CAPÍTULO 2: Cuidados

Nossa... como demorei nesse banho. Não deveria ter feito isso, mas não pude evitar. Distraí-me enquanto pensava na vida, enquanto pensava em tudo o que tem acontecido comigo nos últimos tempos. Pensar em como perdi a esperança na vida, em como perdi a esperança em mim mesmo, como cheguei ao trapo, como me desmotivei, fui para a fossa, para o fundo do poço. Em como podia ter cuidado melhor das pessoas a quem amava, e em como fui negligente com elas, me concentrando nas felicidades que sentia e me esquecendo de minhas responsabilidades como pessoa, como homem. Eu deveria me jogar simplesmente navio abaixo, acabar com esse sofrimento e morrer nessa água tão transparente. Tão gelada. Mas... Quem está ali na minha cama? Aya? Aya? Minha querida Aya? Não, não... É apenas o Omi, dormindo tão serenamente quanto minha irmã já dormiu naquela maldita cama de hospital enquanto eu lutava por ela. Por mim mesmo... A diferença é que Omi dorme, já Aya estava em coma. Mas a expressão é a mesma. E a temperatura dela era gelada, já Omi está... quente. Muito quente.

Aya desabou em cima do chibi, o abraçando como gostaria de abraçar sua irmã naquele instante. Podia materializá-la ali, a maciez dos cabelos, a textura de pétalas de rosa da pele, o cheiro de bebê, principalmente atrás das orelhas. E nesse abraço percebeu que o menino estava com febre, da mesma maneira que percebia a doença na irmã quando eram pequenos. E se não podia tomar conta dela naquele instante, faria isso com ele então. Tomaria conta de Omi. E foi o que fez. E depois de acomodá-lo e tudo mais, ficou admirando o rosto meigo do menino, a pele branca intocada, o nariz pequenino, a boca levemente rosada, tal qual as bochechas, e até se divertiu contando as quase imperceptíveis pintinhas do rosto do chibi.

Quando o loirinho acordou, Aya até ruborizou um pouco, não gostava de ser pego em flagrante observando outra pessoa. E também odiaria que Omi notasse aquela fraqueza. Inventou meia dúzia de desculpas e saiu do quarto o mais rápido que pôde.

-Aquele moleque... Pensa que vai conseguir arrancar algo de Aya? Claro que não! Eu até que conseguiria, mas Omi? É apenas um piá, não vai conseguir nada. É muito chiiibiiii.

Yohji disse com a voz mais sarcástica e mal-humorada que tinha, e ao mencionar o tamanho de Omi, ainda aproximou o indicador e o polegar para mostrar para si mesmo de quantos centímetros era a altura de Omi.

-O que você está resmungando, Yo------tán?

-Não tire sarro da minha cara, Ken!

-Ehe, não posso evitar. Você é sempre tão irresponsável, e também estava tão bem-humorado com as férias que não posso esconder minha surpresa em te ver tão, hmmm, alterado. – sorria quase que inocentemente, apenas os olhos brilhando em malícia.

-Ah, não vai dizer agora que anda se preocupando comigo, jogador!

-Não é bem preocupação, é apenas cuidado. Cuidado pelos próximos. Faz bem para as relações, sabia? – e agora a provocação era aberta. Natural para amigos de longa data.

-Não interessa.

-Ah, interessa sim!

E Ken deu um salto para frente que chegou a assustar o loiro, que foi encostado na parede do corredor e preso pelos pulsos por duas mãos ao lado de suas orelhas. Estava à mercê do jogador. Só não entedia quais eram as intenções. O moreno se debruçou sobre Yohji, deixando os dois rostos tão próximos que arrepiou o loiro com sua respiração.

-Ken, o... o que diabos você está fazendo?

-Te acalmando.

Foi falar isso e o playboy se descontrolou de vez. Não era um rapaz qualquer que o faria se acalmar. Além disso, como estava pressionado contra a parede, isto estava arruinando seu cabelo! O loiro estava irritado, muito irritado, prestes a agredir o jogador. Estreitou os olhos para aquele rosto contente que se aproximava, cerrando os punhos. E assim teria feito, se não fosse surpreendido por um ardente beijo. O playboy estranhou que aquilo não lhe era desagradável. A maciez dos lábios, o calor que emanava dos dois, o hálito... Primeiro dava uma de voyeur com Aya, agora gostava de sentir os lábios de Ken? Não! Algo estava muito errado ali! Porém, foi fechar os olhos e Yohji quase podia sentir a presença de Aya ali, era como se fosse o ruivo que estivesse lhe beijando, e não o seu melhor amigo, logo o Ken. E assim, aos poucos foi se rendendo e abrindo a boca, com permissividade, para que de si fosse feito o que fosse para fazer. As línguas se tocaram sensualmente, numa dança luxuriosa, o desejo tomava conta de si. Aya. O playboy só conseguia pensar nele, queria ver seu rosto, ver os olhos do ruivo fechados enquanto se beijavam e... Abriu os olhos. E lembrou-se de que quem o beijava tão deliciosamente era o moreno. E ao olhar para o lado, teve a impressão de ver um vulto. É claro... Estamos no meio do corredor, qualquer um pode nos ver aqui.

-Ken... –o jogador não lhe dava espaço para falar. Precisava se saciar, precisava saciar aquela paixão que sentia há tanto tempo – Ken, por favor, pare...

Yohji começou a afastar o jogador de si, com as feições de quem sofre por querer e não querer ao mesmo tempo.

-Mas... Yohji-kun... Você estava correspondendo... Estava gostando, não estava?

O rosto do moreno demonstrava claramente uma mágoa. Ken gostara de Yohji desde o primeiro momento em que se conheceram, haviam se dado muito bem, se entendiam perfeitamente, em pouco tempo eram melhores amigos! E é claro que fora amizade o que sentia no início. Mas Yohji sempre tivera uma sensualidade nata, algo que não era possível controlar, estava em seu "eu". O jeito de andar, a maneira de falar, o movimento... Tudo, tudo fez com que o playboy inconscientemente seduzisse seu amigo. E naquela viagem, estava tudo tão bonito, tão descontraído... Ken sabia que aquele era o momento certo de demonstrar o que sentia. É claro que poderia ter se declarado em vez de simplesmente cair em cima e agarrar Yohji, mas se tivesse usado palavras, o lado racional do loiro funcionaria mais rápido e qualquer acesso seria negado! Era preciso algo mais "choque", um beijo bem beijado faz com que as pessoas percam a racionalidade, pelo o menos em termos de "bloqueios", pois se Yohji não sentisse o mínimo de atração por ele, não teria retribuído. Então... O que havia acontecido?

-Ken... Eu... –ainda estava sem ar- por favor, não faz mais isso...

-O que houve Yohji?

-Vo... Você me assustou! E esse é um lugar perigoso, podem nos ver!

-E daí? Nós não estamos cometendo nenhum pecado, e... –o moreno olhou para o playboy bem no fundo de seus olhos- Yohji-kun, eu gosto de você. Só queria que você soubesse disso. Eu já conheço essas histórias, essas fics por aí em que me fazem ficar correndo atrás mesmo que esteja sendo ignorado, mas, NESSA FIC MANTEREI MINHA HONRA! Hum-Hum! Ou seja, se você gosta de mim do mesmo jeito que eu gosto de você, nós ainda vamos ficar juntos no fim dessa história. Mas agora só depende de você.

-Ken-kun...

O moreno sorriu gentilmente, e pôs um dedo nos lábios de Yohji para que este ficasse em silêncio.

-Shhhh... Você não quer que as pessoas saibam né? E bem, se alguém viu, ainda vai esquecer. Eu não vou, e... espero que você também não.

E sem esperar qualquer resposta, o moreno deu as costas ao loiro e se afastou.

--

Omi... Eu... Eu ruborizei quando estive com ele... O que será que está havendo? Eu senti uma espécie de felicidade quando estive com ele. E eu não mereço isso. O ruivo perambulava melancolicamente pelos corredores, olhando cabisbaixo para o chão. A vida era cruel. Tirara-lhe quem mais amava, e sequer lhe deixava curtir sua tristeza em paz. Ficava sempre lhe provocando. Dobrou a esquina do corredor sem prestar muita atenção, quando viu... Yohji. E Ken. E o beijo. Há quanto tempo estariam ali? Era melhor não pensar nisso. Deu meia volta e resolveu ir para a proa do navio receber um pouco de vento na cara enquanto apreciava o mar. Esse tipo de atividade lhe causava prazer e uma certa felicidade, conforto... Mas não era uma alegria de verdade, pois a sensação assemelhava-se à paz. E na paz ele poderia ficar remoendo o remorso e enchendo sua cabeça com pensamentos depressivos e sem esperança. Poderia ficar se arrependendo cada vez mais e mais por não ter cuidado melhor de sua irmã. E por não ter passado mais e mais momentos com ela. E poderia também ficar sentindo pena de si mesmo, por ter sofrido aquela desgraça. Por ter permitido que por algum momento sua Aya-chan tivesse sofrido. E assim fez. Ficou ali, sofrendo, sentindo pena de si mesmo e de seu destino que lhe impusera a visão de sua mana definhando pouco a pouco.

-Aya... kun...

O ruivo virou-se com uma quase raiva. Não gostava nem um pouco que o interrompessem enquanto meditava sobre sua vida, e odiava que o chamassem com adjetivos carinhosos. Mas quando já ia dar um tapa e um grito com o intruso, deu de cara com um par de olhinhos brilhantes. E o rosto corado. E o tronco arqueado. E a mão apoiando o corpo cansado no corrimão de metal.

-Omi! Você não deveria estar descansando enquanto eu ia lhe buscar algum antitérmico?

-De-desculpa... Eu não queria incomodar. Mas eu estava preocupado com você. Cada dia que passa você fica mais quieto e escuso. Eu sinto, não, eu sei que alguma coisa muito séria aconteceu. Não pode desabafar Aya? Vai ficar se sentindo triste sozinho?

Aya sentiu um misto de carinho e de raiva por Omi. O menino era tão inocente, puro, lindo. E se preocupava com ele de um jeito muito doce, igual a sua irmã. Ao mesmo tempo, mesmo que delicadamente, estava tentando se meter em sua vida. A uma confusão de sentimentos desse gênero só resta o silêncio. Omi o encarou com doçura e compreensão. Num silêncio pode se descobrir muitas coisas. Então, se jogou para frente e abraçou o ruivo, até porque já não tinha muitas forças para se segurar em um mero corrimão. Aya abraçou o menino de volta, parte por querer sentir novamente a sensação de estar abraçando sua irmã, e parte porque o loirinho não conseguiria se manter em pé sozinho.

-Eu estou adorando as férias, e ao mesmo tempo eu as odeio, Aya. Porque eu sei que elas foram dadas por causa da tua tristeza... Então, por mais que elas possam ser legais, eu quero que acabem logo, pois então eu vou saber que sua tristeza acabou junto.

-...

Antes de desmaiar nos braços do espadachim, o chibi ainda murmurou:

-Só... Não se culpe... Nem tenha pena de si mesmo... Por Aya ter... Morrido...