ENFIM... A PAZ!

"Por maiores sacrifícios que se façam,

a paz tudo compensa."

F. de Neufchateau

Capítulo 22

À medida em que vai penetrando no interior da casa, Mulder procura ir acendendo todas as luzes nos seus compartimentos.

Dirige-se para onde tinha ouvido o gemido.

Chega a um exiguo aposento resguardado por apenas uma cortina, onde a senhora Donat encontra-se com o corpo trêmulo de frio, sem nenhum agasalho que lhe aqueça o frágil corpo, com um lençol enrolado servindo de corda para amarrá-la ao pé de uma velha poltrona.

Mulder, imediatamente, livra-a daquela espécie de cativeiro.

A mulher após estar liberta, apenas sorri para dizer:

- O senhor é o investigador que já esteve aqui no ano passado, não é?

- Sou um Agente Federal, senhora, e estive aqui ontem.

- Ah... sei!

Por nenhum momento a mulher queixa-se a Mulder pelo fato de ter estado presa ali .

- Quantas horas ficou aqui assim, senhora?

- Acho que foi uns três dias. - responde e baixa a voz em tom confidencial - Tenho que cumprir a minha sina!

- Sina, senhora? - surpreende-se Mulder.

- Pelos meus pecados, senhor investigador.

Mulder fita, penalizado, a pobre e demente senhora que já não pode concatenar direito suas idéias.

Ao mesmo tempo imagina o quanto existe de maldade no coração de sua neta, a perturbada Betsy.

X x x x x X

Scully, sentada numa cama de hospital, recebendo os curativos pela enfermeira que a atende, encontra-se pálida e abatida pela agressão que havia sofrido.

Subitamente, porem, seu olhar ilumina-se, o que, naturalmente, é notado pela enfermeira.

- O que aconteceu? - pergunta ela, olhando para trás, o lugar onde se dirigia o olhar de Scully.

Vê a bela e imponente figura de Mulder à porta do quarto, olhando amorosamente para Scully.

O rosto da enfermeira expande-se num sorriso:

- Puxa! O senhor deveria já estar aqui desde há 3 horas atrás! Esta moça parece ter ganho alma nova!

Dana estende os braços para receber o abraço de Mulder, que aproxima-se e fala com ternura:

- Como se sente?

- Estou bem; porem ainda com um pouco de dor.

- Ela vai ficar em observação para tirar qualquer dúvida! - interrompe a enfermeira, recomeçando o seu trabalho.

- De jeito nenhum! - retruca Scully.

- Ordem do Doutor Moore! - insiste a enfermeira.

- Pode deixar que eu tomarei conta dessa moça. - avisa Mulder - Ela não fará nenhuma arte.

Scully sorri, embora tenha uma tristeza em suas feições.

- Quero ir embora, Mulder! Eu estou ótima! Não cheguei a sofrer uma concussão. Já fiz exames radiológicos e testes do sistema nervoso central... Está tudo bem!

- Está certo. Eu também quero ir embora! - admite Mulder.

A enfermeira continua cuidando da testa de Scully, cuidadosamente.

Termina, por fim. Afasta-se.

- Espere um pouco, por favor. Só um minuto, enquanto procuro o médico.

Mulder senta-se ao lado de Scully e toma-lhe as mãos.

- Nós vamos embora, sim, logo depois que nos encontrarmos com o Skinner no hotel.

- Mulder, ele veio aqui e me contou...

- O que?

- O Troy Donat, amigo dele, telefonou-lhe de um lugar distante daqui. Está escondido.

- Está o que?

- Escondido mesmo e arrependido! A bela e apaixonada Betsy forçou-o a chamar alguém do FBI para descobrir o paradeiro do seu irmão e exigiu que fosse VOCÊ o Agente a ser chamado. - explica, com ênfase na palavra.

Mulder permanece calado, ouvindo as absurdas explicações de Scully. Diz em seguida:

- E o sumiço de Bruce Donat era uma fraude?

Scully balança afirmativamente a cabeça:

- Ele não está desaparecido, Mulder; propositalmente afastou-se de sua complicada família.

Mulder morde o lábio inferior, contrafeito.

Afinal, aquilo havia sido algo para atormentar ele e Scully, que inclusive correra risco de vida.

Levanta-se e dá alguns passos. Retorna.

Ternamente alisa a face pálida de Scully. Encosta os lábios nos dela.

Passa um braço por sobre seus ombros.

- Scully, as pessoas só tem maldade e egoismo dentro de si. Pense na tragédia que essa moça poderia ter causado por sua estupidez.

Dana assente:

- E você estava certo quando disse ter a impressão de que iriamos ter um grande problema. E tudo por causa de uma ad-mi-ra-do-ra! - diz, pausadamente, com um tom de censura na voz.

Mulder nem sabe o que retrucar.

Scully fita-o profundamente e franzindo os lábios cruza os braços:

- Mulder?

- O que? - levanta o olhar para encontrar o dela.

- E prepare-se para a surpresa.

- Surpresa?

- É. Betsy sabe de todos os detalhes de você... - olha para o teto e suspira - ... ahn... porque sua família tinha parentesco...

- Sim...? - está curioso; levanta as sobrancelhas.

- ... com a Diana Fowley.

Scully repara que a reação de Mulder é de um profundo mal estar.

Ele senta-se vagarosamente na cama, apoiando os punhos fechados sobre o colchão. Parece tenso.

- Mulder?

- O que? - ele não olha para Dana agora.

- Acho que com a morte de Diana, ela gostaria de substitui-la no seu coração...

Mulder levanta a cabeça e fixa com os seus verdes olhos esquadrinhadores a face de Scully.

- Com certeza não acharia espaço...!

X x x x x X

Mulder mantém-se parado diante do aquário.

Os peixinhos coloridos vez em quando chegam até o vidro, colocando a boca contra sua superfície, a fim de raspar os resíduos de alimento que grudam-se às paredes do aquário, parecendo, assim, estar enviando um beijo a quem os está apreciando.

Mulder continua observando-os no seu movimento sem fim, enquanto as pequenas bolhas escapam de suas guelras, perdendo-se na superfície da água.

Scully, sorrateiramente, aproxima-se dele.

Colocando-se nas pontas dos seus pés, fazendo mais altura que os próprios saltos dos sapatos que está usando, chega a boca bem próxima dos ouvidos de Mulder.

- Oi! - sussurra.

Mulder volta-se para trás e agarra-a rápido.

Riem, abraçando-se.

- Já alimentou seus peixinhos?

- Não. - ele afasta-se - Vou fazer isso agora.

Toma em mãos o pequeno recipiente com o alimento.

Scully levanta a tampa do aquário iluminado.

Mulder mantém entre os dedos um pouquinho do alimento em forma de leves e pequeninas escamas.

- Olhe, Scully! Estão com fome mesmo!

- Claro! Passamos dois dias fora!

Ficam, ainda, os dois a observar o incessante movimento dos peixinhos dentro d'água a abocanhar avidamente o alimento.

- Ai...! Com esse frio todo, eles têm que estar assim dentro d'água! - comenta Scully rindo.

Ele agarra-a, fortemente, encostando-a contra seu corpo.

- Está com muito frio?

- Que dúvida!

- Vou aquecê-la, pode deixar! - sussurra, aos seus ouvidos.

- Mulder, estou em convalescença! - protesta, sorrindo.

- Ah, é! - finge admirar-se - Podemos somente ligar o aquecedor!

- Eu prefiro o outro mesmo! - ela ri.

- Scully, você está me saindo uma mulher bem "caliente"!

- Nem mais nem menos! Sou-o na medida certa. - faz uma gesto amuado, cruzando os braços.

- Scully, - ele a embala para um lado e outro - Você é exatamente do jeito que preciso, lindinha!

Ela desprende-se de seus braços.

- Espera aí. Vou fazer um chá pra nós.

Ele senta-se no sofá e liga a TV pelo controle em sua mão.

Fica a observar o programa que apresenta um concurso para bebês.

Há na tela um grande desfile de diversos tipos de bebês e os comentários dos apresentadores chamam a atenção de Mulder, que assiste a exibição das crianças com olhar distante, pensativo.

O alarde feito pelo comentarista chama tambem a atenção de Scully, que, na cozinha, fechando a porta da geladeira, concentra seus pensamentos no programa de TV, cujo som ouve agora.

Chega até a sala onde está Mulder olhando para a tela, e este vendo-a aproximar-se, instintivamente, diminui o som, a fim de evitar que chegasse até os ouvidos de Dana o comentário sobre as crianças.

Scully, porem, já está ali do seu lado e senta-se calada, olhos fixos na TV.

Seu semblante torna-se sério. Nos olhos azuis a tristeza aparece, toldando-lhes a beleza e deixando surgir o brilho causado pelas lágrimas que afloram até eles.

Seu pensamento segue cada bebê rosado e sorridente que é apresentado neste momento pelo programa.

Imagina-se com o seu próprio filhinho nos braços, o que é, para ela, um sonho totalmente irrealizável.

Dentro do seu coração sente-se mal pelo anseio que a perturba neste momento, de se pudesse ter uma criança, o fruto deste grande amor que sente por Mulder.

Este a observa, então.

Vê-la a acompanhar, com os olhos rasos d'água os bebês que surgem na tela.

Mulder toma-lhe a mão e chega-a para junto de si.

Nada falam.

Neste momento o mundo de lágrimas que enchem os olhos de Scully desagua por suas faces, sem que nada as impeça no seu caminho.

Mulder a abraça mais ternamente.

- Não sofra, Scully. Não pode deixar-se levar por essa tristeza todas as vezes que vê uma criança.

- É... - fala chorando - eu devo ser forte, não é o que quer dizer? Não devo pensar... - engole as lágrimas num profundo suspiro - mas é dificil, Mulder, sofrer isso que eu sofro!

- Eu sei, eu sei.

- Não, não sabe o quanto uma mulher sofre, Mulder, quando é igual a mim... não poder gerar um filho, senti-lo crescer dentro de si... sentir seus primeiros movimentos... ah, Mulder...!

- Mas não adianta ficar assim... não sofra, Scully! - ele segura-lhe o queixo, ternamente - Não chore! - faz uma pausa - Aliás, pode chorar, sim... e eu choro junto com você...

Ele fala, na voz quente, pausada, que sempre a encanta e faz amá-lo a cada dia e perceber os sentimentos que Mulder lhe dedica, de carinho e respeito que são muito mais que o amor.

O concurso de bebês continua, mostrando na TV o seu empolgante desenrolar.

Scully tenta enxugar as lágrimas que continuam a cair sobre suas faces.

- Vou mudar de canal...

- Não, Mulder! - ela quer impedi-lo.

Mais um lindo e rosado bebê aparece em close na tela.

Os olhos de Scully aumentam de curiosidade. Novamente passa os dedos sob os olhos, secando a pele molhada.

- Posso mudar...? Hum...? - insiste Mulder, docemente.

- Pode... - concorda, enfim.

Imediatamente Mulder passa para outro canal da TV, com um longo suspiro.

Scully fecha os olhos. As mãos estão sobre o regaço.

Sente uma infinda tristeza queimar dentro do seu coração.

Quanta dor! Quanta amargura! Quanta frustração!

- Vou ver o chá, Mulder. - anuncia, por fim.

Levanta-se para dirigir-se à cozinha. Pára por segundos.

- Mulder?

- Han? - ele responde, jogado displicentemente sobre o sofá.

- Depois do chá...

- O que?

- ... vamos pra minha casa?

Ele a olha curioso:

- Por que?

- Você sabe que lá é que está o meu conforto maior e lá temos as nossas coisas em comum, a maior parte...

- Tudo bem.

Ela retorna seus passos; aproxima-se:

- Você vai ficar zangado?

- Claro que não, Scully! - ele puxa-a pela mão.

- Não... espera! Já venho.

Afasta-se em seguida.

X x x x x X

No conforto aquecido do carro, continuam dirigindo-se para Georgetown.

Do lado de fora uma chuva torrencial atrapalha a visão de Mulder.

Um carro com um afoito motorista ultrapassa e joga muita água em direção do pára brisa, o que faz Mulder ficar sem nenhuma visão da pista que está à sua frente.

Scully assusta-se. Aperta os pés contra o chão do carro, como se estivesse comprimindo os pedais do veículo, num inconsciente desejo de parar ali, rapidamente e livrar-se daquela situação perigosa.

Mulder pragueja, irritado e naturalmente alarmado.

A chuva diminui de intensidade, porem os outros veículos continuam jogando contra o pára brisa do carro de Mulder uma cachoeira d'água amedrontante.

- Felizmente já estamos chegando, Scully.

Após mais alguns minutos atingem seu destino.

Ele estaciona próximo ao prédio, desejando alcançar a entrada da garagem.

Há no local um pequeno número de pessoas discutindo algo e sem decidirem liberar a entrada para os outros veículos.

- Mulder, deixe o carro aqui mesmo. - sugere Scully.

- E você vai sair na chuva assim?

- Ah, estamos tão acostumados, Mulder!

- É verdade. - confirma.

Saem do carro e trancam-no, afastando-se do local, em seguida, enfrentando a chuva.

Entram em casa com as roupas molhadas e os cabelos colados à cabeça.

Scully ri, divertida:

- Mulder, você está horrivel!

- Scully, - diz ele sacudindo as roupas, pisando no tapete da entrada - La Fontaine já dizia:

"Nunca se deve julgar as pessoas pela aparência."

X x x x x X

Mulder está no quarto.

Acende o abajur.

Uma luz amena torna aconchegante o ambiente.

A intimidade do aposento o faz sentir-se bem.

Scully tinha razão. Na verdade, estar no apartamento dela é mais gostoso. Existe o toque de feminilidade em cada ambiente.

Mulder está de pé, junto à janela. Um dos dedos da mão encostando a unha em seus dentes, pensativo.

Scully aproxima-se. Cinge-lhe o corpo pelas costas com seus braços, apertando-o contra si.

- Pensando, Mulder?

Ele segura-lhe os braços, apertando-os contra seu peito.

- Scully... já dizia Voltaire: "Uma coleção de pensamentos deve ser uma farmácia moral onde se encontram remédios para todos os males."

- Mas também diz-se que "O maior número de males de que padece o homem provém do próprio homem."

Scully beija-lhe as costas, com carinho.

Mulder a puxa para vir à sua frente. Aperta-a toda junto de si.

Ela deixa-se envolver, sentindo o pulsar vibrante do coração dele, sua carne clamando pela sua, o poder de sedução dele, que a induz a deixar-se enlevar pela ansiedade e o desejo.

Dana, com o ouvido recostado a seu peito, ouve as ansiosas batidas do coração de Mulder, misturadas ao som de sua voz, vindo do fundo do peito.

Ele segura-lhe o queixo, forçando-lhe com o dedo polegar o lábio inferior e ali, na boca entreaberta de Scully deposita um beijo.

Um beijo ameno, suave, terno, como que um mudo apelo.

E a boca tocada de Scully atende a esse apelo e oferece a ele sua intimidade e suas bocas, então, trocam suas caricias desejosas e exploradoras.

Mulder a carrega para o leito, fazendo-a caminhar ainda entre seus braços longos e fortes. Ele está ofegante, respiração agitada.

Com carinho fá-la deitar sobre os macios lençóis.

Scully sente que todo seu corpo deseja esse homem que até há pouco tempo atrás era somente um colega, um parceiro; e agora é o seu dono, seu amor, seu amante, o seu pecado.

Entrega a ele seu corpo, sua vida até.

Sente o prazer das carnes entumescidas pelo desejo a estremecerem sob o poder do domínio da boca e das mãos de Mulder.

"O pecado mais belo é o que

o coração não confessa."

Camilo Castelo Branco