DIÁLOGO

"A nobre conversação é filha do discurso,

mãe do saber, desafogo da alma, comércio

dos corações, vínculo da amizade."

Gracián

Capítulo 1

Sentado displicentemente à sua mesa e inclinando a cadeira para trás, Fox Mulder acompanha com o olhar e em silêncio a figura pequena e frágil mas altiva de sua parceira Dana Scully, caminhando de um lado para outro, guardando as pastas nas gavetas do arquivo de aço.

Súbito, um pensamento vem-lhe à mente: fazer uma pergunta à Dana, por que não? Uma pergunta importante em que pudesse avaliar os sentimentos de sua colega, pô-la à prova e deixá-lo como sempre sem resposta, como é de seu hábito fazer. -

- Scully, o que você pensa sobre a solidão?

- O que eu penso? Por que pergunta, Mulder?

- Pode me responder?

- Ahn... Mulder... bem, a solidão é o efeito de um sentimento que as pessoas imaginam sentir quando necessitam de alguma coisa... de algo mais concreto...

- É essa sua explicação para a solidão?

- Sim... e você? Como a define?

- Não posso defini-la. Eu a sinto, somente.

Os grandes olhos azuis de Dana erguem-se em direção ao seu parceiro.

- Mulder, a solidão nós a criamos dentro da gente!

- Claro, Scully, eu sei disso! E apesar de ser uma coisa abstrata eu posso sentí-la, tocá-la... ela é minha companheira, sempre ao meu lado, não me deixa nunca... realmente eu posso tocá-la e não apenas imaginá-la. Tenha certeza disso!

Ele faz uma pausa para fixar o olhar num ponto distante e completar:

- "A solidão é um deserto que cada um povoa à sua vontade."

- Você é um poeta, Mulder... - diz, esboçando um leve sorriso.

- Um poeta... - murmura, meneando a cabeça - fala mesmo de verdade, Scully... você poderia alguma vez considerar-me um poeta e não apenas um visionário?-

- Ahn... a essas alturas eu simplesmente posso dizer que sim. Um poeta pode divagar seus pensamentos por lugares os mais fantásticos e inexistentes possíveis.

- E eu faço isso?

- Sempre...

Ele volta a indagar, com a voz quase sussurrante:

- Scully, quando eu divago com os pensamentos "por aí" não quer dizer que deixo-me ir tão longe da realidade...

Ela o interrompe:

- Só do irreal...

- Da quimera?

- Sim... às vezes sim.

A pergunta vem abruptamente:

- Você me considera um tolo, um sentimental, Scully?

Ela esgazeia o olhar em sua direção:

- Eu não o fiz pensar isso, Mulder! Ou fiz?

- Deixou-me com uma quase certeza com essas suas palavras.

- Mulder... eu realmente não queria... ahn... desculpe-me.

Ele toca-lhe suavemente num braço.

- Deixa pra lá... vamos falar de você.

- De mim? Falar o que?

- Scully... bem... o que você pretende fazer... ou melhor... como você pretende estar ao chegar à velhice?

Ela ri e fita-o zombeteiramente. Braços cruzados.

- Na velhice, Mulder?

- Sim, Scully, às vezes a gente tem que avançar no tempo e imaginar coisas à nossa frente.

- Pra que?

- Você não sente prazer em imaginar... coisas?

Ela dá alguns passos e afasta-se, porem não deixa de fitá-lo.

- Não, Mulder... na verdade meu prazer é tocar nas coisas mais próximas a mim.

Ele ri, levando a cabeça para trás:

- Não acha que essa frase seria mais apropriada para mim, Scully?

- Por que?

Ele faz um gesto com os braços abertos e dá uma volta no recinto:

- Porque não faz parte de você esse tipo de coisa.

- Que tipo de coisa? Explica!

Ele desaba numa cadeira:

- Ahn... tocar nas coisas mais próximas a você...

- Não entendo...

Mulder cruza os braços, franze os lábios olhando para ela:

- Entende, Scully... você é inteligente, perspicaz...!

- E daí?

- Daí que sabe o significado do que eu quero falar.

- Mulder... eu... preciso entender. - diz, num murmúrio.

- Você acha bom quando dialogamos desse jeito?

- Não muda de assunto, Mulder. - replica, franzindo as sobrancelhas.

Ele levanta-se novamente. Leva um dedo ao queixo, pensativo.

Num repente volta e senta-se na ponta da mesa, junto onde Dana está sentada.

- Scully, feche os olhos assim... - ele cerra os olhos - o que você exatamente gostaria de estar

fazendo neste momento?

Ela fecha os olhos, como ele pede.

- Pense, Scully... o que?

Ahn... eu não queria estar aqui no Bureau; hoje é Sábado, Mulder e você quer trabalhar nessa maldita investigação e eu não queria estar aqui!

Ele pergunta, com um sorriso num dos lados da boca:

- Por que não vai embora, então?

- Porque sou sua parceira.

- Aaaaaah!

Pausa. Ambos silenciam.

Mulder mordica algumas sementes de girassol. Volta a falar, sem fitá-la, porem:

- Você não me respondeu.

- O que?

- Qual a pergunta que eu havia feito?

Scully levanta da cadeira. Fica olhando para o poster na parede.

- Eu quero acreditar. - murmura.

- Eu também. - ele confirma.

- Mulder...

Ele sai da ponta da mesa. Está agitado. Toca-lhe num braço:

- Venha, Scully.

- Para onde?

- Nós sempre nos entendemos sem explicações. Por que isso, agora?

Sai da sala.

Ela o acompanha.

Sobem os degraus e tomam o elevador.

- Ainda bem. - comenta ele, quase para si mesmo.

- O que? - ela quer saber.

- Não tem ninguém aqui.

- E se tivesse?

- Não estaríamos sós.

- Pra que? Queria dizer-me alguma coisa? - insiste.

Silêncio.

Parece a Dana que ele entreabre os lábios para falar alguma coisa, porem tal não acontece.

- Mulder?

Ele tem o olhar fixo no teto do elevador. Mantém-se calado.

- Mulder? - ela olha-o sorrindo - Ei! Onde está você?

- Divagando. - responde com um sorriso e os olhos fechados.

Scully faz o seu gesto característico de franzir os lábios, denotando o seu ar céptico.

Chegam à saida do prédio.

- Para onde vamos, Mulder?

- Acompanhe-me, Scully. Que dia é hoje?

- Vinte e três de fevereiro. Por que? - assusta-se - Ai, meu Deus! Hoje...

- É o seu aniversário.

Ela sorri, enternecida.

- Ah, Mulder, você lembra! Obrigada.

- Tenho que dar-lhe um presente.

- Presente? Ora, Mulder, não se preocupe.

- Não me preocupo.

Chegam até o carro.

Ele faz sinal para que ela entre.

- Onde vamos?

- Agora posso dizer.

- Pois então diga. - está curiosa.

- Num lugar surpresa.

- Uuuuhh! Mas isso é bom demais!

- Gosta mesmo?

- Claro, Mulder!

Ele está dirigindo velozmente.

Da janela aberta do veículo entra o vento forte que levanta os cabelos dela e os joga contra seu rosto.

- Scully?

- Sim?

- Você está linda com esses cabelos desarrumados jogados sobre o rosto. Eu gosto disso.

Dana sorri. Sente-se bem quando o parceiro diz-lhe coisas agradáveis, porem isso sempre fá-la sentir-se amedrontada. E nem sabe o porquê desse medo.

Olha para o perfil de Mulder delineado contra a claridade vinda da janela do carro.

Um perfil com traços diferentes dos homens comuns: nariz longo, porem bem desenhado sobre a boca sensual, os dentes um pouco salientes, a voz doce e encantadora, tudo numa proporção que fascina a quem o observa detalhadamente.

Ela sente que um profundo suspiro desprende-se do fundo de seu peito.

- Mulder?

- Sim, Scully?

- Você está ótimo com essa roupa esporte. Melhor do que quando está de terno.

- Acha?

- Não estou dizendo?

- Acredito em você.

- Sempre, Mulder?

- Scully, mesmo que às vezes discordemos em palavras, nossos pensamentos e corações sempre funcionam no mesmo ritmo. Talvez tenham os mesmos ímpetos, os mesmos desejos, as mesmas ansiedades...

O carro segue veloz. Desliza pela estrada, engolindo o asfalto.

"O desejo vence o medo, atropela

inconvenientes e aplaina dificuldades."

Rojas