MELANCOLIA
"A melancolia é uma deusa com os olhos úmidos
de lágrimas; senta-se, cruza os braços e suspira."
Warton
Capítulo 23
A luz suave do ambiente ainda mantém o toque de irreal dentro do quarto.
Somente as sombras projetadas dos corpos do casal movem-se contra a parede clara.
Tudo ali respira suavidade e paixão.
Os gemidos abafados de Scully unem-se à respiração ofegante de Mulder, num inebriante cenário de amor.
Os corpos estremecidos pelo prazer se tocam, se sentem, se unem, se misturam.
- Mulder...! - exclama, num apelo de alegria interior intensa, que a faz romper o contato com o mundo exterior; o êxtase total!
- Te quero, Scully... - sussurra ele, com voz entrecortada.
O resfolegar da respiração de Mulder dentro dos ouvidos de Scully a faz tremular, deliciada.
X x x x x X
Scully olha o relógio na parede.
Parece-lhe não enxergar perfeitamente os ponteiros; tem a impressão de que estão a embaralhar-se diante de sua vista.
Com o bule de vidro da cafeteira na mão, neste momento fica pensativa, parada junto à pia da cozinha, colocando um pouco de açucar na xícara de café.
Uma estranha sensação a faz ter um arrepio.
Sente-se horrivel tão repentinamente, sem entender o porquê. Somente percebe que está sentindo nojo, asco, da aromática bebida que está diante de si, na xícara pousada sobre a pia.
Leva a xícara até os lábios e tenta sorver um pouco do café . Não consegue.
Uma sensação esquisita de um terrível mal-estar toma conta de seu ser.
Sente um leve e breve vazio dentro da cabeça. Tem a impressão de que vai flutuar. Parece que o ar lhe vai faltar por segundos.
- Scully!
Ouve a voz vindo da sala.
- Já vou! - responde, enquanto joga na pia o conteúdo da xícara, enojada.
Mulder já aproxima-se:
- Scully... - ele a vê pálida - ... está sentindo alguma coisa?
- É... acho que alguma coisa no meu estômago não vai bem.
Ele passa a mão sobre seus ombros.
- Fez café?
- Sim. Ia lhe levar um pouco. - pega uma xícara para o servir.
Enquanto segura a xícara, a fumaça da quente bebida chega até suas narinas, causando o estranho enjôo, que volta à tona, novamente.
- O que é, Scully?
- Acho que hoje não estou muito bem, Mulder.
- Tome um cafezinho que melhora. - sugere.
- De jeito nenhum! - ela faz uma cara de nojo.
Mulder ri, divertido com a fisionomia contraida que ela faz.
Toma o seu café, vagarosamente, observando Scully com olhar terno.
- Scully, a que horas o Skinner falou que deveríamos estar na reunião?
- Às nove horas.
- E o que fazemos ainda aqui? - olha o relógio de pulso - É tarde, já!
Scully afasta-se, a fim de arrumar-se.
Mulder, após sorver vagarosamente o restante do café na xícara, dirige-se à sala.
Fica perto da janela. Vê o deslumbrante sol lá fora. Nota que pode trajar uma roupa mais leve, devido ao clima estar ameno.
- Scully, olha a hora! - chama.
Ela não responde, porem.
Mulder vai até o quarto e a encontra sentada na beira da cama, olhar parado fixo no piso, pensativa.
Ele aproxima-se com um semblante preocupado:
- O que houve, Scully? Por que não me diz?
- Eu já disse, Mulder. Não estou muito bem.
Ele senta-se ao seu lado:
- Precisa me contar o que, realmente, se passa nessa cabecinha...
Ela dá um sorriso triste:
- Ah, Mulder, pode ter certeza de que minha cabeça está ótima!
- E então...?
- Então é o que eu lhe disse. É apenas um mal-estar!
- E precisa ficar cismada assim?
- Não estou nada... apenas enjoada. - fala sem um tom definido na voz.
Assim como Scully, Mulder também, repentinamente, sente uma intensa tristeza dentro de seu ser.
Vêm-lhe à mente pensamentos aos borbotões. Não quer aceitá-los e sente-se até um pouco culpado em estar neste momento tendo idéias tão fantasiosas, visto que a mulher que tanto ama encontra-se tristonha, ali ao seu lado.
- Mulder... ahn... acho que não vou poder ir a essa reunião.
- Não? - ele levanta-se - Bem, a turma lá vai entender...
- É que, realmente, eu não estou bem.
- Certo, Scully. - ele curva-se para lhe dar um suave beijo nos lábios - Fique aqui e procure melhorar.
Mulder sai, pegando com a ponta dos dedos o paletó no espaldar da cadeira na sala.
Scully o observa com leve sorriso no rosto triste.
Vê o caminhar dele em passos largos e decididos, dirigindo-se para a porta de saída.
X x x x x X
Skinner e os outros Diretores, sentados à grande mesa de reuniões, conversam entre si; ao verem a entrada de Mulder na sala, todos cessam a palestra.
- Agente Mulder? - saúda-o Skinner.
- Bom dia, senhores. - cumprimenta-os.
Os Diretores reiniciam sua conversa informal, enquanto não começa a reunião.
- Ahn... desculpe... - começa Mulder.
Todos dirigem o olhar para ele.
- ... devo avisar que a Agente Scully não poderá vir...
Skinner o observa atentamente:
- Aconteceu alguma coisa, Agente Mulder? Isso não é um procedimento habitual da Agente Scully.
- Não... - interrompe Mulder - ... nada de grave. Apenas ela não está muito bem, hoje.
- Sente-se doente?
- Isso mesmo.
- Ela avisou-o hoje?
- É... avisou-me... pelo telefone hoje cedo.
- Certo. - fala Skinner.
- Bem, senhores... - propõe um dos Diretores - ... vamos iniciar nossa reunião, então.
X x x x x X
Respirando aliviada por estar bem disposta, Scully sente-se no dever de ligar para Mulder.
Toma o celular e digita o número.
Ele atende do outro lado da linha.
- Mulder, sou eu.
- Está melhor agora, Scully? - ele fala com o fone no ouvido, enquanto caminha pelo corredor, no seu passo característico.
- Eu estou ótima, Mulder. Estou indo pra aí.
- Ok. Te espero na sala.
Scully desliga o telefone e coloca-o no bolso do casaco.
Vai para o banheiro, ajeita o cabelo diante do espelho. Percebe a face um pouco pálida. Tenta recompô-la, passando levemente um blush nas maçãs do rosto. Procura um batom em tom um pouco mais pálido, para não destoar muito com a sua tez, hoje mais clara pela palidez.
Apaga a luz do banheiro.
Pára. Permanece na porta por alguns segundos, levando a mão fechada à boca, enquanto engole em seco.
Sente uma espécie de frustração. Está ciente de que tem motivos de sobra para sentir-se feliz, pois já sabe que o homem a quem ama lhe corresponde plenamente.
Mas dentro, lá no fundo, uma melancolia a derrota.
Não sabe definir exatamente o que tem em mente, para sentir-se ainda assim carente.
Se está feliz com o amor de Mulder, o que lhe poderia faltar agora?
Não atreve-se a deixar vir à tona dos seus pensamentos o que está lá dentro do seu coração por um ansioso, mas irrealizável sonho.
Dá um leve tranco com a mão fechada sobre a madeira da porta, que produz um ruído surdo.
Caminha rápida, apanha as chaves de sobre a mesa e sai.
X x x x x X
Mulder está ao telefone, falando com alguém.
Scully entra no escritório e encaminha-se para um dos arquivos que encontra-se aberto. Sobre as demais pastas nessa gaveta uma delas contendo vários relatórios e fotos está exposta.
Scully passa a vista por sobre o assunto ali à mostra. É exatamente sobre o que Mulder está falando no telefone.
Ele, no seu modo informal de ser, está com as pernas esticadas sobre a mesa. Com um lápis à mão, tocando na sua própria face ele continua as explanações com quem está do outro lado da linha.
Scully vira as páginas do relatório, de pé, junto ao arquivo com a gaveta escancarada.
Mulder desliga o telefone.
- Scully, acabei de saber que o nosso caso iniciado lá em Newark vai ser reativado.
- Ahn, ahn... - ela diz, examinando os papéis.
Ele estuda sua fisionomia de pouco entusiasmo.
- O que foi? - quer saber.
Scully faz um gesto com a mão.
- Não tenho nada, Mulder! Apenas sinto-me melancólica hoje. Só isso!
- Scully?
- O que?
- Se não sair desse ar triste eu vou até aí e alegro você ... e você sabe qual a melhor maneira de fazer isso...!
- Não se atreva, Mulder! Estamos no trabalho!
- Então acabe com isso...
Scully o olha, sorrindo.
Mulder, ainda jogado na cadeira, com os pés apoiados sobre a mesa, estica-se o máximo, movimentando a cadeira para trás.
A porta abre-se, repentinamente.
Embora ali ainda de pé, Scully lança um olhar para o recém-chegado, que entra acompanhado.
Mulder, por sua vez, imediatamente retira os pés de sobre a mesa.
- Agente Mulder! - fala um dos homens.
- Olá, Agente Perkins! - saúda-o também Mulder.
O Agente que acabara de chegar indica com a mão o outro que o acompanha.
- Este é o Agente Peter Ausbury, sediado em Porto Rico e está numa missão aqui, nesta temporada.
Mulder levanta-se e aperta a mão de Ausbury.
- Passei aqui somente para revê-lo, pois quando esteve lá em Porto Rico em noventa e quatro eu o conheci. Lembra-se de mim? - pergunta o rapaz.
- Ah, claro! Como está?
Mulder apresenta Scully e em seguida ficam os três homens a conversar.
- Eu era muito jovem na época e agora já formei uma família... - diz Ausbury.
- Ah, é? - fala Mulder, olhando-o sorridente, colocando as mãos na cintura, afastando o paletó.
- ... que em breve aumentará... - continua Ausbury, com ar satisfeito.
- Sei ... - Mulder balança a cabeça e instintivamente olha de soslaio para a direção onde está Scully.
- Minha esposa está esperando um bebê. - conclui Ausbury.
- Parabéns! - exclama Perkins.
- É... - ri, entusiasmado - ... eu também me sinto um tanto... grávido!
Os três homens riem.
Scully mantém-se afastada do grupo, enquanto eles trocam idéias.
Ao ouvir o assunto comentado entre eles, sente um baque no coração.
Um quase incontido desejo de chorar brota-lhe do peito, disparando pela garganta afora.
"Não posso! Meu Deus, não posso! Não aqui!"
Tenta engolir o choro que teima em sair em forma de lágrimas, inundando-lhe o azul de seus olhos.
Volta-se de costas para os homens que conversam de pé no meio da sala.
Com discreção chega mais para junto da mesa, simulando estar remexendo em papéis, qualquer coisa que a faça fingir não estar ouvindo a conversa que a deixa tão deprimida.
Uma gota de lágrima cai no papel que tem às mãos, símbolo da sua tristeza, de seu desejo de uma total felicidade.
Neste momento os visitantes dispõe-se a deixar o escritório. Despedem-se.
Scully olha-os com um leve sorriso nos lábios e alívio no coração por vê-los sairem logo dali.
Os homens saem.
Mulder retorna à mesa de trabalho.
- Vamos almoçar?
- Sim, vamos.
Ele a fita, carinhoso. Aproxima-se e a prende entre os braços.
- Ainda está com esse ar triste...
Scully encosta a cabeça sobre o peito morno e perfumado dele.
- Não tem jeito, Mulder.
- Não dá pra me contar o que tem aí dentro? - toca na cabeça dela com a ponta do seu queixo.
- É só um sonho desfeito.
- Está querendo muito, Scully. Acha que falta ainda muita coisa pra sentir felicidade?
Scully não responde.
O que vai dizer a ele?
Contar todos os seus sonhos e desejos frustrados pelas agruras que a vida lhe impôs?
" A felicidade é como um eco:
responde, mas nunca se aproxima."
Carmem Sylva
