Acho que passei mais de uma hora trancado ali. Fiz barba, bigode, lavei cabelo, li, reli, fiz todas as necessidades, quando finalmente não achei mais nada para fazer e coloquei um pé fora do quarto. Olhei para os lados e vi que ali ela não estava. Vesti uma roupa limpa e fui andando até a sala onde estavadeitada no sofá encarando o teto. Abri a geladeira procurando algo para comer, quando a vi pular do sofá e vir na minha direção.
"Desculpa..."- eu ouvi ela dizer sem se aproximar muito de mim. Eu continuei a fazer o meu lanche sem olhar muito pra ela- "eu exagerei. Peguei pesado"- eu permanecia sem olhar pra ela- "Porra! Já disse que errei, dá pra olhar pra mim?"- ela já tinha aumentado o tom de voz de novo
Eu me virei calmamente e a fuzilei com os olhos.
"Vai começar a berrar de novo?"- eu sentei, começando a comer algo.
"Não"- ela baixou o volume mais uma vez e sentou na cadeira da minha frente- "olha eu amei aquela casa. Realmente é muito perfeita e eu vou adorar morar lá."
Eu fiquei olhando pra comida até que a olhei de novo.
"Quem bom, fico feliz"- eu ainda estava um pouco gelado.
"E a respeito do vinho...podemos tomar amanhã" - ela parecia com um sorriso mais amigável e eu sei que não resistiria ficar brigado por muito tempo.
Sorri também e aproveitei pra entrar num assunto.
"Então"- eu disfarcei um pouco- "sabe aquela hora que você falou sobre o ouro" - eu perguntei e ela afirmou com a cabeça na maior inocência. "Então..".- eu comecei a rir e ela finalmente acho que entendeu.
"Não vai me dizer que você..."- eu a interrompi.
"Foi por uma boa causa, Abby"- eu corri no quarto e voltei com a caixinha.
Ela olhou para caixinha e pra minha surpresa sorriu. Eu a abri lentamente tirando as duas alianças.
"Isso é para que você não ande por aí com um anel tão grande no dedo." - eu delicadamente tirei o anel que estava na sua mão esquerda, transferia pra direita e procurei pela menor aliança.
"Eu.. John Trumman Carter.." - eu comecei a falar levando o anel até o seu dedo e ela começou a rir- "aceito.. Abby.. do jeitinho que ela é... sem tirar nem por.. apesar de tudo." - me estiquei um pouco e ela me puxou para um beijo que foi interrompido com sua pressa em fazer o mesmo.
"Eu... Abby.." - ela parou um pouco tentando segurar direito a aliança – "aceito John Carter.. ops.." - ela me devolve um outro sorriso – "aceitei John... apesar de ser gastão e descontrolado... na riqueza e provavelmente na pobreza.. mas ele vai melhorar isso até o meu ultimo suspiro..."
Eu olhei pra ela que sorria descontroladamente e a puxei para mais um beijo.
"Vinho?" - eu me levantei da mesa pegando a garrafa e tirando o saca-rolhas da gaveta.
"Tomara que valha mesmo a pena..." – ela colocou as mãos no queixo e ficou me encarando enquanto eu tentava abrir a garrafa. – "Eu gosto desse seu short.." - ela de repente fala e eu me viro sem acreditar muito no comentário..
"Alguma razão em especial?" - eu sirvo o vinho em duas taças e lhe entrego uma.
"Ah, sei lá" - eu posso ver ela não tirar os olhos do meu traseiro- "marca bem, tudinho"- ela ri, pegando a taça e fazendo um brinde.
"Tudinho o que?"- eu pergunto, lhe provocando.
"Sua bunda, Carter!" - ela diz com todas as letras e eu quase me engasgo com o vinho.
"Ai, só você mesmo"- eu fico a observando por um tempo-"mas e aí, gostou do vinho?"
"Aham"- ela toma mais um gole- "muito bom mesmo."
Nós sorrimos e eu aproveito para chegar a minha cadeira mais perto da dela.
"O que vamos fazer hoje a noite!"
"Dormir até a morte..." - ela falou bebendo um gole grande. – "Qual a porcentagem de álcool nesse treco?"
"O suficiente..." - eu me aproximei para beija-la mas ela se esquivou.
"O suficiente para?" – ela colocou a taça dela na mesa e ficou me encarando.
"Fazer bebes.. gêmeos... quíntuplos.. quantos vocês quiser..."
Rapidamente ela se rendeu ao meu pedido e quando eu fui puxando-a para o quarto ela me parou.
"Se vamos embora daqui..por que não inaugurar o que não foi inaugurado?"
Eu sorri pra ela e fiquei parado, vendo-a se dirigir até o sofá.
"Porque nunca usamos ele.. é tão confortável.." - ela passou a mão nele e eu me aproximei encurralando-a em frente a ele.
O Seu desejo seria uma ordem. Hoje seria o sofá, amanha a mesa da cozinha e depois de amanha o corredor. Eu mal poderia esperar por isso tudo. Prontamente caímos no sofá e estávamos do jeito que nossos pais haviam nos concebido. Depois de um longo tempo de caricias e ser bem a 10ª vez que eu implorava pela presença de Julie, me levantei sofá e peguei um pouco mais de vinho para darmos o brinde final antes de irmos dormir.
"Poxa vida... to tão alegrinha...nem preciso de vinho, não!"- ela disse, se apoiando no sofá.
Eu devia ter pego pesado dessa vez. Pra falar a verdade, nem eu estava me agüentando em pé.
Mesmo assim peguei as duas taças e fui ajudar ela a sair do sofá.
"Temos que decidir se transamos melhor depois do casamento ou depois de briga. Assim, sou nós brigamos mais, ou nos casamos mais..."- eu sorri com o comentário dela enquanto ouvia um último recado na secretária. Ela foi na frente e quando eu cheguei no quarto ela já estava atirada na cama.
"Por Deus...fecha logo essa janela...esse solzinho chato na minha cara..."
Eu fui até lá e fiz o que ela pediu.
"Era a Susan no recado, confirmou meu plantão para as 9. O seu é as...8?"- eu perguntei meio na duvida.
"7"- ela respondeu, bocejando.
"Vamos nanar um poquinho, então"- meu juntei a ela e dormimos até o despertador começar a gritar.
"Desliga isso John..." - ela disse ainda de olhos fechados e eu não nego que também estava.
"Seu plantão é duas horas mais cedo. Você que desligue..." - eu coloquei o meu travesseiro no rosto e a vi se levantar da cama e desligar o alarme.
"Que bosta..." - ela resmungou algumas palavras e saiu dali me deixando com o meu sono da beleza.
Não sei bem quanto tempo depois, pois eu já havia conseguido de novo cair num sono profundo, sinto ela passar as mãos nas minhas costas e deitar o seu corpo por cima do meu.
"Eu já estou indo..." - ela suspira no meu ouvido mas nem forças direito para responder eu tenho.
"Até mais tarde então..." - eu consigo soltar essas palavras.
"Coloquei o alarme pra daqui a meia hora... do jeito que você está vai precisar de um banho de pelo menos uma hora pra acordar."
Eu senti ela bocejar e depois se levantou e saiu, me deixando de novo eu e meu sono. Quando eu estava tendo lindos sonhos com minha passada-futura família o despertador começou a berrar mais alto do que nunca. A sensação que eu tive, era que tinha caído um prédio na minha cabeça. Ainda de olhos fechados me sentei na cama tentando abrir meus olhos. Dei uma boa seqüência de bocejos quando finalmente reuni forças e desliguei o despertador.
Resolvi aceitar a sugestão dela e fui para o banheiro tomar o longo banho recomendado. Só não fiquei uma hora lá pois se não ela me acusaria de gastar muita água e energia elétrica. Terminei de me arrumar vendo que já estava quase na hora. Apressei o passo e diriji até o County no mesmo caminho de sempre.
Entrei no hospital esperando ver o P.S lotado, o que não aconteceu. Pra falar a verdade estava as moscas e muitos médicos e enfermeiras conversavam na recepção. Cumprimentei Luka e Sam e fui até a SDM. Entrei e a sala estava vazia. Onde diabos ela estava! Sai de novo após deixar minhas coisas no armário.
"Luka, você viu a Abby por ai?" - procurei saber. Ele me olhou com uma expressão perdida mas já podia ver que Sam sabia de algo.
"Ela e a Susan estão aprontando por ai...Sumiram faz mais de uma hora"- ela disse, num tom meio sarcástico e todos olharam pra mim.
"Ok..."- eu disse meio a um sorriso e fui pro corredor, tentando encontra-la. Passei pelas salas de Trauma e as cortinas, não encontrando ninguém.
"Oi boneco..."- eu sinto alguém tampar meus olhos.
"Onde você escondeu minha mulher, Susan?" - eu disse sorrindo, quando ela me deu um beijo no rosto.
"Eu!"- ela começou a gargalhar- "tadinha... Ela tá morta de sono..."- ela me sorriu maliciosa...- "você sabe o que ela tem"- ela me encara me deixando encabulado- "Carter, Carter...isso não é coisa que se faça..."- ela ainda ria e eu a acompanhei, na risada. "Vem cá..."- ela me chamou, entrando na única sala que eu ainda não tinha visto. Encontrei-a deitada na maca, coberta por um lençol azul de trauma. Estava escuro e eu não conseguia ver muito o seu rosto.
"Só queria saber onde ela estava...vamos deixa-la dormir..."- eu disse sussurrando e indo até a porta. Eu tinha dormido mais, tinha o dever de deixa-la fazer o mesmo.
Voltei a recepção e ainda nenhum trauma. Rolava até algumas pizzas ali e eu aproveitei para comer algo. Fazia quase uns quarenta minutos que estávamos sem ninguém no hospital quando eu vejo ela vindo no corredor. Morena.
"Uaaaaaau!" - eu olho para o lado e vejo Ray assobiar. – "que morena mais charmosa!"
Abby dá um sorriso tímido e quando ela olha pra mim eu a encaro da cabeça aos pés. Tudo bem, ela estava certa..é bom mudar de vez em quando.
"Bem do jeitinho que eu me apaixonei..." - eu me aproximo dela, dando-lhe um selinho.
"Hey.. pode pornografia nesse hospital não!" - eu ouço Frank gritar alto fazendo todo mundo se virar para nos observar.
De repente os desocupados do hospital começaram a bater palmas, assobiar, rir . Eu olhei para Abby que estava ficando verde de vergonha.
"Inveja mata viu.." - eu a conduzi pela cintura até algum local mais vazio e ainda podia ouvir as piadinhas.
"Só porque o hospital está vazio isso não significa que tem que ocupar os quartos!"
Eu olhei pra Abby e disse baixinho "espera aí". Voltei até onde eles estavam e balancei a cabeça em direção a Susan
"Depois que colocaram uma maluca na direção desse PS esse hospital decaiu e virou lugar de piada!"
Susan me olhou se controlando pra não rir e bate a mão no balcão tentando impor alguma ordem.
"Todo mundo arranjando o que fazer.. ora mais.. isso aqui ainda é um hospital..!"
Por incrível que pareça todos obedeceram e saíram procurando o que fazer.
"Gostei de ver.." - Abby se aproximou se recostando na recepção.
"E vocês dois também! Vão procurar o que fazer!" - ela colocou uma mão cintura e sentou-se em uma cadeira colocando os pés pra cima controlando o riso.
Eu olhei menosprezado-a e puxei Abby pelo braço, sentando na primeira cama que eu vi. Ela sentou ao meu lado, segurei sua mão e me virei observando-a melhor.
"O que foi?" - ela sorri timidamente. – "nunca me viu?"
"Ficou tão bonitinha assim..."- eu me derreti e ela sorriu.
"Pra quem me prefere loira, tá fazendo charme demais, não acha!"- ela ficou me encarando também e eu dei mais um selinho nela.
"Ah...eu gostei desse cabelo...mesmo"- eu passei a mão por ele e pude sentir o cheiro do xampu- "e ainda mais cheirosozinho assim..."- eu cheirei mais forte e ela começou a rir- "descansou!" - eu perguntei, fugindo dos olhos dela.
"Aham..."- ela afirmou com a cabeça, meio envergonhada com a situação também.
"Que bom..."- eu continuava ali sem assunto e com vergonha, sem saber ao certo o que dizer.
"E você?" - ela devolveu a pergunta, ainda olhando para o "nada". Eu dei a mesma resposta que ela e caímos no silencio novamente. Aquele hospital estava um marasmo e eu ainda tinha um pouco de sono. Seria duro passar a madrugada ali acordado nem ter nada pra fazer.
"Alguém morreu!" - Luka se aproximou de nos se recostando também na maca. Será que estava tão evidente que estávamos "sem assunto"?
"Pelo visto hoje ninguém quer morrer.." - Abby falou ainda bocejando e eu começo a rir. Os dois se viram pra mim sem entender o meu ataque súbito de riso. Continuaram em silêncio mas eu não conseguia me controlar.
"O que você fez com ele hoje?"
"Eu que pergunto.. o que ele fez hoje sem mim...?"
Eu ainda não havia parado de rir e estava sentindo que estava ficando sem ar.
"Se não temos paciente, o médico inventa alguma doença? É isso!" - Susan aparece percebendo o inicio do meu desespero. Eu começo a tossir e procurar ar, mas a risada não deixava. – "Você tá rindo do que!" - Susan se abaixa mas eu não consigo responder e só balanço a cabeça. Do que eu estava rindo!
"Eu já aviso que não fiz nada..." - Abby diz batendo de leve nas minhas costas – "John?" - ela me balança de um lado para o outro. – "respira.. puxa o ar.. você consegue..."
"Pára Abby!" - agora eu havia conseguido parar de rir mais ainda tentava buscar o ar com dificuldade por causa da seqüência interminável de tosse.
"Pronto?"- Abby e Susan me perguntaram juntas quando eu finalmente voltei com a minha respiração normal.
"Sim, sim"- eu disse e elas me sorriram. Luka se afastou quando Sam o chamou e mais uma vez o silêncio veio.
Abby olhava pro chão e eu e Susan trocávamos olhares patéticos quando o telefone começou a tocar. Todos que ali estavam olharam para Frank.
"Ei Não vai atender, não?"- eu escutei Neela perguntar e ele se fez de surdo. Ninguém tinha o que fazer, não custava atender o telefone. Caminhei até dentro do balcão e atendi.
"Acidente na Av. 5. Ônibus infantil colidiu com 2 carros. 15 vítimas graves e 21 leves. Quantos vocês pegam?"- uma voz feminina disse rapidamente ao telefone. Coloquei o aparelho no viva-voz para que pudéssemos tomar a decisão em conjunto.
Todos os médicos e enfermeiras sem nada o que fazer Decidimos agitar as coisas por ali e aceitamos o máximo que o hospital podia agüentar. Aquela que prometia ser uma noite calma, foi um dos piores dias que eu já presenciei nesse hospital.
Continua..
