TERNURA e AMIZADE

"A amizade entre um homem e

uma mulher não passa de um

ponto de apoio que os conduz

ao amor."

Capítulo 6

Mulder e Scully suspiram profundamente olhando a grande quantidade de carros e policiais ao lado das ferragens retorcidas dos veículos após a colisão.

Ambos estão cansados, extenuados mesmo, pelo imenso trabalho de auxílio no resgate de vidas das pessoas acidentadas na estrada.

Da enorme carreta com seu motorista e os dois ajudantes, todos encontram-se em estado grave.

No carro de passeio em que viajava uma família composta dos pais e dois filhos, somente estes foram feridos no acidente.

A mãe aflita pedia aos médicos e enfermeiros que salvassem sua filha, a que estava em estado grave.

Mulder tenta acalmar a mulher, enquanto Dana, abaixada junto à moça ensangüentada, tenta mantê-la acordada, examinando junto com o médico o profundo ferimento.

Afastam-se agora dali, deixando por conta da equipe de resgate e salvamento a vida dos acidentados na estrada.

- Como estou? - ela pede opinião do parceiro sobre a aparência em que se encontra no momento.

- Ora, Scully, cabelos em desalinho, roupas sujas e amarrotadas como você está é um show extra para os olhos, se quer saber.

- Como assim?

- Porque é uma forma de vê-la diferente, Scully; está sempre arrumadinha...

- Ah, vá, Mulder! Pare com isso!

- Agora só podemos nos arrumar quando chegarmos em algum hotel. E estou mesmo ansioso pra chegar em algum lugar. Sinto-me meio esquisito.

- E que não demore. - faz uma pausa para perguntar - Quer que eu dirija?

- É, Scully, leve um pouco o carro.

- Ok.

A vista que descortina-se durante sua passagem pela região é deslumbrante.

Na vasta planície um verde pasto repleto de uma grande manada, cujos animais lentos e pesados no andar arrancam com a boca os tufos da fresca vegetação que cobre o chão.

Lá adiante coqueiros altíssimos e um extenso milharal.

Mulder, com os braços cruzados à nuca, mantém os olhos fechados no banco arriado do carro, fazendo do assento um leito.

- Mulder...?

Silêncio.

- Mulder...?

- Hum? - responde, enfim.

- Ah, pensei que estivesse dormindo.

- Mas eu estava, Scully e sonhando com os anjos.

- É mesmo?

- Sim, e um deles era você.

- Hum, nada mal eu parecer um anjo...

Mais longos minutos transcorrem sem que eles conversem.

- Mulder, já estou avistando uma cidadezinha.

Ele ergue o banco do carro para conferir.

- É verdade. - consulta o relógio de pulso - Mais uns cinco minutos e estaremos lá.

X x x x x x x x x X

Tudo muito calmo na paisagem bucólica do lugar.

Pouca gente transitando, uma praçinha que parece ser o principal local da pequena cidade.

Algumas charretes ainda circulam, como se tivessem saído de uma outra era do tempo.

No hotel modesto, mas de confortáveis instalações, o homem da recepção anota os nomes dos hóspedes.

- Pronto, senhor e senhora; o rapaz irá levá-los até seus aposentos. Obrigado.

- Obrigado. - agradece Mulder.

Acompanha Dana, que já subia as escadas para o andar superior:

A chuva torrencial que caíra desde algumas horas atrás os surpreendera grandemente, devido a ter havido mudança brusca do brilho ofuscante do sol para as nuvens acinzentadas que haviam trazido a chuva.

O frio viera com força total nesta tardinha.

Dana ocupara seu aposento.

Já desfizera um pouco a mala com os pertences que necessitaria usar.

Tomara um banho e sente-se ainda bastante cansada por muitos quilômetros da cansativa viagem. Prepara-se confortávelmente para ficar no seu quarto, até o anoitecer, quando então descerão para o jantar.

Deixa-se ficar, relaxadamente, jogada na cama, deixando os pensamentos fluírem em abundância na sua mente.

Fecha os olhos, enfia os dedos entre os cabelos, massageando lentamente o couro cabeludo.

Um choque de algo frio e pesado toca-lhe o peito neste instante.

Senta-se assustada:

- O que é isso? - procura apalpar o lugar em sua roupa - Um pingo d'água!

Instintivamente seu olhar dirige-se ao teto:

- Goteira! - murmura horrorizada.

Levanta-se e pega o telefone numa mesa.

Solicita um outro quarto o qual lhe é negado por serem os últimos vagos os que ela e Mulder ocupam agora.

- Não pode ser! Tem que haver uma solução! - queixa-se - Chame o gerente!

- O gerente saiu, senhora!

- Então alguém que possa me solucionar esse problema! - brada.

- É só com o gerente mesmo, senhora!

A apatia da voz do outro lado da linha a irrita. Dana bate o telefone no gancho, esbravejando de raiva.

- Cidadezinha atoa! E temos que ficar aqui!

Põe-se a observar a posição da cama, que deveria ser colocada em uma posição estratégica, para não ser alvo da incômoda goteira.

Dana olha à sua volta: um imenso e inútil armário ladeando-a, um sofá minúsculo, mesas, rack com aparelhagem e outras coisas. Tudo isso não lhe permitiria mover um centímetro a cama do lugar. Em suma, em nenhum ângulo poderia ser arrastada a cama do local onde estava instalada .

Havia ligado novamente para alguém na recepção que lhe prometera dar uma solução para seu caso.

X x x x x x x x x x X

Quarenta minutos já se haviam passado e Dana, aborrecida, resolve pedir a Mulder um auxílio no que necessita.

Veste um quimono e dirige-se para o quarto no final do corredor.

Dá na porta as pancadinhas habituais. A porta abre-se.

- Mulder... - ensaia uma explicação.

- Eu já a esperava.

- O que? Que estória é essa? - sorrí.

Ele a faz entrar no quarto.

- Não se aborreça, Scully. É que eu acho que você sempre me socorre na hora exata.

- Socorre? Eu é que...

Não teve tempo de começar sua explicação.

Mulder toma-lhe uma das mãos para coloca-la em sua própria testa, mostrando que está com o corpo em alta temperatura.

- Que é isso, Mulder?

- O que você acha? É febre?

- E que febre! - prepara-se para sair - Espere que vou apanhar minha valise de medicamentos.

Mulder joga-se na cama, enquanto ela sai.

Seus olhos ardem. A cabeça dói-lhe. O coração acelera.

Logo ele ouve os passos de Dana no corredor e a vê de volta.

- Aqui está. - procura um copo na mesa, junto a outros utensílios - Tome esse comprimido.

Fá-lo tomar o analgésico, enquanto o agasalha, como faria a uma criança.

- Preciso de cobertores, Scully. Estou me sentindo tremer por dentro.

- Não pode, Mulder, senão a temperatura vai ficar mais alta, ainda.

- Tenho que me agasalhar, Scully...! - sua voz soa aos ouvidos dela como a de um menino.

Dana senta-se na cama junto a ele, abotoando-lhe o agasalho no qual está vestido. Coloca sobre ele um cobertor leve até a cintura.

Chega-se bem próximo e envolve-o com os braços, como a protegê-lo com seu carinho.

- Muito bom! - ele murmura.

- O quê? - ela afasta desconfiada, o seu corpo do dele.

- Muito ruim, eu disse! Esta febre é muito ruim!

Mulder fica ali, entre os braços de Dana, aninhado no calor de seu peito, sentindo-lhe a maciez dos seus seios, naquele corpo frágil , mas de tanta garra e força para viver.

Dana sente o tremor involuntário que vem de dentro do corpo dele.

Afaga-lhe os cabelos e os beija mansamente, nina-o como a um criança, balançando suavemente o corpo, para que ele possa sentir o leve e doce embalo.

- Quero uma canção de ninar... - pede ele em voz manhosa.

- Não brinque, Mulder. Você está doente.

- E se eu não melhorar?

- Não vamos sair da cidade, então.

- E aí você me acalenta?

- Ai, Mulder, se eu não visse que está realmente com febre, diria que você está me enganando!

- Aaah! - geme ele - Você nunca acredita em mim!

- Ah, Mulder, - afasta-o de si - assim eu vou deixar você curtir a sua febre sozinho...!

- Não... não... por favor! - suplica, murmurando e deixando mais audível sua voz saindo da garganta como que se nela estivessem deslizando inúmeras bolinhas de gude.

Dana sorri ternamente.

Adora-o Não o deixaria de maneira alguma naquele estado.

E continua embalando-o docemente, encostando-o entre seus seios, numa doçura sem fim.

Nada é dito por minutos e minutos.

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Mulder abre os olhos neste momento e quase nem acredita no que vê e percebe estar ainda nos braços agasalhantes de Dana, a sua parceira, a sua ajudante, a sua companheira, a sua vida, o seu... - a palavra ecoa no seu pensamento.

"O meu amor!" O meu amor! Eu sei que ela ainda não aceita essa minha paixão e nem me retribui, mas eu espero, ainda..."

Ele havia aberto os olhos e conscientizara-se estar nos braços de Dana.

Ela, sentada na cama, recostada na cabeceira o fizera adormecer carinhosamente e agora ele nota que ela também havia adormecido naquele aconchego e estava com a cabeça um pouco pendente para um lado.

Mulder, com o máximo cuidado possível, tenta não mover um músculo sequer para não despertá-la daquele sono tão gostoso.

Porem, num dado momento em que ela abre os olhos, sente-o acordado e logo começa a colocar a mão em sua testa. Abre-lhe um pouco o agasalho à altura do pescoço e coloca a mão em sua pele, para sentir-lhe a temperatura.

- Estou bem, Scully. A febre já passou.

Ela rapidamente suspende-lhe a cabeça para que ele a retire de seu colo.

- Ah, já passou! Não precisa mais ficar no meu colo.

- Scully, eu ainda preciso muito de atenção e carinho... eu estou doente!

Ela o retira doce e decididamente do seu colo.

- Tá bom, Mulder... já chega. Você já está ótimo.

Levanta-se.

- Você nem sabe porque vim aqui ...!

- Não foi por uma transmissão telepática do meu pedido de socorro?

- Deixe de brincadeiras, Mulder. Lá no meu quarto, simplesmente tem uma goteira!

- Goteira!

- Sim, e sabe onde?

- No seu quarto... isto é, do hotel.

- Sem graça! - protesta - Bem em cima da cama. No meio da cama! E nem tenho posição para tirá-la para um lugar melhor!

- Huuumm, já sei. - ele começa.

- E eu vim aqui pra dizer que vou ficar aqui. Posso?

- Absolutamente, lindinha! Por que não? Vou buscar suas coisas. - levanta-se rápido.

- Sim, por favor e eu dou uma passada na recepção para entregar o quarto.

- Com essa roupa, Scully?

- Claro que não, Mulder! Claro que não!

Ele já se vai retirando do quarto, quando Dana o chama:

- Mulder...?

- Ahn? - volta-se para ouvi-la.

- Só fico aqui se me prometer uma coisa.

Ele leva em sua direção o habitual olhar perscrutante, um meio sorriso maroto nos lábios.

Ergue uma das mãos e fala:

- Eu juro!

Ela se surpreende com sua perspicácia:

- Jura o que? - arrisca, perguntando o óbvio.

- Ficar quieto e não insinuar nada pra você.

- Você entendeu o que eu queria dizer?

- Mas se você me faz ver isso sempre! Eu tenho que ser fingido o tempo todo, Scully!

- Ah, tá bem, Mulder. Não vamos exagerar!

Ele dirige-se à saída do quarto. Antes volta-se para dizer:

- Pode deixar que falo sobre a entrega do outro quarto, Scully.

X x x x x x x x x X

A noite continua enregelante.

Dana já instalada com seus pertences no quarto de Mulder, assiste também um pouco da programação da TV.

- Vamos descer para o jantar? - ele sugere.

- Você tem certeza de que deseja jantar lá em baixo, Mulder?

- Com certeza. Sinto que estou ainda meio febril, mas logo devo ficar bom disso.

- Você tem idéia de como adquiriu esse mal estar?

Ele levanta-se inopinadamente para responder:

- Acho que foi há uns 3 dias passados, quando dormi com a roupa molhada no corpo.

Neste momento foi a vez de Dana levantar-se estupefata:

- Como é que é, Mulder! Você fez isso? Mas que loucura! Pode pegar até uma pneumonia! Esse estado mórbido que se manifesta por aumento da temperatura normal do corpo pode ser a possível causa de uma infecção... pode ser um resfriado ou infecções viróticas do trato respiratório ou uma infecção urinária...

E enquanto Dana dá uma verdadeira dissertação sobre o assunto, Mulder dirige-lhe um olhar de verdadeira adoração acompanhando o que ela fala, deslumbrando-se com o desempenho maravilhoso de seu total conhecimento em medicina.

- Fazer o que? Essa é a minha vida, Scully... a de um homem só...!

Dana cala-se. Nada indaga mais.

Mulder também cala-se.

Afinal de contas prometera não tocar nos sentimentos que sente por ela.

Solta um profundo suspiro.

- Vamos, Scully, enfrentar o jantar deste "luxuoso" hotel... bem que poderíamos ser altos funcionários de algum lugar importante, não do FBI...!

Dana sorri levemente, concordando e saem.

X x x x x x x x x X

O salão de refeições do hotel bem decorado, destoa com a rudeza das pessoas da pequena

cidade e com o desconforto dos quartos dos hóspedes.

Todas as mesas e cadeiras em junco, belas e transparentes cortinas guarnecendo as janelas, dão um aspecto acolhedor ao recinto.

Mulder e Scully impressionam-se com a pura beleza do ambiente.

Ele a ajuda a sentar-se e olham através da grande janela de vidro o grande terreno gramado, que se descortina até centenas de metros dali.

Já chegara a noite e o imenso prado está aqui e ali ornado com faixas prateadas pela luz da lua que parece, naquele local fora da cidade, resplandecer sua luz com maior intensidade.

Pontinhos que acendem e apagam no espaço, que vem dos vagalumes, fazem o deleite dos que estão apreciando a paisagem lá fora.

Decorre a hora do jantar quase em silêncio, pois Mulder e Scully estão somente entregues à infinita amplidão dos seus pensamentos.

Terminam a refeição e, enquanto Dana passa discretamente o guardanapo sobre os lábios, Mulder olha-a para perguntar:

- Quer ir até lá fora, Scully?

- De jeito nenhum. Você já teve uma febre alta hoje, Mulder!

- Ah, sim. - concorda e fica calado enquanto a fita docemente - Mas... nem um pouquinho?

Dana entende-lhe o desejo de ir lá fora desfrutar da beleza noturna do prado à sua frente.

Levanta-se, demonstrando um ar de resignação.

- Tudo bem, Mulder.

Eles saem e Mulder coloca as mãos em sua cintura, enquanto dirigem-se à porta de saída.

Um objeto, esvoaçando, cai quase aos pés de Dana, o que faz Mulder logo abaixar-se para o pegar:

- Uma foto! - diz, examinando-a junto a Dana.

Haviam notado que a foto caíra das mãos de uma das pessoas que haviam passado por eles.

Mulder toca levemente no ombro de um jovem que está acompanhado de uma mulher de meia-idade.

- É sua? - pergunta Mulder, exibindo a foto.

- Ah... é sim... exatamente. Obrigado. - fala o moço.

Mulder lhe entrega a foto que logo é pega pela senhora, que explica:

- É da minha neta, filha dele! - explica, apontando o rapaz - Muito agradecida!

A mulher, com um largo sorriso, simpaticamente dirige-se a Dana e Mulder:

- Vocês formam um casal muito lindo!

Fala isso e puxando o rapaz por um braço, afastam-se dali.

Mulder olha para Dana, que também procura o seu olhar, num momento pleno de admiração, respeito e amor.

Acariciam-se com o olhar.

Como se estivessem beijando-se.

Com os olhos aprofundados um no outro, em puro êxtase, como se, naquele instante quisessem tornar realidade as palavras da desconhecida. E isso os faz esboçarem um meigo sorriso.

Pois,

"Existe no olhar dos que se amam um doce e

profundo mistério que ninguém ousa desvendar,

para que não se quebre o encanto que os faz

sorrir, sem saber porquê..."

14.04.2000