QUANDO DOMINA O CORAÇÃO

"O coração é o centro dos

sentimentos e das paixões."

Antonio Perez

Capitulo 9

Dana Scully, caminhando nos corredores do FBI, dirige os passos em direção às escadas, enquanto os pensamentos a deixam completamente fora do que ocorre à sua volta.

Desde o dia do acidente que sofrera e agora já recuperada da luxação no pé, não consegue pôr em ordem os pensamentos.

"Preciso entender, preciso concatenar minhas idéias, preciso tomar mais sentido do que realmente está acontecendo comigo! Não posso deixar-me levar por sentimentos fora do meu controle! O que se passa dentro de mim? O que é isso? Afinal de contas, onde está minha racionalidade, meu modo de ver as coisas com os pés no chão? Que resposta mais concreta terei para os sentimentos que estão embaraçando-se, emaranhando-se dentro de mim, não me permitindo trabalhar, dedicar-me às minhas tarefas corretamente? O que está acontecendo comigo é plausível de explicação?"

Dana sente como que seus pés nem tocam no chão, como se estivesse andando elevada com relação ao piso, por seus pensamentos tão etéreos.

Um súbito um roçar, porem , a faz estremecer, com um sussurro em seus ouvidos:

- Ei, Scully! Bom dia!

Pronto!

Dissipam-se os etéreos pensamentos.

Ela está pisando na terra agora, mais do que nunca, percebendo que o motivo das suas divagações está ali ao seu lado.

Sente o calor do corpo dele junto a si.

- Bom dia, Mulder.

Caminham juntos na mesma direção.

- Após alguns dias de repouso, ainda está pensando em correr atrás de bandidos naqueles seus fantásticos saltinhos, Scully?

Dana sorri ante a infame citação dele.

- Continuo a mesma, Mulder.

- Sei... mas hoje você está ainda normal...

- Normal! - não entende.

- Claro. - ela dirige o olhar para os pés dela em sapatos baixos.

- Ah... à altura do seu umbigo, você quer dizer.

Mulder sorri, divertido.

Descem as escadas, junto às outras pessoas.

Logo estão dirigindo-se à sala do porão.

Caminham lado a lado.

- Scully... tudo bem?

- Sim... por que pergunta?

- Acho-a meio triste. Será saudade dos dias de repouso?

- Tolices, Mulder! - responde censurando-o

Entram na sala.

Mulder retira seu casaco e coloca-o na cadeira.

Scully senta-se à mesa para examinar os papeis dispostos sobre ela.

Mulder nota-a forçadamente interessada em folhear os papéis ou procurar algo.

Os pensamentos de Dana a perturbam.

"Preciso usar o máximo do tempo ocupada para não ter nenhum espaço livre na mente para pensar."

Mulder dirige-se a um arquivo e puxa uma gaveta.

- Scully...?

- Sim, Mulder?

- Sabe o caso de Frank Mitchell?

- O tal do assassinato no hotel?

- Esse mesmo. Encerrado o caso ontem.

- Verdade? E o que temos agora para resolver? - pergunta sem olha-lo, ainda.

"Não quero ter espaço na mente para não pensar naquele beijo!"

Permanece absorta em seus pensamentos.

- Scully? - ele chama-a; havia se aproximado e fala às suas costas - Scully... parece que não quer olhar pra mim. O que houve?

- Ora, Mulder! Que tolice pensar isso!

- Não, Scully. Não é tolice.

Segura-a pelos ombros e fá-la voltar-se para defrontá-lo.

- Há alguma coisa ... eu posso falar?

Agora Dana enfrenta o olhar pesquisador de Mulder.

Tem medo. Um grande medo se apodera do seu coração.

"Ele vai tocar no assunto e não devemos!"

Dana sente o olhar perscrutante dele observando cada uma das suas reações. Teme entrar em pânico; teme ser chegado o momento em que sentirá o desejo de jogar lá bem fundo, no precipício dos seus sentimentos a sua racionalidade, que por vezes a torna sofredora, inibindo seu desejo de amar e ser feliz, entregar-se àquele amor tão desejado.

Mulder continua esquadrinhando-lhe o olhar, como se quisesse ler lá no fundo deles os seus pensamentos.

- Scully... tem receio de que aconteça o mesmo daquele dia? É isso?

- É isso o que, Mulder?

Dana responde, questionando.

Sente que não está conseguindo coordenar seus pensamentos adequadamente.

"Será que Mulder tem poderes hipnóticos ou o que estou sentindo é, na verdade, provocado pelo amor intenso que sinto por ele? Ele me arrebata, me domina, mas o que será de mim se deixar-me levar por esse sentimento?

Talvez, se eu aceitasse assumir de vez essa paixão tivesse que passar a morrer de ciúmes por tudo que visse ele fazer diante de outra mulher; talvez sentisse no meu interior o desejo intenso de estar sempre junto a ele e deixando para lá essa vida estressante na nossa lida diária... mas e a nossa sobrevivência? Como seria?

Se o que sabemos fazer é exatamente correr atrás de bandidos, investigar, buscar incessantemente coisas estranhas, inclusive problemas e perigos para nós...?"

- Scully...?

Ela volta à realidade.

O rosto de Mulder está muito próximo ao seu, como naquele dia.

- Ah, Mulder, eu estou um pouco aérea... sinto muito!

- Estou percebendo... - há uma pausa - Scully sei que não é seu desejo exatamente o mesmo meu... mas eu espero sempre a sua decisão, Scully.

- Mas Mulder, os meus sentimentos e desejos são os mesmos que os seus, asseguro-lhe. Apenas...

- Eu sei, Scully, eu sei, - ele corta-lhe a frase - e entendo você.

- Eu... ahn... só preciso de um tempo... - murmura.

O telefone toca sobre a mesa.

Mulder atende.

- Fox Mulder.

Ele continua dialogando com alguém que está no outro lado da linha.

Dana continua revirando os papéis na pasta.

Sente que seus dedos estão trêmulos, hesitantes.

Sente que seus pensamentos continuam, incessantemente, a concentrar-se completamente no beijo do outro dia.

"Será que nunca mais voltarei ao normal na minha pobre vida? O que devo fazer? E Mulder? Ele parece poder sobrepujar o problema sem nenhum esforço! Parece que aos homens é bem mais fácil esquecer um momento que é tão importante para a vida de uma mulher!"

Neste instante seus olhos deparam com o sorriso que está a desenhar-se na fisionomia de seu parceiro, ainda ao telefone.

Alguém com quem ele está falando o está fazendo descontrair-se.

O diálogo com alguém fizera com que desaparecesse neste momento a ruga de preocupação que vincava-lhe a testa há minutos atrás.

"Ele já deve até ter esquecido como foi o nosso beijo!" - pensa Dana - "E eu me odeio por ficar rememorando aquela cena... mas é que não posso esquecer! - grita o seu coração - Não posso deixar fora das minhas lembranças a doçura e o gosto de amor daquele beijo!"

- Outro pra você.

Dana ouve Mulder despedir-se da pessoa no telefone.

"Outro pra você!" Só pode ser um beijo que lhe enviaram!

Será que ele vai dizer-me quem é?"

Mulder levanta-se e veste o casaco.

- Scully, estou saindo porque o Skinner quer falar comigo lá em cima.

- Mulder... ahn... o Skinner após ter-lhe falado... bem... lhe enviou ... um abraço?

Nota que a frase tão cortada e difícil de ser pronunciada, havia sido jogada para fora da boca como que impelida pelo seu coração.

- Ah não, Scully. - ele sorri - É que não era ele, claro! - dá alguns passos - Até já.

Sai da sala.

Quase sem nem pensar Dana toma o telefone e disca um número.

Skinner atende.

- Senhor, é a Agente Scully. É que... - pensa rápido - quero avisar que o Agente Mulder já está se dirigindo pra aí. Sei que tem alguém esperando por ele...

- Exatamente! É a senhorita Phoebe Green, da Scotland Yard.

- Ah, sei... obrigada, senhor.

"Engraçado, - pensa - parece até que o Skinner fez questão de logo citar o nome dessa mulher antes que eu perguntasse!"

Sente o ciúme corroer-lhe as entranhas.

"Outra vez ela! Só para o fazer sofrer! Brincar com os sentimentos dele! Eu a odeio! Por que tinha que essa mulher voltar após tanto tempo! E ele a amou!"

Fica absorta em seus pensamentos.

Repentinamente levanta-se. Está resolvida a ir até a sala do Diretor Assistente. Na verdade não sabe bem o que pretende fazer. Talvez, no mínimo, apresentar-se diante de Phoebe Green e intimidá-la com sua presença. Talvez... não sabe o que... Mas uma coisa impele-a para isso: o seu coração.

Deixa a sala apressadamente.

- Dana Scully!

Alguém a chamara em tom bastante jovial.

Pára de caminhar e olha ao seu redor.

- Oi, Dana! Como está? Está se recuperando bem?

- Já estou recuperada, Agente Kearns.

Dana responde a seu companheiro de trabalho no FBI, Dick Kearns, que está sorridente à sua frente.

É um tipo alegre, jovial, interessante, com seus cabelos ligeiramente grisalhos nas têmporas.

- Mas já está de volta, mesmo? - insiste ele.

- Claro, Dick! Sem dúvida!

- Nunca vi em outra mulher tanta garra, tanta vontade de vencer em tudo, Dana!

Ela somente sorri ao elogio do colega.

Em seu pensamento existe somente o desejo de dirigir-se rápido à sala de Skinner.

- Bem, Dick, eu vou indo até a sala do Diretor agora.

- Coincidentemente eu também. Ele me chamou.

- Ah... - ela consegue exclamar.

- Não quer almoçar comigo hoje, Dana?

- Hoje? Ahn... bem, eu... não posso.

- Como sempre, hein? - ele censura-a, enquanto dirigem-se à sala do Diretor Assistente.

X x x x x x x x x X

Mulder está visivelmente incomodado.

Muda de posição na cadeira várias vezes, coloca os dedos sobre o queixo, retira-a, franze a testa, com preocupado.

Após mais de meia hora de explanação sobre o assunto de uma nova investigação, sente-se aborrecido e extremamente entediado em estar diante de duas pessoas que lhe trazem profundo mal estar: sua ex-namorada Phoebe Green, que quase conseguira conquista-lo novamente em 1993, porem provara mais uma vez sua infidelidade quando o estivera ajudando a investigar o caso do homem que provocava incêndios e também Dick Kearns, conhecido dentro do FBI como o Agente mais conquistador ali dentro e que deixa todas as mulheres embeiçadas por suas estratégias amorosas.

Vê que o Agente Kearns ao seu lado demonstra um ar sequioso de quem deseja algo mais que uma simples parceria com Dana Scully, conforme sugerira o Diretor Skinner.

A fisionomia de Mulder denota toda a antipatia que nutre pelo colega e que deixa extravasar neste momento.

- Então fica assim, Agente Kearns, você terá a parceria da Agente Scully para este caso, enquanto o Agente Mulder resolve as demais áreas da investigação com a Detetive Green, certo?

- Errado! - rebate Mulder instantaneamente e sem pestanejar.

- Como disse, Agente Mulder? - quer saber Skinner, intrigado com a resposta mais que audaciosa de seu Agente.

- Eu disse ERRADO, senhor Skinner! - frisa, sem abalar-se - Estou citando isso para que entenda que não pode ser o que está planejando para nós.

- Não acha que está desrespeitando os regulamentos falando assim com o seu superior, Agente Mulder? - o Diretor levanta o olhar por detrás dos óculos.

- Desculpe-me, senhor, mas devo informar que a Agente Scully ainda não está totalmente recuperada da luxação que sofreu, para participar de uma investigação desse porte, senhor. Ou o senhor deseja pôr em risco a integridade física de uma de suas melhores Agentes?

- Perdão, Agente Mulder. - diz Kearns levantando a mão - Mas agora há pouco encontrei a Agente Scully e ela me parece muito bem!

- PARECE a você, Agente Kearns, porem EU é que sei qual é o melhor para minha parceira!

O Diretor Assistente observa mudo e espantado com a ousadia de Fox Mulder. No fundo, porem, entende que ele está 90 com a verdade no que diz.

Há uma pausa intrigante de alguns minutos nos quais Skinner anda pela sala, mudo e pensativo, com um papel nas mãos.

Pára repentinamente em frente à Mulder:

- Eu abro mão de seu trabalho neste caso, Agente Mulder, seu e da Agente Scully. -- volta-se para Kearns - E deixo para você e a Detetive Green a investigação...

- Um momento! - Phoebe interrompe - Mas não foi isso que lhe solicitei a mando da Scotland Yard, senhor Skinner! Por solicitação do nosso Diretor de Investigações!

- Claro que não foi, - retruca Mulder - Mas as ordens quem determina aqui no FBI é o Diretor Skinner. Na Scotland Yard é um outro problema!

Mulder olha fixamente para Phoebe.

O Agente Kearns, por sua vez, ainda insiste num ponto:

- Senhor Skinner, quer que eu explique à Agente Scully a sua determinação para este caso? Poderia evitar esta discussão aqui.

- EU já DEI esta determinação, agora, Agente Kearns!

Completou Skinner decidido.

- Posso retirar -me agora, senhor? - pergunta Mulder.

- Sim. - responde Skinner, olhando para os papéis e fotos à sua mesa.

Mulder usa um gesto um tanto sarcástico para despedir-se:

- Com licença, senhores? Passem bem.

Deixa a sala.

No corredor defronta-se com Dana, que está próxima à porta, ainda na indecisão de entrar ou não na sala e enfrentar a mulher que lhe causa tanto ciúme. Ela sente necessidade de fazer algo para que Phoebe não venha, novamente, a tirar a tranquilidade de Mulder.

- Oi Mulder. E então? - ela quer saber.

- É... fui chamado para resolver um caso para a Scotland Yard e o Skinner achou que deveria ser eu o parceiro...

- De quem...? - finge não saber.

- Phoebe Green.

- Ah... ela! - exclama Scully desviando o olhar do de Mulder.

- Tudo bem, Scully? - ele a nota preocupada; completa então - Ao mesmo tempo... você quer saber mais?

- O que?

Skinner queria colocar você como parceira...

- De quem? - surpreende-se.

- Dick Kearns.

- Ah... e aí...?

- Scully... venha. - puxa-a por um braço, sem mais nada explicar.

Mulder suspira aliviado.

Afinal conseguira livrar sua parceira das garras de Dick Kearns, o conquistador.

Scully aperta as mãos, levando-as ao queixo e agradece a Deus poder ver Mulder afastado daquela mulher que em 1993 a havia deixado com o coração à boca, corroído pelo ciúme.

- Venha Scully... - repete - ... vamos almoçar.

- Sim, Mulder.

Acompanha-o, como sempre faz.

X x x x x x x x x x X

No restaurante o garçom serve-lhes os pratos.

Mulder olha sua parceira infinitamente carinhoso, enquanto a vê pegar os talheres.

- Livrei você hoje de um contratempo, Scully.

- Livrou-me... como assim?

- Fiz Skinner ver que você não está em condições de sair por aí.

Dana levanta as sobrancelhas:

- Sair por aí?

Ele continua a fita-la ternamente com o olhar esquadrinhador.

- Nas investigações, Scully... e com outros Agentes que não eu...

- Ah, Mulder, eu te adoro!

- Verdade?

Ela assente.

- E sua astúcia caiu como uma luva, Mulder!

Seu olhar junta-se ao dele .

Quase esquecem-se dos pratos dispostos sobre a mesa.

Fazem a refeição em silêncio.

Aquela frase citada, porem, faz Mulder lembrar-se de algo na sua memória:

- Dana...?

Ela sorri. Raramente ela a trata desta forma.

- O que é Mulder?

- A frase que você disse...

- O que tem?

- Faz-me lembrar... existe um versinho muito bonito... - continua ele, franzindo a testa e apertando os olhos para lembrar.

- Sim...?

- ... e ele diz assim:

TAKE THE WORD "GLOVE"

TAKE OFF THE LETTER "G"

AND DIVIDE THE REST

BETWEEN YOU AND ME

Scully toma entre as suas as mãos de Mulder.

E Mulder sente no calor das mãos dela o que lhe brota da alma:

o carinho, a ternura, o respeito e o mais profundo e sincero amor

"Querer afugentar do espírito o amor

é querer fugir da própria sombra."

Madame de Rieux