UM MERECIDO DESCANSO

"O descanso pertente ao trabalho

como as pálpebras aos olhos."

Rabindranath Tagore

Capítulo 19

Assim abraçados, permanecem por longos minutos, sem nada falar.

Ambos sentem o sacudir do corpo um do outro, devido aos soluços que escapam de seu peito.

Haviam sido horas de muita angústia, muita ansiedade, muito tormento para eles, e, neste momento, portanto, deixam extravasar todo seu desespero em forma de pranto.

Mulder afasta o rosto para contemplar a face de Scully.

O rosto dela, com as faces sulcadas pelas lágrimas, deixa transparecer abatimento.

Mulder afasta docemente os fios de cabelo úmidos pelas lágrimas que haviam ficado por sobre a sua face.

Scully, por sua vez, acaricia ternamente o rosto de Mulder, enxugando com as pontas dos dedos a pele molhada sob os seus olhos.

De seu peito ainda há resquícios de soluços, os quais deixa sair livremente, com um profundo e dobrado suspiro.

Mulder novamente ajeita-se para deitar e cuida, carinhosamente, para que Scully fique da melhor maneira possivel, ajeitando-a sobre a cama. Faz com que ela deite a cabeça sobre seu peito, aconchegando-a bem para junto de si.

Nada falam, ainda. Somente os entrecortados suspiros saem de seu peito.

Sentem que necessitam permanecer unidos, cada vez mais aconchegados, experimentando a gostosa sensação de estarem juntos e em paz.

Mulder continua a afagar-lhe os cabelos devagarinho, sentindo-a a cada minuto mais calma, mais segura e certa de que, ali, ao seu lado, está o homem que sempre a ampara, a ajuda, a ama.

Agora, mantendo os olhos fechados, deixam-se relaxar o corpo, diminuindo, com isso, a tensão que há horas os havia maltratado.

Longos minutos se arrastam.

Scully sente que, aos pouquinhos, a pressão das mãos de Mulder sobre seu corpo vão diminuindo de intensidade e nota que o sono já começa a tomar conta dele.

Por sua vez, percebe que o entorpecimento de seus sentidos já está se fazendo notar.

É o cansaço da noite em vigília que os domina e o sono chega como um bálsamo, para lhes dar o descanso merecido.

X x x x x X

O imenso gramado se estende por centenas de metros à frente, verde e brilhante, diante do hotel.

Um bando de pássaros atravessa o espaço, deixando a ecoar no ar seus trinados.

Lá, bem distante, palmeiras enfileiradas baloiçam suas folhas como num cumprimento a quem as vê, embaladas pela brisa amena que sopra no local.

Mulder, estendido sobre uma espreguiçadeira na sacada da varanda, aperta bem os olhos tentando fitar o sol ofuscante diante de si.

Scully aproxima-se com uma bandeja e dois copos, com algo para beber.

Ajoelha-se junto à cadeira onde Mulder está, colocando-lhe à boca um canudinho que está no copo.

Mulder sorve um pouco do líquido, deliciando-se.

- Bom. O que é?

- Água de côco, Mulder! Não sente?

- Ah! - sorve mais da bebida.

Em poucos segundos esvazia o copo.

- Nossa! Você é rápido!

- Claro, lindinha! Quero mais!

- Não tem mais. Este é meu.

Ela diz isso e começa a tomar calmamente a sua água, apreciando a paisagem que se descortina diante de seus olhos, sem notar, no entanto, que Mulder já levantara e por detrás dela, está pronto para aproximar-se e beber junto, no canudinho.

E é, exatamente, o que faz.

Rapidamente ele toma todo o conteúdo do copo que está nas mãos dela.

- Assim não vale, Mulder!

- Como não? Preciso ficar forte e hidratado!

- É mesmo? Por que?

- Não vou dizer. Você sabe. - murmura, junto aos seus ouvidos.

Scully coloca os dois braços sobre o pescoço de Mulder, entrelaçando os dedos atrás de sua nuca.

Ele abraça-a pela cintura.

Fitam-se, amorosamente.

O olhar azul de Scully funde-se com o olhar verde transparente de Mulder.

Abraçam-se com amor, sentindo-se reciprocamente o calor ardoroso exalando de seus corpos.

- Nós tinhamos mesmo necessidade de vir para um lugar assim, depois de tudo aquilo, não acha?

- Não falemos mais sobre isso, Mulder, por favor!

O ruído da chuva caindo chama a atenção de Mulder, que abre os olhos, ainda com Scully apertada em seus braços.

- Scully?

- Hum?

- Veja. A chuva estragou nossos planos de sair para olhar aí fora.

- É? E você acha que ela estragaria nossos dias de folga? - fala, encostada ao peito dele, sentindo penetrar em suas narinas o delicioso odor do perfume masculino que está concentrado sobre a pele encoberta pela sua camisa.

- Quer sair assim mesmo?

- Por que não? - ela decide.

Abraçados ficam na varanda, apreciando as gotas cintilantes cairem sobre o imenso gramado, como se uma mão invisivel estivesse regando aquela verde imensidão, encharcando a terra, enquanto o sol continua com seu olho dourado, iluminando o espaço sem fim.

- Vamos, então? - sugere Mulder.

Scully desvencilha-se de seus braços para ir até um espelho; ajeita o cabelo, repuxa a blusa.

Ambos deixam o quarto do hotel.

Mulder segura-a por um braço, descendo a grande escadaria com degraus largos de um branco mármore.

Os olhos surpresos de ambos abrem-se de espanto.

Logo ao atingirem o amplo saguão do hotel, podem notar que a chuva fôra-se tão rapidamente quanto chegara.

Fora, o sol levara a melhor e continua brilhante, desafiadoramente clareando todo o imenso gramado.

Mulder toma a mão de Scully e leva-a através das alamedas existentes entre o extenso local.

- Vamos lá adiante. - diz ele.

- Pra onde?

- Até o estábulo.

- Fazer o quê, Mulder?

- Vamos andar a cavalo.

Scully ri, divertida.

- Eu não acredito que você faça isso!

- Tem razão... mas é numa charrete.

- Será divertido. - ela continua rindo.

Já agora aproximam-se do estábulo.

Um solícito homem chega-se até eles.

Após escolherem a forma de como passearem andando na charrete, o homem os ajuda a subirem no rústico veículo, enquanto toma as rédeas do pacato cavalo.

X x x x x X

Haviam parado numa espécie de bosque de árvores de altos e finos troncos.

Caminham lentamente no local, pisando no fofo tapete de folhas amarelas caidas ao chão.

- Foi a melhor coisa que fizemos nestes últimos tempos, hein, Scully?

- Não há dúvida, Mulder. Isso aqui é repousante até em excesso.

Mulder lança um largo sorriso para Scully.

Chega bem próximo, segurando-a pelos ombros e fitando-a docemente:

- Acho que você está é sentindo falta do nosso trabalho! Tanta quietude não lhe faz bem!

Scully segura o seu olhar.

- Tolices, Mulder! Imagine se faço comparações entre isso aqui e suas buscas aos alienígenas, aberrações, coisas bizarras...!

- Psiiiiu! - ele exclama, chamando-lhe a atenção para calar-se.

Um ruído estranho chega até seus ouvidos.

- Ouça! - fala Mulder.

Um ruído seco e repetido de forma rápida, indica que algo está a mover-se perto de seus pés.

- Parece... - inicia Scully, meio amedrontada.

- Chocalho de uma cascavel! - conclui Mulder; ele segura-a pela mão - Fique parada, Scully!

Os olhos dela arregalam-se de pavor.

- De onde está vindo, Mulder?

- Dali. - aponta a direção.

Abrem mais os olhos ao perceberem que, num ponto do solo coberto a maior parte pela imensidade de folhas, algo move-se no lugar.

- Mulder...? - balbucia.

- Fique quieta! - agarra com mais força a mão dela.

Voltando-se mais diretamente para o lado do ruído, percebem, aos poucos, que um pássaro, parecendo estar feliz, bate as asas com rapidez, tendo o diminuto corpo deitado sobre uma pequena poça de água, banhando-se gostosamente, fazendo, assim, o ruído seco que assustara o casal.

Uma risada incontida sai da garganta de Scully, pela inusitda cena.

Mulder também ri.

Abraçam-se felizes e aliviados pela descoberta.

- Acho que estamos traumatizados por causa daquele reverendo de algum tempo atrás, Scully...

- Foi só no que pensei, Mulder! - fala, entre risos.

Seus risos ecoam entre os altíssimos troncos das árvores ao seu redor.

Caminham mais através da trilha no bosque.

- O rapaz disse que o hotel-cabana fica a pouco mais que duzentos metros daqui. - diz Mulder.

- Estou doida pra chegar lá, Mulder; afinal não é todo dia que temos chance de um passeio como esse.

Enquanto seus passos amassam as folhas, seus corpos são iluminados por flashes das résteas de luz do sol que infiltram-se entre as árvores.

O ruído de um regato chama-lhes a atenção e pra lá encaminham-se, agora.

- Veja, Scully!

Ela pára, cruza os braços para apreciar o lugar, soltando um profundo suspiro.

Sobre a superfície da água pequenos peixes dão seus saltos.

Algumas plantas aquáticas balançam-se à força da passagem da água.

Uma infinidade de pequeninas e coloridas flores silvestres enfeitam as margens do regato.

- Ei, assim não, Scully!

- Assim não, o que Mulder?

- Quando você está nessa atitude céptica, é porque está tendo dúvidas do que vê ou ouve.

- Ah, por favor! - ela bate as mãos aos lados do corpo - Eu apenas estou apreciando...

- Ooooopa! - um pequeno animal de pelos passa correndo próximo aos pés de Mulder - Você não vai gritar, Scully?

Ele fica olhando o ágil animalzinho sumindo adiante, entre os troncos das árvores e pequenos arbustos.

- Gritar, por quê? - ela arregala os grandes olhos azuis.

- Porque aquilo parecia um rato!

Ela toma uma atitude imponente:

- Eu não tenho medo de ratos! Não grito à toa!

- Tem certeza, Scully?

Os olhos de Mulder já haviam avistado que, seguindo o primeiro companheiro que já passara, outros dois animaizinhos correm, velozmente em sua direção.

- Aaaaaaah! - grita Scully ao sentir junto a seus pés o roçar dos pequenos animais que passam correndo.

Ela agarra-se a Mulder, realmente assustada.

- Eu pensei ter ouvido você dizer que...

- Não tenho medo de ratos, Mulder!

- Eu acho que deveria ter uma centena deles aqui pra você ficar assim, agarrada em mim.

Scully rapidamente recupera-se do medo e afasta-se de Mulder, fazendo-se forte.

- Ah, está se fazendo de corajosa, hein? Venha até aqui! - abre os braços, chamando-a

Scully apenas solta um muxôxo e diz:

- Ah, vamos andando, Mulder!

- Tá ok, tá ok! Quando chegar ao hotel, me aguarde!

Scully lança-lhe um olhar sensual.

Um alarido de diversas outras pessoas caminhando na mesma direção, fazem com que eles também prossigam sua caminhada.

X x x x x X

As chamas na lareira ardem crepitantes, transmitindo ao ambiente uma gostosa sensação de quentura.

O chão, coberto com grosso tapete felpudo torna-se um aconchegante lugar para repouso.

Nas rústicas paredes, apliques equipados com lâmpadas de fraca luz, iluminam cálidamente o ambiente.

Contrastando com todo esse rústico cenário, uma moderna TV instalada na parede serve para distração de Mulder, que, deitado no chão, apoiado em almofadões, observa as imagens passando pela tela. Suas pálpebras parecem pesar-lhe nos olhos.

- Mulder!

Ele ouve Scully chamar, chegando até ele.

- Pelo que vejo você está com sono. - ela fala, ajoelhando-se ao lado dele, no chão.

- Não acredite nisso, Scully.

Ela ri.

- Estou vendo seus olhos quase fechados, Mulder...!

- Então venha para cá, animar-me um pouco, Scully!

Ela deita-se ao seu lado.

Aninha-se entre os braços dele, que lhe cingem o corpo quente.

- Quer que desligue a TV? - pergunta com o controle remoto na mão.

- Não.

- Por que, não? Você vai dormir, mesmo!

Mulder nada fala. Fecha os olhos. Permanece assim.

Scully, acionando o controle, reduz o som do aparelho e mantém-se deitada ao lado dele.

Olha-o com carinho, por vê-lo dormindo. Um frêmito de prazer a faz vibrar, lembrando dos toques macios e quentes de suas mãos.

Uma imensa ternura sai-lhe do coração e pode imaginar quanto sofrimento um simples engano provocara, e que havia causado em suas almas um conflito angustiante. Seus olhos dirigem-se para a linha sensual da boca de Mulder, desejando-o com todas as fibras do seu ser.

Subitamente, Mulder joga-se por sobre o corpo de Scully, deslizando os lábios sequiosos sobre seus olhos, nariz...

- Nossa! Eu pensei que estivesse dormindo!

- Não confie em ninguém! - diz ele e procura-lhe os lábios com avidez.

"O beijo é uma estrofe que

duas bocas rimam."

. Coelho Neto