ALMAS EM CONFLITO

"A alma tem ilusões, como o

pássaro asas; isso é que a sustém."

Victor Hugo

Capítulo 18

Mulder deixara o restaurante em deprimente estado de frustração. Toda a alegria que o havia embalado por um espaço de tempo, desvanecera-se do seu coração.

Por que? - deprime-o seus pensamentos - Por que ela o havia tratado como a um outro qualquer?

Dirige o carro sem se importar em nada com os riscos de um acidente. Para onde ir? Para casa?

Lá somente serviria para aumentar seu desespero, pois começaria a passar pelo seu cérebro atribulado as centenas de sentimentos frustrantes, apossando-se não somente de sua mente, mas também do coração.

O nome de Scully vem-lhe à mente.

Expulsa-o dos pensamentos. Está magoado.

"Será que agi certo, afastando-me? Ou deveria ter ficado junto a eles e atrapalhado seus planos?"

A cena em que vira o homem segurando a mão de Scully já dera para demonstrar a Mulder a intimidade que poderia haver entre os dois. E, naturalmente, não é para ser descartada a idéia de que, Scully sabendo que Mulder havia ido a uma conferência, naturalmente tinha a certeza de que ele não estaria ali àquela hora da noite. Certamente ela não havia recebido seu bilhete, chamando-a ao restaurante.

Esses pensamentos todos embaralham-se-lhe na mente.

Dirige por mais de uma hora, seguindo seus instintos para fuga do problema que o aflige.

Uma infinidade de luzes aparece diante de seus olhos.

O letreiro luminoso acendendo e apagando chamativamente, indica ser um bar com uma populosa frequência.

Pára o carro ali em frente.

Desce e entra no fervilhante bar.

Muita música, muita falação, muita cantoria, dança, divertimento... a falsa alegria.

Os apertados olhos verdes de Mulder, esmaecidos pelo desengano, não conseguem acompanhar o entusiasmo dos que se divertem no local.

Dirige-se a uma mesa vazia, num canto do grande salão iluminado.

"Eu gostaria de saber o que vim fazer aqui. Logo eu, que gosto da solidão e da nostalgia? Para que vim aqui, afinal?" - pensa.

Sentado então, fica a observar toda a multidão de gente a esbanjar, numa fingida animação, suas lamúrias e tristezas.

"Alegria? Felicidade? Duvido muito disso! Quanta gente aqui dentro está somente porque uma mágoa lhe destroi o coração!" - fala com seus botões.

- Mágoa... - ele fala, para si, num murmúrio.

Um garçom aproxima-se:

- Pois não, senhor?

Mulder o olha, indeciso.

- Ahn... bem... me traga... uma água mineral.

Pelo semblante de Mulder, o garçom juraria que ele iria pedir doses e mais doses do mais forte whisky, para ser derrubado e deixar-se cair sobre a mesa, como já pode avistar alguns ali no bar.

Surpreende-se com o singular pedido, porem sai pra providencia-lo.

Uma mulher aproxima-se.

- Você se importa se me sentar ao seu lado?

Mulder dirige-lhe um meio sorriso, fazendo menção de que concorda com seu pedido. Franze os lábios.

Ela senta-se.

Não é sorridente em demasia. Seu traje abusivamente ousado, faz com que os olhos de Mulder a admire, ao ver todo o excesso de carnes à mostra no seu decote.

- Quer conversar? - ela pergunta.

- Hum, hum. - ele dá de ombros como resposta.

- Não está de bom humor... é sempre assim; os homens costumam entrar aqui em baixo astral...

- Não estou em baixo astral!

- Não? Demonstra ser um solitário, triste, abandonado...!

- Por que diz isso?

- Seus olhinhos tristes não negam.

- Ah, você é adivinhadora?

- Acertei! - ela fecha um punho e o leva para cima discretamente em atitude de vitória.

- Pare com isso, moça... apenas desejo um pouco de descanso pra minha mente.

Agora a mulher ri, desdenhosamente.

- Você está brincando...! Descanso? Aqui?

Mulder, interiormente, concorda. Ela está certíssima.

- Está bem. Você está vendo um palhaço diante de você.

- Ah, tadinho! Eu não quis aborrece-lo! Desculpe!

- Não... não estou aborrecido! Apenas é isso que eu sou, além de ser "estranho".

- Estranho?

- É... é assim que sou conhecido.

A mulher o examina, interessada.

- Bem, não vejo nada de estranho em você. Apenas o vejo como um cara muito atraente.

O garçom retorna, trazendo a bebida solicitada e retira-se.

Mulder coloca a água no copo e a bebe, vagarosamente.

- Tem razão... bem estranho! - a mulher murmura, vendo-o beber a água mineral.

- É... - fica olhando somente para o copo entre suas mãos - ... de uma certa forma até imaginei que as coisas poderiam mudar para mim... - começa a dizer.

Ela inclina a cabeça, ouvindo-o, com atenção.

- De repente é como se o tempo desse um retorno e me fizesse voltar a cenas anteriores na minha vida.

- Do que está falando? - olha-o com mais atenção - Problemas com sua vida sentimental?

Mulder não lhe dá resposta. Bebe todo o restante do conteúdo da garrafa. Tira um dinheiro da carteira, coloca-o sobre a mesa. Levanta-se.

- Vai me deixar sentada aqui, assim? - ela insinua.

- Pode ficar de pé, se quiser. - responde ele, com um amável sorriso.

Mulder sai do bar.

Entra no carro. Os vidros estão fechados, porem o barulho da casa de diversões penetra ali, até seus ouvidos. Liga o motor e põe o veículo em movimento. Faz deslizarem vagarosamente suas rodas sobre o asfalto.

"Scully!" - o pensamento nela retoma forma.

Sente-se cansado, esgotado; necessita readquirir forças.

No dia seguinte não sabe nem o que irá fazer. Será um dia de um brilhante sol, conforme lhe está indicando o clima da madrugada.

Neste momento está levando seu carro numa estrada de pistas largas, a qual ladeia uma montanha.

Pára o carro. Desce.

Lá em baixo vê o mar de ondas encrespadas, quebrando-se contra as enormes rochas.

O horizonte sem fim naquela alvorada o faz admirar a beleza sem par da natureza.

Os raios avermelhados no céu são um deslumbramento para os olhos.

Apalpa o telefone celular em seu bolso. Há muitas horas está propositalmente desligado, para o caso de Scully tentar procurá-lo e inventar uma história qualquer de porque o deixara tão frustado na noite passada.

Continua ali de pé, olhando as águas de ondas furiosas, que parecem querer alcançar a altura das altas paredes da estrada, desde lá de baixo.

A brisa vinda do mar revolve-lhe os cabelos e levanta-lhe as abas do paletó, como se o quisessem empurrá-lo para baixo.

" Qual o meu objetivo na vida? - pensa - Vivi toda a minha vida intensamente sofrida, procurando por respostas ao desaparecimento de minha irmã e que, no final de tudo, me foi mostrado apenas um triste desenlace... vivi em busca de seres alienígenas que me trouxessem respostas às minhas indagações terrenas... sofrí somente, por não ter nunca uma oportunidade de uma vida mais simples, viver como um ser humano comum, como ter uma casa, família... lembro-me bem da pergunta de Scully, certa vez, quando viajávamos num carro para Nevada: "Mulder, você nunca sentiu vontade de ter uma vida normal, comprar uma casa, ter uma família...?"

E ela tinha razão. A minha vida tem sido uma insípida maneira de estar aqui neste mundo. E agora... agora, quando imaginei ser feliz, ter Scully ao meu lado, sempre, vejo que a vi de uma maneira errada. Eu somente a vi como uma mulher simples, apaixonada, de sentimentos puros... e aqui estou, curtindo a devastação de um homem traido.

Traido? Mas em algum momento nos prometemos ser fieis um para com o outro? Apenas deduções... é isso! Apenas nos amamos, sem mais nenhum compromisso. Mas o ciúme...

"O ciúme é o isolamento, queixas sem eco do coração solitário." como diria o poeta.

E esse sentimento que assola a minha alma... me abala... a mim... que procuro ser frio, tolerante, mas que no fundo sou um sofrido imbecil carente de tudo, de todas as coisas."

A brisa do mar continua fustigando-lhe o rosto.

Mulder levanta a cabeça e deixa que chegue até suas narinas o odor salgado das águas.

O piado de um pássaro o distrai e ele procura avistá-lo no alto, cortando o espaço sem fim.

"Se pudesse voar como aquele pássaro... sumir de tudo e de todos..." - pensa, novamente.

Os sentimentos de frustração fazem vir até seus olhos lágrimas quentes.

Mulder volta para o carro.

Senta-se no banco e deixa os braços apoiados sobre o volante, sustentando a cabeça sobre eles.

Assim fica por alguns minutos.

Parece-lhe que o mar tivera o dom de acalmá-lo de seu desesperançoso propósito de viver.

Vira a chave na ignição. O carro desliza.

Mulder tem a impressão de que o piar tristonho do pássaro, o rumor abafado das ondas e o movimento lento do carro estão compartilhando com a sua tristeza neste momento.

É como se tudo aquilo em seu redor tivesse vida e o compreendesse na sua dor.

Na verdade não decidira para onde ir.

Em todos os lugares, certamente, iria encontrar algum indício de que Scully o havia procurado.

O Bureau? Por que não? A melhor opção para o seu estado de alma.

Poderia "enfiar a cara" nos papéis e ficar horas absorvido nas investigações; assim o tempo o permitiria sobreviver à tempestade de tormento que está passando.

É o que decide, então.

As ruas e avenidas passam diante de seus olhos como flashes, tamanha é a força com que comprime o acelerador.

Logo chega ao FBI e entra no estacionamento.

Entra no prédio e dirige-se à sua sala.

Joga-se na cadeira em frente à mesa, com um lápis nas pontas dos dedos, olhando para o nada.

Assim fica por alguns minutos.

Começa, então, a folhear as páginas de um relatório.

X x x x x X

Scully toma um chá em sua cozinha.

Sente-se esgotada pela noite mal passada. Já, por várias vezes, sofrera a tortura de um sumiço repentino de Mulder, mas não numa situação como essa.

Ele a havia visto conversando com um estranho, naquela noite e, principalmente agora, que o relacionamento entre eles está fortalecido pelo amor que ambos já haviam demonstrado sentir um pelo outro.

Ela não sabe por onde recomeçar uma nova procura.

Sentada ali na cozinha, com a xícara de chá entre as mãos, pensativa, tenta aquecer o corpo, enquanto a alma está enregelada.

O telefone toca em algum lugar da sala, onde ela não consegue distinguir rapidamente.

Ansiosa, nota que o aparelho que está chamando é o que permanece sobre a mesa.

A secretária eletrônica começa a fazer um pequeno ruído. Em seguida o som de uma voz masculina:

"Alô, Dana!

Aqui é o Reynold.

Embora não tenha sido o melhor, adorei estar com você ontem. Apesar de ter durado tão pouco tempo, deu pra fortalecer mais o amor que tenho por você.

Espero que me dê, o mais breve possivel, o prazer de estar com você como na noite de ontem.

Podemos nos ver amanhã, novamente? Ligo pra confirmar.

Um beijo."

Dana, enraivecida, bate com força sobre as teclas do aparelho.

- Que trama diabólica! - exclama.

Sai rapidamente de junto do telefone.

Retorna à cozinha e derrama dentro da pia o chá que antes estivera decidida a tomar, a fim de pôr algum alimento no estômago vazio.

Vai para o quarto.

Abre uma gaveta, com dedos nervosos, remexendo alguns papéis.

Tenta, de alguma forma, achar algum endereço onde Mulder pudesse estar, de alguém conhecido de ambos, qualquer coisa.

Nada encontra, porem, que a possa ajudar.

Estende os braços ao longo do corpo, desanimada e suspira profundamente.

Vem-lhe à mente o Bureau.

"- O escritório! - lembra-se ela - Por que não? Mulder costuma, por vezes, ficar nos dias de folga, trabalhando!"

X x x x x X

Scully destranca a porta do escritório.

Seu coração dá pinotes, ansioso.

Logo ao abrir a porta avista Mulder; não lendo ou revirando papéis, mas com a cabeça entre os braços, debruçado sobre a mesa.

Scully nota que ele está dormindo.

Fecha a porta muito vagarosamente.

O rádio toca em som muito baixo, uma suave melodia.

Scully aproxima-se da mesa.

Sente-se penalizada por vê-lo ali, dormindo no desconforto, praticamente por sua causa.

Sente-se culpada.

Coloca uma cadeira para sentar-se próximo a ele. Iria velar o seu sono. Ouve o seu ressonar.

Alguns minutos são passados, enquanto ela o observa, quieta.

Mulder solta um profundo suspiro e levanta a cabeça, estremunhado.

Ele a vê à sua frente, a dirigir-lhe um meigo sorriso.

- Scully?

Dana estende a mão para segurar as dele.

Num ímpeto Mulder levanta-se e dá uma meia volta pela sala.

- Mulder, precisamos conversar. - começa ela.

- Sobre o que? - ele responde, desinteressadamente.

- Pára com isso, Mulder! Você sabe o que aconteceu! Procurei por você toda a madrugada! Estou cansada, Mulder, mas não desisti e estou aqui para explicar tudo o que houve.

- Scully... - ele desconversa - eu descobrí que, se fizermos a autópsia do cara lá daquela cidade, vamos ter em que nos apoiar para prender o suspeito; certeza absoluta! E daí podemos encerrar a investigação com êxito.

- Mulder, escutou o que eu falei? - protesta Dana.

Ele pára, enfim, para olhar profundamente em seus olhos:

- Agente Scully, como minha parceira somente é que posso aturar você. De outra forma, de jeito nenhum. Vou me aprofundar mais neste caso e, como sempre, estarei certo!

- Mulder! - ela aumenta a voz - Você está com raiva de mim; até tem suas razões! Mas eu também tenho as minhas! Por favor, me escute!

- Eu preferiria que você voltasse aqui somente daqui a três dias. Aproveite os dias de folga, Scully! Eu vou continuar aqui, porque sozinho posso me concentrar melhor.

- Mulder, por favor! - ela já está bem próxima dele e fala em voz embargada pela emoção.

- Ah, Scully, por favor, digo eu! Faça o que lhe peço e tudo acabará bem. - olha-a novamente -

Deu pra perceber?

- Deu pra perceber, sim, que você está magoado comigo, que acha que eu estava com aquele

homem no restaurante porque... por que você acha que eu me encontrei justamente naquele...?

- Scully... - ele acena com as mãos um gesto para que ela cesse de tentar explicar o que não

necessita - ... nós temos vida própria. Somos donos do nosso nariz!

- Não interessa o que você pensa, Mulder! - ela dá a volta na mesa e distancia-se dele - Mulder, recebi um bilhete seu - frisa bem a palavra - marcando um encontro no restaurante.

- É... e daí?

Ela o ouve, atônita.

- Você me mandou um bilhete, Mulder? De verdade?

E agora é ele que a observa com curiosidade e censura:

- Diz pra mim que recebeu o bilhete e agora, por si só, está em dúvida!

- Mas, então...

- Então o que?

- É pior do que pensei... - ela fala quase só para si.

Mulder joga-se na cadeira:

- Tá, tá, tá... um bilhete meu... ok... O que que é pior? E o que tem isso a ver com aquele seu... seu... amigo ou seja lá o que for?

- Mulder, aquele homem não é nada meu! E você bem sabe quem é! É o mesmo do quase acidente lá na rua! Você sabe... ou não o reconheceu?

- Agora são amigos, é?

Scully está prestes a perder a paciência, sentindo-se tolhida nas suas explicações.

Senta-se tambem, sentindo-se fatigada.

- Mulder, eu estou cansada...!

- Por que, Scully? A noitada foi... ? - tenta rir.

- Pára, Mulder, pára!

É muita pressão para o seu estado de espírito tão sofrido.

Jurara, dentro de si mesma, que não choraria diante dele, porem agora não resiste.

- Mulder, quando eu disse certa vez que você mudou a minha vida, é verdade; passei a ver tudo diferente com a sua ajuda, Mulder, porque aprendi a ver com mais clareza a parte sensível das pessoas... Mulder eu mudei, - começa a chorar agora - começei a enxergar, que, na verdade, eu não tenho como viver mais no ceticismo onde eu me encontrava, porque muita coisa eu vi e aprendi... com você.

Por que não acredita em mim, Mulder? Por que?

Mulder sensibiliza-se ao vê-la entregue à humildade do seu pranto.

Levanta-se e aproxima-se dela.

Os olhos encontram-se, tentando penetrar o mais fundo possível nos pensamentos um do outro.

Mulder segura-a pelos braços, fazendo-a levantar-se.

Na verdade ama-a

De que adianta tentar fingir que não a entende?

Mas quer saber tudo, naturalmente.

E vai dar-lhe essa oportunidade.

Scully chora, sentindo o calor das mãos dele, segurando-a

- Scully, acalme-se... olhe, eu prometo ouvir você... e procurar entender.

Ela levanta para ele o rosto molhado:

- Procurar entender? Mas eu não mentí pra você, Mulder! Eu não menti!

- Tudo bem, Scully. Tudo bem. Não serei eu que irei julgá-la...

- Mas eu estou me sentindo praticamente diante de um severo tribunal, Mulder!

Ele a faz sentar-se novamente. E vai para a outra cadeira, a fim de ouvi-la.

X x x x x X

O dia amanhecera com um brilhante e quente sol.

Os tetos dos veículos cintilam por sobre toda a extensão da grande avenida.

O homem dirige impacientemente. Suas mãos ao volante tentam desviar o carro para uma melhor posição na pista e poder ir à frente com maior rapidez.

Solta uma imprecação para alguém que lhe tomara a dianteira e, no minuto seguinte, olha interessado uma bela mulher que dirige um carro, ladeando o seu.

No momento, porem, nem tem tempo para tentar assediá-la, visto que seu objetivo principal é ir até onde se encontra Dana Scully, para dissuadí-la a aceitar sua conquista.

X x x x x X

Scully retornara a seu apartamento, acompanhada por Mulder.

Os ânimos entre os dois estão em menor tensão, agora.

Mulder tira o paletó e senta-se no sofá, com um profundo suspiro.

Scully também retira seu casaco; vai à cozinha preparar algo para oferecer a Mulder.

Este levanta-se, vai até a janela; retorna e vê piscando o sinal da secretária eletrônica no telefone.

Aproxima-se e aperta o botão.

Ouve a voz gravada:

"Alô, Dana!

Aqui é o Reynold.

Embora não tenha sido o melhor, adorei estar com você ontem. Apesar de ter durado tão pouco tempo, deu pra fortalecer mais o amor que tenho por você.

Espero que me dê, o mais breve possivel, o prazer de estar com você, como na noite de ontem.

Podemos nos vêr amanhã, novamente?

Ligo pra ... "

Mulder interrompe, enraivecido, a ligação.

Scully já se encontra ao seu lado, com olhar aflito.

"Por que não desgravei logo a horas atrás essa maldita mensagem?" - pensa ansiosa.

- O que acha disso, Scully? E agora? - Mulder fala, dirigindo-se a ela com os lábios apertados.

Scully repara que, por dentro da pele do rosto dele, seus maxilares, apertando-se um contra o outro, mastigam as palavras e engolem o que, na verdade, tem desejos de pôr para fora.

- Ele é um louco, Mulder! - protesta ela, mal conseguindo pronunciar as palavras.

Num ímpeto, Mulder pega o paletó e jogando-o sobre um ombro, dirige-se à porta.

Scully ainda faz menção de falar algumas palavras mais de protesto ou pedido para que não se vá, mas arrepende-se e permanece estática, vendo-o ir embora.

X x x x x X

Na mente de Mulder dois sentimentos cruzam-se: de ajudar Scully e ter a certeza de que ela não o está enganando ou descobrir, de uma vez por todas, que, após passado tanto tempo sem ter ninguém, repentinamente apaixonara-se por alguém mais interessnte do que um "estranho" colega de trabalho.

Sente-se revoltado e mais que tudo, frustrado num sentimento da mais profunda tristeza no seu coração. O ciúme o deixa arrasado.

Deprimido, chega até a frente do prédio de onde acabara de sair.

Consulta sua consciência e esta dá-lhe a idéia de traçar um plano: ficar de vigília, próximo ao prédio por quanto tempo necessitasse.

Torna-se algo da maior importância esse procedimento.

Assim poderia vigiar qualquer coisa que acontecesse ou... os passos de Scully.

Fica com raiva de si mesmo por estar com pensamentos tão degradantes.

Consulta o relógio de pulso.

Chega até o carro e entra, batendo a porta.

Ajeita-se o mais confortável possível no banco do carro.

Enfia a mão no bolso, dela retirando as sementes de girassol, que entre seus dentes são o alvo de sua impaciência.

Fica atento aos mínimos detalhes da rua.

Um automóvel estaciona ali próximo. Desce dele uma mulher acompanhada de uma criança.

Mulder fecha os olhos, tenso, e apoia a cabeça no encosto do banco.

Uma buzinada longa e insistente o faz olhar para trás, agora.

Vê um carro que carrega dentro quatro jovens fazendo bulha, numa torcida de algum time esportivo, talvez, é o que ele imagina.

Mulder aperta seus maxilares, nervoso.

"Talvez eu esteja perdendo tempo, pois o sujeito falou no telefone que ligaria para confirmar; então não adianta eu estar vigiando... mas... e se não for assim e ele resolver chegar até aqui em casa de Scully?" - seus pensamentos o atordoam.

Resolve continuar na sua vigília.

X x x x x X

Sente as pernas até um pouco dormentes, por estar ali há longo tempo.

Tem um gesto de impaciência, batendo com a mão fechada sobre o volante.

Gira a chave na ignição, ligando o motor.

Um carro passando pelo de Mulder, lentamente aproxima-se mais da entrada do prédio.

Mulder presta mais atenção, agora.

Sente que pode até vibrar de satisfação, neste momento, pois reconhece o homem e é exatamente aquele que está aguardando com tanta ansiedade.

X x x x x X

O homem sai e bate a porta de seu carro.

Segue em frente, com passos vacilantes.

Sobe os degraus da entrada do prédio.

Procura falar com o encarregado da portaria.

Logo depois está frente à porta do apartamento 35, de Scully.

A porta é aberta, lentamente, enquanto Scully, vacilante, com olhar desconfiado, aparece para atender.

- Linda criatura dos meus sonhos! Boa tarde! - ela a cumprimenta, com um sorriso.

- A Agente Scully agradece o seu galante cumprimento, senhor!

O homem ouve a voz masculina vindo por detrás de suas costas.

Volta-se.

- Agente Mulder! - admira-se o intruso.

O sentimento de alívio e agradecimento transparece no olhar de Scully.

Alívio por Mulder ver que, na realidade, aquele homem que ali se apresenta diante deles é um verdadeiro intruso em suas vidas.

E o agradecimento é a Deus por tê-la dado a oportunidade de decifrar aquele mal-entendido, aquele terrível engano, que havia jogado água fria no incêndio da paixão que há entre eles...

- Mas o que é isso, amigo? - reclama Reynold, vendo a cara de poucos amigos do Agente.

Repentinamente, sem que o outro possa prever, Mulder desfecha-lhe um soco sobre a face, o que o faz inclinar-se, cambaleando, para o lado.

- Mulder! - grita Scully.

Reynold passa a mão na face machucada, enquanto seus olhos brilham de ódio.

Porem Mulder não lhe dá sequer tempo para planejar alguma astúcia ou vingança.

Tira o par de algemas do bolso e prende-as aos pulsos de Reynold, que bufa de raiva.

Mulder não dirige o olhar para Scully.

Aos empurrões, leva Reynold à sua frente, no corredor.

Scully entra e tranca a porta atrás de si.

Sente-se enjoada. Seu corpo pesa-lhe sobre as estruturas. Parece-lhe estar carregando um pesado fardo.

"Mulder não falou comigo uma só palavra de compreensão. De repente, pode até imaginar que tenho alguma coisa com aquele homem. Pelo menos, do modo como agiu, fêz-me crer que não acreditou em uma só palavra do que já lhe contei." - pensa ela.

X x x x x X

Scully estivera todo o resto da tarde tentando ocupar-se com alguma coisa a fazer dentro do seu apartamento.

Olha o relógio sobre a mesinha do quarto: nove horas da noite.

Ela começa a sentir um terrível sentimento de solidão a ameaça-la.

"E se Mulder, depois disso tudo, achar que eu receberia aquele homem e o trataria como um..."

Resolve eliminar de sua mente tal hipótese.

Não deve pensar assim.

Ou será que é isso mesmo?

Afinal, ele afastou-se dela sem nem um sorriso de complacência...!

O conflito de emoções e sentimentos continua avassaladoramente tomando conta de sua alma.

X x x x x X

Mulder sai aliviado de dentro do Departamento de Polícia, onde estivera interrogando Reynold.

"Scully gostará de saber que o cara foi preso mesmo, porque já estava sendo procurado pela Polícia.

Mas... e se ela não estiver de acordo com o que se sucedeu? Se pensar mesmo que está gostando do sujeito?

Mas... oh, Deus! Por que tenho pensamentos tão negros assim? A minha Scully não tem nada com esse homem! Mas... mas será que não tem, mesmo? Então por que não exultou quando me viu prendê-lo? Parece até ter ficado pesarosa pelo fato!"

Dentro de sua mente os pensamentos embaraçam-se, tolhendo os bons propósitos que poderia haver no seu coração.

Toma o carro.

Leva-o em direção ao apartamento de Scully.

Após longos minutos chega ao seu destino.

Bate à porta.

Scully não aparece.

Novamente dá as habituais pancadinhas.

Nada acontece.

Tira do bolso suas chaves.

Gira uma na fechadura e abre a porta, suavemente.

Tudo está escuro na sala.

Fecha a porta por dentro, sem ruídos.

Caminha mais para dentro e vê que a cálida luz do abajur do quarto está acesa.

Ele entra ali.

Scully está deitada, atravessada de bruços sobre a cama, o rosto sob os braços cruzados à altura da cabeça.

- Scully? - chama.

Ela não responde.

Ele chega mais perto.

- Scully?

Ela movimenta um pouco a cabeça para olhá-lo. Nada fala, porem.

- Eu... sinto muito... - começa ele - Estou vindo de onde deixei o tal cara...

Scully apenas ajeita-se melhor, ficando de lado e voltando o rosto para onde ele não possa divisar sua face.

- Scully...?

- Pode falar. - ela responde, em fraca voz.

- Posso sentar? - ele pede, enquanto vai sentando-se na beira da cama - O tal sujeito é um especialista na arte de assediar belas mulheres que dirigem seus carros, as seduz, maltrata-as e aproveita-se para roubá-las no que pode. Já estava sendo procurado pela Polícia.

- Hum, hum. - é só o que ela murmura.

- Ele conseguiu apossar-se do bilhete, modificou o horário, antecipando-o para as 8 horas pra poder chegar antes de mim... e estar lá com você... e... me confundir...

Ela mantém-se calada.

- Scully?

Ela faz um sinal com a cabeça de que o está ouvindo.

- Me perdoa?

Mulder aguarda, pelo menos um sinal, porem ela não se move, de modo algum.

- Você... não vai me perdoar?

- Claro, Mulder! Eu te perdôo! - ela fala em tom mais alto, porem movimenta-se para esconder o rosto novamente entre os braços cruzados.

- É... - ele toca-a no ombro - ... eu quero que você diga isso olhando pra mim.

- Me deixa por favor, Mulder! Eu não estou me sentindo bem...! - fala, num gemido.

Mulder resolve deitar-se junto, para poder sentir o calor do corpo dela unido ao seu.

Scully não movimenta um só músculo.

- Scully...?

- Fala. - ela responde em voz baixa.

- Quando se ama alguém, Scully, só o simples fato de o imaginarmos com outro, nos faz sentir diminuídos, indecisos, terrivelmente derrotados, a sensação de solidão é horrível... Scully, me perdoa... eu sou um sujeito todo cheio de defeitos, mas... eu te amo, Scully. Nunca duvide disso.

Mulder deposita-lhe um suave beijo na orelha, que é a única parte mais vista ante seus olhos.

Scully ainda assim não se movimenta.

Ele aconchega-se mais e abraça-a, carinhoso.

- Scully, o que seria de mim sem você? Você é o meu tudo...

Ele beija-a agora na face, pois retirara um de seus braços de sobre o rosto que ela escondia.

- Me perdoa a minha desconfiança, Scully... o meu ciúme... a minha insensatez...

Scully sente em sua face a umidade das lágrimas de Mulder.

Volta-se de frente para ele, deixando-se abraçar com todo o calor. Seus corpos ficam unidos num abraço tão ligado, que tornam-se de dois somente um só corpo.

Seus corações batem em uníssono.

Suas lágrimas fundem-se.

Seus soluços confundem-se.

Choram pelo amor e pelo perdão.

"O choro é o último pôrto

das nossas aflições."

Campoamor