UM ENGANO

"É , por vezes, menor desventura ser enganado

por quem amamos do que ser desenganado."

Capitulo 17

A mesa repleta de pastas de arquivos nem permite a Scully ter muito espaço para trabalhar em seus papéis. Ela retira os óculos e esfrega um pouco os olhos cansados.

Mulder, com uma das pastas na mão, folheia-a nervosamente.

- Droga! Mas não pode ser!

Scully o observa:

- O que houve?

- Não é possivel que as evidências que temos em mãos não sirvam para incriminarmos o cara suspeito, Scully!

- É bem verdade, sim... mas acho que quando chegamos a este estágio de falta de um descanso há mais de 24 horas, tudo torna-se dificil e fora da razão, Mulder! Precisamos descansar! Você sabe que horas são?

Ele meneia a cabeça, negativamente.

- Duas e vinte da manhã! Então não é possivel! - conclui Scully.

- É verdade. Estamos com a mente cansada...

- É a minha decisão mais racional agora, Mulder. Vou para casa.

Mulder deixa de examinar os arquivos para fitá-la:

- Tem toda razão, Scully.

- Vamos, então.

Ele larga os papéis na mesa, guarda outros na gaveta e em seguida veste o paletó.

- Vamos, Scully, deixo você em casa.

- Não é necessário. Meu carro está aí embaixo.

- De maneira alguma...

- Mulder! - fala decididamente - Não é necessário!

Ele aproxima-se. Os olhos pequenos, verdes e perscrutantes afundam-se no olhar dela:

- Não discuta, Scully. - diz em tom baixo e decisivo - Vai no seu carro mas eu a acompanho.

Ela resolve não fazer mais nenhuma objeção.

Acompanha-o até a porta para sairem.

A madrugada está gelada.

Rarissimos são os veículos que rodam pelas ruas a essa hora da madrugada.

Scully, no volante do seu carro, dirige-o absorta, as pálpebras encostando-se uma na outra como se em câmara lenta, quase vencida pelo sono e o cansaço.

Olha pelo retrovisor e vê as lanternas do carro de Mulder, que a acompanha à curta distância.

Seus lábios movimentam-se em um sorriso discreto, sentindo a proteção do homem que ama.

Mulder, dirigindo seu carro, preocupa-se somente com o veículo que está à frente do seu.

Sente-se bem e faz parte de qualquer de suas missões, cuidar do bem estar e segurança da sua amada Scully.

Um facho de forte luz de farois joga-se sobre o carro de Scully, lançado da pista contrária.

O ruído de freios toma a atenção de Mulder.

O carro de Scully parara bruscamente, após defrontar-se com o que vinha na contramão, e por fração de segundos e alguns centimetros não se haviam chocado.

O motorista do veículo sai de seu interior, batendo estrepitosamente a porta.

Vai em direção de Scully, ainda no volante do seu carro.

Mulder assiste a cena; desliga o motor e sai do carro.

- Senhora... quero pedir desculpas. Afinal, sei que fui culpado desse lance que aconteceu e... acho que dormi no volante e o carro deu uma guinada, saindo da mão na pista.

O homem sorridente desculpa-se com Scully.

Ela mantém-se ainda perplexa com a cena que acontecera. Quase houvera uma batida e quem sabe quais as proporções que teria?

- O senhor deve conscientizar-se de que a atenção é primordial na direção de um veículo... - repreeende Mulder o causador daquele incidente.

- Olhe, senhor, - retruca asperamente o outro - estou falando aqui com a senhora... - aguarda Scully identificar-se.

Esta, porem, apenas permanece tensa, com as mãos no volante, olhando para o desconhecido.

O homem, após alguns segundos, retorna o olhar para Dana; fala à Mulder, no entanto:

- Além do mais, estou dirigindo as palavras para a senhora aqui, não ao senhor, amigo!

Mulder dá alguns passos à frente.

Scully rapidamente sai do carro.

- Por favor, senhor. Já está tudo resolvido. O senhor já assumiu sua culpa no incidente e nada aconteceu.

O estranho examina Scully de alto a baixo.

-

- Permita-lhe dizer que a senhora é muito linda! Acho que foi sua beleza que fez-me perder a direção! - exclama.

Scully não agradece o elogio. Entra no seu carro, novamente.

Mulder permanece onde está, com as mãos na cintura, empurrando o paletó para trás. Seu rosto denota indignação.

- Por favor, senhor, coloque seu carro na pista. A senhora precisa sair.

- É mesmo? - chega o rosto bem próximo a Dana.

Ela sente o seu hálito quente e ácido da bebida que deveria ter ingerido.

O homem tira do bolso um cartão e o entrega a Scully.

- Eu gostaria de poder desculpar-me melhor, numa outra hora... - sussurra, estendendo-lhe a mão.

Scully retribui o cumprimento e tambem estende a mão, que o homem toma com um gesto cavalheiresco e beija demoradamente.

Os grandes olhos azuis de Dana dirigem-se para seu parceiro, enquanto está a receber o cumprimento mais do que amável do estranho.

Com a mão que está desocupada, Scully gira a chave de ignição e liga o carro.

O homem afasta-se da janela do carro, porem ainda prendendo-lhe a mão.

Mulder o estrangula com o olhar.

Aproxima-se, segurando-o pelo colarinho e afasta-o grosseiramente do carro de Scully.

- Vamos lá, cara! Se manda!

- Ei! - protesta o outro - Quem você pensa que é?

Enquanto segura o desconhecido pelo colarinho, Mulder retira do bolso sua insígnia, colocando-a à frente dos olhos do homem, sem nada falar.

- F... B... I...! - exclama o homem.

Mulder, ainda o segurando, abre a porta do carro do estranho, joga-o no volante. Fecha a porta com força.

Imediatamente o homem põe o carro em movimento, para sair dali.

Mulder retorna à direção do seu carro.

Scully já havia saido com o seu, lentamente, afastando-se.

Mulder a segue.

Após algum tempo ela já está estacionando no prédio onde mora.

Mulder coloca o seu carro ladeando o dela.

- Scully! - chama-a, sai do carro e vai até o dela, beijando-lhe suavemente os lábios - Até amanhã.

- Até amanhã, Mulder! - ela responde, retribuindo seu beijo.

Mulder volta ao seu automóvel e afasta-se.

Intimamente não se sente bem. Percebe que deveria ter perguntado a ela se poderia ficar em sua casa, mas compreende, afinal, que nem em todos os dias poderia faze-lo.

X x x x x X

Scully chega em casa tensa, após muitas horas de trabalho durante o transcorrer do dia.

Está terrivelmente amolada pelos acontecimentos.

Uma investigação atribulada no dia anterior, várias dificuldades e no final, ou melhor, na madrugada de ontem, aquele incidente a deixara perturbada.

Só não sabia mesmo explicar o porquê.

Resolve abrir a correspondência que pegara na caixa do correio do prédio.

Contas, propagandas... um envelope surge diante de sua vista.

Um envelope diferente, em papel linho, como se fosse algum convite de casamento. Abre-o

Uma escrita formal, num papel elaboradamente dobrado. Não havia sido trazida pelo correio.

Lê o texto, então:

"Srta. Dana Scully,

perdoe-me se a surpreendo com esta carta, mas desejo dizer-lhe que aquele nosso quase fatídico encontro, transformou-se numa espécie de obsessão para mim.

Desejo encontra-la na quarta-feita, à noite e peço-lhe não negar-me esse prazer.

Meus respeitosos cumprimentos.

Reynold Simms "

- É louco! Completamente louco! - comenta para si mesma em voz alta.

" Imagine se vou encontrar-me com esse cara!" - pensa, com irritação.

X x x x x X

Já haviam se passado duas horas após ter chegado em casa. Sente-se cansada, tensa, insone.

As pálpebras pesam-lhe, mas somente efeito do cansaço. O sono não vem.

Pensa no homem que ama: Mulder.

Ele faz-lhe falta nos momentos em que não o tem ao seu lado.

As quase dezesseis horas trabalhando juntos diariamente não são o bastante para suprir a necessidade que tem de vê-lo, de tocá-lo, de senti-lo.

Seus olhos passam, automaticamente por um calendário exposto em um móvel.

Fixa os olhos em cada data e dia diante de sua vista.

- Han? - surpreende-se - Quarta-feira, hoje?

Rememora as palavras da carta que recebera:

"Desejo encontra-la na quarta-feira à noite..."

Dana sorri, levantando a cabeça firmemente, ciente de que até já está dentro de sua casa. Não há como ter encontros indesejáveis nesta noite.

Um toque na campainha a faz estremecer. Vai até a porta e vê, através do olho mágico, o porteiro do prédio. Abre a porta para atendê-lo.

- Senhorita Scully, boa noite!

- Boa noite, Peter.

- Olhe, só vim lhe avisar que um colega seu, Agente Smith, está lá em baixo, esperando para lhe falar. É um recado do seu Diretor.

- Recado? - ela acha estranho - Tudo bem, vou descer.

O porteiro afasta-se para sair.

Scully volta para dentro e coloca o casaco.

Desce em seguida.

X x x x x X

O Agente Smith passa-lhe o recado de Skinner e despede-se em seguida.

A noite está morna até, mas Scully sente um arrepio em seu corpo. Esfrega os braços, como se sentisse frio.

- Senhorita Dana! - ouve chamar.

Assim como os ouvidos captam o som daquela voz, instantaneamente os olhos divisam numa parte onde a luz do poste não alcança, a figura de um homem, que após chamá-la, aproxima-se.

- Boa noite, Dana!

Ela o olha, quase estupefata. Reconhece o homem do incidente da madrugada há dois dias atrás.

- Estou surpresa com a sua audácia, senhor! - diz ela.

O homem sorri.

- Foi coincidência ou o senhor tem alguma coisa a ver com a minha forçada descida até aqui fora?

Ele levanta as mãos espalmadas, sorrindo, ainda:

- Pode ter certeza de que sou inocente!

- Boa noite, senhor. - diz Scully, preparando-se para subir os degraus.

- Que é isso? - fala rápido - Qual é o problema? Não pode ouvir-me por alguns minutos?

- De forma alguma, senhor. Boa noite.

Fala e vai afastando-se. Retorna seus passos para perguntar:

- Diga-me, como conseguiu saber meu nome e endereço?

- Ah, ah, ah! - ele gargalha - Parece até um caso para as suas investigações! - faz uma pausa - Não é mesmo?

Scully o fita, aborrecida.

- Senhorita Scully, pode até ir, se quiser, mas devo dizer-lhe que, além do seu nome e endereço, sei que aquele cara, Fox Mulder, é seu parceiro e que o tal cara é completamente cego porque, trabalhando há sete anos junto a você, nunca a conseguiu enxergar mais do que como uma simples colega.

Os olhos de Scully abrem-se mais, incrédula.

- O que lhe interessa a minha vida?

- Já lhe disse na carta... tê-la visto naquela noite tornou-se para mim uma obsessão...

- Por que não procura um analista, senhor...?

- Não zombe de mim, Dana! Só quero poder tê-la um pouco mais comigo.

No íntimo Dana sente pânico. Está atordoada. O homem transmite no olhar algo maligno.

Scully dá meia volta e rapidamente sobe as escadas de seu prédio.

Já dentro de casa, sente o coração palpitar forte.

Por que acontecera-lhe isso? Está simplesmente aterrorizada.

Aquele homem pode tornar-se uma ameaça.

X x x x x X

Mulder aproxima-se de Dana:

- Scully... Scully! - chama-a

Ela o olha, como que despertando.

- O que houve? - ele quer saber.

- Por que me pergunta isso?

- Você está tão desligada, tão melancólica...!

Dana sabe que não deve contar a Mulder a insistência daquele sujeito em encontrar-se com ela. Tem receio de que Mulder tente alguma coisa que vá deixa-lo irado de alguma forma. E acha que o desconhecido pode ser perigoso.

- Scully, hoje à noite vai haver uma conferência e eu tenho que ir... fui convocado.

Dana o fita, preocupada.

- Oh, Mulder! - faz um muxôxo - Bom... hoje por mim está tudo bem.

Ele a olha, terno, segurando-a pelos ombros.

- Não tem nada para fazer?

- Na verdade, não.

- E por que está pensativa?

- Nada, não. É que eu pensei que nesta noite poderíamos ficar juntos.

Mulder aproxima-se mais e sussurra-lhe aos ouvidos:

- Descontaremos tudo na próxima.

Ela lhe sorri, carinhosamente.

X x x x x X

Scully está deitada. Seus pensamentos fluem, vagando por todas as coisas que lhe têm sucedido, ultimamente.

- Huuuuumm... - geme e rola no colchão, deitando de lado; estende a mão para o lugar vago na cama; sorri levemente, fechando os olhos.

Lembra de Mulder e de seu modo de ser.

A maneira como ele a toca com doçura e sutileza, próprios de quem ama e respeita de verdade.

A campainha da porta a tira de seus devaneios.

Scully senta-se na cama.

"Mulder não é, certamente." - pensa.

Levanta-se para atender.

- Senhorita Dana! - chama o porteiro.

Scully abre a porta para atendê-lo.

- Olha, foi deixado pra lhe ser entregue agora. - tem um envope à mão.

- Quem deixou isto? - quer saber, pegando-o

- O Agente Fox Mulder. - diz o rapaz.

- Mulder? - está sem acreditar - Por que não subiu, ou simplesmente telefonou?

O porteiro encolhe os ombros, demonstrando não saber.

- Foi você quem o atendeu?

- Foi o colega do outro turno, que já saiu.

- Tudo bem. Obrigada.

O rapaz retira-se.

Scully tranca a porta e abre o envelope; e enquanto mantém o bilhete aberto na mão, pega o celular, puxa a antena e digita o número de Mulder.

O número discado informa que o telefone chamado está desligado ou fora da área de operação.

Ela tenta, novamente. A mesma voz da telefônica é ouvida. Larga o celular.

Resolve, então, ler o bilhete:

"Scully, te encontro às 8 horas no Restaurante La Fontaine.

Mulder."

- Então não houve a conferência? - fala consigo.

Confere a letra.

Não há dúvida. É a letra de Mulder, realmente.

Scully resolve optar por procurar um traje condizente com a ocasião.

Após passar o dia todo com aquele uniforme de agente, claro que deseja agora fazer-se o mais bonita que pode para o amado.

Arruma-se, sentindo-se mais leve e feliz.

Sai e pega o carro.

X x x x x X

O restaurante está apinhado de gente, usufruindo das boas iguarias do lugar.

Ela e Mulder já estão acostumados a frequentá-lo.

Dana olha ao derredor, procurando vêr Mulder numa das mesas.

Dirige-se ao maitre.

- Há reserva de mesa para o senhor Fox Mulder?

- Pois não, senhora! Me acompanhe, por favor. - pede o homem.

Ele a faz sentar-se em uma mesa reservada em local bem discreto.

Interiormente Dana sente-se feliz.

Estar ali com Mulder, agora bem mais íntimos, diferente de como havia sido antes, é muito prazeroso.

"Mas por que será que deixou-me vir antes dele?" - pergunta-se em pensamento.

Ocupada em partir pequenos pedaços de pão, não vê que alguém chega ao seu lado.

- Boa noite.

Scully volta-se para olhar de onde parte a voz e vê Reynold diante dela dirigindo-lhe um sorriso.

Dana não responde.

"Insolente." - pensa.

O homem prepara-se para sentar-se, sem cerimônias.

Scully está com os lábios entreabertos pela desagradável surpresa.

- Não conseguiu captar, Agente Scully? Estou no lugar do seu parceiro. - anuncia, sorrindo.

- O que! - levanta-se.

- Sente-se! - ele ordena sem olhá-la - Ou será que vai querer me algemar, só porque estou apaixonado por você?

- Como! - Scully não consegue assimilar de pronto a cilada armada pelo homem.

- Você falsificou a letra do Agente Mulder! - ela diz, procurando manter a calma.

- Engenhoso, não? Dê-me os parabéns!

- Você está saindo dos seus limites, senhor...!

- Ah, não seja tola! - repreende-a com o olhar - Será que deseja que as pessoas aí em volta vejam a sua raiva aqui, diante de mim? Olhe o vexame, Agente Dana Scully! Sente-se!

Dana olha discretamente ao redor.

Três pessoas, mais à distância, já observam-na estar de pé, meio alterada.

Resolve sentar-se.

O garçom aproxima-se.

- Pois não. - diz ele.

- Traga isto pra mim. - aponta algo no cardápio - O que prefere, Dana?

- Não quero nada, senhor. - frisa bem a última palavra.

O garçom a olha de soslaio, entendendo que há algum desentendimento entre os dois.

- Tudo bem, então. - volta a falar Reynold. - Traga o mesmo para a senhora.

Scully nada retruca.

Mantém-se calada, apenas observando atentamente cada gesto do homem.

O garçom afasta-se, apenas preocupado com as anotações no bloquinho em suas mãos.

- Se pensa que pode prender-me pelo crime de eu estar apaixonado por você, esqueça, pois não existe isso nas Leis.

- Mas falsificação e assédio, sim.

Reynold pigarreia. Por instantes parece meio desorientado. Logo, porem recupera-se.

- Dana, eu só queria mesmo é estar com você aqui um pouco... só isso! Isso é crime?

- Mas nem me conhece! - protesta.

- Como não a conheço! Eu acredito no amor à primeiravista, e naquela madrugada foi o suficiente para...

- Não me faça rir, senhor, pois estou simplesmente com vontade de...

- Não, não, não! Não diga o que pensa, Dana! - passa a mão pelos cabelos - Puxa vida! A gente se apaixona por uma pessoa e apenas não é levada a sério!

- Sabe mesmo o que o senhor está me deixando passar? Uma grande imaturidade, uma carência afetiva de grandes proporções, além de um espetacular mau caráter.

Ele ri, sem nenhum constrangimento.

Scully, revoltada, passeia o olhar para mais distante, quando então sua vista alcança a figura familiar de Mulder, próximo a porta de saída.

- Mulder! - pronuncia, em voz baixa.

O seu acompanhante na mesa pára de rir, seguindo a direção do olhar dela.

Mulder, ao vê-la lá na mesa, acompanhada daquele homem, já começara a caminhar para fora do restaurante.

- Ele vai sair! - ela diz, preocupada e os olhos brilhantes pela emoção e tensão do momento.

- Deixe-o ir! - protesta Reynold - Eu não gostaria da companhia dele aqui com a gente!

Mas Scully não o ouve.

Imediatamente sai, desesperada, em busca de encontrar Mulder.

Chega até a rua. Já não o vê mais ali.

Pega seu carro estacionado no meio-fio. Liga-o e o põe em movimento.

Dirige doidamente através das ruas iluminadas e muitos transeuntes que ainda circulam àquela hora.

Depois de algum tempo, chega até o apartamento de Mulder.

"Preciso conversar com ele. Tenho certeza de que ficou com ciúmes, pois pensa que tenho alguma coisa com aquele homem! Preciso vê-lo, meu Deus!"

Bate à porta do apartamento 42.

Aguarda por alguns segundos.

Nada acontece.

Bate novamente. E ainda assim a porta não é aberta.

- Mulder! - chama.

Nem assim obtém resposta.

Ela tira do bolso sua chave e gira-a na fechadura.

Entra chamando:

- Mulder?

Procura-o ali dentro. Não há ninguém.

Retira o casaco. Solta um profundo e sofrido suspiro. Resolve esperá-lo ali mesmo.

X x x x x X

Scully abre os olhos, pestanejando. Já passara da meia-noite.

E Mulder não chegara.

Onde mais poderia ter ido?

Liga o celular.

A voz eletrônica dá o aviso de que o número está desligado.

- Não é possível! - esbraveja.

"O que pode ser feito? - pensa - O melhor é deixar que chegue a manhã para ver o que pode acontecer. Nem a opção de ir para casa de sua mãe ele tem agora... ou será que foi naquele bar onde ele já bebeu tempos atrás...?" - fica a fazer mil suposições.

Sente-se terrivelmente inquieta.

Vai até a cozinha.

Sobre a bancada da pia, um pacote das sementes preferidas de Mulder.

Coloca algumas na palma da mão e começa a mordiscá-las, para aplacar o nervosismo que já começara a tomar conta de seu ser.

Scully novamente acomoda-se no sofá.

Coloca as pernas dobradas sob o corpo e tenta agasalhar-se com seu longo casaco, o melhor que pode.

Liga a TV. As imagens desfilam à sua vista de olhar esparso.

Com o dedo manuseando o controle de canais, vai trocando-os um a cada segundo, procurando fazer algo para distrair sua mente repleta de pensamentos negativos.

"Meu Deus, ele pensa que o enganei! É isso! Tenho certeza de que é isso que lhe passa pela cabeça. E Deus sabe que não o fiz!"

Os olhos de Dana enchem-se de lágrimas. E agora elas vêem-lhe aos borbotões, numa fuga às limitações dos seus olhos azuis.

Scully sofre as amarguras de uma dor, por ter, involuntariamente, causado sofrimento a Mulder, depois de tanto se amarem e de se declararem apaixonados um pelo outro.

Ela sente-se imensamente infeliz. Mantém-se ali, encolhida sobre o sofá, sentindo-se péssima.

X x x x x X

A todo instante consulta o relógio de pulso.

Neste momento ele marca cinco horas da manhã.

Ela levanta-se, vai até o banheiro. Veste o casaco e prepara-se para sair.

Sente-se a mais infeliz mulher sobre a face da terra.

Na rua pega o carro e liga-o para pô-lo em movimento.

Por instantes fica a imaginar por onde pode iniciar a procura.

Resolve começar pelo bar, que há tempos Mulder havia se embebebado, quando os seus superiores os haviam expulsado dos Arquivos-X.

Ele estivera deprimido, desesperançado! E agora? Como estará?

Desejaria tanto poder tê-lo em seus braços neste exato momento e procurar dar-lhe todo o seu carinho e todas as explicações plausíveis e racionais do engano pelo qual sofrera.

Já vai longe, muito longe, o tempo em que, na verdade, passara a noite com aquele homem divorciado.

Agora já está plenamente cônscia de que o seu coração pertence totalmente a Fox Mulder.

Não há mais necessidade de ficar a procurar meios ou motivos para entrega de seu coração a outra pessoa.

Ele é o integral dono de seu coração e seus pensamentos.

Então por que tanto sofrimento, indagações, dúvidas?

Não há, enfim, pelo que duvidar.

Está tudo sacramentado dentro do seu ser. Ela é de Mulder.

Novamente sente uma imensa vontade de chorar. A garganta está embargada pela pressão do pranto que está por vir à tona.

Uma busina estridente e insistente a faz voltar à realidade.

E o susto faz com que os soluços desprendam-se-lhe facilmente da garganta.

As ruas, ainda escuras da madrugada, nem a amedrontam.

A revolta pelos acontecimentos a deixam cheia de intrepidez e desejo de resolver o mais breve possível a terrível situação.

Tudo por causa de um engano!

Os olhos de Dana brilham ao flutuarem dentro deles as lágrimas de sua tristeza.

"Todas as grandes esperanças

são seguidas de tristeza."

Paul Bourget