.. John.. olha pra mim.." - eu continuei olhando pra sua mão. – "Desculpa.. você ficou com raiva? Eu estava brincando.. você sabe que eu amo o seu nariz, que eu acho ele lindo.."
Eu gargalhei vendo ela se redimindo.
"Ei...nem eu gosto do meu nariz, relaxa..."- eu disse, quando dei o último ponto. Cortei a linha restante e coloquei uma gaze em cima.
"Mas eu gosto.."- ela olhou fixamente pra mim e eu sorri. Era hora de acalmar os ânimos.
"Que bom.."- eu sorri, guardando as coisas na mala e jogando as outras no lixo- "você quer ver seu presente agora?"- eu perguntei, e vi seu rosto se iluminar.- "vem aqui, então"- eu peguei na outra mão dela e a puxei pro quarto.
"Senta aqui.." - eu falei pegando uma caixa e uma sacola.
"O que é isso?" - ela falou apontando pros dois.
"Abra primeiro a caixa.." - eu falei entregando a ela.
"O que será!" - ela balançou e eu ri vendo a sua cara de intrigada.
"Se eu fosse você não balançava ela assim..." - ea prontamente rasgou o embrulho e abriu a caixa.
"Um notebook?"
"Sim... essa casa esta precisando se informatizar.. e também é pra nós nos correspondermos por email, quando eu estiver longe..."
"Que fofo!" - ela deixou a peça de lado e me deu um beijo na bochecha.
"Ai?"- eu reclamei um beijo maior. Ela voltou e me beijos rapidamente os lábios.
"Eu adorei...obrigada mesmo...So que depois você me ajuda, que eu não sei nem ligar esse negocinho..."-ela disse, virando o aparelho para olhar melhor.
"Tá bom, mas agora deixa isso de lado" - ela me olhou esquisita mas fez o que eu pedi- "agora vem o presente melhor."
"Tá bom" - ela sorriu e ficou esperando enquanto eu tirava o embrulho da sacola- "não é exatamente pra você, mas..."- eu sorri, vendo-a pegar o embrulho e rasgar o pacote mais uma vez.
"Carter, Carter, Carter..."- ela disse sorrindo, tirando o vestidinho de dentro do plástico- "Meu Deus! Você não consegue pensar em outra coisa?"- ela disse sorrindo.
"Você não gostou?"- eu fiz uma expressão triste.
"É lindo... mas..." - ela falou colocando o vestido de lado. – "Vamos falar seriamente agora..."
"Falar sobre o que especificamente!"
"O quanto você quer ter filhos!" – eu não acreditei quando ela finalmente tocou no assunto que eu tanto queria.
"Mais que a minha vida? É o meu maior sonho Abby.." - eu falei segurando o vestidinho. – "Mas eu sei que isso é complicado pra você..."
Nós ficamos em silencio por alguns instantes.
"Eu posso te propor uma coisa.." – ela falou olhando pro vestido.
"O que?"
"Deixar o tempo decidir se a gente deve ou não ter filhos."
"Como!" - nesse momento eu estava prestes a ouvir o que eu esperava a tanto tempo.
"Eu não vou mais usar anticoncepcionais, camisinhas.. ou qualquer coisa do gênero..."
"Sério?"- eu sabia que o meu sorriso estava enorme.
"Aham"- ela não parecia muito animada com a idéia. Talvez aquela fosse a maior prova de amor que ela já havia me dado. Eu sabia o quanto isso era complicado, que não era tão simples como no meu sonho. Naquela vida eu tinha filhos lindos e perfeitos. Talvez aqui não fosse assim. Eu sabia da propensão que meus filhos teriam a nascerem bipolares. Eu sabia o quanto ela tinha sofrido com a doença da mãe na infância e adolescência e o quanto ainda sofria com Eric. Eu sabia. Sabia do medo que ela tinha, de passar por tudo de mais perto ainda.
"Obrigado" - eu disse, olhando bem no fundo dos olhos dela.
"Isso não é um favor, Carter"- ela fugiu dos meus olhos- "esse não é um desejo só seu" - ela se escondia atrás dos cabelos soltos, mas eu podia ver seus olhos marejarem e a voz embargar- eu desejo isso há muito tempo, muito mesmo. Desde pequena. Mas sempre, com esse desejo, vem o medo...e ele parece ser mais forte...
"Eu sempre tive essa certeza, de que você quer ter filhos.. mas você sabe que não importe o que aconteça, nós sempre estaremos aqui para apoiar o nosso filho... e eu tenho uma certeza de que ela vai nascer perfeitinho... e se não for, ele vai ser amado do mesmo jeito..." - eu falei abraçando-a.
"O problema" – ela falou soluçando – "é que eu não sei se agüento passar por tudo isso de novo."
"Abby" – eu falei capturando o seu olhar. – "Você sempre esteve sozinha pra enfrentar o problema da sua mãe.. mas agora eu vou estar sempre ao seu lado e juntos nós vamos conseguir.. e alem disso, você sabe que a probabilidade dele ser bipolar é mínima..."
"Mas do jeito que eu sou azarada..." - ela ia começar a falar e eu a interrompi.
"Chega de pessimismo em nossas vidas... Abby, nós vamos ter uma família completa. Vamos ser muito felizes juntos... eu estou te devendo isso ainda.. me deixe pagar a minha dívida..."
Como muitas vezes nós fazíamos, não precisamos de palavras pra terminar aquela conversa. Bastou um olhar pra que tudo fosse entendido. Eu achei melhor mudar de assunto, não queria que ela ficasse triste, ela já tinha chorado demais.
"E ai, esse almoço sai ou não sai?"- eu perguntei, limpando a última lágrima que ela deixou cair.
"Eu não fiz almoço, não!"- ela me disse com descaso- "acabei de chegar como você. Se quiser almoçar, vai ter que ir pra rua" - ela esboçou um sorriso e eu aproveitei essa deixa para anima-la.
"Se você pagar pra mim.."- eu fiz "carinha de anjo", como ela também nomeava uma das minhas expressões. – "eu to meio duro"- eu disse, com segundas intenções.
"Ah, é?"- ela voltou com o olhar malicioso. Ela estava melhor.
"Aham"- eu fui até ela e roubei um beijo demorado.
"Então vamos, eu pago..."
"Mas vamos logo, não quero levar outra bronca da Kerry."
Eu peguei as chaves do carro e dei pra ela me levar aonde quisesse.
"Hoje você decide tudo.." - eu falei entrando no carro.
"Huhu! É assim que eu gosto" – ela falou dando a partida do carro.
Continua..
