Capítulo 4: Músicas

Omi adormeceu novamente. Parece mais e mais cansado. ...Acho que devemos chamar um médico quando chegarmos ao hotel. Aya sem perceber admirava o loirinho que dormia serenamente. O rosto, infantil e angelical, lhe trazia lindas recordações de sua infância, quando sua irmã ainda estava bem. Cada vez mais Omi lhe lembrava sua irmã. Era uma pena que a lembrava agora dela em seu leito de morte, e não nos momentos felizes. O loirinho apenas poderia lembrar esses momentos quando tivesse curado. Aya começou a desejar ardentemente que o chibi ficasse bom logo, e sem querer acabou iniciando um vínculo afetivo. Traduzindo, estava ficando dependente de Omi, pois toda sua escalada em busca de voltar a ter esperança em viver estava baseada no menino. E, enquanto dormia, o pequeno nem imaginava a responsabilidade que tinha adquirido sobre a vida do espadachim.

--

-"Eu te" o quê?

Yohji simplesmente parara de falar no meio da frase, e o silêncio se tornara pesado entre os dois. O que o loiro estava pensando? O que sentia? Não podia terminar a frase simplesmente porque não sabia o que dizer. Os sentimentos estavam confusos.

-Eu... Te admiro muito. Por sua coragem. Por enfrentar a vida de peito aberto, enquanto eu me encolho ante os desafios. Entrar para a Weiss, para mim, representa um recomeço. Eu entrei aqui para não ficar sozinho, para me recuperar. Para reencontrar a minha paz... E, como me julgo incapaz de amar outra pessoa como eu amei Asuka, acabei me tornando esse... Esse bêbado playboy que cada dia sai com uma mulher diferente. Acabei me tornando um lixo, para esquecer, mas sei que se esqueci, ainda não superei. E os meus pesadelos vão me lembrar sempre disso.

-Yohji...

O playboy estava se abrindo com Ken, assim como já fizera outras vezes. Mas dessa vez era diferente. Algo havia mudado entre os dois. Algo quebrara, e outro algo passara a existir. O loiro falara de seus sentimentos como se aquela fosse a primeira vez que fazia isso, como se estivesse entregando novamente sua confiança ao moreno, que, por sua vez, se sentiu encorajado e... Cada vez mais apaixonado. Os dois fitaram os olhos um do outro longamente. Ken olhava com carinho, Yohji com tristeza. E o moreno desejou mais que nunca poder confortar o homem por quem tinha se apaixonado, para quem tinha entregue seu coração mesmo que amar uma pessoa do mesmo sexo fosse algo estranho e novo para si. Ainda assim, era um sentimento puro, e em seu anseio por confortá-lo, se aproximou e abraçou o amigo, que não o afastou, mas também não retribuiu. Ficou parado, os braços inertes ao lado do tronco. Então o moreno novamente cedeu à tentação e aproximou seu rosto do loiro. Já estava quase o beijando novamente, mas foi afastado delicadamente por uma mão que empurrou seu tronco.

-Por favor não faça isso comigo... Eu não quero correr o risco de sofrer... Não estou pronto para isso ainda.

-E...Está bem.

--

Enfim, a viagem transcorreu sem maiores problemas, e o quarteto chegou ao hotel. Cansados, cada um foi para seu respectivo quarto descansar. Estranhamente os quartos ficavam cada um em uma ala diferente do hotel, com uma grande distância de um para o outro. Além disso, o hotel era muito grande e com um complexo emaranhado de corredores que praticamente formavam um labirinto. Era tudo muito luxuoso, com felpudos e vermelhos tapetes persas em todos os aposentos, paredes de mármore negro lotadas de caríssimas obras de arte, em todo canto havia sofás macios e cristaleiras repletas de brilhantes.

O primeiro a acordar foi Yohji, que antes de se sentir cansado se sentia faminto. Ficou perambulando durante meia hora pelo hotel até achar o restaurante, que por sinal, era muito fino. Porém, ele estava vazio, exceto por uma bonita mulher. De cabelos longo, lisos e negros, olhos azuis claríssimos, levemente acinzentados, vestia um sobretudo preto que chegava até os pés. Havia também uma outra mulher, igualmente bela, com cabelos loiros presos em um coque chique, vestindo um longo prateado, sombra preta ao redor dos olhos negros, batom vermelho e flores ao redor do cabelo, flores negras.

A morena sentou ao piano e começou a tocar uma música triste enquanto a loira cantava com uma voz incrivelmente bela, doce, glamourosa, melancólica... O loiro a observava furtivamente e beliscava alguns camarões.

Quando elas terminaram a música, o playboy se aproximou delas, já seguindo seus instintos.

-Nossa! As belas senhoritas fizeram uma bela música!

A morena sorriu sem graça, o rosto corado, enquanto a loira agradecia.

-Obrigada pelos elogios, mas... – então deu uma pequena gargalhada, sarcástica - Essa "bela senhorita" que está ao piano na verdade é meu irmão.

Yohji não costumava sentir-se desconcertado ou constrangido, mas naquele momento, sentiu seu rosto ser tomado por chamas.

-O quê? É um homem?

-Eu... Eu sei... – ele olhou para o lado, incomodado - Todos me confundem com uma mulher...

-Nossa, sinto muito mesmo! – e, antes que aquele desconforto se tornasse maior, mudou de assunto imediatamente - Posso saber como vocês se chamam?

-Eu sou Hibari, e o meu irmão se chama Kouji. Prazer em conhecê-lo, senhor...?

-Yohji. Prazer em conhecê-los também. Mas o que uma moça tão linda quanto você faz cantando sozinha aqui nesse restaurante, se não há freguês nenhum aqui?

-Ora, você estava aqui... – ela sorriu agradavelmente - E estava ouvindo, já que gostou da nossa música. Para mim, mesmo que haja uma única pessoa nos ouvindo, ainda assim é motivo para cantar. Até porque não há mais nada que eu possa fazer na minha vida.

-Mas então essa música foi composta por vocês?

-Não, apenas por meu irmão. É ele que tem o talento para compor, tocar, criar a melodia e a letra. Eu apenas empresto minha voz a ele... Mas já é gratificante, ne?

-Nossa! Kouji, você é muito talentoso! – o loiro empolgava-se agora, tanto pelo fato por quanto a garota estar sendo receptiva.

O rapaz apenas ficou quieto, sério, intrigando o playboy. Por que era tão diferente da irmã, que agora que começara a conversar, falava pelos cotovelos?

-E bem, eu descobri meu dom de cantar quando ainda era criança, quando eu cantava num coral de crianças em necessidade. Diziam que eu era como um pequeno anjo. Desde então passei a me dedicar integralmente à música, fiz até faculdade disso! – mais uma risadinha - E me especializei em muitos gêneros, inclusive em canto lírico como você pôde perceber nessa música que cantei agora há pouco... Quanto a Kouji, sempre foi talentoso também – baixou a mão para fazer um pouco de carinho nos cabelos do irmão, que desviou - Mas como é tímido, não gostava de tocar para os outros e acabava não se destacando. Por culpa dele que demoramos tanto para achar um emprego que aceitasse nós dois. Afinal, não achei lugar nenhum em que precisassem apenas de uma cantora, por mais talentosa que fosse. Viajamos por todo país, muitas vezes com a roupa do corpo apenas e vivendo da gentileza dos moradores mais miseráveis que encontramos por aí. Com isso, acabamos aprendendo muito sobre os costumes e eu pude aperfeiçoar meu vocal. Além disso, como fiz muitos "bicos" em barzinhos locais, sou conhecida em muitos lugares, de forma que no dia em que eu realizar meu sonho de me tornar uma cantora em turnê, serei bem recebida pelo público! – ela bateu palmas, gargalhando feliz - Mas é claro que por enquanto vamos apenas formar meu pé de meia, trabalhando nessa espelunca aqui. E eu sei que meu irmão irá trabalhar bastante para me ajudar a realizar meu sonho!

Que mulher barulhenta... E ainda vai ficar se aproveitando do próprio irmão, que foi quem mais trabalhou até agora, sendo arrastado por ela por todo o país sem mesmo poder reclamar. E é ele quem mais tem talento. A voz dela pode ser linda, mas ainda assim não é única. Todo caso, posso ao menos conseguir uma noite acompanhado... Eheh... Melhor sorrir!

-Mas que história interessante! Bem, estarei torcendo por seu sucesso. ...Mas sua garganta não está seca? Se estiver não poderá cantar! Você gostaria de tomar um drinque?

-Mas é claro que si...

-Ela não vai tomar nada!

Yohji levou um susto. O belo garoto tinha a expressão mais cheia de ódio no rosto que se pode ter.

-Primeiro um drinque, depois a cama... Você não me engana. Não é o primeiro que tenta conseguir uma noite com minha irmã para depois deixá-la sem sequer um adeus!

-Ko... Kouji! – ela virou-se em diração ao irmão, tentando repreendê-lo - Pare de fazer isso! Já sou maior de idade!

-Mas se comporta como se não fosse! Ou acha que não sei que muitas vezes eles te pagam para dormir com eles?

Yohji até que ia defendê-la, mas quando viu que em vez de lágrimas os olhos dela tinham raiva, o playboy se convenceu de que devia ser verdade a história, e de que o menino havia acertado direto na ferida dela.

-Eu... – durante alguns segundos ela ficou sem reação, mas logo recuperou-se, em fúria total - Argh, eu faço isso para realizar meu sonho, pirralho! Não entende isso? Se você trabalhasse mais para me ajudar a arrecadar dinheiro para meu cd eu não precisaria me esforçar tanto!

-Eu trabalho mais! Você me forçou a trabalhar dia e noite par..!

PLAFT

Percebendo que a situação ficaria caótica, o playboy teve de tomar alguma atitude, antes que ele próprio fosse atacado mais diretamente. Com muita calma, segurou e puxou os pulsos da cantora para trás e para cima, imobilizando-a.

-Argh! Me larga! Yohji, me larga! – debateu-se, tentando se soltar.

-Olha o escândalo, senhorita. Um tipo assim jamais faria sucesso em uma gravadora.

-Hunf! Está bem! – parou de se debater e se acalmou, o que fez com que o homem a soltasse - Esqueça o que esse idiota disse, é tudo... é tudo mentira! – compôs-se, ajeitando os cabelos. Então abriu um lindo sorriso, tentando desfazer o clima pesado - Mas... E quanto ao drinque que você me ofereceu?

-Hum, fica para outro dia – e ante ao olhar de rejeitada, completou imediatamente - Não quero que Kouji fique me odiando. Bem, vou indo agora. Preciso encontrar meus companheiros. Tchau!

Ele... recusou? Nunca alguém me recusou antes... Bem, talvez ele não seja tão cafajeste quanto parece...

E desmaiou ali mesmo no meio do salão. Kouji foi automaticamente até ela e a retirou do chão, levando-a para o camarim. Já estava acostumado com isso. Quando será que ela vai aprender a se cuidar? Ela não pode sair por aí transando com qualquer um. Isso só vai piorar! Pôs um pano molhado na testa da cantora e trocou o vestido fino por um pijama confortável. Já era rotina ter que cuidar de Hibari quando ela desfalecia.

--

Quanto tempo passou desde que comecei a dormir? Nossa, ainda estou doente. Isso é ruim. Se ao menos Aya estivesse aqui para me tratar... Ou meu pai... Aposto que os outros já estão se divertindo, enquanto eu fico aqui, inútil! Melhor tomar um anti térmico, um analgésico e tocar para a enfermaria ver se alguém me trata. Afinal, já que estou de férias, melhor aproveitar. Além do mais, doente do jeito que estou, não vou poder ajudar Aya a sair de sua depressão! E pensando assim foi que Omi tirou forças para se vestir, desarrumar a mala e vagar pelos corredores até descobrir que não havia enfermaria. E desmaiar, sozinho e perdido.

--

O que será que Omi está fazendo agora? A pergunta não saía da cabeça de Aya, que estava com uma preocupação quase obsessiva pelo chibi, praticamente se esquecendo de sua falecida irmã, embora sem perder a grande tristeza que se abatia sobre si. Ele está doente, e se sair por aí, tomar frio e ficar pior ainda? Acabou decidindo por ir procurar o loirinho. Apenas tomou um banho rápido e logo foi vasculhar os corredores para achar o quarto do menino. Tocou a campainha seguidas vezes, e como ninguém atendeu, resolveu verificar se a porta estava destrancada. Estava. Aya olhou em cada cantinho do aposento pelo menino, mas não achou, ficando ainda mais preocupado. Procurou então pelos corredores do hotel, pelas alas, por todos os lugares, mas nada, nada de Omi! O guri havia sumido!

--

-Hmmm... Então você estava perambulando pelos corredores e acabou desmaiando menino? Até parece alguém que conheço... Só espero que você não demore muito para acordar... Isso ia me dar muito trabalho...

Janeiro/2003