"O medo é um impulso da alma que
se sacode ou cede diante do perigo
real ou imaginário."
La Bruyère
Capítulo 25
Mulder pousa sua mão sobre a de Scully segurando a cruz do cordão de ouro.
- Scully, vamos enxugar essas lágrimas para sempre...? Hum...? Promete...? - beija-lhe a mão que segura o pingente no cordão.
Scully meneia a cabeça afirmativamente.
- E vamos driblar nosso Chefe? - continua Mulder.
- Como assim?
- Quando terminarmos essa missão não voltaremos logo para Washington.
- Não...?
- É... podemos fazer uma viagem, arejar as idéias... antecipar nossas férias, que acha?
- Mulder... não sei!
- O que você não sabe, Scully? Que necessita espairecer um pouco, que precisa restabelecer-se psicológicamente...? Scully olhe, - segura-a contra si - cada vez que você vê um bebê à sua frente , a frustração, a infelicidade vem à tona e torna-a vulnerável, deixa-a atormentada, perturbada, triste, sofrida... há vários dias você está assim.
- Pára, Mulder! - agora ela chora.
- E é por isso que eu quero que saiamos um pouco, viajemos por aí, desfrutemos algo diferente. - segura-lhe o queixo trêmulo - E então?
Scully nada confirma.
Ele a faz levantar-se da rocha e caminham para o carro. Entram nele.
Mulder recomeça a dirigir.
A estrada, de início lentamente, vai aos poucos velozmente sendo engolida pelas rodas.
Scully apoia a cabeça no banco e olha o perfil de Mulder.
Ama-o; adora-o; sente que nele está o seu apoio, a sua força. Ele é a sua própria vida.
Sorrí levemente.
- Obrigada, Mulder.
- De que, Scully? - olha-a sem entender.
- Porque você é...
"Será que devo dizer que ele é o meu apoio, a minha força, minha própria vida?" - pensa.
Conclui, porem:
- ... o meu tudo, Mulder.
Ele joga um pouco a cabeça para o lado e sorri; o sorriso de menino que ela gosta de ver no seu semblante.
- Scully, há duas semanas não sei o que é um verdadeiro descanso! Estou realmente acabado! - diz Mulder, jogando-se na poltrona do quarto de hotel.
- Quanto a mim não é necessário tecer comentários... - retruca Scully dobrando umas roupas e colocando-as numa maleta.
- Scully, já estou resolvido.
- A que?
- Não vamos voltar para Washington.
- Mulder... - ela ensaia dizer.
- Não adianta argumentos, Scully, você sabe que necessitamos ambos esfriar a cabeça, fazer uma higiene mental...
Scully dobra vagarosamente uma peça de roupa, fitando-o
- O que você quer fazer?
- Uma viagem de navio.
- Navio?
- Lembre-se, Scully, nesses últimos dias não temos tido tempo nem para chegarmos perto um do outro... não é terrível?
- Claro! - ela achega-se para ele e beija-o com carinho - E eu sinto falta...
- Eu também. - ele confirma - Então, antes de voltarmos ao Bureau é necessário que façamos algo por nós mesmos, certo? Explicarei a Skinner.
- Hum, hum. - ela concorda.
Ele a abraça ternamente.
- Scully, tivemos um dia cheio, sofrido, cansativo, perigoso, mas hoje tiraremos umas horas pra nós.
- Hum, hum. - é só o que ela faz, enquanto entrega a boca para que ele a beije.
A cortina ondula na janela sob a brisa que sopra mansamente.
Os lençois revolvem-se sob os corpos ardentes.
Os lábios de Scully vão tocando a pele de Mulder, enquanto vai sentindo o odor do peito forte do homem amado.
As mãos dele acariciam-na e sente a quentura que emana da carne desejosa dela.
Não falam. Apenas conseguem manter o ritmo de suas afogueadas respirações.
Como num apelo ela murmura enquanto é acariciada.
- Mulder...
Ele passeia os lábios por seu pescoço, enquanto com as macias pontas dos dedos apalpa suavemente as partes mais sensíveis do corpo dela, atravessando o seu farto decote, procurando com a boca depor todo o seu desejo, como se quisesse sugar dali a seiva de sua própria subsistência, sua vida, o seu sustento.
No auge da paixão seus corpos enlaçam-se, acariciam-se, embalam-se, entregam-se ao climax estonteante do amor.
Seis horas da manhã.
Os dois jogados no leito, displicentemente entregues ao relaxamento do sono.
O tilintar do celular no bolso do casaco de Mulder desperta-os.
- Ah, não! - protesta Mulder, abrindo os olhos.
Espreguiça-se antes de resolver levantar-se para atender a chamada.
Scully movimenta-se na cama e vira-se para cima. Abre os olhos e vê Mulder levantando-se.
- O telefone? - ela pergunta.
- É. Não dão chance pra nada! Isso é hora?
Ele toma o celular. Atende.
- Mulder.
- Agente Mulder? Aqui é o Detetive Parkson. John Parkson, de Leebsgurg, Virginia.
- Sim? E o que deseja?
- Agente Mulder, necessito urgentemente falar-lhe. É sobre um antigo caso que ficou sem solução na época da sua investigação.
- E daí?
- Daí que agora voltou à carga todo o problema sobre o assunto passado e preciso falar-lhe.
- Mas não vai dizer-me do que se trata?
- Sinto muito, Agente. Só pessoalmente mesmo é que posso dar as explicações cabíveis.
- Onde você está?
- Nesta mesma cidade onde você se encontra agora.
- Como conseguiu meu paradeiro?
- Com o seu Diretor Assistente.
- Skinner? Impossível!
- Duvida? Então como eu poderia descobrir o seu celular, Agente Mulder?
- Bem, se quer falar comigo, então venha até o hotel em que estou.
- Não posso, Agente Mulder.
- Não pode? Por que?
- Se eu sair de onde estou, corro perigo de vida. Minha vida está por um fio.
- Está bem, está bem. - pega um papel e uma caneta - Onde posso encontrá-lo?
- Valdorf Street, 50.
- Ok.
Mulder desliga.
Scully o olha curiosa:
- Quem é, Mulder?
- Um cara quer me ver.
- Onde?
- Espera, lindinha; logo te falo.
Entra no banheiro e após minutos sai arrumando a camisa dentro da calça. Chega até Scully, beija-a na ponta do nariz. Coloca o paletó, rapidamente.
Scully senta-se na cama:
- Ei! Onde você vai?
- Fique quietinha aí! Venho logo.
Fala assim, sem sequer voltar-se para trás. Sai, batendo a porta.
- Mulder! - ela ainda arrisca-se a chamar, sabendo que ele não a ouviria.
O sol já se pusera há muitas horas atrás.
Esta noite um ar abafado parece sufocar o espaço onde Dana encontra-se.
Havia chegado da Penitenciária, onde fôra fazer perguntas a um encarcerado e esperara encontrar Mulder já no Hotel.
Já tentara por todos os meios ter um contato com Mulder.
Agora, então começa a preocupar-se. Por que fizera a tolice de esperá-lo? Deveria ter ido com ele ao tal encontro... deveria ter procurado saber onde ele estava indo, antes que saisse de junto dela.
Sente-se angustiada.
Garras de ferro parecem apertar-lhe o coração preocupado.
Toma mais uma vez o celular. Digita o número de Skinner.
- Aqui é a Agente Scully, senhor...
- Sim, Agente Scully. Tudo correndo bem por aí? - fala Skinner do outro lado da linha.
- Senhor Skinner... eu... - sente dificuldade em continuar a falar.
- O que houve, Agente Scully? Scully... você está bem? - ele insiste.
- O Mulder, senhor... não sei do paradeiro dele e pensei que o senhor pudesse me dizer.
- O Agente Mulder? Mas ele não está com você?
- Não... - a voz dela está embargada pelo vontade de chorar - ... ele recebeu um telefonema pela manhã e... até agora não voltou! Não deu notícias! Não sei onde poderia estar. Me diga algo, por favor!
- Eu não sei adiantar-lhe nada sobre isso, Agente Scully. Ele não lhe disse onde ia? Não está investigando o caso junto com você?
- Não... ele... ele falou com uma pessoa que citou seu nome... parece que o senhor o havia mandado procurar o Mulder.
- Meu nome?
- Sim; parece que a pessoa disse a Mulder que estariamos nesta cidade.
- Absurdo completo. Não falei com ninguém a respeito.
- Está certo. Vou desligar, senhor.
- Agente Scully.
- Sim?
- Qualquer coisa que precisar ou souber, me avise.
- Certo, senhor. Obrigada.
Dana desliga o aparelho.
Súbito, o mal-estar que a afligira dias atrás volta: tonteira, enjôo, palpitações.
Leva as mãos à cabeça:
"Meu sistema nervoso começa a demonstrar que meu estado está precário... um estresse..."
São os pensamentos de Dana no momento.
Sai a procurar na maleta de mão algum medicamento que a possa deixar em melhor estado.
Toma um pouco d'água, engolindo um comprimido.
Coloca a mão sobre o peito arfante.
- Mulder! - murmura.
Olha o relógio de pulso marcando 9:45 da noite. Dana pega o casaco, veste-o e, tomando nas mãos as chaves, prepara-se para sair.
Enquanto leva o carro sem uma direção certa, os pensamentos de Dana a deixam em quase desespero.
"Quem estava chamando Mulder àquela hora? E por que ele não me avisou sobre algo, se tivesse que estar até essa hora com o desconhecido? Ele sempre entra em contato comigo a qualquer momento em que ocorre algum fato, alguma coisa que o deixa longe de mim..."
Seus olhos enchem-se de lágrimas. A angústia que lhe acorrenta o coração a deixa fragilizada, triste, levada por pensamentos desesperadamente perigosos.
Tem medo. Medo de que algo ocorrendo com Mulder a faça ficar sem o seu amado, a sua vida...
Lembra-se, subitamente, da frase que ele lhe dissera dias antes:
"Eu não tenho nada pra te deixar de mim, Scully!"
E as palavras dele lembradas agora atormentam-na horrivelmente.
Scully caminha lentamente pelos corredores do FBI.
Está abatida; traz no rosto triste a desolação, a dor, a saudade.
Na sua mente embaralham-se os pensamentos por não entender o que realmente está se passando nestes dias de horror. Uma equipe de agentes estivera em busca de Mulder, sem sucesso, no entanto.
Tudo isso a deixa em ansiosa expectativa de notícias.
Os saltos altos dos sapatos de Scully ressoam sobre o piso frio por onde anda.
Desce os degraus lentamente.
Tem medo de chegar até sua sala de trabalho. Tem medo da reação que possa sentir ao certificar-se que a ausência de Mulder é agora mais do que um simples pensamento, porque é a mais dura e negra realidade.
Retira do bolso a chave. Gira-a na fechadura. A porta abre-se diante de si, parecendo ser a entrada de algum lugar estranho, lúgubre, fantasmagórico, terrível!
A sala está como ela e Mulder haviam deixado.
Ela caminha até a mesa.
Antes pára a observar o poster na parede.
"EU QUERO ACREDITAR"
- Não! Eu não quero acreditar que seja verdade isso que está acontecendo! - quase grita.
As lágrimas afloram aos seus olhos.
Senta-se na cadeira. Sobre os braços dobrados na mesa, ela deita a cabeça e entrega-se ao pranto que a derrota neste momento.
Por vários minutos seu corpo é estremecido pelo choro. Levanta, finalmente a cabeça e olha à sua volta.
Tudo está como antes. Tudo exatamente nos seus devidos lugares.
Ali Mulder caminha no seu andar peculiar jogando os pés; ali ele joga-se displicentemente na cadeira, apoiando os pés sobre a mesa; ali ele diverte-se a atirar para o teto os lápis muito bem apontados que usa como dardos...
Scully fecha os olhos e pode ver os olhos verdes transparentes perscrutantes de Mulder, que parecem querer penetrar até o fundo de sua alma quando a olha; pode vê-lo colocar as mãos à cintura afastando o paletó para trás no seu jeito mais informal de ser; pode até ver o seu sorriso de menino desenhando-se no rosto, com a pele escurecida pela barba aparente, apesar de bem escanhoada.
E, num gemido, Scully deixa-se cair no chão, de joelhos, vencida, tragada pelo mar alucinante da sua desventura.
"A desventura sempre deixa uma porta
aberta para remediar os males que causa."
Montalvo
