AMOR EM SEGREDO
"Não há disfarce que possa encobrir por muito
tempo o amor, onde ele existe, nem fingi-lo onde
onde não existe."
La Rochefoucauld
Capítulo 8
A tépida água caindo-lhe sobre o corpo produz um imenso bem estar.
Sente recuperarem-se-lhe as energias.
Vira, há algum tempo, num anúncio, sobre o sabonete líquido de ervas, que recupera as forças durante o banho, ao ser usado.
Por que não experimentá-lo? - dissera consigo.
E é, no momento, o que está usando e acha o resultado realmente surpreendente.
Sente que melhorara o cansaço do dia desgastante e tumultuado de uma intrépida Agente Federal.
Desliga o chuveiro e veste o roupão de banho.
Aspira com prazer o perfume que recende no banheiro.
Deita-se na cama, jogando as costas no colchão, como que desejando sacudir tudo dentro do seu corpo: os órgãos, o cérebro... o coração.
E o cérebro e o coração trabalhando juntos, sempre procurando estar lado a lado nas suas emoções...
Fecha os olhos e, como num filme, desenrolam-se todas as cenas passadas naquele dia.
Muita coisa havia se passado, porem em nenhuma delas ficara impregnada em seus pensamentos como os olhares trocados com ele, seu parceiro, Fox Mulder.
"Mais uma vez." - pensa - " Mais uma vez nossos olhos falaram mais que nossa boca."
Ao pensar nisso, um frêmito percorre-lhe as carnes, indo até o mais íntimo do seu corpo.
"Ele me faz delirar! Quando sinto seu olhar de cobiça esquadrinhando os menores detalhes do meu corpo, sinto derreter-me de ânsia e de desejo... e por que passado tanto tempo, não tenho ainda a coragem de aceitar as propostas que ele me faz, mesmo sendo tão veladas? Bastaria um SIM e começaríamos uma estória de amor ardente...!"
Dana está com a mente entregue a um turbilhão de pensamentos.
Após passado algum tempo, percebe que está em completa escuridão. A penumbra do início fizera-lhe bem, mas é chegada a hora de acender a luz do aposento.
Levanta-se para mover o comutador da luz. O seu toque não faz acender a lâmpada do quarto. Tenta novamente.
- Droga! - resmunga, chateada.
Encaminha-se para a sala, acende a luz e percebe, assim, que não se trata de falta de energia. Repara que a lâmpada do quarto havia queimado.
Toma a pequena escada de abrir para fazer a troca da lâmpada. Sob o lustre coloca a escada e sobe os degraus para alcançar a lâmpada e, em seguida, a troca com facilidade.
Na descida dos degraus, um gesto menos cuidadoso a faz perder o equilíbrio e Dana estatela-se no chão.
Sente muitas dores numa perna. Tenta levantar-se e não consegue. A queda a fizera causar uma torção na perna, fazendo-a sentir agudas dores.
- Meu Deus, e agora? Não posso levantar!
Alguns minutos de atordoamento fazem-na ficar em estado nervoso.
Arrasta-se, tentando agarrar algo em que possa se erguer, porem não consegue.
Como obra da Providência Divina a campainha toca.
- Espera aí! - ela grita - Espera um pouco!
Arfante de cansaço pelo esforço e agonia, fica à espera, aguardando uma resposta de alguém. Nada.
Apenas ouve, novamente, o toque da campainha.
- Quem é? - grita e de novo não obtém resposta.
Mais uma vez o toque da campainha.
- Seja quem for, é insistente. - fala consigo.
Poucos segundos depois pode ouvir ruídos de chaves na fechadura.
À expectativa de vê-lo enche-lhe o coração de alegria:
- Mulder! - grita mais alto - Mulder!
O movimento nas chaves torna-se mais rápido.
Ela percebe que ele já havia entrado na sala.
- Mulder! Estou aqui! Estou aqui!
Na porta do quarto a figura de Mulder destaca-se:
- Agora resolveu mudar de tática e deitar no chão, Scully?
Dana nem responde à sua frase irônica.
Mulder, num olhar mais apurado nota o semblante de dor que está em Dana:
- Scully, o que houve? - agora ele parece preocupado e chega-se a ela com solicitude.
- Estou experimentando como é descansar no chão, Mulder... - retruca, mal humorada.
Ele toma-a nos braços com a facilidade de como se carregasse uma boneca.
Coloca-a gentilmente na cama.
- Mas o que você estava querendo fazer? Pode me dizer?
- Eu troquei uma lâmpada e caí, Mulder, foi isso!
- Ainda bem que aconteceu depois da troca... senão ia sobrar pra mim. - fala sorrindo, querendo deixá-la mais descontraída.
- Acho que sofri uma luxação, Mulder. - explica, com o rosto demonstrando dor.
Mulder rapidamente a toma novamente nos braços.
- Vou levá-la a um hospital.
- Mas Mulder, espere... - lembra-se do roupão de banho que vestira.
Ele, atendendo, carrega-a para o quarto, a fim de que possa vestir algo melhor.
Após isso, Dana chama-o de volta.
Mulder agora já a carrega para fora de casa, com rapidez.
X x x x x x x x x x X
Dana está sentindo-se privilegiada com os incessantes cuidados provindos de Mulder; na verdade, apesar do acidente que lhe causa ainda tanto incômodo e dor, pensa um pouco e sente-se até feliz em vê-lo tão atencioso para com ela.
Está com seu pé enfaixado e recostada sobre várias almofadas, confortavelmente refestelada em sua cama.
- Está confortável, Scully? - pergunta Mulder.
- Claro! Mas afinal, por causa desse acidente, você não me disse porque veio aqui, Mulder!
- Bem... sabe o que é? Hoje não estou nem um pouco com vontade de ficar lá em casa sozinho, vendo a insossa programação da TV...
Scully continua fitando-o com ar de censura no olhar. Cruza os braços, vendo-o falar.
- Sinto necessidade de conversar com alguém, distrair a mente para ver se o corpo cansado reage e eu possa depois ira pra casa cheio de sono e dormir bastante pra enfrentar um outro dia.
Dana sorrí ternamente, olhando-o dar suas motivações e usando tanta sinceridade.
- Nós nos entendemos muito bem, hein Scully?
- Hum, hum... - confirma ela.
- Estou em dúvida... acho que a estou aborrecendo... você está tão reticente...!
Dana passa a mão pelos cabelos um pouco despenteados.
- Não se impressione com isso, Mulder... ahn... eu também preciso da sua companhia, como pode ver. - com os olhos mostra o pé acidentado.
Trocam olhares de entendimento.
Mulder levanta-se de súbito:
- Scully, quer que eu coloque alguma música? Para relaxar? Você não quer?
- Claro, Mulder.
- Tudo bem. - afasta-se para ir até o aparelho de som.
A música suave e agradável aos seus ouvidos embala os seus sentimentos.
Mulder senta-se uma cadeira próximo à cama.
Por muitos minutos ambos permanecem calados.
Ele com o olhar perdido no espaço e ela olhando para suas próprias mãos e de vez em quando o seu olhar é dirigido para o pé enfaixado diante de si.
- Scully, vou dar uma saída e volto já. - anuncia.
- O que vai fazer? Não vai me deixar aqui sozinho, não é Mulder?
- Tenha certeza que não, lindinha. Volto já. - repete.
Dana só ouve a porta bater, denotando que ele havia mesmo saído.
X x x x x x x x x X
Mulder entra no quarto com uma grande caixa nas mãos.
- Nosso jantar, Scully - informa.
- Pizza! Que bom!
- Claro, lindinha. Temos que comer alguma coisa, não?
- Você só quer me dizer porque é que não levanto daqui para ir até a cozinha! - diz ela, fingindo uma atitude de ofendida.
- Não seja tola! - sai do quarto empunhando a caixa da pizza para o alto - Eu hoje sou o seu garçom, Scully!
Ao som dos pratos batendo na cozinha Dana sorri.
Repentinamente vem-lhe um pensamento:
"E se, por acaso, nós fossemos marido e mulher? Eu... o adoro! Adoro esse seu jeito desajeitado de ser... Ah, Mulder, você é o meu amado, meu queridinho, o meu segredo, Fox Mulder!
- Scully! - a voz vem lá de dentro - Estou indo!
- Está demorando muito, senhor garçom! - grita ela por sua vez, divertida.
Ouve a risada dele soando entre o barulho dos pratos e talheres.
" Interessante - ela rememora fatos em sua mente - na verdade nunca vi Mulder dar uma verdadeira gargalhada... apenas sorri... um sorriso às vezes até tímido... embutido dentro de si mesmo."
Dana fica martelando suas idéias, quando inopinadamente Mulder reaparece.
Bandeja às mãos, atencioso e mais que tudo, envolvente.
- Senhorita Dana Scully, aqui está seu jantar.
Ela ri somente.
Começam a comer a pizza quente e derretida.
- Você é ótimo, Mulder! Já até cortou a pizza pra mim!
- Tudo faço para minha rainha! - diz ele, ocupado em cortar um pedaço da sua pizza no prato.
Dana mordisca um pedaço e o fita, segurando o garfo no ar:
- Mulder, sabe que estou me sentindo uma inválida?
- Pelo menos por hoje tem que ser. Você não pode pousar o pé no chão, Scully.
- Eu sei. - faz um movimento para ajeitar-se melhor entre as almofadas - Ai que dor! - geme.
Mais do que depressa Mulder depõe o seu prato na beira da cama para acudi-la:
- Scully, não tente nada... você não vê que é impraticável um movimento hoje?
- Sei... - murmura e fica em silêncio.
- Scully...?
- Hum? - ela mastiga um pedaço de pizza.
- Acho que tenho o dever... - reluta em continuar.
Ela o observa, enquanto leva outro pedaço à boca.
- De que? - quer saber.
- De fazer-lhe companhia hoje, Scully.
- Por causa do meu estado?
- Claro!
- Você é um bom amigo Mulder e eu o adoro!
- Só isso?
- Ah, Mulder, lá vem você com suas idéias...! - começa a rir.
- Idéias erradas?
- Não...
- Então o que? - o olhar fixa-se no dela cheio de ternura e carinho.
X x x x x x x x x X
Mulder olha seu relógio de pulso: 5:36 da manhã.
Já que decidira ficar no apartamento de Scully o fizera de bom grado.
Aliás, de muito bom grado por ter a certeza agora de que durante sua estada ali durante aquelas horas ninguém a havia procurado... muito menos algum homem e isso o contenta, o deixa no máximo da alegria em saber que o único homem com quem ela tem uma certa intimidade é com ele mesmo. Aquele ciúme que às vezes o deixa na dúvida sobre o procedimento de Dana não encontra lugar em seu interior.
Após esses pensamentos ouve um cristalino ruído de vidro quebrado vindo do quarto.
Corre para o local onde pode ver Dana, ainda na posição inclinada em que tentava alcançar o copo e a garrafa d'água na mesinha perto da cama.
- Scully, você está fazendo travessuras! Pelo barulho vi que caiu um lenço aqui dentro!
- Ah, Mulder! Eu desisto! Realmente não dá para permanecer em cima desta cama,
plantada como uma múmia! - joga-se, contrafeita, de volta sobre as almofadas.
- Diga-se de passagem uma múmia adorável...!
Dana blhe sorri.
- Você quer água; é isso?
- É... pra tomar este comprimido.
Mulder abaixa-se para catar os estilhaços do copo no chão; vai até a cozinha trazendo de volta outro copo:
- Pronto, Scully.
- Oh, Mulder, o que posso fazer por você? É tão bom pra mim!
- Tantas coisas, Scully... tantas coisas...!
Ele senta-se na beira da cama:
- Vamos lá, tome logo esse remédio.
Dana coloca o comprimido na boca, enquanto ele a fita interessado.
- O que é, Mulder? Por que me olha assim?
- Não posso?
- Claro! - engole o comprimido.
- Scully... - aproxima-se dela - parece que você deu uma pequena pancada aqui - pega-lhe a testa.
- Eu não bati a cabeça, Mulder.
- Talvez aqui, então, - insiste na idéia, enquanto desce a mão segurando-lhe a face.
- Ora, Mulder, eu já disse que...
- Não me desminta, Scully, nas horas vagas costumo colocar meus conhecimentos médicos em ação!
Dana entrega-lhe o copo e cruza os braços, usando o seu habitual ar de censura.
- E onde você acha mais que eu bati?
- Aqui. - segura-lhe o queixo, apertando-o entre os dedos - Está vermelho.
- Você está mentindo, Mulder...
- E você está fingindo que não tem nada, Scully...
- Eu sei o que você está olhando... não é o meu queixo.
- Han, han, - ele admite num meneio de cabeça positivo.
Dana desiste de sua atitude de censura; descruza os braços. Segura-lhe a cabeça entre as mãos, derramando o azul céu dos seus olhos na campina verdejante dos olhos dele:
- É a minha boca... - diz num sussurro.
- Eu quero, Scully...
- E eu não posso me defender...
Falam bem junto um do outro; olhos nos olhos e lábios quase se tocando.
- E se pudesse?
- Não o faria.
- Tem certeza? - somente um sussurro forma sua frase.
- Han, han...
Suas bocas se encontram num beijo suave, ameno, porem quente e arrebatador, enquanto as mãos de Mulder acariciam as costas de Dana e as dela cruzam-se em torno do corpo dele, apertando-o contra o si.
Sentem respectivamente o gosto de cada um, saboreiam-se, como que experimentando uma iguaria saborosa.
Aquele ato de amor tem para os dois a amplitude de uma grande e avassaladora paixão.
Seus corpos fremem de desejo um pelo outro.
Existe porem, ainda a racionalidade de Dana Scully se deve aceitar o desejo que a impele e a indecisão de Fox Mulder em toma-la para si e possui-la.
Separam os lábios e ela recosta o rosto sobre o peito dele.
Mulder toma sua cabeça entre as mãos e afaga-lhe os cabelos com suavidade, o queixo encostado neles. Olhos fechados.
Permanecem calados. Nada conseguem dizer.
Há uma dúvida no ar.
Qual seria a reação de um e outro?
É a primeira vez que tocam-se com maior intimidade. E houve reciprocidade no beijo.
Sabem que tanto um quanto o outro desejam-se e naquele beijo desejavam poder devorar-se um ao outro, com o apelo da paixão que os abrasa.
Vários minutos passam-se daquele momento.
E eles permanecem na mesma posição. Vacilantes. Talvez meditando. Talvez criando cada um uma idéia de como explicar seus respectivos comportamentos.
Mulder fala, com a boca em meio aos ruivos cabelos de Dana:
- Scully...?
- Han...?
- Eu queria dizer... - inicia uma tentativa de explicação como se sentisse culpado.
- Não diga nada... - ela replica ainda com o rosto contra seu peito, sentindo a morna pele de encontro à sua face, achando gostoso estar junto ao homem amado, sentindo o seu calor, a vibração de sua voz, o pulsar do seu coração.
- Nós quisemos isso, Mulder.
Silêncio.
O que falar mais?
Não tem razão de ser.
Há já muito tempo haviam chegado a essa conclusão. Amam-se.
Nada mais interessa. E ponto.
Os olhos de Mulder notam nela o busto ligeiramente à mostra sob o decote do quimono.
Aquele olhar a faz, instintivamente, levar as mãos ao decote para fechá-lo mais um pouco.
Mulder toma-lhe a mão que segura o decote do quimono.
Os olhos dele indicam toda a paixão que o atrai e o enche de desejo por ela.
Ele aperta-lhe com força a mão dela que ainda está segurando o decote da roupa:
- Scully... jamais eu a forçaria a qualquer coisa que não fosse da sua vontade...
- Mulder... eu... - foi só o que conseguira falar mas no íntimo o seu corpo brada:
"Mulder, eu te amo, eu te espero, sempre!"
Ele abraça-a, mais carinhosamente, ainda.
A campainha da porta é tocada.
Num pulo Mulder separa-se de Scully.
Está arfante, trêmulo, titubeante.
Nem sabe, ao certo, de onde provém o som neste momento.
- É a porta, Mulder - Dana explica em voz suave, atirando as costas nas almofadas, num longo e profundo suspiro.
Mulder já levantara-se e encaminhara-se na direção da porta de entrada.
Dana fecha os olhos, absorta em seus pensamentos.
"Aconteceu! Aconteceu e eu vibrei! Eu amo este homem!" - pensa em êxtase.
De onde se encontra pode ouvir a voz de sua mãe, que havia recebido a notícia de seu acidente.
E sabe e sente pela voz o carinho que Margareth sente por Mulder, o seu colega, o seu parceiro, o seu amigo, seu protetor e ... seu amor.
Este é o seu grande segredo.
Porque...
"O amor é o segredo da vida."
"G. de Horge
28/04/2000
