CONTENTAMENTO
"Contentamento vale mais que a riqueza"
Lacordaire
Capítulo 2
A música, as vozes, o grande movimento de pessoas, os gritos de crianças, os alto-falantes, as cores, o brilho, o apagar e acender das luzes.
- Mulder! Mas é aqui!
- Por que? Não gosta?
- Surpreendi-me; só isso. - o brilho das luzes do Parque une-se ao brilho dos olhos dela.
- Venha, Scully!
Ele toma-a pela mão. Correm como dois adolescentes.
Mulder compra os tickets de entrada.
- Não sei se tenho coragem, Mulder!
- Claro que tem, mulher do FBI!
Entram na fila para sentar na Montanha Russa.
Acomodam-se. Prendem os dispositivos de segurança.
A princípio vagaroso e logo após como um bólido, o carro começa a descrever seu sinuoso e rápido deslizar pelos altos trilhos a muitos metros do chão.
Scully já nem consegue manter séria sua fisionomia freqüentemente severa.
- Sensacional, Mulder!
- Está gostando? Ótimo. - passa o braço à volta dos ombros dela - Gosta do meu presente surpresa?
- Você já é sempre uma surpresa, Mulder!
Ele aperta-lhe os ombros, aconchegando-a ao seu corpo, com gesto terno.
- Você sente, como eu, a sensação de estar solta no espaço, Scully?
Scully o olha com brejeirice:
- Com isso tudo nos prendendo, Mulder?
- Faz de conta, Scully... faz de conta...
- Sempre fantasiando... - suspira fundo.
Minutos depois saem dali. Corações agitados pela emoção.
Ele ajuda-a segurando-lhe a mão. Continuam assim a caminhar pelo local.
- Vamos ali. - sugere ele, diante de um stand de tiro ao alvo em patinhos que deslizam a alguns metros à sua frente, continuamente.
Ele compra as fichas.
- Você primeiro. Veja lá, Scully, se acertar ganha belos prêmios. É só escolher.
Ela somente ri, divertida.
Ele a fita extasiado, vendo a bela fisionomia alegre de sua parceira.
- Raras foram as vezes que a vi com ar tão alegre, lindinha! - observa-a tentando familiarizar-se com a arma que ia usar - Vou ajuda-la.
Mulder fica a segurar junto com Scully a pequena espingarda para atirar nos patinhos amarelos, ajudando-a a equilibrar a arma.
Ele murmura bem junto aos seus ouvidos, com voz suave, em tom de brincadeira:
- Scully, finja que está atirando em um desses bandidos perigosos...
Scully ri sem parar; quase nem consegue mirar os alvos em movimento.
Mulder, está junto a Dana, suas mãos sobre as dela segurando firme o cabo da espingarda, aconchegando seu corpo alto e forte ao pequeno e frágil dela.
Naquele contato, Dana sente o frêmito de prazer a varar-lhe o corpo, ao perceber o calor abrasador que emana de todo o corpo de Mulder.
Aos tiros de espoleta disparados, os patinhos vão caindo de sua base rolante.
E essas cenas deliciam seus olhos, denotando contentamento.
A felicidade está ali, naquele instante.
Cada um sente-se bem, tranqüilo, feliz e extremamente realizado naqueles instantes de pura distração em que podem deixar fluir sua íntima, sincera e leal amizade num momento tão descontraído e podendo extravasar toda sua energia naquelas horas de agradável entretenimento.
Após divertirem-se naquele local, os braços de Dana estão carregados de diversos ursinhos de pelúcia de vários tamanhos.
- Mulder?
- Sim, Scully?
- A cada vez que olhar para eles, lembrarei de você. - mostra-lhe os bichinhos em seus braços.
- Não precisava ser tão direta, Scully!
Arregala os grandes olhos azuis para ele:
- O que quer dizer?
- Que isso demonstra eu ser um "amigo urso"!
Tem uma reação imediata:
- Ah vá, Mulder! Relaxa! Que idéia mais tonta! Eu te adoro, amigo!
Toma as mãos dele entre as suas e leva-as de encontro ao seu peito.
- Pena você estar segurando esse monte de bichinhos, neste instante...!
Os olhares se encontram com ternura.
- Estou adorando este presente de aniversário...
- Ainda bem... - murmura ele - ... e você me fez ficar um tanto... - suspira - ... afogueado...
Ela toma, rapidamente um ar extrovertido:
- Mulder, a diversão me deu fome!
Ele aponta um local, um pouco distante do Parque:
- Vamos lá.
- Mulder... e eles...? - refere-se aos bichinhos.
- Vou levá-los para o carro. Pode deixar.
Ele sai para fazer o que havia dito, enquanto ela o espera.
Chegam ao restaurante.
Sentam-se para pedir algo.
- O que você escolhe, Scully?
Ela examina o cardápio:
- Deixo a seu critério, Mulder.
- Bem... vejamos... gelado de arroz integral, sem gordura. - mostra com o dedo - Que tal esse?
Ela dá uma risada:
- Eu não acredito! Você vai mesmo pedir isso pra mim? Prefiro outras coisas...!
- Mudou de gosto, Scully?
- Han... acho que sim...
- Desde quando?
- Desde que ouvi uma coisa que você me falou...
Ele examina-a com aqueles olhos inquisidores:
- O que eu falei?
- Você me censurou por eu gostar de arroz gelado e... ahn... e disse uma coisa...
- Que minha saliva é melhor do que gelado de arroz...?
Há uma forte tensão no momento.
Ela sustenta o olhar abrasador dele, que a examina detalhadamente em seus cabelos, os olhos.
O olhar penetrante de Mulder esquadrinha todos os detalhes dos lábios de Scully, deixando-a perceber o desejo que lhe consome a cada dia: beijá-la.
Dana sente no olhar dele o mesmo de como aconteceu quando a maldita abelha havia atrapalhado o rumo daquela emoção...
- Scully...?
- Humm?
- Eu... gostaria de poder provar isso a você...
- Pois não, senhores! O que desejam que traga? - o prestimoso garçom interrompe-os.
Neste exato momento um profundo suspiro de frustração sai do peito de ambos.
Mulder explica ao garçom o que desejam que os sirva.
O homem afasta-se.
- Scully?
Dana, com um palito distrai as mãos nervosamente sobre a mesa, quebrando-os em diminutos pedaços.
Sente, em seu interior, que havia praticado como que uma ação má. A sua perspicácia ou intuição que fosse indica que, ao falar aquelas palavras, havia tocado num ponto em que Mulder lhe cobraria sem mais tardar uma resposta. Neste momento não tem mais noção do que deve tentar para fazê-lo esquecer da tola insinuação romântica.
- Diga... - responde, sem olhá-lo.
- Vamos continuar?
- O que? - ainda sem fitá-lo.
- Nossa conversa...
- Ah, sim, claro! Olha Mulder... - aponta distante para distraí-lo - ... sabe, eu gostaria de conhecer aquela cidade.
Ele olha a direção que ela lhe aponta.
Um lindo poster de Veneza aparece diante de seus olhos. Confirma:
- Bela cidade... Tem desejo de ir lá um dia?
- Claro, Mulder!
- Passear de gôndola?
- Imprescindível!
- Não demore muito, Scully, para realizar o seu sonho.
- Por que? - olha-o levantando as sobrancelhas, admirada e notando os sulcos formados na testa dele os quais sempre se mostram quando tem uma preocupação a ocupar-lhe a mente.
- Porque assim como outras coisas neste mundo, ela tende a desaparecer...
Dana traz agora em sua fisionomia sua familiar expressão de ceticismo:
- Além de Veneza, o que tende a desaparecer?
Ele abre as mãos, sem achar palavras.
O garçom acaba de retornar à mesa e serve seus pratos.
Iniciam a refeição.
- Vamos voltar ao que iniciamos e não terminamos, Scully?
- O que iniciamos, Mulder?
- A conversa anterior...
- Não sei do que está falando...
Ele mais uma vez examina-a, apertando os olhos verdes transparentes:
- Sabe, Scully? Uma das coisas que me faz mais ligado a você é que sabe sempre o momento certo de ficar de fora, quando há respostas pendentes...
- Pendentes...?
- Scully... em algum momento de sua vida você pensa em mim como um...
- ... amigo especial? - ela conclui, rápida.
O sorriso esboçado nos lábios de Mulder demonstra todo o desapontamento que inunda seu semblante.
- Scully... será que existe algo tão negativo em mim que a faz sempre fugir das coisas sérias que falo?
Ela pára de comer, para fitá-lo espantada:
- Negativo, Mulder! Mas se eu o admiro tanto, se tenho tanto carinho por você, por que essa pergunta sem sentido?
Ele resolve continuar sua refeição calado.
Os minutos de silêncio arrastam-se entre os dois.
"O silêncio é a
retórica cos amantes."
Carlyle
