PENSAMENTOS SOB AS ESTRELAS

"O que seriam os desertos da vida sem as

brilhantes miragens de nossos pensamentos!"

Anatole France

Capitulo 24

Nos corredores do FBI Mulder caminha apressadamente. Nas mãos vários papéis estão seguros, parecendo, no entanto, por instantes, que possam soltar-se de entre os dedos do afobado Agente.

Ele desce as escadas rapidamente e entra em sua sala.

- Scully, o esquema já foi feito. Temos que ir agora para a investigação.

- Agora, Mulder? Mas não é um lugar tão longe daqui? Não podemos ir amanhã cedo?

Ele, com rapidez, arruma vários documentos numa pasta.

- Scully, por que questionar? Nós sempre agimos assim...

- Por imposição sua. - completa.

Ele levanta os olhos em sua direção:

- Você está bem, Scully?

Ela volteia o olhar pela sala; faz a gaveta do arquivo deslizar vagarosamente para fechá-la:

- Eu não sei, Mulder.

Mulder bate com uma pilha de papéis na mesa para arrumá-la. Larga-a dentro da pasta. Caminha até onde está Scully.

- Scully, - segura-a pelos ombros - o que há com você?

- O que há como?

- Você está agora sempre queixando-se de alguma coisa...

Ela lança na direção do rosto dele o seu olhar intensamente azul.

- Eu queria saber o que existe por detrás do mistério desse seu olhar, Scully.

- Mistério? - Scully sorri, divertida.

- É sim. Existe algo que você não quer me dizer.

Ela aconchega-se a ele para sentir o calor e a brandura que emana do homem amado.

- Mulder, minha vida é um livro aberto e você a conhece palmo a palmo, até mais do que eu... como no caso da minha infertilidade, da qual você sabia o motivo.

- Ah, não lembre isso, lindinha! Por que você gosta sempre de tocar nesse assunto? - aperta-a mais contra si.

- Mulder... - murmura - ...como eu gostaria mesmo de ter algo pra contar... algo maravilhoso... algo importante pra nós...

- O que, por exemplo?

Ele percebe que a pergunta saira automaticamente de sua boca, mas no âmago do seu sêr entende muito bem o significado das palavras de Scully.

Ela nada mais fala. Mantém-se apertada entre os braços dele.

Um ruído na porta os faz voltar à realidade. Separam-se imediatamente.

A porta abre-se e entra na sala a secretária de Skinner.

X x x x x X

O cair da tarde morno ainda pelo dia completamente ensolarado que fizera, traz em Scully desejos de imaginar-se em um lugar bem diferente de estar ali dentro daquele carro saindo a correr atrás de bandidos, loucos ou extraordinários seres.

Ela mantém os olhos fechados, com a cabeça recostada ao banco.

- Mulder?

- O que? - responde com o olhar atento à estrada.

- Eu gostaria de estar agora sabe como?

- Como?

- No gostoso calor do nosso quarto, cercada pelos paredes protetoras, com somente uma luz suave sobre tudo...

- Nossa, Scully! Isto está demonstrando que você está mudando mesmo!

- Mudando em que? - abre os olhos para encará-lo.

- Em pensamentos, em atitudes que não são compatíveis com o trabalho de uma agente do FBI.

- Mulder... antes de ser qualquer coisa... ahn... uma competente profissional... eu sou mulher...

Mulder a fita com olhar amoroso.

- E como eu sei disso, Scully! - sorri e segura-lhe a mão, apertando-a com calor.

Um grande espaço na estrada, com extensa vegetação rasteira como um gramado natural, que àquela hora já não mostra muito seu verde devido ao anoitecer, descortina-se diante de seus olhos.

Já começa a despontar uma infinidade de pontilhados cintilantes no céu pelo brilho das estrelas.

Mulder diminui a velocidade do veículo.

Scully o olha:

- Será que você está pensando o mesmo que eu?

- Uma paradinha?

- Hum, hum.

Ele faz parar o carro no acostamento.

Saem ambos de dentro dele.

Grandes rochas à beira da estrada e espalhadas pelo gramado parecem convidar à uma parada naquele amplo pedaço da natureza.

Mulder estira os braços para o alto, espreguiçando-se longamente.

Toma Scully pela mão e escolhe um daqueles improvisados bancos para ambos sentarem-se e usufruir o encanto daquela noite enluarada.

De vez em quando o canto de um pássaro noturno ressoa entre as árvores mais distantes.

Sentam-se numa grande pedra achatada.

Ambos olham para o céu, detendo a vista na grandiosidade do espetáculo que se descortina lá no alto.

- A cada vez que vejo a imensidão do céu penso quão diminutos somos nós diante da grandeza do nosso Criador. - comenta Scully.

Seus pensamentos levam-na a permanecer calada e distante.

"Quanta coisa fiz na minha vida da qual me arrependi e quantas outras eu poderia ter feito e mudado todo o curso da minha vida... e assim poder realizar os meus desejos... por que não posso ser totalmente feliz como preciso? Falta algo, além do homem amado, um objetivo ansiado por todas as mulheres... um objetivo que nos satisfaz pessoal e psicológicamente, uma realização que nos leva ao extremo da satisfação. Um prazer imensurável! A realização plena de um desejo que permite possuirmos uma parte de nós, nosso sangue, nossa carne...

Mas eu... eu não posso... foi-me tirada essa faculdade, não por Deus, mas por seres humanos, que no auge do seu egoismo, só tem o desejo de cuidar de sua maligna satisfação pessoal... inimigos de seus próprios semelhantes...

Oh Deus, nem desejo guardar tanto ódio no coração, mas no entanto... ao afirmar isto estou enganando a mim mesma!"

- Scully?

Ela desperta de seus pensamentos.

- Ahn? Eu estava pensando...

Mulder desliza os dedos sobre o rosto triste de Dana.

Ela não está chorando, mas lá, no fundo dos olhos azuis, delineia-se uma profunda melancolia.

Mulder beija os olhos amados com carinho e ternura.

O contato daquela boca a faz sentir-se mais ainda desejosa de poder alcançar os seus intentos, seus sonhos impossiveis... e dá rédeas novamente a seus pensamentos.

"Mulder merece ter o máximo de felicidade; ainda mais porque não tem uma família, não tem ninguém, só tem a mim e eu não posso satisfazê-lo no desejo de... ter um filho que lhe herde as maneiras, as virtudes, os sonhos..."

Scully sente o corpo de Mulder quente, desejoso, transmitindo-lhe amor.

As mãos dele agarram-na, afagam-na, e num ímpeto, seguram-na com ardor.

- Scully, acho que o luar e as estrelas me estão dando inspiração... - sussurra.

- Pra que? - pergunta, com a boca presa à pele do pescoço dele.

- Pra te amar... - sussurra.

- Certo, sim... mas quando chegarmos ao nosso destino.

- Tem certeza, lindinha?

- Oh, Mulder, o cenário é lindo, mas pense bem...

Mulder ri, gostosamente, como Scully raramente o vê fazer.

O sorriso de menino que lhe dá um ar ingênuo na fisionomia e lhe faz os olhos pequenos e esquadrinhadores esconderem-se dentro das maçãs do rosto.

- Eu não iria levá-la a um ato de amor aqui nas pedras, Scully!

Continua a rir, divertindo-se com a idéia e com o ponto de vista sempre sensato de sua Scully.

- Ufa! Ainda bem! - ela toma-lhe o rosto entre as mãos.

- Mas não impede de te pedir isso... - ele procura-lhe a boca com sofreguidão.

Scully corresponde com todas as forças do seu amor àquele beijo sob as estrelas.

- Scully... - murmura, encostando os lábios nos dela - ...nós temos que aproveitar o máximo de nosso tempo... - beija-a novamente - ... foi muito tempo Scully... sem te ter... só sofrendo o amargor da espera... - beija-a mais - ... do teu amor... Scully!

Ela corresponde à doce ansiedade daqueles beijos.

Separam os lábios.

Ele aperta-a contra seu peito.

- Scully, se algum dia eu não estiver junto a você...

- Por que me fala isso? Como assim?

- Não por uma opção, mas por forças contrárias à nossa vontade. - continua.

- Mas o que você quer dizer com isso, afinal? Você pensa em me deixar, Mulder?

- Não, não é isso. É um palpite assim, de que algo pode acontecer...

- Pára, Mulder! Que presságio mais fúnebre!

Ele suspira. Volta o olhar para cima.

O céu pontilhado de estrelas e a lua de prata são as únicas testemunhas de suas palavras.

- Não sei... às vezes ataca-me uma intuição... - em voz triste mas com um sorriso meigo volta-se para ela novamente - ... e eu não tenho nada pra te deixar de mim, Scully!

Scully puxa-o para si, apertando-o contra seu corpo. Nada fala. Sua voz está embargada. Um nó sufocante aperta-lhe a garganta. Os pensamentos voltam à sua mente num roldão:

"Por que ele me diz isso? Se tal acontecesse o que seria de minha vida? Como eu ficaria sem Mulder?

E ele diz: " Eu não tenho nada pra te deixar de mim, Scully! "

Deus! Eu não quero pensar mais na minha desesperança! Tira de mim e de Mulder os pensamentos tristes, Deus! Não me deixa chorar mais por meus problemas sem solução. Tira de mim essa tristeza do fundo do meu coração! Eu não quero mais lembrar... de nada mais!"

Scully, com os olhos brilhantes de lágrimas, toca com os dedos a pequena cruz de ouro do cordão no seu pescoço, como que assim possa fazer Deus perceber a necessidade que ela tem de Sua proteção e amparo.

"Os olhos não vêem bem Deus,

senão através das lágrimas."

Victor Hugo